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BETWEEN WORLDS

PRÓLOGO

Minha mãe parecia uma princesa, assim como aquelas das histórias em que lia para mim antes de dormir.

Lá estava ela, linda, uma verdadeira "Bela adormecida", mesmo com o seu corpo pálido dentro daquele caixão de madeira.

Sim, ela ainda estava linda!

Ela usava um lindo vestido branco de seda, seus longos cabelos castanhos que desciam pelos ombros estavam bem penteados e de joias ela usava pequenas perolas que eu mesma as escolhi com ela messes atrás.

Isso me fez sorrir por um instante, porque lembrei como ela tinha dito que as pérolas eram delicadas, assim como o amor dela por mim.

Então meu sorriso sumiu.

Por que ela estava usando maquiagem? Ela não precisava! Mesmo deitada ali, minha mãe transbordava uma beleza "Única" de um jeito que nem a tinta daquela maquiagem conseguia imitar.

Agora, no funeral, tudo parecia errado. Eu queria fugir, queria encontrar um canto só meu para chorar, sem ninguém me olhando de longe, mas se eu fosse embora, sabia que se saísse agora, seria a última vez que a veria.

Meu pai segurava a minha mão de uma forma que parecia que não ia me soltar nunca. Seus olhos não saíam da mamãe, ele não dizia nada, só respirava pesado, calado. Eu precisava ser forte, precisava estar ao lado do papai.

Já havíamos nos preparado para isso durante meses, mas nada parecia suficiente. Mamãe sempre me dizia que esse dia chegaria, mas nunca imaginei que seria tão doloroso assim.

Enquanto olhávamos silenciosamente para minha mãe deitada no caixão, reparo que ela estava cercada de rosas vermelhas.

Quem colocou essas flores ali???

Mamãe odiava flores vermelhas! Ela dizia que traziam lembranças ruins, coisas que ela queria esquecer. Um dia perguntei por quê, mas ela sorriu de um jeito triste e mudou de assunto. Eu nunca mais perguntei, agora, olhando para aquelas rosas que eu achava tão lindas, senti raiva, raiva por não ter perguntado de novo, por não saber mais sobre a minha mãe.

Desculpa, mamãe...

Volto a observa ela, tão quieta, com o coração apertado, eu fecho os olhos com força para afastar as lágrimas que vinham, então, em seguida fiz o que mamãe sempre dizia quando algo me deixava triste:

"Respire fundo Allison!"

SENTIMENTOS PROFUNDOS...

...PASSADO...

Foi durante o verão, mês das férias. Foi naquele mês de Julho, onde aos sete anos de idade pude sentir felicidade e tristeza, sentimentos que marcaram toda a minha vida...

Eu senti a mão gelada do meu pai sobre a minha, olhei para os seus olhos castanhos escuros que agora pareciam mais fundos do que nunca, as olheiras estavam visíveis, o rosto dele estava cansado, ambos estavam manchados pelas lágrimas que ele já tinha derrubado.

A sua barba grande, que ele raramente deixava crescer, parecia estranha, era como se fosse um sinal de que algo estava muito errado.

Mamãe sempre dizia que não queria um homem das cavernas em casa, então meu pai sempre se preocupou com sua aparência. Ele sempre foi vaidoso, e foi por isso, que agora ele parecia um príncipe vestido de preto, embora a barba fizesse ele parecer um pouco diferente, como se ele estivesse em um pesadelo...e de certa forma, ele estava!

Ele não era o era o príncipe que eu imaginava dos meus livros. Não havia nada de bonito no seu sofrimento. Meu pai estava ali, com a mesma expressão triste de quando ele me olhava e dizia: "Vai passar, querida." Mas agora, eu sabia que nada disso iria passar.

Já fazia dois dias desde que minha mãe tinha partido. O câncer de pâncreas venceu a luta que ela enfrentou por quase um ano. No início, ela parecia tão forte, era minha mamãe, meu escudo contra o mundo, mais depois ela foi ficando mais fraca, eu percebia, eu sabia que algo estava errado, mesmo quando ela tentava fingir que estava tudo bem.

Eu só queria que mamãe acordasse, queria que ela me dissesse que tudo aquilo era uma brincadeira, que ela estava apenas tirando uma soneca, que meu pai dissesse que estava pronto para salvar a princesa do seu descanso eterno, mas eu sabia que não era uma brincadeira, porque meu pai estava tão sério, tão quieto, ele nunca foi assim, sempre foi brincalhão, aquele que me fazia rir até quando o mundo parecia difícil e agora, ele estava parado, com os olhos fixados nela, como se ele esperasse que ela fosse acordar.

— Eu... eu sinto falta da mamãe... — Eu falei baixo, engolindo o choro, tentando ser forte.

Eu sempre fui forte, não é? ou pelo menos eu tentava ser, mas naquele momento, sentia que minha força estava indo embora, como se a cada respiração, a dor ficasse mais difícil de suportar.

— Eu também querida... — Meu pai sussurrou com uma voz tão baixa e tão cheia de dor.

— Renan! — Um homem alto o chamou, se aproximando de nós.

Ele parecia ainda mais alto que o meu pai, tinha cabelos pretos bagunçados, estava com uma camisa estampada por dentro do paletó preto, o mesmo paletó estava bem grande nele. O homem era estranho, era como se ele tivesse se arrumado às pressas para esta ali.

Senhor, por que não se arrumou direito para o funeral da minha mãe?

O meu pai simplesmente o ignorou assim que seus olhos se encontraram com o dele. Era como se ele não tivesse importância naquele momento, então, meu pai se virou, tentando se concentrar apenas em mim, como se eu fosse a única coisa que ainda poderia mantê-lo em pé naquele momento.

— Você quer ir lá fora com a sua tia? — Ele tocou meu ombro e apontou para a entrada do salão e eu balancei a cabeça, negando.

Tudo o que eu queria, era ficar ali, perto dele, não queria sair, não queria ir para outro lugar, eu só queria ficar com o meu pai. Ele era a única coisa que ainda parecia real.

Ele passou a mão pelo cabelo castanho, bagunçando o penteado que eu havia feito nele mais cedo, tentou se recompor, voltando a me olhar.

— Minha Filha... — Ele me pediu de novo mas dessa vez seu olhar estava mais suave, como se ele estivesse tentando me fazer entender que era para o meu bem, no fim eu concordei, balançando a cabeça e fui em direção a minha tia.

Porquê ele bagunçou o penteado que eu fiz nele?...

Enquanto eu caminhava até as cadeiras na entrada do salão, onde minha tia Kathy estava, vi várias pessoas entrando e saindo, chorando e falando baixinho, todos estavam tristes, algumas tinham o rosto molhado de tanto chorar e quando me olhavam passando, choravam mais ainda.

Fiquei parada um momento, olhando para as pessoas. Eu reconhecia algumas, mas nunca imaginei que tantas pessoas iam vir ao funeral da minha mãe, sempre pensei que ela fosse só minha, mas eu percebia agora o quanto ela era querida, nunca imaginei que tanta gente amava a minha bela adormecida.

Eu olhei de novo para o meu pai. Ele estava falando com aquele homem alto de antes, o que parecia triste também.

Eu abracei bem forte a minha boneca de pano, aquela que minha mãe sempre dizia que era minha "Companheira" pra tudo. Mesmo que ela fosse só uma boneca sempre conseguia me fazer sentir mais segura, me dava um pouco de força.

Continuo andando em direção à minha tia Kathy, ela se parecia muito com a mamãe. Ela tinha o mesmo sorriso, o mesmo jeito calmo, só que o cabelo dela era mais curto e a pele mais bronzeada, ela também era mais velha, mas, mesmo assim, quando eu a olhava, parecia que era a mamãe que estava me abraçando e eu sentia um calor no peito, como se minha mãe estivesse ali, só que um pouquinho diferente.

— Você é tão forte, pequenina... — minha tia disse me abraçando assim que nós aproximamos, sua voz era baixinha e suave.

Eu queria dizer alguma coisa, mas não conseguia, não sabia o que falar, queria chorar, mas sentia que não podia, não ainda. Eu tinha que ser forte, como todos eles estavam sendo.

Já sentada ao seu lado, minha tia pergunta se eu queria comer ou beber algo, simplesmente balancei a cabeça, negando. Não estava com fome nem com sede.

[...]

Eu acabei me lembrando da última vez que mamãe me perguntou o que eu queria de presente de aniversário, lembro que estávamos no hospital em um quarto todo branco, era silencioso e estranho ali.

— Quero algo que me lembre da senhora quando for pro céu... — Eu tinha dito.

Os olhos da mamãe se encherem de lágrimas, eu não queria ter feito ela chorar, naquele momento, eu soube que talvez tivesse pedido algo que não deveria, queria um presente, mas não queria que ela ficasse triste por isso.

Eu lembro que fiquei muito feliz no meu aniversário, havíamos passado a tarde inteira juntas comendo bolo de chocolate e quando ela me deu a boneca de presente eu soube que nunca mais estaria sozinha. Mamãe tinha feito a boneca para mim com suas próprias mãos, mesmo agora, eu ainda podia sentir o seu cheiro na boneca.

Enquanto pensava em tudo isso, fui trazida de volta para a realidade com um barulho alto. Me assustei e olhei na direção do caixão, vi meu pai discutindo com o homem que ele estava conversando antes.

Meu pai estava tão bravo, nunca o vi assim antes, ele sempre foi tão calmo, mas agora ele estava gritando. Eu sentia que algo estava errado, vi várias pessoas correndo para separar os dois, seus rostos estavam cheios de preocupação e surpresa.

— Saia daqui! Agora! — meu pai gritou, sua voz estava alta e cheia de raiva, enquanto tentava se soltar dos braços das pessoas que o seguravam.

— Você não tem esse direito, Renan! Me soltem! — o homem gritou de volta, tentando se soltar das pessoas, elas o arrastaram para a entrada do salão, que ficava na minha direção.

Não sabia o que fazer, nem para onde olhar, só sabia que o meu pai estava tão triste, queria correr até ele e dizer que estava tudo bem, mas não conseguia me mover.

Eu fiquei paralisada quando os olhos do homem encontraram os meus, vi as lágrimas se formando no rosto dele. Ele começou a chorar, e eu não consegui evitar, meu rosto também começou a se molhar com as minhas lágrimas.

Por que eu tô chorando?

ESTOU SENDO FORTE, MAMÃE...

"Às vezes você só percebe a importância de um momento quando ela se torna uma lembrança..."

...PASSADO....

O homem me olhou por mais alguns segundos antes de sussurrar:

— Me desculpa, Allison. — Diz sendo arrastado para fora do salão.

Eu não sabia o porquê que ele estava pedindo desculpas, eu não o conhecia e mesmo assim ele sabia o meu nome, mas como? Por que ele estava chorando? O que ele queria dizer com isso? Eu olhei para meu pai, mas ele não me via, ainda estava furioso em seu próprio mundo.

As lágrimas caíam no meu rosto e por um momento eu me senti como se fosse uma menininha pequena demais para entender tudo aquilo, mas eu já tenho sete anos, já devia intender, não?

O som das pessoas falando alto a respeito, o barulho dos pés no chão, tudo parecia estranho, como se o mundo estivesse virando de cabeça pra baixo, meu coração batia tão rápido, tão forte que parecia que ia pular pra fora da minha boca e eu não conseguia respirar direito.

Sem pensar, corri para uma sala vazia, minha tia me chamava, mas eu não queria escutar, eu só queria sumir, porque aquilo estava me assustando demais.

Nunca vi meu pai assim, tão bravo, e aquele moço...Quem era ele? Por que ele estava gritando? Eu não entendia nada!

Eu me encolhi no cantinho da sala, tentando esconder as lágrimas. Não sabia o que estava acontecendo, só sabia que estava com medo e que a minha mãe não estava ali.

Minutos depois, minha tia Kathy apareceu correndo e parecia tão assustada quanto eu. Quando ela me viu sentada no chão escuro da sala, eu quase podia sentir que ela queria chorar também mas ela não chorou, ela só me olhou com aqueles olhos preocupados.

— Graças a Deus te achei...

Eu não respondi, só me encolhi ainda mais no chão, triste por ter preocupado ela.

Eu não queria fazer isso com a titia...

Ela sentou ao meu lado, ficou quieta, me fazendo companhia. Não falou nada, mas eu sentia que ela estava me entendendo de um jeito que ninguém mais poderia, era como se ela soubesse o que eu estava sentindo.

A sala estava bem vazia e o som da cerimônia de minha mãe parecia distante, como se estivesse acontecendo em outro mundo.

— Venha, querida...

Ela me estendeu os braços e eu olhei pra ela, querendo dizer que não queria voltar agora. Eu só queria ficar ali, no escuro, onde o medo não parecia tão grande, mais no mesmo momento, eu me calei.

Eu precisava de um abraço e naquele momento minha tia me abraçou tão forte que parecia que ela me protegeria do mundo inteiro. Ela começou a fazer carinho na minha cabeça, bem devagar, como se estivesse tentando acalmar todos os meus medos.

— Bota tudo pra fora, pequenina...

As palavras dela me fizeram sentir que eu podia chorar, que eu podia deixar tudo sair e foi o que eu fiz. Chorei, senti um monte de coisas e sabia que minha tia estava ali para me deixar chorar, sem pressa de me dizer que estava tudo bem, porque ela sabia que naquele momento não estava.

Como as coisas poderiam ficar bem se mamãe não estava mais aqui? Como as pessoas podiam continuar suas vidas quando a pessoa que eu mais amava já não estava ali para me abraçar?

Eu fiquei ali, chorando, até que não tivesse mais lágrimas, até que, de algum jeito, me sentisse um pouquinho mais leve. Eu não sabia o que o futuro me esperava, mas ali, no abraço da minha tia, tudo parecia mais seguro.

Minha tia Kathy começou a cantar uma melodia suave e bonita, uma música que logo reconheci. Era a mesma que minha mãe sempre cantava pra mim antes de dormir, aquilo me fez sentir um calorzinho no peito, um pouco de conforto no meio de tanta dor.

— Essa música? Mamãe já cantou pra mim antes... — eu disse baixinho, quase sussurrando.

Minha tia sorriu e bagunçou um pouco o meu cabelo, aquele gesto de carinho dela que sempre me fazia sentir um pouco melhor.

— Imagino que sim, já que essa canção era da sua avó! — ela respondeu com carinho.

— Tia, me conta mais sobre a vovó... — perguntei, curiosa.

Ela parou um momento, ficou um tempo olhando pra cima, como se estivesse pensando, tentando lembrar das palavras certas, depois sorriu sozinha.

— Está bem, vejamos por onde eu começo?...

Ela parecia pensativa, o que me fez dar uma risadinha.

— Pelo começo? — disse tentando brincar um pouco.

Rimos juntas, mesmo com toda a dor, aquele momento foi um alívio e ela respondeu, com um sorriso no rosto.

— Isso Allison, pelo começo! A sua avó...

Ela então começou a contar as histórias sobre a vovó e aos poucos, a sala fria e silenciosa foi se enchendo de lembranças boas das três. Eu imaginei a minha avó, como ela teria sido e me senti um pouco mais conectada com ela, mesmo que eu nunca a tenha conhecido.

Aquelas histórias me fizeram sentir um pouco mais perto da minha mãe, como se um pedacinho dela estivesse ali comigo, naquelas palavras. Eu gostava de ouvir minha tia falar sobre a vovó, mas ao mesmo tempo, eu sentia falta da minha mãe e queria muito que ela estivesse ali. Depois de algum tempo conversando no chão gelado, minha tia disse que era hora de retornamos.

[...]

Mesmo quando retornamos, depois que papai me abraçou e tentou me acalmar, eu não conseguia parar de pensar naquele homem. Suas lágrimas, seu rosto... e aquelas palavras. Ele parecia tão triste e algo na forma como ele me olhou fez meu coração ficar apertado. Eu sabia que tinha algo errado, algo que papai não queria me contar.

Horas depois, o salão pareceu voltar ao silêncio. As pessoas continuavam murmurando, mas era como se o mundo ao meu redor tivesse diminuído, focando apenas no meu pai, na minha tia Kathy e no vazio que as palavras daquele homem deixaram.

Muitas pessoas tinham ido embora e eu estava sentada em um canto com a minha boneca ao lado, estava comendo um pedaço de bolo e observando papai falar com algumas pessoas. Tia Kathy estava ao meu lado, mas ela parecia distraída e cansada.

Ele então se aproxima de Tia Kathy e em um tom bem baixo, ele conversava com ela, mas eu pude ouvir algo como "Cremação" sair de sua boca, sem entender o que eles tanto conversavam retorno a minha atenção ao bolo em minha frente.

— Allison, por que você não vai com a sua tia pra casa descansar? — meu pai sugeriu aproximando-se de mim.

— Você vai ficar papai? — pergunto mastigando o último pedaço do bolo.

— Sim querida, Vou ficar aqui com a sua mãe...— ele diz passando a mão no meu cabelo, ele parecia cansado.

— Vou ficar com o senhor então... — murmurei. — Não quero descansar, também quero ficar com a mamãe!

Papai olhou para mim, surpreso. Ele passou a mão pelo rosto, suspirando profundamente.

— Allison...Você é muito jovem para ficar aqui...vá com a sua tia, querida... __ disse acenando um tchau para um grupo de pessoas que conversou mais cedo, elas estavam indo embora também.

— Eu sou mais forte do que você pensa! — respondi abraçando a minha boneca com força.

Ele pareceu desconcertado com as minhas palavras, mas antes que pudesse responder, Tia Kathy interveio.

— Renan, Iremos ficar um pouco mais... — ela se próxima mais dele e sussurra algumas palavras. — Deixe ela se despedir no seu próprio tempo...

— Está bem... — ele se vira pra mim, com um sorriso triste. — Desculpa querida, Você pode ficar...

Eu estava mais tranquila agora, iria ficar com os meus pais, queria conversar mais com a minha mãe antes de ir embora.

Tinha algo que ainda me perturbava, eu queria esquecer, queria que fosse apenas mais um estranho que apareceu no lugar errado, na hora errada, mas algo nele, no jeito que falou, nos olhos que me olharam, parecia carregar um peso que eu não sabia nomear.

— Quem é aquele moço, papai? — minha voz saiu firme.

Quero saber por que ele pediu desculpas pra mim!

— Ninguém importante! — ele respondeu sem me olhar.

Eu sei que era mentira, ele era importante sim, talvez não para o papai, mas para mamãe e para mim de alguma forma que eu ainda não entendia ele era sim...

Papai suspirou, seus ombros caindo, como se estivesse carregando algo muito pesado. Ele trocou um olhar rápido com minha tia, que apenas balançou a cabeça, como se dissesse: "Você que sabe!", Então ele ficou em silêncio.

—Allison, às vezes as pessoas fazem coisas que machucam outras, mesmo sem querer — ele começou, sua voz calma mas hesitante. — E quando percebem, elas se arrependem e pedem desculpas. Esse homem... Ele só queria se desculpar por algo do passado...

— Mas ele me conhece? Ele conhecia a mamãe? — perguntei, sentindo meu coração acelerar, estava mais confusa do que antes.

Ele demorou para responder. Ficou olhando para o chão, como se as palavras estivessem presas, pesando dentro dele.

— Sim, ele conhecia sua mãe! — respondeu finalmente, sua voz era um pouco mais baixa, quase como se não quisesse que eu ouvisse.

Ele hesitou, tia Kathy se aproximou, colocando a mão no meu ombro, como se quisesse me preparar para algo.

— Allison, ele é... ele é alguém que fez parte da vida da sua mãe, muito tempo atrás — ela disse, finalmente. — Mas ele não é importante para nós agora, o quê importa é que estamos juntos e que vamos ficar bem, entendeu?

Eu queria acreditar nisso, queria que essas palavras fossem suficientes para afastar o nó no meu peito mas a sensação de que algo maior estava escondido não me deixava em paz.

[...]

Horas depois vejo meu pai ainda fixado na sala onde estava minha mãe. Ele estava conversando com outro grupo de pessoas que já estavam indo embora. Concordei com a tia Kathy quando ela disse que era hora de ir, com um sorriso triste. Eu não queria deixar minha mãe, mas sabia que tinha que ir, era como se tudo tivesse ficado muito mais pesado agora para mim.

Era a primeira coisa que eu realmente concordava naquele dia, depois de tudo o que aconteceu, não queria deixar meu pai, mas sentia que ele precisava de espaço e eu também estava cansada. A sensação de estar com minha tia me dava um pouco de alívio.

Antes de irmos embora, eu fiquei mais um tempinho ao lado da mamãe. O quarto estava todo tranquilo, mas eu sentia um cheiro diferente no ar, um cheiro de flores que estavam por toda parte. Era como se as flores estivessem tentando me abraçar também, como se elas quisessem me ajudar a me sentir melhor. Eu falava com a mamãe, mesmo sabendo que ela não podia responder, mas parecia que eu tinha que falar, como se, de algum jeito, ela ainda fosse me ouvir.

— Não se preocupa, mamãe, eu sou forte...— eu disse apertando a boneca de pano que mamãe fez para mim, como se fosse um pedaço dela.

Eu queria muito que a mamãe fosse pro céu em paz, porque eu sabia que ela estava cansada, ela precisava descansar mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim não queria que ela fosse, eu queria que ela ficasse aqui comigo, que ela voltasse a acordar e me chamasse para brincar, para me fazer rir, como sempre, queria que tudo fosse como antes, quando ela estava em casa, quando o dia começava com o cheiro dela me acordando e acabava com o abraço dela. Eu queria mais um dia, só mais um, para ficar com ela e ouvir a sua voz dizendo que tudo ficaria bem.

Olhei para ela, tentando não chorar novamente, mais foi sem sucesso, eu voltei a chorar, estava com medo, medo de nunca mais ver a mamãe, medo de não poder sentir o abraço dela nunca mais, eu tinha tanto medo de que tudo fosse diferente agora, queria acreditar que eu podia ser forte, porque ela sempre me dizia que eu era forte, mas naquele momento, eu não me sentia forte, me sentia pequena, tão pequena que parecia que o mundo estava muito grande e eu não conseguia entender nada.

Com a Tia Kathy ali, perto de mim, eu sabia que era hora de dizer adeus, mais não queria dizer isso, não queria falar as palavras que não tinham volta, mas eu sabia que eu precisava. A mamãe não ia mais acordar, e eu ia ter que aprender a viver sem ela, não queria, mas meu coração me dizia que eu tinha que fazer isso, mesmo que estivesse doendo tanto.

Eu fiquei ali, mais um pouco, olhando para a mamãe e tentando sentir a presença dela de algum jeito. Eu queria que ela me dissesse mais uma vez que eu era a filha mais forte do mundo, mas eu sabia que não podia pedir isso, então, eu olhei para ela, com os olhos cheios de lágrimas, e falei baixinho, quase como um segredo:

— Eu vou ficar bem, mamãe, eu prometo, mais você vai ter que ir, vai descansar, porque eu sei que você está cansada...

Eu não sabia se ela estava ouvindo ou se alguma parte dela ainda estava ali, mas queria que ela soubesse que eu ia tentar, ia tentar ser forte.

[...]

Quando saímos da sala, ainda com a boneca de pano apertada entre as minhas mãos, eu não conseguia parar de pensar nela.

Ela estava indo embora, não queria que ela fosse, sempre foi a minha proteção, meu amor, meu tudo, agora, sem ela, como seria a minha vida? Eu não sabia, mas eu queria acreditar que, de alguma forma, ela ainda estaria comigo.

Eu olhei para Tia Kathy, ela estava olhando para mim com um sorriso triste, como se estivesse sentindo tudo o que eu sentia. Ela não disse nada, só apertou a minha mão, como se soubesse que não precisava de palavras para me acalmar, tentou me confortar, sabia que eu queria que mamãe voltasse, que ela estivesse ali, me abraçando, me dizendo que eu ia ser forte para sempre, mas no fundo, sabíamos que a mamãe não ia voltar.

E, com tudo isso na cabeça, eu ainda apertava minha boneca de pano, como se ela fosse a última coisa que me conectava com a minha mãe. Mesmo com tanta dor, eu queria acreditar que, com o tempo, a saudade iria se transformar em algo que eu conseguiria carregar. Talvez, algum dia, eu entenderia tudo, mais naquele momento eu havia entendido que nem todas as perguntas têm respostas claras, mas que o amor da minha mãe sempre estaria comigo, mesmo que o passado dela ainda fosse um mistério para mim.

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