O relógio da parede marcava exatamente 23h12 quando Isabella ouviu o som abafado de pneus rasgando o cascalho. Seu coração disparou.
Ela correu até a janela e, com mãos trêmulas, afastou a cortina. Três carros pretos com vidros escurecidos paravam diante da casa. Homens armados desciam dos veículos, ocupando posições estratégicas.
Ela sentiu um calafrio percorrer a espinha.
— Pai…? — chamou, descendo as escadas apressada. Encontrou o pai na sala, pálido, sentado no sofá com o rosto enterrado nas mãos. — Quem são essas pessoas?
Ele demorou alguns segundos para responder, e quando o fez, sua voz mal passou de um sussurro.
— Me perdoa, Bella… eu tentei resolver de outra forma, mas… não tive escolha.
— Do que você está falando?
Antes que ele pudesse responder, a porta da frente foi aberta com brutalidade.
Homens de terno escuro entraram com passos calculados. E então ele apareceu.
Alessandro Moretti.
Frio. Intimidante. Seu olhar carregava a escuridão de um homem que já tinha visto — e causado — coisas terríveis. Nenhuma emoção em seu rosto. Nenhuma hesitação.
— É ela? — perguntou, apontando com o queixo para Isabella.
— É. — respondeu um dos homens.
Ela recuou um passo, instintivamente.
— O que está acontecendo aqui?
Alessandro caminhou até ela com passos lentos. Parou a menos de um metro de distância. Ela podia sentir o cheiro do perfume dele: forte, amadeirado, sufocante.
— Seu pai me deve mais do que pode pagar. E como pagamento… você será minha esposa.
— Você está louco. — ela sussurrou, os olhos marejando de raiva. — Eu não sou moeda de troca.
— Não é? — Ele sorriu de canto, mas sem humor. — Então deveria ter escolhido melhor a família em que nasceu.
Ela o olhou com ódio, mas manteve a cabeça erguida.
— Eu não vou me casar com você.
Alessandro a encarou por um longo tempo. O silêncio entre eles era pesado, cortante.
— Vai sim. Amanhã. No civil. Às 10h. Com ou sem sua boa vontade. — E se virou para sair. — Levem-na.
— Pai! — Isabella gritou, se debatendo, enquanto dois capangas a seguravam pelos braços.
O pai dela continuava sentado, chorando em silêncio, incapaz de encará-la.
— Eu sinto muito, filha…
Essas foram as últimas palavras que ela ouviu antes de ser colocada à força dentro do carro preto.
⸻
A viagem foi silenciosa. Isabella estava sentada entre dois homens armados, olhando para o nada, com o coração apertado de medo e raiva. Não sabia para onde estava sendo levada, nem o que a esperava. Só sabia que sua vida como conhecia havia acabado.
Cerca de uma hora depois, os portões de ferro de uma imensa propriedade se abriram diante deles. A mansão era monumental, feita de pedra antiga, com varandas enormes, colunas e seguranças espalhados por toda parte.
Assim que o carro parou, Alessandro abriu a porta do lado de fora. Ele mesmo.
— Bem-vinda ao seu novo lar, Isabella.
A voz dele era baixa, controlada, quase cruel em sua calma.
Ela desceu, sem dar-lhe um segundo olhar. Apenas disse com firmeza:
— Eu posso estar entrando aqui hoje, mas não vou me curvar a você.
— Não preciso que se curve — ele respondeu, indiferente. — Só que cumpra o que agora me pertence.
Ele virou as costas, e Isabella foi levada por uma mulher de aparência severa para o quarto que ocuparia naquela noite. Um quarto luxuoso, mas gelado, como um castelo de pedra. Sem alma. Sem liberdade.
E lá, diante do espelho, ela olhou para si mesma.
Noiva. Prisioneira. Peça de barganha.
Mas também… semente de algo que nem Alessandro sabia que estava prestes a florescer:
uma ameaça silenciosa ao seu império de ferro.
Isabella
Alessandro
O sol mal havia nascido quando Isabella foi acordada pelo som firme de batidas na porta.
— Levante-se. — A voz da mulher que a acompanhara no dia anterior ecoou do outro lado da porta. — O casamento será às 10h. Temos pouco tempo.
Isabella demorou alguns segundos para processar. Então se sentou na enorme cama com os olhos ainda turvos, o peito apertado. Não havia sido um pesadelo.
Ela realmente estava ali. E ia se casar com um homem que mal conhecia. Um homem que a comprou como se fosse um objeto.
Vestiram-na como se fosse uma boneca. Um vestido branco simples, mas absurdamente caro, com cortes elegantes e um véu curto preso aos cabelos soltos. Sem maquiagem pesada. Só o suficiente para esconder os olhos inchados de uma noite mal dormida.
Isabella não disse uma palavra. Não demonstrou emoção. Era como se tivesse construído um escudo invisível.
Mas por dentro, cada passo até o carro que a levaria ao cartório era uma ferida aberta. Sua garganta ardia de tanto engolir as palavras que queria gritar. Sentia-se engolida por uma tempestade silenciosa, prestes a explodir.
O cartório era discreto, reservado. Um lugar onde negócios sujos como aquele podiam ser oficializados com discrição.
Alessandro já a esperava na entrada. Trajava um terno escuro, impecável, e mantinha as mãos cruzadas atrás das costas. Seus olhos a analisaram de cima a baixo. Mas não disse nada.
Ela também não.
Caminharam lado a lado, como dois estranhos unidos por um destino cruel. Apenas o som dos sapatos no chão polido quebrava o silêncio opressor entre eles.
No interior da sala, o juiz de paz aguardava com a documentação pronta.
— Vamos começar? — ele perguntou, desconfortável ao notar a tensão no ar. — Nome completo da noiva?
Isabella olhou para Alessandro, depois para o juiz.
— Isabella Mancini. E estou aqui contra a minha vontade.
O juiz congelou por um segundo. Olhou para Alessandro, depois para um dos homens de terno que estava ali como “testemunha”.
Alessandro não disse nada. Apenas cruzou os braços e fitou Isabella, sério. Então se aproximou dela, devagar.
— Você pode dificultar isso o quanto quiser, Isabella. Mas no final, o resultado será o mesmo.
Ela o encarou, o queixo erguido. A voz saiu fria como gelo:
— Eu não tenho medo de você.
— Deveria. — Ele respondeu, sussurrando perto demais. — Mas prefiro assim. Gosto quando lutam. Dá mais sabor à conquista.
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Os votos foram lidos. Automáticos. Sem emoção. Nenhuma troca de olhares. Nenhuma palavra além do necessário.
Quando o juiz declarou os dois como marido e mulher, Alessandro se virou lentamente para ela.
— Acabou. Agora você é minha.
Isabella respondeu com o mesmo tom gélido:
— Sou sua prisioneira. Isso não é casamento. É sequestro.
Alessandro se aproximou. Por um segundo, ela pensou que ele fosse beijá-la. Mas ele apenas passou os dedos pelo rosto dela, como se quisesse marcar território.
— Prisioneira ou esposa… depende de você. Eu ofereço um palácio. Mas posso fazer dele um inferno, se quiser.
Isabella segurou as lágrimas. Não daria esse prazer a ele.
— Então prepare-se. Porque eu sou fogo. E vou queimar tudo que tentar me apagar.
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Na volta para a mansão, o clima era ainda mais denso. Alessandro não disse uma palavra. Apenas dirigiu o próprio carro, algo que Isabella achou estranho para alguém acostumado a mandar.
— Por que está dirigindo? — ela perguntou, quebrando o silêncio pela primeira vez.
— Porque não confio em ninguém no dia do meu casamento. — respondeu, sem olhar para ela. — Nem em você.
Ela olhou pela janela e murmurou:
— Nem eu confio mais em mim.
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Ao chegarem, foram recebidos por empregados enfileirados. Alguns pareciam indiferentes. Outros, curiosos. Uma mulher mais velha, de olhar penetrante e postura firme, desceu as escadas da entrada.
— Finalmente. — ela disse. — Sou Donatella, governanta da casa. Senhora Moretti, será escoltada ao quarto. Seus pertences já foram trazidos.
Isabella subiu sem olhar para trás.
Naquela noite, não houve festa. Não houve brinde. Não houve lua de mel.
Apenas o som do vento soprando forte contra as janelas de pedra.
E no quarto trancado onde agora dormia, Isabella fez uma promessa a si mesma:
“Eu posso ter perdido a liberdade, mas não perderei minha alma. Um dia, ele vai me olhar e se arrepender de ter cruzado meu caminho.”
Do outro lado da mansão, sozinho em seu escritório, Alessandro segurava um copo de uísque. Seus olhos estavam fixos no retrato antigo de seu pai, que também fizera escolhas difíceis no nome da honra.
— O que eu fiz, velho? — murmurou. — Trouxe o caos para dentro da minha casa… com um vestido branco e olhos que me desafiam.
Ele tomou um gole.
Mas era tarde demais.
O juramento já estava feito.
O império já tinha sido infiltrado.
Por ela.
A noite caiu sobre a mansão como um véu pesado. Cada parede de pedra parecia guardar segredos antigos, sussurrando histórias de poder, medo… e solidão.
Isabella estava sentada na beira da cama, ainda vestida com o mesmo vestido branco do casamento. O véu havia sido arrancado e deixado no chão, como uma lembrança do que ela havia perdido: liberdade, dignidade, escolhas.
Ela não chorava. Apenas observava seu reflexo no espelho, como se tentasse reconhecer a mulher que havia se tornado em poucas horas.
O clique da maçaneta girando ecoou pelo quarto.
Ela se virou lentamente.
Alessandro entrou, sem pressa. Já havia deixado o paletó e a gravata em algum lugar. As mangas da camisa estavam dobradas, os botões parcialmente abertos. Os olhos escuros estavam fixos nela com uma intensidade desconcertante.
— Achei que você tivesse mais senso de oportunidade — ele disse, fechando a porta atrás de si.
— Se veio aqui com ideias… — Isabella se levantou, a voz firme. — Volte por onde veio. Não vai acontecer nada entre nós.
Ele a observou por um longo tempo. Não deu um passo sequer. Apenas deixou o silêncio pesar entre os dois.
— Você fala como se tivesse escolha.
— Tenho. — Ela cruzou os braços. — Meu corpo é meu.
Ele se aproximou. Lento, perigoso, como um animal que ronda a presa não com pressa, mas com certeza.
— Você está na minha casa, usa meu sobrenome… e agora, é minha mulher. — Sua voz era baixa, grave, como uma ameaça envolta em seda. — Achei que sabíamos onde essa estrada terminava.
— Então me subestime. Vai descobrir que o inferno tem uma versão feminina.
Ele sorriu de canto. Mas não foi um sorriso real. Foi um reflexo sombrio de algo mais profundo: raiva, frustração… ou desejo contido.
Alessandro avançou mais um passo. Isabella manteve o queixo erguido, embora sentisse o coração pulsar como se fosse explodir.
— Não me toque — ela avisou.
Ele ergueu uma das mãos e, ao invés de tocá-la, tirou a própria camisa devagar. Não havia pressa. Havia provocação. Ele sabia o efeito que causava. E queria que ela visse.
Isabella desviou o olhar por um segundo, odiando a si mesma por sentir o sangue ferver sob a pele.
— Você acha que pode me intimidar com músculos e um sobrenome sujo? — ela cuspiu as palavras.
— Não. — Ele se aproximou até ficar a poucos centímetros. — Mas posso te fazer tremer por motivos bem diferentes.
Antes que ela pudesse retrucar, Alessandro segurou seu queixo com firmeza e a obrigou a encará-lo.
— Você odeia a ideia de ser minha. Mas seu corpo… — ele aproximou os lábios do ouvido dela — …vai aprender a gostar. Até implorar.
Ela empurrou seu peito com as duas mãos, o coração batendo descontrolado.
— Eu nunca vou me render.
Ele não respondeu. Apenas a olhou nos olhos por longos segundos, e então se afastou… caminhou até a porta, abriu e disse:
— Você venceu, essa noite. Somente essa noite
E então, sem mais nada, saiu do quarto.
Isabella ficou sozinha, a respiração acelerada, o corpo em alerta… mas não era medo o que a queimava por dentro.
Era confusão. Ódio. Desejo. Raiva de si mesma por um lado do seu corpo ter estremecido com a presença dele.
Ela se jogou na cama, cobrindo o rosto com as mãos, murmurando para si:
— Eu não posso… não posso sentir isso por ele.
Mas no fundo, já sabia:
a guerra entre eles havia começado.
E não era só uma guerra de poder.
Era uma guerra de pele.
De vontade.
De quem cairia primeiro.
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