Era um dia comum. Minha cidade, pequena e afastada, parecia parada no tempo. Cresci cercada por mato e histórias repetidas. Minha mãe vivia dizendo que eu não tinha juízo, e talvez estivesse certa. Tudo o que eu conhecia era a esquina da casa de seu Zé — que, por sinal, sempre estava embriagado.
A verdade é que eu queria mais. Queria conhecer o mundo, viver o novo, me jogar sem freio. Acabara de completar 18 anos, ainda imatura, mas com o peito cheio de vontade. Sentada na porta da casa da Sophia, minha melhor amiga, viajei em pensamentos por tanto tempo que só percebi quando ela chamou minha atenção.
Lá estava ela. Sophia, com seus olhos azuis intensos e cabelo cacheado, me olhava com preocupação.
— Tudo bem, Ana? Estou falando com você faz horas… Aconteceu algo?
— Estou bem, só estava pensando. Em quando vou começar a faculdade… sair daqui. Minha alma clama por algo grande.
— Então vamos juntas. Faço 19 mês que vem. Podemos comemorar na cidade grande, quem sabe conhecer alguém?
— Vamos sim! Vamos começar nossa faculdade de moda… E ainda quero ir no bar 53 novo, aquele que tem karaokê!
— Combinado! Amanhã a gente se fala. Qualquer coisa, chama o Antônio pra ir com você, tá?
— Nem precisa, amiga. Tchau, beijos!
No caminho de volta pra casa, notei que o poste da rua da Maria Eduarda estava apagado — faltou energia de novo. Vi o tio Tonho jantando com a porta escancarada e acenei rápido, sem querer conversa.
Ao chegar em casa, minha mãe, Gabriela, me esperava com um prato de comida e uma xícara de café. Café com arroz. Já pensou? Aqui a gente toma café até pra tentar dormir. Todo mundo viciado em cafeína.
— Ana, não vai desligar a TV? — disse meu pai, com outra xícara de café na mão.
— Já vou, só terminar esse programa. É meu favorito.
Desliguei a TV e fui direto pra cama.
Adormeci rápido, e o sonho veio como um filme antigo. A festa da cidade, as luzes, as músicas, e… ele. Lembro de ver de longe um homem alto, de costas. Sua postura firme chamava atenção. A pele branca refletia a iluminação, o cabelo reluzente. Então, escutei sua voz — grave, misteriosa. Me arrepiei inteira. Como podia um estranho causar tanto?
Acordei assustada. Como alguém que nunca vi direito, que nunca falei, podia estar nos meus sonhos?
Bob, meu cachorro, veio se aproximando com uma estrelinha grudada no pelo. Lambia meu rosto, como se soubesse que eu estava de partida. Será que cachorro sente quando a gente vai embora?
Estava inquieta. Ia sentir falta de casa, da minha mãe, do cheiro de café do meu pai. Mas algo dentro de mim gritava por mudanças. Meu primeiro beijo foi aos 15, com o José, filho da Vilma — e ele nem beijava bem. Depois veio o Pedro, meu paixonite escolar. Minha vida era simples, monótona. E eu queria mais. Muito mais.
Dias depois, fui com Sophia para a cidade grande. Dividíamos um dormitório na faculdade, e nos horários livres eu trabalhava pra ajudar nas despesas. A rotina era nova, assustadora, mas algo dentro de mim sabia: era só o começo
Dias se passaram e Ana foi para a cidade grande com a Sophia, e elas dividiam um dormitório da faculdade, enquanto trabalhava nas horas vagas.
Essa sou eu Ana Fernandes Siqueira, meu edital de moda, vai ser um deslumbre. Ainda realizarei meu sonho e me tornarei uma grande estilista.
A minha faculdade se localizava no centro da cidade, o que tornava mais fácil a nossa chegada, pois era preciso de um único ônibus. Assim que cheguei, me sentia pronta pra tudo, afinal era um novo capítulo da minha vida. Ambição se tornou minha melhor amiga.
Sophia e eu descemos do ônibus e fomos procurar nosso quarto. O campus era enorme, cheio de pilares azuis e uma vista de tirar o fôlego.
— Acabei me distraindo e batendo de frente com a pilastra, olhei para cima e o vi, o motivo de minha tormenta, os meus sonhos intermináveis, minhas noites mal dormidas. Senti meu rosto esquentar ao lembrar de todos os pensamentos nada castos com o homem em minha frente. Me policiei mentalmente por ter me torturado tanto com a sua imagem, agora estava pagando todos os meus pecados.
— Você está bem?
Ana estava paralisada, parecia que tinha visto um fantasma, mas era só seu subconsciente pregando uma peça.
— Ana respondeu tremendo igual vara de bambu.
— Estou sim, obrigada. Senhor?
Prazer, Vitoriano, e qual o seu?
Ana Fernandes…
— Bom, foi um prazer, cuidado.
E saiu às pressas.
Sophia, ao presenciar toda a cena, ficou confusa com a paralisia de sua amiga.
— Amiga, esse é o mesmo cara da festa da cidade que você não tirava os olhos?
— Sim, achei que seria impossível o encontrar novamente.
— Certo, vamos, Ana, ou chegaremos atrasadas, ainda temos a aula, esqueceu? Ou está hipnotizada por aquele bonitão?
— Estou a caminho.
— Ao chegar no dormitório B, se localizaram e deixaram suas coisas, e foram para a sala Sete, que Jorge, escoteiro da turma, estava auxiliando.
Sophia quer ser estilista também, digamos que temos o mesmo gosto.
A aula havia começado, e o assunto era sobre Tipo de corte, sei que tenho um domínio, pois no nosso antigo colégio fazíamos concursos de beleza. A nossa cultura sempre foi de produzirmos tudo. A aula se passou e Sophia e eu fomos no refeitório do campus, estava uma tarde linda com o sol radiante.
— Ana, acho que devemos conhecer a cidade amanhã, o que acha? Já que não temos aula, sempre quis conhecer o museu que fica no Norte.
— Eu adoraria, o museu do Norte é muito elogiado. O que você achou da aula de corte? Fiquei feliz por já ter um tipo de domínio.
— A aula foi excelente, o professor Antônio te olhou muito durante o segundo corte.
— Eu nem percebi, mas então está combinado, iremos amanhã ao museu.
— Você pegou a batata? Está uma delícia, Ana.
— Peguei sim, mas estou sem fome. Vamos voltar para a sala antes que o cheguemos atrasadas.
Chegando na sala, nós fizemos amizade com a Isabella e o Gabriel.
— Isabella, você é da cidade?
— Sou sim, cresci e morei aqui, mas meu sonho é ir para os Estados Unidos e abrir minha franquia de moda “Mademoçele”.
— Que legal, é bom almejar algo grande, nossa felicidade está aí.
— Iniciou a segunda aula, que era sobre como a moda se modificou com o tempo.
— Sophia, acho que esse é meu tema favorito.
— O meu também, Ana. É bom ver os internos da moda com o estilo de cada década.
Vitoriano
— Eu saí às pressas, depois de ajudar ela, cheguei no bordel e já fui tomar minha tequila. Mandei meus capangas continuarem a observar ela.
_E ela nem sabia meu nome. Como pode termos sido prometidos quando ela tinha 2 anos e eu 4? Lembro de meu pai querer nos unir tão cedo, que eu mal sabia falar. Um Vitoriano só casa com um Fernandes. Mas tudo aconteceu tão rápido… Seus verdadeiros pais morreram em um acidente cruel quando ela tinha apenas 2 anos. Ela não entende a responsabilidade de seu nome, e a máfia não perdoa. Seus pais verdadeiros, Vitória e Daniel, eram os donos do segundo império de mafiosos, e no seu último deleito pediram para que ela fosse criada longe de tudo, e que quando tivesse 18 anos, iria ser minha — como foi prometido. Meu pai era melhor amigo de seu pai e, como prometido, ela viveu ausente, sem ninguém saber dela. Ao menos, eu não a vi — a não ser no dia da festa da cidade.
___Eu, Vitoriano Alvez, não aceitava essa união. Iria ser capaz de fazer tudo para ela não acontecer. Ela nunca vai ser dona do maior império que a máfia já viu. Logo vai descobrir que é prometida, e vou fazer de tudo para ela desistir e sumir de nossas vidas.
Já deixei o bordel e fui pra casa de armas. Uma noite sangrenta de acertos de contas. Preciso descontar o ódio do meu destino sendo roubado por aquela meretriz. Não que almejei — fui criado para não sentir isso — mas pensar em relacionamento me abomina. Nunca fui fiel e nem serei. Que se dane as regras da máfia, afinal, serei o Don.
Jean, meu comparsa, chegou:
— Chefe, o cara que estava roubando nosso carregamento de armas chegou. Esse desgraçado tentou fugir, quebrando o próprio braço.
— Cadê esse desgraçado? Ele vai conhecer a fúria de um Don essa noite. Vai implorar por misericórdia.
— Me fala, seu desgraçado, quem te passou essas informações do carregamento? — Se quiser continuar inteiro, eu sugiro que fale agora. Porque nem meus cães terão piedade se eu soltar a coleira. Sabino. Não aceito traições, e não direi novamente.
— Me perdoe! Eles me ameaçaram, eu juro! Mostre misericórdia. Eu o traí apenas uma vez, Vitoriano. Faça o que seu pai faria… Poupe ao menos a vida das minhas filhas.
— Não tem perdão, Sabino. O que você fez ultrapassou todos os limites.
— Vou usar meu velho método — um presente da Itália. Você vai entender por que ninguém me trai impunemente.
Levo comigo um dispositivo antigo, pesado, feito para situações como essa. Não preciso nem usá-lo inteiro. Basta o som… e o medo faz o resto.
— Três segundos, Sabino. Me diga o que quero saber… ou a dor começará pelos lugares que você mais valoriza.
— Vitoriano, por favor… não me machuque… Eu conto! Foi o Eduardo Martins! Ele está por trás de tudo. Tenha piedade…
— Misericórdia não é algo que você encontrará aqui.
Faço um sinal. Ele desaba.
— Mas já que foi sincero… sua partida será rápida.
Um gesto meu, e meus homens encerram tudo.
— Limpem isso.
— Preciso me limpar. Vou embora para meu apartamento. Entro na minha Porsche.
Passo direto para o banho. Estou cheirando droga. Minha maior fonte de renda era o tráfico. O tráfico humano… eu abri mão. Não sou tão sujo assim.
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