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A Segunda Vida de Elara

Capítulo 01 - O Badalar do Sino

O som do sino partiu o silêncio da manhã como uma sentença.

Uma. Duas. Três batidas. Cada badalada ecoava fundo nas paredes úmidas da masmorra, como se vibrassem dentro do peito de Elara. Ela nem precisou contar. Sabia o que significavam.

O príncipe estava morto. E ela seria a próxima.

As correntes em seus pulsos estavam mais pesadas hoje. Talvez fosse ela quem estivesse mais fraca. Cada osso doía, cada ferida latejava como fogo sob a pele. Mas o que mais queimava era o vazio — a dor da acusação.

A mentira.

A traição.

Passos e vozes soaram ao longe, abafados pela pedra antiga. A porta rangeu, arranhando os ouvidos como unha sobre aço. Eles estavam vindo.

Elara não gritou. Não mais.

Sua garganta estava em carne viva de tanto implorar, seca de repetir que era inocente. De chamar — em vão — por qualquer um que ousasse acreditar nela.

Mas ninguém veio. Nem mesmo ele.

O príncipe herdeiro.

A lembrança dele pesou mais do que as correntes. Mesmo distantes, ele sempre fora... gentil. O único entre todos naquela maldita corte que a via com olhos humanos. Um olhar atento. Um sorriso breve. Uma palavra de consolo, quando ninguém mais ousava falar com ela.

Ela nunca o odiou. Nem agora. Como poderia? Ele estava morto agora.

— Eu não fiz isso — sussurrou, pela última vez. O som se perdeu antes de alcançar a parede.

Os passos se aproximavam. Três soldados. Talvez quatro. Ela não se importava mais. Apenas fechou os olhos e sentiu.

O cheiro da pedra molhada. O gosto do sangue seco na boca. A umidade fétida do chão. Tudo estava cravado em seus sentidos.

Seria assim que acabaria?

Sozinha. Esquecida.

A filha do bruxo. A assassina.

Seu pai, ela jamais conheceu. Apenas sussurros — de que era um bruxo perigoso, uma ameaça à linhagem real.

Sua mãe, a princesa, desapareceu cedo demais para deixar lembranças.

Elara foi criada no castelo, mas nunca pertenceu a ele.

Era um rosto sem lugar.

Ignorada por todos. Até pelo próprio avô irmão do rei e seu parente mais próximo.

E por Mardon, seu tio, o maior responsável por tornar sua vida um inferno.

Ela ouvira o nome tantas vezes nas sombras... e agora ele ecoava nos corredores como um veneno enraizado.

“Foi ela. Foi sempre ela. A bastarda indigna.”

Ela ouvira Mardon dizer isso. No salão do conselho. Com uma certeza cruel e um sorriso que se escondia atrás da pose de servo.

O ranger da chave foi o aviso final. A porta se abriu. Um dos soldados se aproximou com olhar frio. Quase cansado.

— Está na hora.

Elara se levantou — ou tentou. O corpo relutava, mas o orgulho a mantinha em pé.

Se iria morrer, não seria rastejando.

As correntes tilintaram ao seu redor enquanto os soldados a arrastavam corredor afora. Ela não chorava mais. As lágrimas haviam secado com a primeira mentira.

Mas, lá dentro, algo teimava em arder. Um nó de dor e desejo:

“Eu só queria... ser vista.”

O sol a cegou. O ar lá fora parecia diferente. Mais frio. Mais leve. O pátio estava lotado. Nobres, soldados, religiosos — e acima de todos, o rei.

Ele não a olhou.

Mas Mardon olhou.

Do alto das escadas, entre os juízes e conselheiros, ele a observava como quem contempla o feliz resultado de um jogo vencido. Satisfeito.

Seus lábios se moveram discretamente:

— Sua morte sela a minha vitória.

O sacerdote ergueu a voz, proclamando os crimes como se fossem as verdades mais absolutas que existiram. A multidão assistia em silêncio.

Alguns a odiavam. Outros apenas desejavam o espetáculo.

E então veio a sentença final:

— Que os deuses a julguem como acharem justo.

Elara ergueu o rosto ao céu. Um azul pálido, quase branco.

Um céu de inverno.

“Se os deuses existem... Qualquer espirito ou ser ... escutem-me agora... interceda.”

Foi quando sentiu. Uma vibração sutil, um arrepio que não vinha do vento.

"Você ainda não terminou, criança..."

A voz não era humana. Não vinha do lado de fora — mas de dentro. Um eco antigo, doce e firme, que parecia conhecê-la.

Elara piscou. Os olhos buscaram ao redor, mas ninguém havia falado.

O som do sino voltou. Mais alto. Mais próximo.

O frio tomou seus dedos. A luz explodiu em branco.

E então... silêncio.

...

O ar voltou com violência. Elara ofegou, o corpo se arqueando como se tivesse emergido de um lago congelado.

O teto acima era de pedra esculpida. A colcha bordada. As cortinas, cor de vinho. O cheiro de flores frescas e tinta.

Ela conhecia aquele quarto.

Cada detalhe. Cada fresta. Cada sombra.

Era seu quarto. O de infância. No castelo.

Sentou-se bruscamente, o coração martelando. As mãos — pequenas. O corpo — frágil, de novo. Tinha voltado.

Tinha voltado.

As lágrimas vieram sem aviso. Não era um sonho. Nem um delírio de morte.

Era uma segunda chance.

E desta vez, ela não seria a vítima.

Não seria esquecida.

Não seria manipulada.

Uma brisa fria soprou as cortinas. E com ela, novamente, a voz:

“Agora, Elara... escolha melhor.”

...꧁༒༻ Fim do Capítulo 1 ༺༒꧂...

Você teria chorado... ou implorado no lugar de Elara?

Me conta nos comentários: ela merecia aquele destino? Quem será que lhe deu uma segunda chance?

Capítulo 02 -Antes da primeira cicatriz

O mundo parecia calmo demais.

Elara ainda estava sentada na cama, as mãos pequenas agarradas aos lençóis como se o tecido fosse a única prova de que aquilo era real. A respiração vinha em ondas curtas e rápidas, como se a qualquer instante o ar fosse sumir de novo, como antes da execução.

Mas não havia dor. Nem gritos. Nem correntes.

Só o canto distante dos pássaros e o perfume de flores novas entrando pela janela entreaberta.

Seu quarto.

As cortinas bordadas com heras douradas, o espelho trincado no canto esquerdo - uma cicatriz que ela mesma deixara ao atirar uma escova anos atrás, em um acesso de raiva silenciosa. Tudo estava ali. Intocado.

Um leve estalo a trouxe de volta. A porta se abriu com cuidado, e por um instante Elara quase esperou ver um soldado, um carrasco... mas não.

Era ela.

- Juno?

A mulher parou no limiar, segurando uma bandeja. Tinha os mesmos olhos gentis, os cabelos ruivos presos em um coque desajeitado e os dedos ainda manchados de tinta, como sempre.

O rosto dela se iluminou ao ver Elara acordada.

- Minha pequena, você acordou!

Juno atravessou o quarto em passos largos e suaves, como se temesse que a menina desaparecesse de novo. Colocou a bandeja sobre a mesa e se ajoelhou diante da cama. - Está tudo bem? Dormiu demais... me deixou preocupada.

Elara apenas olhou para ela. Queria responder. Dizer tantas coisas. Que sentia falta, que havia morrido, que estava de volta. Mas tudo se prendeu na garganta.

- Eu... eu tô aqui - sussurrou.

- Está, sim - Juno sorriu e segurou sua mão com ternura. - Com fome? Trouxe pão com geleia de amoras. Daquelas que você gosta, lembra?

Elara assentiu, tentando engolir o nó na garganta. Aquele era o toque mais próximo de amor que conhecera na infância.

Juno nunca foi só uma babá. Ela era o que mais se aproximava de uma mãe.

- Juno... - a voz saiu fraca, mas firme. - Que dia é hoje?

A mulher arqueou uma sobrancelha, confusa. - Você bateu a cabeça, minha flor? Hoje é dia dezessete do mês de Lírion.

Dezessete de Lírion. O mês das flores.

Elara fechou os olhos. Quase podia ouvir os sinos da primeira vez em que ouvira essa data. Era a primavera antes do seu primeiro baile.

Antes da decepção.

Antes da primeira cicatriz profunda.

- Que ano?

- Oitocentos e setenta e dois da Era Solar, por quê?

Elara ofegou. Estava exatamente onde imaginava. Faltavam sete dias.

Sete dias para o baile de primavera.

- É verdade que... eu posso ir ao baile esse ano? - perguntou, forçando a voz a soar infantil, curiosa.

Juno sorriu. - Mas é claro! Você completou oito anos semana passada, lembra? Vai usar um vestido novo, com cetim azul e bordados de prata. Está animada?

Na outra vida, ela estivera. Muito.

A primeira vez em que poderia andar pelos salões com música, comer doces até passar mal, e talvez - só talvez - ser notada pelo avô ou por algum nobre da corte.

Mas a animação durou pouco. E o motivo ainda doía.

Ela quis aprender a dançar.

Lembrava do salão iluminado, das garotas mais velhas rodopiando graciosamente em pares. Elara se escondeu na sombra de uma pilastra e, quando ninguém olhava, deu alguns passos, imitando os giros com cuidado, tentando parecer leve e encantadora. Por um instante, se sentiu como uma princesa de verdade.

Até esbarrar em Roland, seu primo mais velho. Ele caiu ao chão como se tivesse sido empurrado por um touro.

Os risos foram abafados. Os olhares, afiados.

E então veio ele.

Seu tio Mardon, o principe mais velho . Aquele que sempre a odiou com uma ferocidade silenciosa.

- "Você é uma vergonha," - ele dissera diante de todos, ajudando o filho a se levantar. - "A filha bastarda de uma princesa traidora e de um bruxo qualquer. Acha que pode dançar entre nós?"

As palavras envenenaram o salão como uma praga.

Elara foi arrastada dali.

E no dia seguinte, o rei acatou a sugestão de Mardon:

Ela não iria ao baile.

E quando tentou desobedecer e aparecer mesmo assim...

O castigo a fez desmaiar. Ajoelhada no altar para repensar seus erros, horas sem receber comida ou bebida. Foi o castigo pela única travessura que fez na vida.

- Estou muito animada - mentiu, disfarçando o tremor na voz.

Juno tocou seu rosto, afastando um cacho rebelde da testa.

- Vai ser lindo, meu amor. Dessa vez vai ser tudo perfeito.

Dessa vez.

Sim. Dessa vez seria diferente.

- Posso... - Elara mordeu o lábio. - Posso ver o vestido hoje?

- Pode, claro! - Juno se levantou com um brilho nos olhos. - Vou buscá-lo depois do almoço. Mas agora, precisa comer. E depois, banho. Você cheira a sono.

Elara soltou um riso fraco. Pela primeira vez em muitas vidas, algo nela aquecia.

Enquanto comia as amoras lentamente, os pensamentos fervilhavam.

Tinha sete dias.

Seja lá quem ou que a tivesse trazido de volta, a colocou no início de sua desgraça, bem à tempo de mudar a visão da nobresa sobre ela.

Sete dias.

E desta vez, ela dançaria. Nem que tivesse que virar o castelo de cabeça para baixo.

...꧁༒༻ Fim do Capítulo 2 ༺༒꧂...

Se você voltasse ao passado...  seria para perdoar ou se vingar?

Elara está de volta — e agora, nada será como antes.

Comenta o que você faria no lugar dela!

Capítulo 03 -

O vapor subia da banheira de cobre, envolvendo o quarto como uma névoa quente e adocicada. Elara estava sentada entre as pétalas flutuantes, os joelhos encolhidos contra o peito e os olhos fixos nas próprias mãos.

Pequenas. Frágeis.

De novo.

Era estranho estar naquele corpo outra vez. Sentir os dedos finos demais para empunhar qualquer coisa com firmeza. O mundo ao redor parecia gigantesco.

E cheio de perigos.

Mas dessa vez, ela não era ingênua. Dessa vez, ela lembrava.

Fechou os olhos, e as imagens vieram como uma enxurrada: os corredores frios, os olhares reprovadores, os sussurros maliciosos.

A forma como era sempre vigiada. A maneira como diziam que sua existência envergonhava a coroa.

O avô a ignorava.

Os primos a maltratavam

E o tio...

O tio a odiava.

Não como um inimigo declarado, mas como alguém que coloca obstáculosnas sombras.

Filha de uma princesa que ousou amar um bruxo. Neta de um escândalo que quase manchou a linhagem real.

Elara sabia o que aconteceria nos próximos anos se deixasse tudo seguir como antes. Sabia cada golpe, cada traição silenciosa, cada passo que a levaria de volta à masmorra.

Não permitiria que o ciclo se repetisse.

"Tudo começa com o rei."

Essa era a chave.

Na vida passada, ela mal o conheceu.

Seu tio-avô, o rei Aldren, era um homem silencioso e distante, envolto em camadas de poder e protocolos. Mas havia algo nele... algo que a fazia acreditar que talvez ele tivesse sido um bom homem um dia.

Ela o viu poucas vezes, e sempre de longe.

Mas em uma dessas raras ocasiões, ele a defendeu.

Foi quando descobriu que ela vinha sendo punida por "insolência" após um comentário inocente feito a um visitante nobre.

Na época, Elara já tinha catorze anos e vivia sob constante vigilância de Mardon. O castigo que sofreu foi cruel, e não foi o primeiro.

Mas o rei interveio.

E pela primeira vez, a sombra dos tios recuou.

Tarde demais, claro. O estrago já estava feito.

Mas agora...

Agora, ela podia agir antes.

Abriu os olhos e se forçou a relaxar.

Não podia parecer desesperada. Nem ressentida.

Tinha que ser cuidadosa. Inteligente. Irresistivelmente gentil.

Uma criança educada, sensível e... encantadora.

Uma neta perfeita para um rei que já perdera filhos e irmãos demais.

- Você está quieta demais aí dentro - veio a voz de Juno do lado de fora. - A água vai esfriar, pequena.

- Já estou saindo - respondeu Elara, com uma leveza ensaiada na voz. Saiu da banheira e permitiu que Juno a envolvesse em uma toalha macia, o vapor ainda acariciando sua pele.

Enquanto era vestida, Elara manteve a mente em movimento.

Como se aproxima um rei?

Não poderia simplesmente bater à porta da sala do trono e pedir carinho.

Mas ela lembrava dos horários.

Lembrava que ele passava sempre pelos jardins do sul após o almoço.

Que gostava de observar os jardineiros - e, principalmente, os filhos dos nobres brincando sob a luz do sol.

Se ela estivesse lá... acidentalmente... encantadora e sorridente...

- Juno, posso ir brincar no jardim amanhã? - perguntou com a voz mais doce que encontrou.

A babá pareceu surpresa, mas não hesitou.

- Claro, minha flor. Fico feliz que queira sair. Tem andado tão calada ultimamente.

- Quero ser diferente agora. Quero que todos me vejam de outro jeito.

Juno sorriu, mas havia uma sombra de tristeza nos olhos dela.

- Todos deviam ver você como eu vejo. Mas... não se preocupe com eles. Você é especial, e um dia o mundo inteiro vai saber disso.

Especial.

Essa palavra já foi usada contra ela antes.

Agora, seria sua arma. Afinal, se era pra ser acusada de bruxa, dessa vez ela faria bom uso dessa magia.

Elara olhou pela janela com os olhos brilhando de determinação. Ela era só uma criança.

Mas o rei veria quem ela era de verdade.

E então, os cães que a rodeavam recuariam.

O vento soprou pelas cortinas como um suspiro contido, e uma voz atravessou sua mente — tênue, arranhada pelo tempo, como se viesse de um sonho esquecido:

“Enfim... alguma centelha.”

Elara franziu o cenho, instintivamente olhando ao redor.

Mas o quarto estava vazio.

O rei - seu tio-avô - era um homem austero e reservado, mas Elara sabia algo que poucos recordavam: ele amava profundamente a mãe dela. Não por política, mas por amor sincero. A princesa Amaris, fora sua sobrinha preferida.

Amaris tinha os cabelos cor de cobre queimado, os olhos avelã e o jeito sereno que encantava até os mais duros dos homens. Elara olhou para o espelho e viu sua mãe refletida ali. Ela tinha o mesmo cabelo, quase os mesmos olhos, mas nunca aprendera a usá-los a seu favor. Até agora.

Seu plano havia começado.

꧁༒༻ Fim do Capítulo 3 ༺༒꧂

O que você faria para chamar a atenção de um rei?

Elara escolheu o caminho da estratégia - será que ele vai notar?

Se está gostando da trama, deixa um coração e sua teoria!

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