O café "Aurora", aninhado numa rua charmosa do Leblon, era um refúgio para almas perdidas e corações inquietos. As mesas de madeira escura, a iluminação suave e o aroma inconfundível de grãos moídos na hora convidavam à introspecção e, para alguns, à esperança. Foi ali, em uma manhã de quarta-feira úmida e preguiçosa de junho, que o destino começou a tecer suas linhas invisíveis. Ana Clara, com seus vinte e poucos anos e uma pilha de livros de arquitetura desorganizada ao lado, estava absorta. Seus óculos de armação fina escorregavam ligeiramente pelo nariz enquanto ela rabiscava furiosamente em um caderno de esboços, a mente mergulhada na complexidade de uma futura edificação sustentável. O cabelo castanho-claro, preso em um coque frouxo, liberava algumas mechas rebeldes que insistiam em cair sobre seu rosto concentrado, mas ela mal notava. A xícara de cappuccino à sua frente já estava pela metade, as bordas marcadas pelo batom cor de boca que raramente usava, mas que, de alguma forma, sempre parecia realçar o contorno de seus lábios cheios.
Do outro lado do salão, próximo à janela que dava para uma árvore frondosa, Gabriel revisava os últimos gráficos do mercado financeiro em seu tablet, os olhos azuis perscrutando os números com a intensidade de um predador à espreita. A gravata que ele afrouxou minutos antes indicava uma transição recente do ambiente corporativo para o casual, e seus ombros largos, bem definidos sob a camisa de linho azul-marinho, denunciavam horas de dedicação na academia. Diferente de Ana Clara, ele não estava ali por distração ou inspiração; estava ali para uma breve pausa estratégica antes de sua próxima reunião, uma ilha de calma antes da próxima tempestade de decisões. A volatilidade do mercado era sua adrenalina diária, mas o silêncio do café, pontuado apenas pelo tilintar de xícaras e murmúrios distantes, oferecia um contraponto bem-vindo ao burburinho incessante do pregão eletrônico. Ele tomou um gole do seu expresso duplo, o amargor contrastando com a doçura que ele, secretamente, desejava em outros aspectos da vida.
O encontro, como tantos outros no Café Aurora, começou de forma trivial, quase insignificante. Ana Clara, em um de seus surtos de inspiração, esticou a mão para alcançar um lápis que rolara para a borda da mesa. No mesmo instante, Gabriel, finalizando sua leitura, estendeu a mão para pegar o celular que estava exatamente no mesmo ponto. As pontas dos dedos roçaram-se, um choque elétrico sutil, mas inegável, percorrendo a pele de ambos.
Ana Clara recuou a mão como se tivesse tocado em fogo, os olhos arregalados, o rosto corando instantaneamente. "Oh! Me desculpe! Eu não vi..." As palavras tropeçaram umas nas outras. Ela era de uma timidez quase palpável, e a situação a deixou constrangida. A caneta que estava em sua outra mão caiu no chão com um pequeno estalo, amplificando o momento.
Gabriel, pego de surpresa pelo toque inesperado e pela reação dela, ergueu o olhar. Seus olhos azuis, antes focados em gráficos e números, fixaram-se nos grandes olhos castanhos dela, que agora se desculpavam com uma intensidade quase cômica. Um sorriso lento e genuíno se formou em seus lábios, suavizando a linha séria de sua mandíbula. "Não, a culpa foi minha. Estava distraído." Ele se abaixou para pegar a caneta que caíra, suas mãos grandes e bem cuidadas contrastando com a delicadeza do objeto. Ao estender a caneta de volta para ela, seus dedos roçaram novamente. Dessa vez, foi um toque intencional, um breve contato que se prolongou por um segundo a mais do que o necessário, e Ana Clara sentiu a corrente elétrica mais forte, uma que não era de susto, mas de algo diferente, algo novo.
Ela murmurou um agradecimento quase inaudível, pegando a caneta e evitando o olhar dele. Sentia o calor subir por seu pescoço e se espalhar por suas bochechas. Era raro que sua compostura fosse tão facilmente desfeita, mas a intensidade do olhar dele, o sorriso, e o toque inesperado, a haviam pego desprevenida. Ela tentou voltar para seus esboços, mas as linhas de seu projeto de arquitetura pareciam se fundir, incapaz de recuperar a concentração. Sentia o olhar dele, mesmo sem vê-lo. Uma curiosidade palpável, um interesse recém-despertado.
Gabriel, por sua vez, não voltou imediatamente para o seu tablet. Seus olhos azuis, agora ligeiramente fascinados, percorreram o rosto corado dela, a mecha de cabelo teimosa, os óculos desajustados. Observou a forma como ela tentava inutilmente se esconder atrás de seus livros, como se a literatura pudesse servir de escudo contra um encontro inofensivo. Havia algo nela que o intrigava, uma vulnerabilidade autêntica que contrastava com a armadura que ele e as pessoas em seu mundo geralmente usavam. Aquele pequeno incidente na ponta dos dedos havia quebrado a monotonia da sua manhã, injetando uma dose de algo que ele não sabia nomear, mas que sentia falta. Ele notou a caneta que ele havia pego de volta para ela, e seu olhar demorou-se em seu cappuccino pela metade, nas suas mãos que seguravam a caneta com uma delicadeza quase artística.
Ele se pegou pensando em uma desculpa para estender a conversa, algo que ele raramente fazia com estranhos. Sua vida era uma série de compromissos e estratégias, mas aquela manhã parecia ter aberto uma pequena fresta para o inesperado. Antes que pudesse formular algo, porém, o toque insistente de seu celular o trouxe de volta à realidade. Uma chamada de seu escritório, um lembrete implacável de que o mercado não esperava. Ele suspirou internamente, um misto de frustração e resignação.
"Preciso ir", ele disse, sua voz um pouco mais rouca do que o normal. Ana Clara levantou os olhos, finalmente, e seus olhares se cruzaram por um instante que pareceu durar mais que os segundos reais. Um lampejo de reconhecimento, ou talvez de um pressentimento, passou pelos olhos dela.
"Ah... tudo bem", ela respondeu, a voz ainda um pouco embargada pela timidez.
Ele se levantou, ajeitando a gravata, a silhueta alta e imponente. "Espero que seu... projeto... dê certo", ele disse, indicando os livros com um aceno de cabeça. Era uma tentativa desajeitada de manter a conexão, mas ela captou a intenção.
Um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Ana Clara, menos constrangido agora. "Obrigada. E que seus... gráficos... sejam favoráveis." A resposta dela o fez sorrir abertamente.
"Sempre torcendo por isso", ele brincou. Ele hesitou por um momento, como se quisesse dizer algo mais, mas o tempo o pressionava. Com um último aceno de cabeça e um sorriso enigmático, Gabriel se virou e saiu do café, deixando para trás um rastro sutil de um perfume amadeirado e uma Ana Clara com o coração batendo mais rápido do que a batida de um martelo em um canteiro de obras.
Ela observou-o partir, a figura se afastando pela rua movimentada até desaparecer na curva. Um suspiro escapou de seus lábios, misturando-se ao vapor do café. Por um momento, o projeto de arquitetura foi completamente esquecido. Sua mente estava cheia do toque de seus dedos, do brilho azul dos olhos dele e do sorriso que havia suavizado a gravidade de seu rosto. Era apenas um encontro casual, um acidente, ela tentou se convencer. Mas no fundo, uma parte dela, aquela que ansiava por mais do que apenas linhas e formas em um papel, sentia que aquele breve contato na ponta dos dedos havia sido o prelúdio de algo mais, um eco distante de um futuro que ainda estava para ser escrito. O Café Aurora, em sua sabedoria silenciosa, parecia sorrir, guardando o segredo de um encontro que mudaria o curso de duas vidas, um toque que ressoaria muito além do tilintar das xícaras e dos murmúrios do dia.
Ana Clara tentou voltar aos seus desenhos, mas as linhas no papel pareciam borrar diante de seus olhos. A imagem do rosto de Gabriel, seus olhos azuis e o sorriso inesperado, se misturava com os traços de seu projeto. Ela mexeu no coque frouxo, sentindo o calor em suas bochechas. Aquele encontro rápido, a troca de olhares, o toque dos dedos... tudo aquilo tinha quebrado a rotina tranquila de sua manhã de estudos.
Normalmente, o Café Aurora era seu santuário. Ali, entre o cheiro de café e o barulho baixo das pessoas, ela conseguia se concentrar de verdade. Seus estudos de arquitetura exigiam isso: foco total. Mas hoje, o foco se foi com a saída daquele homem. Ela se pegou pensando em quem ele era. Um homem de negócios, com certeza, pelo jeito sério e a gravata que ele afrouxou. Ele parecia pertencer a um mundo diferente do dela, um mundo de números rápidos e decisões frias, bem longe da beleza das formas e da luz que ela buscava em seus projetos.
Ela pegou o celular e, quase sem pensar, abriu a galeria de fotos. Havia uma foto de sua última maquete: um centro comunitário com jardins suspensos, pensado para ser um lugar de encontro e vida para as pessoas. Ela sorriu. Era o tipo de arquitetura que a movia: aquela que abraça a vida, que traz calor. Esse projeto era seu bebê, sua grande aposta para um concurso importante que podia mudar seu futuro. Mas era um futuro ainda incerto, cheio de desafios.
Ana Clara era uma sonhadora, sim, mas também era muito pé no chão. Ela sabia que sonhos exigiam trabalho duro e muita dedicação. Foi por isso que ela se mudou para o Rio, deixando a segurança de sua pequena cidade no interior. Queria voar, queria que seus projetos fizessem a diferença. Mas voar, às vezes, significava se sentir sozinha em uma cidade grande, sem família por perto para um abraço rápido ou uma conversa descontraída. Ela sentiu uma pontada de saudade.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, no escritório elegante com vista para a Lagoa, Gabriel estava de volta à sua realidade. O toque do celular no café era seu alerta para uma reunião urgente. A euforia do mercado estava em alta, e ele precisava estar no controle. Ele ajustou os óculos e mergulhou nos dados. Era seu trabalho, sua vida. O mundo das finanças era rápido, impiedoso, mas ele amava o desafio. Amava a sensação de ter o controle, de antecipar movimentos, de transformar números em sucesso.
Ele sentia o cheiro do café ainda em sua roupa, e, por um segundo, a imagem da moça tímida e seus óculos desajeitados invadiu sua mente. Aquele toque rápido, o jeito dela de se desculpar, o sorriso dela, quando ele falou do projeto. Tudo era tão diferente do seu dia a dia. Mulheres em seu círculo eram diretas, ambiciosas, com a mesma pressa que ele. A simplicidade dela, a forma como ela se enrolava nas palavras, era quase encantadora.
Gabriel era um homem de rotinas. Acordava cedo, ia à academia, lia as notícias do mercado, tomava seu café no mesmo lugar (até hoje), ia para o escritório, gerenciava sua equipe, fechava negócios. Sua vida era uma sequência bem organizada de passos. Não havia muito espaço para o inesperado, e ele gostava disso. O inesperado, para ele, era risco, e risco era algo a ser calculado e evitado, não abraçado.
Mas aquele pequeno encontro no café tinha sido exatamente isso: inesperado. E, estranhamente, não o deixou irritado, como a maioria das surpresas. Deixou-o... curioso. Ele se pegou pensando no que ela estaria desenhando. Edifícios? Casas? Ou algo mais? Ele nunca tinha parado para pensar na beleza de uma estrutura, apenas em seu custo e valor de mercado. Aquela moça, Ana Clara (ele tinha visto rapidamente o nome em uma das capas de livro), parecia ver o mundo de um jeito totalmente diferente.
A reunião começou, e Gabriel se forçou a afastar os pensamentos sobre o café. "Foco, Gabriel, foco", ele disse a si mesmo. Ele precisava estar cem por cento presente. Havia milhões em jogo. A tensão na sala era palpável, mas Gabriel, como sempre, estava calmo, controlando a conversa, guiando as decisões. Ele era bom nisso, muito bom. Havia chegado onde estava com inteligência e, acima de tudo, com muito controle.
No entanto, mesmo enquanto debatia taxas de juros e flutuações de moeda, uma pequena parte de sua mente insistia em revisitar a cena no Café Aurora. Ele se perguntou se ela ainda estaria lá, debruçada sobre seus cadernos. Será que ela também se lembrava do breve toque?
Para Ana Clara, a tarde arrastou-se. Ela não conseguia mais mergulhar no projeto com a mesma paixão. Sua mente voava para o café, para a imagem dele saindo pela porta, uma sombra que parecia ter levado um pedaço da sua concentração. Ela sentia uma pontada de algo que poderia ser... decepção? Por quê? Ele era um completo estranho. Mas não um estranho qualquer. Havia algo no jeito dele, na energia que ele trazia, que a fazia querer saber mais.
Ela tentou ignorar. Voltou para casa, um pequeno apartamento aconchegante que ela havia decorado com cores vibrantes e muitas plantas. Preparou um chá de camomila, tentando acalmar a mente agitada. Pegou um livro que estava lendo, mas as palavras não faziam sentido. Era como se uma chave tivesse sido virada em seu interior, abrindo uma porta para sentimentos que ela não esperava.
A rotina dela era simples: aulas na faculdade, projetos, alguns trabalhos para pagar as contas, e, claro, o tempo no Café Aurora. Essa rotina, que antes parecia suficiente, agora tinha uma pequena interrupção, um espaço vazio que antes não existia. Ela se deitou na cama, olhando para o teto, e se perguntou se o destino realmente existia, ou se tudo não passava de uma série de acasos. E se fosse apenas um acaso, por que aquele toque ainda ecoava em seus dedos? Por que a imagem de seus olhos azuis ainda permanecia tão clara?
Naquela noite, tanto Ana Clara quanto Gabriel foram para a cama com pensamentos incomuns. Ana Clara, com a cabeça cheia de um encontro rápido que parecia ter aberto uma porta em sua vida. Gabriel, com uma leve sensação de que sua rotina perfeita havia sido quebrada por um toque inesperado, e que, talvez, ele não se importasse tanto assim. O eco daquele encontro, na ponta dos dedos, começava a ressoar nos cantos mais íntimos de suas almas, prometendo um amanhã diferente do que eles haviam planejado.
A semana seguiu seu ritmo, mas para Ana Clara, o ritmo parecia ter ganhado uma batida nova, um compasso diferente. O Café Aurora, antes um lugar de paz, agora carregava uma expectativa. Cada vez que a porta se abria e o sininho tilintava, ela levantava os olhos, quase sem querer, procurando por uma silhueta alta, por um rosto de olhos azuis. Era bobagem, ela sabia. O Rio de Janeiro era enorme. As chances de esbarrar de novo naquele homem, Gabriel, eram mínimas. Mas a esperança teimava em brilhar.
Seus projetos de arquitetura não podiam esperar, claro. Ela passava horas debruçada sobre pranchetas, transformando ideias em desenhos. A maquete do centro comunitário estava quase pronta, e era linda. Cores vibrantes, espaços abertos, um convite à vida. Ela acreditava de verdade que a arquitetura podia mudar o mundo, ou pelo menos, a vida das pessoas que habitariam seus espaços. Esse era o seu propósito, sua força.
Gabriel, por outro lado, estava de volta à sua rotina intensa. O mercado financeiro não parava para ninguém. Os números, os gráficos, as notícias — tudo se movia rápido demais. Ele era bom nesse jogo. Sentia-se em casa no meio da pressão, das decisões que valiam milhões. Mas, por vezes, um vazio estranho o pegava desprevenido. Era um vazio que nem todo o sucesso financeiro conseguia preencher.
Ele tinha parado de ir ao Café Aurora. Não de propósito, mas a agenda apertada e a necessidade de economizar tempo o levaram a tomar seu café da manhã no próprio escritório. Era mais eficiente, mais prático. Mas, para ser sincero, ele sentia falta de algo. De uma pequena quebra na rotina. Do cheiro do café fresco. E, talvez, de uma certa presença. Ele se pegava pensando na arquiteta, na sua timidez, nos óculos caindo no nariz. Era uma imagem tão diferente do seu dia a dia que, por alguma razão, o acalmava.
Uma quinta-feira, no entanto, mudou tudo de novo. Ana Clara tinha uma reunião importante. Seu professor havia conseguido uma oportunidade de apresentar o projeto do centro comunitário para um grupo de investidores. Era uma chance de ouro. Ela se arrumou com cuidado, escolhendo uma blusa branca e uma saia lápis, tentando parecer profissional e confiante, mesmo que o coração estivesse batendo forte. O local da reunião era um prédio comercial moderno, no centro da cidade, um lugar cheio de vidros e aço, bem diferente dos cantos aconchegantes que ela costumava frequentar.
Ela chegou um pouco antes, respirando fundo para controlar o nervosismo. Sentou-se em uma cadeira na sala de espera, repassando mentalmente sua apresentação. As mãos suavam levemente, e ela sentia um frio na barriga.
De repente, a porta de uma sala ao lado se abriu, e um grupo de pessoas saiu conversando alto, com papéis nas mãos. E ali estava ele. Gabriel. Com um terno impecável, ele falava ao celular, gesticulando com a mão livre. Parecia ainda mais imponente naquele ambiente. Ana Clara prendeu a respiração. Seus olhos se encontraram.
Gabriel, que estava totalmente imerso na conversa do celular, parou de repente. Seus olhos azuis se arregalaram um pouco. A mulher sentada na sala de espera. Era ela. A arquiteta do café. Ele sentiu um calor subindo pelo pescoço, algo raro para ele, que era tão controlado. A surpresa era enorme. O mundo, afinal, era menor do que ele pensava.
Ele desligou o celular rapidamente, pedindo licença às pessoas com quem estava. Caminhou em direção a ela, um sorriso discreto se formando em seus lábios. Ana Clara sentiu o rosto corar de novo, mas, dessa vez, havia um sorriso tímido, quase invisível, em seus próprios lábios. Era mais do que uma coincidência. Duas vezes. No mesmo lugar, mas em dias diferentes, tudo bem. Mas em ambientes tão distintos?
"Ana Clara, certo?", ele perguntou, sua voz era mais suave do que ela esperava, sem o tom de pressa que ela imaginava de um homem de negócios.
Ela acenou com a cabeça, surpresa que ele lembrasse seu nome. "Sim. E você é Gabriel, não é?"
"O próprio." Ele riu, um som agradável que fez Ana Clara relaxar um pouco. "Que surpresa te encontrar aqui. Não esperava."
"Nem eu. É... um lugar bem diferente do café", ela disse, gesticulando ao redor, para as paredes frias e espelhadas.
"Com certeza", ele concordou, os olhos percorrendo o ambiente e depois voltando para ela. "Você veio para alguma reunião?"
"Sim. Tenho uma apresentação. Um projeto de arquitetura", ela explicou, o nervosismo voltando um pouco.
"Ah, o projeto do caderno!", ele disse, lembrando-se do primeiro encontro. "Interessante. Eu acabei de sair de uma reunião. Minha empresa tem escritórios por aqui."
Ana Clara sentiu uma pontada de curiosidade. "Sua empresa? Você... trabalha com o quê, exatamente?"
Gabriel sorriu. "Sou analista financeiro. Lidamos com investimentos, ações, essas coisas. Nada tão criativo quanto arquitetura, eu imagino." Havia um tom de auto-depreciação em sua voz, como se ele quisesse diminuir a distância entre os mundos deles.
"Não diga isso", Ana Clara respondeu, sentindo-se mais à vontade. "Números também podem ser criativos, de um jeito diferente. Ou podem construir coisas, certo?"
"Podem, sim", ele admitiu, os olhos dela pareciam ver algo que ele nunca tinha parado para pensar. Ele a achava fascinante. "E o seu projeto? É para algum cliente grande?"
"É para um concurso, na verdade", ela confessou. "Para um centro comunitário. É um sonho para mim, um lugar onde as pessoas possam se encontrar, ter acesso à educação, à arte. Com foco em sustentabilidade." Ela se animou ao falar, a timidez dando lugar à paixão.
Os olhos de Gabriel brilhavam com um interesse genuíno. Ele ouvia atentamente, algo que ele raramente fazia fora do trabalho. "Sustentabilidade? Isso é um tema importante hoje em dia. E um centro comunitário... parece algo com um impacto real." Ele estava acostumado a projetos que visavam lucro, não impacto social. A forma como ela falava, a paixão em sua voz, era cativante.
"É o que eu espero", ela disse, sentindo-se orgulhosa. "É um desafio, claro. Precisa de muito planejamento, muita atenção aos detalhes. E um bom plano financeiro para ser viável", ela completou, dando a ele um pequeno aceno, como se reconhecesse a parte dele no processo.
Ele riu. "Ah, sim, o plano financeiro. Posso ajudar com isso, se precisar de alguma dica." Havia uma brincadeira em sua voz, mas também uma oferta real, um desejo de se conectar.
Nesse momento, a porta da sala de reunião de Ana Clara se abriu. "Ana Clara?" uma voz chamou.
Ela se virou, sentindo um misto de alívio e uma pontada de decepção. "É a minha vez."
"Boa sorte com seu projeto, Ana Clara", Gabriel disse, sua voz um pouco mais séria agora. "Espero que ele mude o mundo."
Ela sorriu, o coração leve. "E eu espero que seus gráficos sejam sempre favoráveis, Gabriel."
"Sempre torcendo por isso", ele respondeu, e o sorriso dele fez o coração de Ana Clara saltar. Ela se virou e entrou na sala, sentindo a energia daquele encontro.
Gabriel a observou entrar, uma sensação de calor se espalhando por ele. Duas vezes. Não era mais um mero acaso. Era algo mais. Ele pegou o celular de novo, mas não para ligar para ninguém. Em vez disso, abriu um aplicativo de pesquisa. "Concurso de Arquitetura Rio de Janeiro Centro Comunitário". Ele tinha que saber mais. Tinha que entender o mundo dela, o mundo que parecia ter acabado de cruzar o seu. A rotina dele, tão controlada e previsível, tinha sido interrompida de novo. E, pela segunda vez, ele não se importava. Ele estava curioso. Extremamente curioso.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!