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Cartas para o Homem Que Me Matou

O Silêncio da Promessa

Acordei antes do sol nascer. A luz ainda não tocava o céu, mas meu corpo já doía como se o dia tivesse começado há horas. Um aperto insistente no peito me lembrava de que eu ainda estava aqui. Ainda respirava. Ainda esperava.

Virei o rosto para o lado, na esperança de encontrar seu corpo quente ao meu lado, o braço estendido sobre mim, a respiração pesada de quem dorme em paz. Mas o lençol estava intacto. Frio. Intocado.

Ele não dormira comigo — de novo.

Não era novidade. Há meses, Enrico arranjava desculpas: trabalho até tarde, reuniões, viagens de última hora. Começou aos poucos, como quem vai se afastando sem fazer barulho. Primeiro, as ausências. Depois, os silêncios. E por fim, os olhos dele — que já não me enxergavam como antes.

Levantei-me com cuidado, sentindo os músculos protestarem. Não era só cansaço. Era a doença. A mesma que me consumia devagar, silenciosamente, como se sugasse minha força aos poucos, sem pressa. Eu já me acostumara com ela, com a dor constante, com a fadiga. Era o preço que paguei. A consequência de tê-lo salvado.

Ninguém nunca entendeu direito o que aconteceu naquele dia. Enrico foi diagnosticado com uma doença rara, degenerativa, e disseram que não havia cura. Mas eu... eu sabia de algo que a medicina não entendia. Me ofereceram uma escolha, um pacto ancestral, um sacrifício. Eu aceitei. Preferia sofrer eu mesma a vê-lo morrer diante de mim.

E ele prometeu.

Prometeu que nunca me deixaria. Que seria meu para sempre. Que eu seria sua única amada.

Prometeu fidelidade. Amor. Lealdade.

E eu acreditei.

Cruzei o quarto em passos lentos até a penteadeira. A luz da manhã filtrava-se pela fresta da cortina, desenhando sombras no chão. Abri a gaveta e peguei o pequeno frasco de vidro âmbar. O líquido escuro lá dentro era o que me mantinha viva. Um antídoto temporário. Uma pausa na sentença de morte que carregava.

Minha mão tremeu ao destampar o frasco. Coloquei algumas gotas sob a língua e fechei os olhos. A queimação era familiar. A lembrança de que, sem aquilo, eu não passaria dos próximos meses. Talvez nem semanas.

E ele sabia.

Enrico sabia que minha vida dependia daquilo. E mesmo assim…

O celular vibrou em cima do criado-mudo. Uma mensagem.

“Hoje vai ser puxado. Não me espere acordada. Te amo.”

Te amo.

Duas palavras tão vazias. Tão frias.

Encostei o aparelho na mesa com delicadeza e fui até a janela. Lá fora, o mundo acordava devagar. Mas dentro de mim, tudo dormia. Uma apatia que me envolvia por completo. Eu já não sabia mais se sentia raiva, tristeza ou só cansaço. Talvez um pouco de tudo.

Foi então que ouvi um barulho vindo do corredor. Pés descalços. A porta se abriu devagar.

— Clara? — era Júlia, minha melhor amiga. — Você está de pé tão cedo?

Assenti, sem virar o rosto.

— Não dormi muito.

Ela entrou devagar, sentando-se na ponta da cama. Júlia era a única pessoa que sabia. A única que conhecia a verdade sobre minha doença. Sobre o pacto. Sobre tudo. Inclusive... sobre a traição.

— Ele não voltou ontem à noite, né? — ela perguntou, e eu não precisei responder. O silêncio disse tudo.

— Você já decidiu o que vai fazer?

Olhei para ela e pela primeira vez, em semanas, deixei uma lágrima escorrer.

— Sim.

Ela esperou, respeitando meu tempo.

— Vou escrever. — sussurrei. — Cartas.

— Cartas?

— Uma para cada memória. Para cada dor. Para cada vez que ele mentiu. Para cada vez que eu fui deixada de lado. Para cada pedaço de mim que ele destruiu.

Júlia assentiu, os olhos marejados.

— E o que vai fazer com elas?

— Você vai entregar. Quando eu morrer. Uma por uma. A cada mês. Quero que ele leia. Que sinta. Que chore. Que sofra.

Ela se aproximou, segurando minha mão com força.

— E você? O que você vai fazer enquanto isso?

Respirei fundo. Olhei para o céu acinzentado lá fora.

— Esperar. E assistir. Se o destino for mesmo tão cruel quanto parece... ele vai me deixar ver tudo.

O Começo da Ruína

O apartamento onde eu estava cheirava a perfume adocicado demais e café requentado. A luz do sol da manhã atravessava as persianas meio fechadas, desenhando riscos dourados no chão de madeira. A camisola dela, curta demais, deixava os ombros à mostra. Sabrina andava de um lado para o outro, inquieta, como sempre fazia quando queria minha atenção.

Ela falava sobre o ultrassom, sobre a possibilidade de serem gêmeos, sobre o nome dos bebês.

E eu… mal conseguia respirar.

— Você está me ouvindo, amor? — ela perguntou, se encostando na bancada da cozinha com uma caneca nas mãos.

Desviei o olhar da janela e forcei um sorriso.

— Claro.

Mentira.

Eu não conseguia prestar atenção em nada. Desde que ela aparecera naquela festa da empresa, dizendo que ainda me amava, que nunca me esqueceu, minha vida virou um borrão. Uma sequência de encontros escondidos, desculpas para Clara, noites em quartos de hotel onde eu me convencia de que era só tesão. Só desejo antigo. Um impulso.

Mas Sabrina não queria ser apenas um deslize. Ela era insistente. Manipuladora. Sabia o que dizer, onde tocar, como me desarmar.

— Já marquei a próxima consulta. Você vai comigo, né? — ela insistiu, chegando perto, as mãos se enlaçando ao redor da minha cintura. — Promete?

— Prometo. — sussurrei, sentindo o peso da palavra cravar em mim como uma lâmina.

Quantas promessas eu já fiz nessa vida?

Prometi amor eterno à Clara no dia em que ela salvou minha vida. Quando os médicos disseram que eu não tinha saída, que era só uma questão de tempo, ela surgiu com aquela solução mística, quase absurda. Eu não queria aceitar. Mas ela… ela aceitou por mim. Tomou para si a doença. Me tirou da beira da morte. E eu chorei nos braços dela, jurando que nada, nunca, seria mais importante do que ela.

Eu acreditei nisso.

Mas agora… agora Sabrina estava grávida.

— Enrico — ela disse, firme, me puxando de volta para o presente —, eu preciso de você. Isso não é brincadeira. Estou carregando seus filhos.

Filhos.

A palavra me atravessou como uma rajada. Eu sempre quis ser pai. Clara não podia engravidar. A doença a tornara frágil demais para isso. E, mesmo assim, nunca a culpei. Nunca desejei outra mulher só por causa disso… até que Sabrina surgiu com esse desejo cru, instintivo, de me dar aquilo que eu não tinha.

Mas a verdade que eu me recusava a encarar era que, por mais que eu dissesse a mim mesmo que Clara entenderia, que ela era forte, compreensiva, que “ela sabia que eu a amava”...

Nada disso justificava o que eu estava fazendo.

Eu a traía todos os dias.

Com meu corpo.

Com minhas mentiras.

Com meu silêncio.

E pior ainda: estava começando a justificar tudo isso como se fosse “por um bem maior”.

— Preciso que você esteja comigo. De verdade. — Sabrina murmurou, encostando a cabeça em meu peito. — Eu não quero mais me esconder. Estou cansada disso.

Fechei os olhos. Imaginei Clara sozinha em casa. A imagem dela de robe branco, com aquele sorriso sereno mesmo quando estava fraca demais para subir as escadas. A maneira como ela me olhava como se eu fosse tudo pra ela.

E eu era.

Ou fui.

Ou talvez ainda seja, sem merecer.

— Eu vou resolver tudo — prometi outra vez, mais para mim do que para ela. — Só me dá um pouco mais de tempo.

Sabrina assentiu, satisfeita, mas os olhos dela brilhavam com uma espécie de vitória. Ela sabia que tinha me vencido. Sabia que, aos poucos, estava ocupando um espaço que antes era só de Clara.

Naquele mesmo dia, voltei para casa ao entardecer. Clara estava sentada na varanda, enrolada em uma manta. Ela lia um livro com a cabeça ligeiramente inclinada, como sempre fazia quando queria fingir que não me ouvira chegar.

Me aproximei devagar, sentindo um nó se formar na garganta.

— Oi, meu amor.

Ela levantou os olhos para mim e sorriu. Um sorriso gentil. Tranquilo. Seria mais fácil se ela gritasse, se me odiasse, se me confrontasse. Mas ela apenas sorria.

E era isso que me matava.

Sentei ao lado dela. O cheiro do chá de camomila pairava no ar. Ficamos em silêncio por longos minutos. Eu queria dizer algo. Qualquer coisa. Pedir desculpas. Dizer que estava confuso. Que precisava entender o que sentia.

Mas a verdade é que eu sabia exatamente o que estava fazendo. E era covarde demais para parar.

— Te amo. — sussurrei, sem encará-la.

— Eu sei. — ela respondeu baixinho, voltando os olhos para o livro.

Mas havia uma tristeza ali. Um entendimento. Como se ela soubesse. Como se já esperasse que eu fosse capaz de traí-la, mesmo depois de tudo.

Fiquei parado, encarando o horizonte. E pela primeira vez, uma voz dentro de mim sussurrou o que eu vinha evitando:

Você não merece o amor dela.

A noite caiu com um silêncio inquietante. Clara estava no quarto, deitada, os olhos presos no teto como se conversasse com ele. Eu disse que tinha uma reunião. Outra. Como se qualquer desculpa bastasse agora.

Ela apenas assentiu, como sempre fazia. Não cobrava. Não perguntava. Não chorava.

Era como se já soubesse.

Entrei no banheiro, me olhei no espelho e vi a mentira nos meus próprios olhos. Eu estava traindo a mulher que me salvou. Traindo minha promessa. Meu nome. Minha história. E ainda assim…

A mensagem no celular me fez ignorar tudo.

> 📸 Sabrina: “Te esperando. Coloquei sua cor favorita…”

A foto veio em seguida.

Ela estava deitada sobre lençóis vermelhos, com uma lingerie preta colada ao corpo e os cabelos espalhados pelo travesseiro. O olhar dela não pedia. Ordenava. Conhecia todos os meus pontos fracos — especialmente os que eu escondia até de mim mesmo.

Me vesti às pressas. Peguei as chaves, o celular e respirei fundo.

— Amor — disse, voltando ao quarto onde Clara me esperava em silêncio —, fui chamado para uma reunião de última hora. O cliente é dos grandes… pode demorar.

Ela virou o rosto devagar, os olhos cansados me encarando com calma.

— Você vai voltar?

— Claro que vou — menti.

Ela sorriu com os lábios, mas não com os olhos.

— Cuidado com o trânsito, então.

Eu saí sentindo o peso daquela despedida nas costas, mas não me permiti parar. Não naquela noite.

Dirigi como quem foge. Cada farol fechado era um lembrete de que eu ainda podia voltar. Cada curva, um sussurro da consciência tentando me deter. Mas eu ignorei tudo. Estacionei diante do prédio de Sabrina e subi com o coração acelerado.

Ela me recebeu na porta, com um sorriso vitorioso nos lábios e as mãos já puxando minha gravata.

— Você demorou — disse, a voz rouca, os olhos incendiando os meus.

— Clara estava acordada. — confessei, mesmo sem intenção.

— Ela ainda acredita em você? — Sabrina perguntou com escárnio, levando as mãos ao botão da minha camisa.

— Acredita. — murmurei. — E é isso que me mata.

— Então deixa que eu te trago de volta à vida.

Beijei-a com raiva. Com culpa. Com desejo. Um desejo que não era puro, não era bonito — era sujo, egoísta, animalesco. Era como se cada toque dela servisse para apagar, nem que fosse por instantes, a lembrança do que eu estava destruindo.

Caímos no sofá, entre beijos e roupas arrancadas. O corpo dela se moldava ao meu como um vício antigo. Eu conhecia cada curva. Ela sabia exatamente onde me tocar, onde morder, o que dizer. E eu cedia. Cedia porque era mais fácil me perder ali do que encarar a mulher que me esperava em casa com o mesmo amor de sempre.

— Ela vai descobrir um dia — Sabrina disse, ofegante, com os cabelos grudados ao rosto.

— Eu sei.

— E quando descobrir?

Eu fiquei em silêncio.

Porque, no fundo, eu também me perguntava isso. O que aconteceria quando Clara descobrisse? Quando ela soubesse que o homem que ela amou até o fim estava sendo devorado pela própria fraqueza? O que restaria de mim depois disso?

Talvez nada.

Ou talvez o suficiente para me afundar no inferno que eu mesmo criei.

O Começo do Fim

As paredes do consultório pareciam se fechar lentamente ao meu redor. O ar tinha um gosto metálico, e o cheiro de desinfetante grudava na pele como culpa. O médico me olhava com um pesar que eu já conhecia — o mesmo olhar que vi anos atrás, quando diagnosticaram Enrico. Mas agora era a minha sentença. Minha vez de ouvir o veredito.

— Clara… sinto muito. — ele começou, a voz grave e firme, como se quisesse amortecer a dor com neutralidade. — A progressão da doença se acelerou. Seu corpo está começando a rejeitar o remédio. Os exames mostram falência em alguns órgãos… o quadro é irreversível.

Fechei os olhos por um segundo. Só um segundo. Porque encarar aquela realidade de frente doía como se alguém rasgasse meu peito por dentro.

— Quanto tempo?

Ele hesitou. Um segundo a mais do que o necessário.

— Três meses. Talvez um pouco menos, dependendo de como seu organismo reagir.

Três meses.

Noventa dias.

O que alguém faz quando sabe exatamente quanto tempo lhe resta?

Assenti em silêncio, sem chorar. Acho que, no fundo, eu já sabia. Meu corpo gritava por dentro há muito tempo, mesmo quando minha boca ainda insistia em sorrir.

— Quero continuar com o remédio — pedi. — Até o fim. Quero estar consciente.

— Claro. Vamos manter o tratamento de suporte pelo tempo que pudermos.

Peguei a receita com mãos trêmulas e agradeci. Agradeci como se alguém pudesse ser agradecido pela notícia de que está morrendo.

Saí do consultório com passos lentos, abraçada ao próprio corpo como se quisesse me impedir de desmoronar ali, no meio do corredor. O hospital estava movimentado naquela manhã, com gente entrando e saindo de elevadores, funcionários passando com pastas, pacientes em cadeiras de rodas. Uma enfermeira me desejou bom dia. Eu nem respondi.

Andei até o térreo, e então... parei.

Fiquei estática.

Na minha frente, alguns metros adiante, saindo de uma das alas com placas azuis, estavam Enrico e Sabrina.

A área obstétrica.

Ela estava com uma das mãos na barriga e a outra segurando o braço dele, como se o mundo inteiro precisasse ver que estavam juntos. Os dois sorriam. Não aquele sorriso educado e sem graça que se dá por obrigação. Era um sorriso íntimo. Cúmplice.

Ele disse algo ao ouvido dela e ela riu, inclinando-se para beijar o rosto dele. Beijar o meu marido. No hospital onde eu acabara de receber minha sentença de morte.

A visão me atingiu como uma colisão. O chão sob meus pés parecia ter desaparecido. Tudo ao meu redor perdeu som e cor. Foi como cair, cair e continuar caindo, em silêncio, para dentro de mim mesma.

Por um momento, desejei que ele me visse. Que nossos olhos se cruzassem. Que ele se envergonhasse. Mas Enrico passou por mim sem sequer notar minha presença. Tão cego pela euforia da nova vida, que nem percebeu a morte passando por ele.

A morte que ele mesmo plantou.

Vi os dois saírem pela porta automática. Vi Sabrina se inclinar sobre ele como se já pertencesse àquele lugar. Vi a mão dele repousar com naturalidade sobre a barriga dela, como se ali estivesse seu futuro, como se aquilo fosse amor.

E ali eu soube.

Eu estava sozinha.

Sozinha até o fim.

Não corri atrás, não gritei, não chorei. Apenas virei as costas e fui embora.

Mas dentro de mim, alguma coisa nasceu naquele momento.

Uma chama.

Fria.

Clara.

Calculada.

Não era raiva. Nem ciúmes. Era algo mais fundo. Era a certeza de que ele não merecia o perdão. De que a minha história não terminaria apenas com um ponto final silencioso e injusto. Eu não morreria apagada. Eu morreria lembrada. Gravada.

Decidi, ali mesmo, que escreveria a primeira carta naquela noite.

Não para salvá-lo.

Mas para condená-lo.

A noite chegou cedo, como se o mundo inteiro soubesse que havia algo de errado. Lá fora, o vento assobiava pelas frestas da janela, empurrando folhas secas contra o vidro como se quisesse invadir meu quarto e arrancar meus segredos à força.

Mas não havia mais segredos.

Não depois do que vi.

Não depois do que senti.

Enrico ainda não tinha voltado. E eu não me importava mais com as desculpas que ele inventaria. A essa altura, já não havia mais nada que ele pudesse dizer para costurar o que foi rasgado.

Minha alma estava esgarçada.

Minhas forças se esvaíam.

E, ainda assim, havia dentro de mim uma clareza dolorosa: eu precisava deixá-lo com a única coisa que ele nunca seria capaz de fugir.

A verdade.

Caminhei até a cômoda, puxei a gaveta inferior e retirei de lá um maço de papéis e um envelope azul-marinho que sempre me pareceu bonito demais para ser usado. A caneta escorregou entre meus dedos trêmulos, mas eu a segurei com firmeza.

Sentei-me na escrivaninha. O silêncio ao meu redor parecia atento. Quase respeitoso.

Respirei fundo. E escrevi.

---

“Carta 1

Para o homem que me matou,

Você ainda não sabe que me matou. Mas matou.

Não com uma arma. Nem com veneno. Nem mesmo com uma palavra. Você me matou com gestos. Com silêncios. Com ausências calculadas. Com mentiras ditas entre um beijo e outro. Com promessas quebradas enquanto eu dormia do seu lado, acreditando que o amor era suficiente.

Hoje, o médico disse que eu tenho três meses. Três. Não são só números, Enrico. São despedidas. São jantares que nunca teremos, viagens que não vamos fazer, filhos que nunca vou conhecer. São horas que você jogou fora com alguém que não carregou sua dor, não lutou pela sua vida, não dividiu sua febre.

Hoje, eu vi você com ela. Com as mãos na barriga dela, com um sorriso de quem tem o futuro nas mãos. Eu estava a poucos metros de vocês, voltando do consultório onde recebi a sentença. E você… você sequer me viu.

Você salvou seus filhos.

E me deixou morrer sozinha.

E o que dói mais não é a traição. Não é o abandono. É saber que você me deixou morrer em silêncio, achando que estava tudo bem.

Eu poderia gritar. Poderia te odiar. Poderia expor tudo.

Mas escolhi outra coisa.

Escolhi escrever.

Cada carta que você receber, depois que eu partir, será um pedaço de mim. Um pedaço que você destruiu. Mas também será meu grito, minha justiça, minha memória. Você não vai me esquecer, Enrico. Não vai.

Porque, no fim, fui eu quem te amou até o último fio de vida.

E você, quem arrancou cada um deles, um por um.

Com amor,

Ou o que restou dele,

Clara.”

---

Dobrei a carta com cuidado, como quem embala um pedaço do próprio coração. Coloquei no envelope e escrevi a data no canto inferior.

“Entregar uma semana após minha morte.”

Coloquei a carta na caixa de madeira que havia escondido sob a cama. Era uma caixa de memórias antes. Agora, seria uma caixa de justiça. E eu escreveria uma por uma, até meu corpo não aguentar mais segurar uma caneta.

Enrico ainda estava lá fora, vivendo o futuro com outra.

Mas eu…

Eu começava a escrever o fim.

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