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Abaixo do Andar 32 - Um Romance Proibido

Capítulo 1

Thiago não sabia mais o que era dormir bem. Tinha passado a noite anterior ajustando o currículo no computador emprestado da Lan House da Vila Rubi. Corrigiu vírgulas, trocou palavras, tentou parecer mais profissional do que se sentia. Mas agora estava ali — na recepção fria da Ferraz Tech, segurando uma pasta plástica azul como se fosse sua única armadura contra o mundo.

Vestia a camisa social mais neutra que conseguiu encontrar num brechó do centro. O sapato apertava, e a calça social deixava claro que ele não pertencia àquele lugar de mármore, vidro e silêncio corporativo. Mas ele estava formado. Lutou por isso. Ninguém tiraria isso dele.

— Próximo, senhor Thiago Andrade — chamou a recepcionista, sem levantar os olhos.

O coração dele deu um salto. Assistente pessoal do CEO. Um cargo que ninguém comum conseguiria. Mas era a única vaga para a qual aceitavam recém-formados. E ele precisava tentar.

Quando entrou na sala de entrevistas, não esperava dar de cara com ele.

Gael Ferraz. Em carne, osso e perfeição cruel. Terno escuro, olhar cortante, mãos cruzadas sobre a mesa. E aquele ar de quem nunca precisou pedir nada na vida — só mandar.

— Achei que lidaria com o RH — Thiago disse, sem pensar.

Gael levantou uma sobrancelha. — Eu prefiro olhar nos olhos de quem vai ficar ao meu lado. Economiza tempo.

A tensão preencheu o ar como um gás invisível.

— Sente-se — ordenou.

Thiago sentou, mas a cadeira parecia menos confortável do que um banco de concreto. Suava. Mas mantinha o queixo erguido. Não ia se curvar. Não mais.

— Você se formou em administração pela UFRB. Trabalhou como entregador. Limpava prédios à noite. Nunca teve uma experiência direta no mundo corporativo. Por que eu deveria contratá-lo?

Thiago respirou fundo. — Porque quem veio de baixo aprende a prestar atenção nos detalhes que vocês costumam ignorar.

Gael o encarou em silêncio por alguns segundos longos demais. Depois, se levantou, foi até a janela e ficou de costas.

— Comece amanhã. Se aguentar uma semana, conversamos de novo.

Thiago piscou. — É sério?

Gael virou-se, finalmente sorrindo — um sorriso pequeno, como se o desafio tivesse acabado de começar.

— Aqui, tudo é sério.

A porta se fechou atrás de Thiago com um estalo seco, e ele desceu os 32 andares como quem volta para a gravidade depois de flutuar por instantes em algo que parecia sonho.

Foi só ao pisar na rua novamente que sentiu o nó na garganta apertar.

O celular vibrou no bolso.

“A sua mãe chorou de novo por tua causa.”

“Você escolheu essa vida suja, agora aguente as consequências.”

“Ainda tem tempo de se arrepender, Thiago.”

Ele apagou as mensagens antes mesmo de terminar de ler. Era sempre assim. Toda semana, um novo sermão. Um novo castigo sem gritos, mas cheio de culpa. Os pais moravam num bairro de classe média alta, tinham um bom carro, uma casa com piscina e um sobrenome respeitável na igreja. Tinham dinheiro — e vergonha do filho gay que decidiu sair de casa aos vinte e um anos com uma mala velha e a dignidade remendada.

A verdade era simples: ele não era pobre por falta de recursos. Era pobre porque escolheu ser livre.

Thiago entrou no pequeno estúdio onde morava, na região do Brás, trancando a porta atrás de si. O lugar era apertado, mal iluminado e cheirava a desinfetante vencido, mas era dele. Não havia crucifixo na parede, nem olhares de julgamento, nem silêncio passivo-agressivo no jantar. Só o barulho dos carros e o ronco distante da cidade que nunca dormia.

Jogou a mochila no sofá e se olhou no espelho rachado da parede.

Os olhos estavam vermelhos, mas vivos.

Gael Ferraz. Aquele homem parecia mais uma estátua do que gente. Frio, calculado, quase cruel. Mas havia algo naquele olhar que Thiago reconhecia. Solidão talvez. Cansaço de se proteger demais.

Ele sorriu de canto, amargo.

— Se você acha que eu sou fraco, Gael… então me espera.

Amanhã começava sua primeira manhã como assistente pessoal do CEO mais temido de São Paulo.

E ele estava pronto pra tudo — menos pra se apaixonar.

Capítulo 2

Thiago não era feio — disso ele sabia.

Mas sua beleza nunca foi fácil, nunca foi óbvia. Era o tipo de rosto que chamava atenção duas quadras depois, quando a memória visual finalmente entendia o que havia ali: olhos escuros que pareciam guardar segredos demais, um maxilar marcado, sobrancelhas firmes, e uma cicatriz quase invisível no supercílio esquerdo, que dava um charme involuntário.

Tinha 1,86m de presença silenciosa. Ombros largos, pele morena de quem cresceu sob sol de verdade, e um corpo definido na medida em que a rotina puxada permitia — não de academia, mas de entrega, corrida e cansaço. Era bonito como quem nunca teve tempo de perceber que era.

Vestia uma camisa branca de manga dobrada, calça social preta e sapatos recém-engraxados. O relógio simples no pulso contrastava com os Rolex que passavam ao redor dele no elevador. Mas estava ali. No andar 32. Pronto ou não.

As portas do elevador se abriram, e tudo cheirava a dinheiro. Vidro temperado, piso de mármore, móveis minimalistas em tons de cinza e branco. O silêncio ali era uma linguagem própria.

Uma mulher loira, de coque apertado e andar preciso, veio em sua direção.

— Você é o novo assistente? — perguntou, sem sorrir.

— Sou, sim. Thiago Andrade.

— Sou Clarissa, secretária executiva do doutor Ferraz. Por enquanto, você vai responder a mim. Quando ele quiser falar com você, vai deixar claro.

Thiago assentiu, mas o estômago já dava sinais de ansiedade.

Clarissa entregou uma pasta. — Aqui estão seus horários, códigos de acesso, procedimentos internos. O doutor Ferraz gosta de café sem açúcar, reuniões com no máximo 30 minutos e pontualidade quase cirúrgica.

— Quase?

Ela sorriu, pela primeira vez. — Ele é cirúrgico. Eu só disse “quase” pra você não desmaiar de medo.

Antes que ele pudesse responder, uma porta de vidro se abriu no fundo do corredor.

E Gael Ferraz apareceu.

Terno cinza-escuro sob medida, 1,92m de postura impecável, barba por fazer, e um olhar que parecia atravessar o tempo. Ele andava como quem tinha o mundo sob os pés. E, de certa forma, tinha.

Parou a poucos passos de Thiago, olhando-o de cima, com olhos frios — mas atentos.

— Veio — disse, como se estivesse surpreso.

— Vim — Thiago respondeu, firme.

— Tem coragem, pelo menos. Vamos ver se tem competência.

E sem esperar resposta, virou-se e entrou em sua sala.

Clarissa lançou um olhar de quem queria dizer “boa sorte”, mas já sabia o resultado.

Thiago respirou fundo. Era só o começo. Mas já dava pra sentir que aquele homem ia ser o maior desafio da sua vida.

E talvez… o mais perigoso também.

Gael Ferraz não contratava por impulso.

Desde os 22, quando assumiu o controle da Ferraz Tech após a morte precoce do pai, aprendeu a tomar decisões com a cabeça — nunca com o coração. O mundo corporativo não dava espaço para sentimentos, dúvidas ou distrações. E ele era bom nisso. Frio, rápido, eficiente.

Foi por isso que, quando viu Thiago entrar na sala de entrevista no dia anterior, sua primeira reação foi de desdém.

Camisa barata, sapato de brechó, olhar duro. Não parecia com nenhum dos assistentes que já teve — todos moldados, domesticados, treinados. Thiago parecia… cru. Selvagem.

E, mesmo assim, ele o contratou.

Agora, sentado na cadeira de couro italiano de sua sala, Gael observava o jovem pela parede de vidro espelhado, enquanto ele recebia orientações de Clarissa.

— Ele é muito alto — murmurou para si mesmo, como se isso explicasse alguma coisa.

1,86. Quase da sua altura. Mas o que chamou atenção não foi isso.

Foi o jeito como Thiago olhou pra ele. Sem bajulação. Sem medo aparente. Como se enxergasse algo além da fachada de CEO.

Isso o incomodou.

Gael namorava há três anos com Helena. Médica, bonita, inteligente, o par ideal para um homem como ele. Tinham planos, estabilidade, jantares de aparências, uma rotina confortável. Nunca teve dúvidas sobre sua orientação sexual — nunca precisou ter. Mulheres sempre foram sua zona segura, previsível. Controlável.

Mas Thiago…

Havia algo naquele rapaz. Não era só beleza — embora ele fosse, de fato, estranho de olhar. Bonito, mas de um jeito que desafiava os padrões. O tipo de beleza que incomoda porque não suplica por aprovação. Estava ali, firme, silenciosa, quase arrogante na própria autenticidade.

Gael se pegou encarando o reflexo dele no vidro de novo. A forma como ele andava. Como falava pouco. Como parecia carregar um peso maior do que sua idade permitia.

E aquilo… atraía.

“Você está cansado, Gael”, pensou. “É só curiosidade. Nada mais.”

Mas a verdade é que pela primeira vez em muito tempo, ele sentia algo que não sabia nomear. E isso o deixava irritado. Muito.

Levantou-se de súbito e saiu da sala.

Ao passar por Thiago, viu de relance a curva do maxilar dele, os olhos firmes, a forma como ele segurava a pasta — como se tudo na vida dependesse daquilo.

Por que ele olha assim?, pensou. Como se me desafiasse sem dizer uma palavra.

Voltou para sua mesa, abriu o notebook, e se forçou a afundar nos números do mercado internacional. Precisava de controle. Precisava de ordem.

Mas Thiago Andrade já tinha se instalado numa parte da mente dele que não aceitava comando.

E Gael odiava perder o controle.

Capítulo 3

O terceiro dia de trabalho começou às 7h42, com Gael entrando na sala sem cumprimentar ninguém, como sempre fazia. Deixou o terno no cabide, tirou o relógio, e estendeu a mão sem olhar.

— Café. Sem açúcar. Agora.

Thiago já estava preparado. Entregou a xícara antes mesmo de o CEO terminar a frase. Ainda assim, ouviu:

— Está muito quente. Você já me viu queimando a língua com café? Eu pareço amador?

— Parece humano — murmurou Thiago, sem querer.

Gael o encarou com a expressão de sempre: tensa, irritadiça, meio entediada. Mas havia algo diferente naquele instante. Uma faísca. Um pequeno estranhamento que reluzia entre a frieza habitual.

— O que disse?

— Nada. Vou ajustar a temperatura.

Era sempre assim. Ordens. Silêncios longos. Respostas cortantes. Olhares que pareciam uma avaliação constante. E Gael, com seu terno impecável e sua boca seca de gentilezas, nunca agradecia por nada.

Mas Thiago não era de se dobrar.

Na sala de reuniões, Gael ditava e Thiago digitava com velocidade. O ritmo era insano. Gael mudava o tom da voz com frequência, exigia precisão, odiava repetições, e tinha uma memória assustadora. Thiago, apesar de estar se saindo bem, ouvia o tempo todo frases como:

— Isso está torto.

— Você sempre respira assim?

— Se não prestar atenção, não dura a semana.

Era exaustivo. E fascinante.

Porque, por mais que odiasse admitir, Thiago sentia algo toda vez que Gael se aproximava. Algo que começava no estômago, descia pelas pernas e apertava o peito. Algo que ele não queria pensar como desejo. Mas que era.

Era quando Gael passava atrás dele, muito perto. Quando, sem querer, sua mão encostava em seu ombro ao pegar algum documento. Quando o perfume dele — amadeirado, sofisticado, brutal — invadia o ar sem pedir permissão.

E o pior: Thiago não sabia se queria fugir ou se afundar mais nisso.

Durante o intervalo, foi até a copa para tomar água. Estava suando, mesmo com o ar-condicionado no máximo.

“Você é louco, Thiago. Ele é hétero. Tem namorada. É seu chefe. E é um babaca.”

Mesmo assim, quando voltou à sala e viu Gael em pé, com a gravata meio afrouxada e a manga da camisa dobrada, algo nele tremeu por dentro.

Algo que não era respeito.

Algo que não era medo.

Era outra coisa. Algo que, se crescesse, poderia arruinar tudo.

Era o quinto dia. Quase uma semana.

Thiago achava que estava começando a pegar o ritmo. Já tinha entendido os horários, os e-mails que Gael queria respondidos em menos de cinco minutos, os códigos verbais que Clarissa usava para evitar explosões. Tudo estava… sob controle.

Até errar.

Era um detalhe. Um maldito anexo no e-mail errado. Um contrato que deveria ter sido enviado ao parceiro europeu e, por um deslize, foi para o grupo interno de diretores.

O caos se instalou em minutos.

Gael surgiu na sala com o rosto tenso e o celular na mão.

— Você enlouqueceu? — perguntou, jogando o aparelho na mesa com força. — Você tem noção do que significa vazar um contrato confidencial?

Thiago congelou. Tentou explicar. — Eu revisei três vezes. Deve ter sido um clique errado, uma janela…

— Você acha que estou interessado nas suas janelas?! — gritou. — Isso aqui não é uma escola pública onde você pode errar e levar bilhetinho pra casa! Aqui, um erro custa dinheiro, reputação, e a minha paciência!

Clarissa entrou na sala com uma expressão assustada. Gael fez um gesto brusco e ela saiu, fechando a porta.

— Eu devia te demitir agora.

O silêncio caiu como um soco.

Thiago não respondeu. Ficou em pé, olhos fixos num ponto qualquer atrás de Gael. As mãos tremiam. A garganta ardia.

Mas ele ficou.

Gael passou a mão pelos cabelos, impaciente. O silêncio agora era estranho. Ele olhou para Thiago — e viu.

Os olhos cheios d’água.

Não havia súplica ali. Nem covardia. Só um orgulho ferido lutando para não desmoronar.

— Eu não vou pedir desculpa — Thiago disse, voz rouca. — Mas vou fazer melhor amanhã. E depois de amanhã. E todos os outros dias.

Gael não respondeu. O peito subia e descia, e por um instante, algo no olhar dele suavizou. Um centímetro apenas.

Mas foi embora rápido.

— Saia da minha sala — disse, mais baixo, mais seco. — Agora.

Thiago saiu.

Entrou na copa, trancou a porta, se encostou na parede de azulejos frios e deixou as lágrimas caírem, caladas. Sem soluço. Sem drama.

Chorou de raiva. De frustração. De exaustão.

Mas não pensou em desistir nem por um segundo.

Porque havia algo dentro dele mais forte do que a dor: a certeza de que pertencia àquele lugar. Não por ser perfeito. Mas porque ninguém tinha lutado tanto pra estar ali quanto ele.

E se Gael achava que poderia destruí-lo com palavras… então estava prestes a descobrir que Thiago Andrade era muito mais difícil de quebrar do que ele pensava.

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