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Culpa Minha Brasil

Bem-vinda ao Paraíso

Sabe quando você sente que a sua vida tá prestes a virar do avesso? Não tipo “ai, mudanças são boas”, mas tipo: “ferrou, tô presa num reality show que eu não assinei”.

Foi isso que eu senti quando parei em frente ao portão de ferro da mansão em São Conrado. O portão parecia mais uma obra de arte modernista do que entrada de casa. Tinha palmeiras dos dois lados, uma fonte no meio do jardim e seguranças que me olharam como se eu tivesse vindo entregar pizza. Só faltou pedirem minha identidade.

— Essa é a casa do meu padrasto agora? — murmurei pra mim mesma, com a mochila jogada no ombro e o coração entalado na garganta.

— Não, meu amor — minha mãe respondeu, do banco do motorista, com aquele sorriso de quem finalmente tinha vencido na vida. — É a nossa casa agora.

Casa, pra mim, sempre teve cheiro de café da manhã e briga por causa do banheiro. Essa casa cheirava a cera de mármore e coisa cara que quebra fácil. Era tão silenciosa que dava pra ouvir o som do meu tênis no piso.

A empregada nos recebeu na porta como se fosse mordoma de hotel cinco estrelas. Minha mãe já tinha vindo antes, claro, depois que casou com o magnata — palavras dela, não minhas — e deixou pra trás nosso apartamento apertado em Niterói. Ela disse que seria bom pra mim. Que era hora de recomeçar. Que esse casamento ia mudar tudo.

Mudou. Só não sei se foi pra melhor.

— O senhor Santiago está na empresa, mas pediu que você e Noah se sintam em casa — disse a mulher uniformizada, guiando a gente pelos corredores largos, cheios de quadros enormes e janelas que iam do chão ao teto. — O quarto da senhorita é no segundo andar, ao lado do do senhor Nick.

Meu estômago revirou.

Nick. O filho do padrasto. O meu novo irmão. A última coisa que eu queria no momento era dividir teto com um completo estranho que provavelmente usava perfume caro e achava que o mundo girava ao redor dele.

— Ele está em casa? — perguntei, mais por impulso do que curiosidade real.

A mulher hesitou, como se tivesse que pesar as palavras.

— Saiu faz pouco. Deve estar... voltando.

Ah, ótimo. Um irmão que entra e sai sem dar explicações. Já começamos bem.

Subi as escadas lentamente, cada degrau rangendo com minha presença desconvidada. Meu quarto parecia ter saído de uma revista de decoração. Colcha branca impecável, tapete felpudo, varanda com vista pro mar. Mas mesmo com toda aquela beleza, eu me sentia como um figurante num palco que não era meu.

Joguei a mochila na poltrona, larguei o celular na cama e fui até a varanda. A vista era absurda. A praia se estendia como um quadro vivo, o céu tingido pelo fim de tarde e as motos zumbindo como abelhas ao longe.

Foi quando eu ouvi o som.

Não um som qualquer. Mas aquele ronco grave, profundo, que só uma moto potente faz. Meu corpo reagiu antes que eu entendesse. Fui até o parapeito, estiquei o pescoço e vi.

Ele entrou pelo portão principal numa Ducati preta, vestindo jaqueta de couro e capacete espelhado. Parou a moto com um giro ágil, como quem já conhece cada milímetro do caminho. Desceu num movimento lento e preciso, como se o mundo estivesse em câmera lenta só pra ele.

Quando tirou o capacete, meu peito apertou.

Cabelos castanho-escuros bagunçados pelo vento, maxilar marcado, olhos claros como faca em dia de sol. E aquele olhar... arrogante, confiante, um pouco entediado — como se já tivesse visto tudo que o mundo tem a oferecer e ainda estivesse esperando ser surpreendido.

Era Nick.

E ele era muito pior — ou melhor, dependendo do ponto de vista — do que eu imaginei.

Ele ergueu o olhar até a varanda, me viu. Nossos olhos se cruzaram por uma fração de segundo. Só isso. Mas foi o suficiente.

Um arrepio correu pela minha espinha, e não tinha nada a ver com o vento.

Ele não sorriu. Não acenou. Só me encarou como quem analisa um enigma que não pediu pra decifrar. E depois entrou na casa como se eu fosse invisível.

— Príncipe do castelo, hein — murmurei, sentindo a raiva esquentar minha nuca.

Mas o pior nem era ele.

Era o que meu corpo sentiu naquele segundo de contato visual. Uma coisa louca, impulsiva, errada. Tipo um alerta vermelho dizendo foge enquanto dá tempo — mas que meu coração idiota confundiu com um convite.

Eu vim achando que meu maior desafio seria me adaptar à vida de rica.

Mas parece que o verdadeiro problema... usa couro, anda de moto e mora no quarto ao lado.

O quarto ao lado

A noite caiu em cima do Rio como um cobertor pesado e úmido. Do meu quarto, dava pra ver os pontos de luz da cidade piscando como vaga-lumes bêbados. Mas eu não conseguia prestar atenção em nada disso.

Eu só conseguia pensar em Nick.

Tava tentando convencer meu cérebro de que ele não era tudo isso. Que era só mais um garoto bonito, desses que a gente encontra com frequência no feed das redes sociais. Mas, honestamente? Nada preparava a gente pra ele ao vivo. Ele era tipo um soco no estômago com luva de veludo: bonito, perigoso e completamente irritante.

Fiquei enrolando no quarto por horas, fingindo que tava interessada na decoração. Arrumei meus livros, tirei e coloquei roupas no armário, abri a janela, fechei, abri de novo. E nada dele aparecer de novo. Nem sinal de barulho, nem da moto.

Até que ouvi passos no corredor.

Sabe aquele som que já chega com presença? O tipo de passo que não precisa de anúncio. Era ele. Tinha certeza.

Segurei o ar sem querer.

A maçaneta da porta ao lado girou. A dele.

Pensei: "ok, Noah, é agora que você age como adulta civilizada. Vai lá, dá um oi, apresenta-se, finge que não tá se importando com a beleza dele."

Mas, é claro, que eu fui fazer o quê?

Fui espiar pela porta entreaberta.

Sim. Mico total.

Ele tava de costas, tirando a jaqueta de couro. A camiseta cinza marcava as costas largas, o cabelo bagunçado parecia proposital. E ele tinha tatuagens. Tatuagens. No braço, no ombro, no pescoço. Linhas pretas que pareciam contar segredos que eu nem sabia se queria descobrir.

Mas descobri o que era vergonha mesmo quando ele virou de repente e me pegou no flagra.

— Tá gostando da vista? — ele perguntou, com a voz rouca e um sorriso de canto que me tirou dois anos de vida útil.

Me endireitei num pulo.

— Eu... só tava vendo se você tinha chegado. — Menti na cara dura.

Ele cruzou os braços, encostando no batente da porta, me analisando com calma. Com aquele olhar que pesa, que vasculha. Que provoca.

— E? — perguntou.

— E o quê?

— Cheguei. Pode dormir tranquila agora?

— Hm, pode deixar. Nem tava preocupada. Só achei educado dar um alô.

— Alô dado — respondeu, curto e grosso, antes de virar de costas e fechar a porta na minha cara com um estalo seco.

Fiquei ali parada, com a testa franzida e o orgulho ferido. Que idiota arrogante.

Voltei pro meu quarto, bufando. Mas no fundo, bem no fundo, uma parte minha tava... sei lá. Viva.

Talvez fosse adrenalina. Talvez fosse raiva.

Ou talvez fosse aquela coisa que a gente não quer admitir de jeito nenhum.

No dia seguinte, acordei com o sol invadindo tudo. Meu corpo tava cansado, mas a mente ligada no 220. Vesti um short jeans, uma regata branca e prendi o cabelo num coque bagunçado. Ia explorar a casa. Talvez encontrar uma cozinha. Ou um canto em que eu não me sentisse uma intrusa.

Desci as escadas como quem pisa em território inimigo.

— Bom dia, dona Noah — disse uma das empregadas. — Quer um café?

— Por favor! — sorri com alívio. Café me faz sentir em casa, mesmo que a casa seja de outra pessoa.

Fui até a varanda. A mansão parecia mais viva de manhã. Barulho de vento nas palmeiras, cheiro de mar, sol refletindo nas janelas. Me sentei na beira da piscina com a xícara na mão, curtindo o momento de paz.

E, claro, como todo momento de paz na minha vida: durou pouco.

Nick apareceu.

Descalço, de bermuda, sem camisa e com aquele cabelo bagunçado como se tivesse acabado de sair da cama de alguém. E provavelmente tinha mesmo.

Ele passou por mim como se não me visse. Pegou uma garrafa de água na geladeira do bar da piscina e só então falou:

— Dormiu bem, espiã?

Revirei os olhos.

— Dormi. Pena que acordei.

Ele riu, um riso rouco e provocador.

— Você é cheia de resposta, né?

— Só quando alguém merece.

— Cuidado. Aqui nesse lugar, resposta demais acaba virando aposta.

Franzi a testa.

— Aposta?

Ele se sentou na borda da piscina, do meu lado, mas sem encostar. Aquele tipo de presença que ocupa tudo mesmo sem tocar em nada.

— Uma hora você vai entender como as coisas funcionam por aqui.

— E como funcionam?

— Todo mundo tem um papel. Uns mandam, outros obedecem. Uns seguem as regras... — ele virou a cabeça e me encarou — ...e outros criam as próprias.

— E você, Nick? É o quê?

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Eu? Eu sou o cara que não se mistura. Mas que todo mundo quer por perto.

Quase ri.

— Você se acha muito, né?

Ele sorriu. Aquele sorrisinho torto, preguiçoso, e de alguma forma irresistível.

— Eu só sei quem eu sou.

— Arrogante.

— Realista.

— Perigoso.

Ele inclinou um pouco a cabeça. O olhar ficou mais sério.

— E você? Quem é você, Noah?

Engoli seco.

— Ninguém que você precise se preocupar.

— Tarde demais — ele murmurou, se levantando e me deixando com a xícara tremendo nas mãos.

Fiquei ali parada, tentando entender o que, diabos, tava acontecendo comigo.

Eu mal conhecia esse cara.

Mas já sentia que ia dar merda.

E das grandes.

O rugido da noite

Se tem uma coisa que aprendi nos primeiros dias naquela casa enorme foi: silêncio demais é sempre sinal de que algo tá prestes a explodir.

Meu padrasto vivia ocupado, minha mãe tava mais preocupada com eventos sociais do que comigo, e Nick… bom, Nick simplesmente sumia. Às vezes à noite, às vezes durante o dia. Ele aparecia e desaparecia como se fosse feito de fumaça. E, quando aparecia, era só pra jogar umas frases afiadas e me deixar com o coração batendo rápido e o orgulho todo embaralhado.

Na manhã de quinta, resolvi fazer o que qualquer garota com tempo livre e curiosidade demais faria: espionar.

Peguei uma mochila pequena, coloquei um boné, fones de ouvido (de enfeite mesmo, nem liguei) e saí andando pelas ruas próximas da mansão. A segurança ali era grande, mas não impossível de furar. E meu objetivo era claro: descobrir o que Nick tanto escondia.

Já tinha percebido que ele saía sempre depois do pôr do sol. De moto. Uma máquina preta com detalhes vermelhos, barulhenta, agressiva e linda. Dava pra ouvir o motor rugindo da janela do meu quarto, e aquele som... sei lá. Era tipo um chamado. Um desafio.

Naquela noite, esperei ele sair.

Fiquei sentada perto da piscina, disfarçando com um livro aberto no colo. Quando ouvi o motor, meu coração deu aquele pulo. Levantei na hora. Ele passou por mim sem nem olhar, capacete na mão, jaqueta de couro aberta no peito, tatuagens à mostra. Subiu na moto como quem já nasceu em cima dela. E quando ligou o motor... mano, que cena. Quase cinematográfica.

Esperei uns dois minutos e fui atrás.

Chamei um carro por aplicativo e pedi pro motorista seguir a moto preta. O cara me olhou esquisito, mas nem questionou. Só disse:

— Esse aí corre, hein?

— E eu corro atrás — respondi, com um sorriso torto.

A gente seguiu pela Zona Sul, cortando bairros chiques e becos escondidos, até que ele entrou numa estrada meio deserta, que levava pra uma área industrial abandonada. O lugar parecia cenário de clipe underground: grafites nas paredes, cheiro de óleo queimado, luzes neon improvisadas e... motos. Muitas motos.

Meu motorista parou uns metros antes. Eu desci, paguei rápido e fui andando devagar. O chão vibrava com os motores. Jovens se espalhavam pelos cantos, com copos na mão, cigarros nos lábios, celulares gravando tudo. Era um submundo vibrante, barulhento e perigoso. E Nick tava no meio dele. No centro. Como se fosse rei daquele caos.

Ele tava encostado na moto, conversando com dois caras e uma garota de cabelo azul, que tava claramente querendo mais do que conversa. Senti uma pontada estranha. Inveja? Ciúme? Não, claro que não. Eu só tava... observando.

Cheguei mais perto, misturada na galera. Ninguém me notou. Até que a garota azul passou a mão no braço dele e ele virou na direção dela, mas não sorriu. Só afastou devagar, com aquele olhar frio que eu já conhecia.

Foi aí que ele me viu.

Os olhos dele encontraram os meus no meio da multidão como se já soubessem exatamente onde procurar. Um segundo congelado. E então ele veio andando até mim, devagar. A galera abriu espaço sem ele pedir. O som dos motores pareceu diminuir só pra dar espaço pro silêncio tenso entre nós.

— Achei que você era curiosa, mas não suicida — ele disse, parando na minha frente.

— E eu achei que você era só um babaca metido a bad boy. Mas parece que é um pouco mais complexo que isso.

Ele inclinou a cabeça.

— O que você tá fazendo aqui, Noah?

— Seguindo o barulho. E, sinceramente, era óbvio que você escondia alguma coisa.

— Isso aqui não é lugar pra você — ele disse, com a voz mais baixa, quase brava.

— Por quê? Porque eu sou a filha da esposa do seu pai rico? — perguntei, cruzando os braços. — Porque eu não tenho tatuagens e não fumo?

Ele deu um meio sorriso.

— Não. Porque aqui é onde as regras somem. E eu gosto quando elas somem. Mas não quero você nesse meio.

— Você não manda em mim, Nick.

— Ainda não — ele murmurou.

Engoli em seco.

— E o que você faz aqui? Corre? Ganha dinheiro? Se mata aos poucos?

Ele me encarou, sério.

— Eu vivo. Aqui é onde eu sou de verdade. Onde ninguém me enxerga como “filho do magnata” ou “o problema da família perfeita”.

— E o que você vê em mim?

Ele deu um passo à frente. Agora, a gente tava tão perto que o calor da pele dele misturava com o meu.

— Você é problema. Novo. Brilhante. Teimoso. E perigoso pra mim.

— Então a gente tá empatado — falei, quase sem ar.

Ele sorriu, mas os olhos estavam escuros.

— Vai embora, Noah. Antes que fique tarde demais.

— Tarde pra quê?

Ele não respondeu.

Virou as costas e voltou pra moto.

O pessoal começou a se movimentar, preparando o início da corrida. Vi as motos alinhadas, o chão tremendo, o cheiro de gasolina e adrenalina no ar. Nick subiu na dele com a postura de quem já sabia que ia vencer. E quando o sinal improvisado foi dado, ele saiu como um raio.

Eu assisti tudo. Fiquei ali parada, hipnotizada, com o coração na garganta. Era perigoso. Era doido. Era errado.

Mas meu Deus... como era lindo.

Quando a corrida acabou, ele voltou ofegante, tirou o capacete e veio direto pra mim. Suado, com os olhos brilhando de adrenalina.

— Última vez que você vem aqui, Noah. Eu não tô brincando.

— E se eu quiser voltar?

— Então você vai descobrir o que significa cruzar o limite.

— Que limite?

Ele sorriu.

— O meu.

E foi embora.

Me deixando ali.

Sozinha.

Ofegante.

E completamente perdida entre a raiva e o desejo.

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