... O peso do nome Teresa...
Teresa tinha apenas 20 anos quando o pai, de olhos duros e voz irrefutável, decretou seu destino.
— Você vai se casar — disse ele, batendo a palma da mão sobre a mesa da cozinha. — Já passou da idade, e homem bom não espera mulher indecisa.
O mundo tremeu dentro dela. Não era só a voz dele que estremecia a casa — era a certeza de que sua vida, a vida que queria, escorria pelos dedos como água morna. Teresa sonhava com cadernos, livros, crianças chamando-a de "professora". Mas o pai via isso como fantasia inútil.
Ela tentou argumentar, os olhos marejados.
— Pai… eu queria estudar…
— Estudar? Vai estudar pra quê, Teresa? Mulher minha casa. Professora de quê? Vai é aprender a cuidar de marido, é isso que você vai fazer.
A mãe estava ali, como sempre, entre os dois. Sentada na ponta da mesa, com o olhar abaixado, apertava o lenço nas mãos. Quando Teresa chorou mais alto, foi nos braços dela que caiu.
— Minha filha… — murmurou a mãe, entre soluços contidos. — Não enfrenta seu pai. Ele só quer o melhor. Se você não aceitar, ele cumpre o que disse… vai te botar pra fora.
Ser expulsa de casa, sozinha no mundo... O medo foi mais forte que o sonho.
O noivo chegou uma semana depois. Um amigo do pai, homem sério, advogado, trinta anos mais velho. Aos olhos da vizinhança, era uma bênção. Educado. Gentil. Trazia flores e falava baixo, com modos doces. Teresa se calou. A dor era silenciosa, e ninguém parecia ouvi-la.
Casaram-se em poucos meses. Nos primeiros dias, ele continuou o mesmo. Sorrisos. Café na cama. Promessas de uma vida tranquila. Mas foi só o tempo passar para que as paredes da casa revelassem outra versão dele — uma versão que gritava sem levantar a voz.
No silêncio da noite, ele se tornava um monstro. Controlava cada passo, cada palavra. Batia com frieza. Forçava-a no quarto, mesmo quando ela suplicava para não ser tocada. Teresa chorava todos os dias, mas em segredo. Sabia que ninguém acreditaria nela.
Nas horas em que ele saía para o escritório, ela respirava. Só então o peito se abria um pouco. Escondia livros sob o colchão. Estudava com o que podia. Lia à luz fraca da tarde, como se cada página roubada fosse uma semente do mundo que desejava.
Ele odiava vê-la lendo. Dizia que mulher com ideias demais era mulher que esquecia o lugar dela.
Mas Teresa lia mesmo assim.
Porque, no fundo, mesmo sem saber quando ou como, ela ainda acreditava: um dia, haveria mais para ela do que a prisão de um nome escrito num papel de casamento.
...O sim de Aurora...
Francisco lhe entregou um buquê de flores amarelas — suas favoritas — e perguntou, com um sorriso terno e mãos trêmulas:
— Casa comigo?
Aurora sorriu. Não precisou pensar.
Como poderia dizer não ao seu melhor amigo?
Namoravam havia cinco anos. Ele sempre foi gentil, respeitoso, paciente. Era da mesma idade, trabalhava no comércio dos pais desde cedo, um bom filho, um homem que todos consideravam digno e correto.
Dizer sim pareceu o certo. O natural. O esperado.
As duas famílias celebraram o noivado como quem recebe uma bênção.
Ela também se sentia feliz. Ou, ao menos, dizia a si mesma que deveria estar.
Francisco não mudou com o tempo. Não endureceu, não gritou, não a machucou. Pelo contrário — tornou-se ainda mais cuidadoso, mais presente, um marido dedicado. Não havia o que criticar.
Aurora engravidou poucos meses após o casamento.
Deu à luz um menino saudável, e ver o filho nos braços a fez sentir que estava exatamente onde deveria estar.
Ela era mãe. Era esposa. E estava, de alguma forma, em paz.
Mesmo sem amar Francisco.
Não que ele não fosse amável. Era. Mas o coração de Aurora batia num ritmo diferente.
Ela sempre achou que fosse normal o que sentia — ou o que não sentia.
Com o tempo, aprendeu a nomear aquilo como felicidade.
Afinal, ela tinha tudo que disseram que deveria querer.
E às vezes, pensava: talvez o amor não fosse tão importante assim.
...O luto antes da morte...
Em 1984, Teresa já não era a jovem que chorava escondida na saia da mãe. Um ano de casamento havia se transformado numa prisão de portas trancadas por dentro e por fora.
A pressão por um filho crescia a cada visita da sogra, a cada vizinha curiosa, a cada olhar carregado de julgamento. Mas era dentro de casa que o peso esmagava mais.
Osvaldo a procurava quase todas as noites. O toque não era carinho — era cobrança, era invasão. Teresa se encolhia por dentro, com medo do parto, com medo do corpo, com medo dele.
E mesmo assim, engravidou.
Nos primeiros meses, teve medo. Chorou em silêncio, enquanto o ventre crescia sob as roupas largas.
Mas com o tempo, o bebê se tornou sua única esperança de amor.
O corpo que carregava em si era o único que não a feriria.
Ela começou a sonhar com o pequeno, com as mãos minúsculas, com a chance de proteger alguém — e, quem sabe, de ser protegida pela primeira vez.
Naquela noite, passava das onze. Ela adormeceu no sofá com um livro no colo, esperando Osvaldo.
Quando ele entrou, bêbado, as palavras vieram como lâminas.
— Você me espera lendo, é isso? Tentando ser melhor do que eu?
Ele arrancou o livro de suas mãos, viu a capa, gritou.
A palma estalou no rosto dela.
Teresa gritou. Pediu para ele parar.
Mas ele não soube ouvir.
Puxou-a pelos cabelos. A sala virou um campo de guerra.
Chutes. Socos.
Um golpe na barriga.
Outro.
Teresa parou de gritar. Fechou os olhos.
Rezou.
Protegeu a barriga como pôde.
Mas não foi suficiente.
Quando ele terminou, foi tomar banho.
Deitou e dormiu como se nada tivesse acontecido.
Ela ficou ali, no chão, com o sangue escorrendo pelas pernas.
Ligou para a mãe com dedos trêmulos.
— Mãe... vem me buscar.
Um médico da família foi chamado às pressas.
No hospital, veio a confirmação.
Teresa havia perdido o filho.
O filho que, no início, não quis...
Mas que aprendeu a amar com todo o corpo, com toda a dor.
Osvaldo disse que a culpa era dela.
— Você não me ama. Você não me respeita. Você matou nosso filho.
E Teresa acreditou.
As pessoas também acreditaram.
Ele era o marido. O advogado. O homem respeitável que “bebia demais, coitado, por causa da esposa difícil”.
Ela se calou.
Ele continuou bebendo.
Aos poucos, deixou de trabalhar.
Teresa, ainda se recompondo da perda, começou a trabalhar numa loja de tecidos. Vendedora. Silenciosa. Invisível.
Sustentava a casa. Sustentava Osvaldo.
E, à noite, quando voltava, ainda recebia tapas, insultos — e os beijos forçados que vinham depois.
Ela já não chorava.
O coração de Teresa estava duro.
Amargo.
Calcificado pela dor.
Osvaldo foi diagnosticado com cirrose um ano depois. O fígado apodreceu antes da alma.
E quando morreu, Teresa não chorou.
Não vestiu preto.
Não desabou.
Apenas murmurou para si mesma, no silêncio do quarto:
— Que sorte eu tive. Agora, talvez… eu consiga ser feliz.
Para os outros, era só mais uma viúva jovem.
Coitada.
Cinco anos de casamento. Tão nova. Tão sozinha.
Logo arrumaria outro, diziam.
Mas Teresa sabia.
Pela primeira vez, desde que dissera "sim", ela estava livre.
A canção que Aurora não sabia cantar
Aurora sorria.
Era uma mulher casada, mãe de um menino saudável e com outro bebê a caminho — uma menina.
O sonho de um casal de filhos se realizava.
Francisco fazia questão de mimar cada centímetro daquela felicidade: buquês de flores frescas pela casa, poemas deixados entre as páginas dos livros, presentes escolhidos com carinho.
Aurora dizia, para si e para todos:
— Eu sou feliz.
E talvez fosse.
Ou talvez só repetisse o que aprendeu a acreditar.
Aos domingos, iam à missa. Francisco era um homem de fé; ela, nem tanto. Mas gostava da ideia de estar ali com a família, de ver o filho em silêncio, de sentir a paz que o ritual trazia.
Foi numa dessas manhãs que ouviu, pela primeira vez, a voz dela.
A mulher que cantava tinha algo na voz que não cabia apenas no coral — havia calor, ternura, uma melodia que atravessava os muros do peito de Aurora.
Cantava como quem confessava.
Aurora passou a prestar mais atenção nos cantos do que nas pregações.
E depois, passou a ir à missa também nas terças, nas quintas... só para ouvir aquela voz.
Era uma desculpa que ela mesma acreditava.
Um dia, começaram a conversar.
A mulher do canto tinha sorriso fácil, olhos que sabiam escutar e uma doçura que deixava Aurora inquieta.
Tornaram-se amigas.
Aurora sentia o corpo diferente ao lado dela — algo pulsava por dentro, como se o mundo ganhasse outra cor.
Mas ela ignorou.
— É só uma amiga — dizia, tentando calar o que sentia.
Até que a amiga se casou.
Parou de cantar.
Parou de ir à igreja.
E Aurora sentiu sua falta como quem perde um segredo que ainda não teve coragem de contar nem para si mesma.
Em casa, tudo seguia igual.
Francisco continuava sendo o homem ideal.
O filho crescia forte.
A gravidez avançava bem.
Mas havia uma nota silenciosa dentro de Aurora — um acorde incompleto, uma melodia suspensa no ar, que ela não sabia nomear.
Ainda não.
...🌸...
...Uma sobreviveu ao silêncio....
...A outra se perdeu numa canção....
...Duas mulheres, dois destinos... e um amor que ainda não sabem que existe. 💫...
...Se esse drama delicado, intenso e cheio de sentimento te tocou......
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...E fica por aqui... porque o coração de Teresa e Aurora ainda tem muito a florescer. 🌷...
...O que nasce da dor...
O parto da filha de Aurora quase levou sua vida.
A dor veio como um mar revolto, arrancando cada fôlego com violência. Os médicos sussurravam termos técnicos, mas ela só pensava em uma coisa: ver o rosto da filha.
Ela lutou.
Com tudo que tinha.
Com a força de quem ama profundamente e ainda não está pronta para partir.
Aurora sobreviveu — e naquele choro de recém-nascida, ouviu seu renascimento.
Francisco foi um pilar.
Cuidava dela com mãos ternas e olhos vigilantes.
Trabalhava mais, sorria menos, mas tudo que fazia era por ela e pelas crianças.
Era um homem bom.
E ela sabia disso.
Com seis meses de recuperação, Aurora já fazia tudo sozinha.
Cuidava do filho de cinco anos, embalava a bebê nos braços com olhos cansados e alma inteira.
Vivia para sua família.
Para o lar que construíram juntos.
Nunca reclamava.
Mas também não havia espaço para mais nada além da rotina, dos cuidados, dos silêncios que escolhia não nomear.
...🌸...
Enquanto isso, Teresa reconstruía a própria vida com as mãos.
Sozinha no mundo, trabalhou dobrado.
Economizava cada centavo.
Estudava à noite, entre o cansaço do corpo e a chama acesa do sonho antigo: ser professora.
Seu desejo crescia a cada página, a cada lição decorada com olhos ardendo de sono.
Quando os pais a visitavam, vinham com as frases de sempre:
— Você precisa se casar de novo, Teresa. Refazer sua vida.
Ela respondia com firmeza:
— Já refiz. E não preciso de homem nenhum pra isso.
O pai torcia o nariz.
A mãe, sempre mais silenciosa, murmurava quando estavam a sós:
— Seja feliz, minha filha... do seu jeito.
E assim, em dois mundos tão diferentes, duas mulheres viviam.
Uma acreditando que já tinha tudo.
A outra descobrindo que podia ser tudo — sozinha.
Teresa tinha 27 anos quando decidiu que era hora.
Hora de correr atrás do que era dela — não por obrigação, nem por sobrevivência, mas por desejo.
Era tempo de viver um sonho antigo que nunca morreu, mesmo quando o mundo tentou enterrá-lo.
Começou o curso de magistério com o coração cheio de esperança e o bolso apertado.
Trabalhava menos — meio período numa loja de tecidos — e estudava à tarde e à noite.
A herança deixada por Osvaldo resumia-se àquela casa simples onde ainda morava.
Não era muito. Mas era um começo.
Ela economizava cada centavo.
Comprava livros usados, fazia marmita em casa, usava roupas antigas com o cuidado de quem lava sonhos à mão.
Foram três anos e meio de esforço contínuo, sem feriados, sem luxos, sem ninguém aplaudindo.
Mas ela não precisava de plateia.
Tinha a si mesma — e isso bastava.
Quando finalmente se formou, foi como se algo dentro dela ganhasse cor.
Conseguiu uma vaga numa escola pública para dar aulas ao infantil.
O chão da sala era gasto, os brinquedos antigos, mas nada disso importava.
Cada olhar curioso, cada mãozinha levantada, cada “tia, me ajuda?” era uma celebração.
Teresa sorria.
De pé diante de uma lousa, com giz na mão e brilho nos olhos, ela era tudo o que sonhara ser.
Professora.
A vida ainda era simples.
O salário, apertado.
A solidão, constante.
Mas pela primeira vez, o que preenchia seus dias não era dor — era orgulho.
Ela havia chegado até ali.
Sangrando, caindo, recomeçando.
E agora estava em pé.
Inteira.
...🌸...
...O que faltava no meio da felicidade...
O ano era 2000. O mundo não acabou.
E Aurora riu disso ao lado de Francisco, entre um café quente e os olhares cúmplices de quem envelhecia junto.
— Estamos vivos — ele disse, sorrindo.
— Mais um ano para agradecer — ela respondeu.
E naquele instante, era verdade.
Aos 35 anos, com dois filhos quase crescidos e um casamento estável, Aurora parecia ter vencido todas as batalhas certas.
Mas havia algo — um silêncio nas manhãs longas, uma inquietação que nem os risos da família preenchiam.
Não tinha uma profissão.
Nunca teve.
Era dona de casa, mãe dedicada, esposa confiável.
E, por dentro, uma mulher cansada de fingir que isso bastava.
Nos livros, ela encontrava consolo.
Ali, as personagens ousavam sentir.
Amavam com intensidade, descobriam desejos, enfrentavam medos.
Ela, não.
Dizia para si mesma:
— Já estou velha para estudar. Velha para mudar. Velha para amar.
Mas por que, então, sentia esse vazio mesmo ao lado de um marido tão bom?
Francisco era tudo que um homem deveria ser.
Trabalhador, gentil, apaixonado.
A cada tentativa de Aurora em reacender algo — sugerindo alguma fantasia lida em romances eróticos — ele se encantava mais.
Realizava tudo.
Como se estivessem vivendo uma lua de mel madura.
Mas ela continuava… vazia.
Não era prazer.
Não era desejo.
Não era amor de casal.
Era amizade.
Era gratidão.
E só.
Aurora se culpava por isso.
Sentia vergonha.
— Como posso não amar um homem tão bom?
Mas por mais que se esforçasse, não conseguia mentir para si mesma.
Não queria mais ser a esposa de Francisco.
Queria continuar sendo sua amiga — sua companheira de vida, talvez. Mas não sua mulher.
Não era ele que faltava.
Era ela.
Era algo dentro dela que ainda não havia se permitido nascer.
...🌸...
...O corpo e o futuro...
Teresa morava sozinha.
E, ao contrário do que muitos pensavam, não sentia solidão — sentia paz.
Depois de tudo que viveu, aprendeu que sua própria companhia era mais segura do que qualquer promessa de amor.
Não se iludia com romances.
Não buscava carinho em outro corpo.
Quando a carência apertava, ela se bastava.
Tocava a si mesma com o cuidado que ninguém jamais teve com ela.
E, mesmo quando a vergonha fazia a pele arder, logo se lembrava:
— Antes isso… do que reviver o inferno de ser tocada por alguém que me odiava no silêncio.
O corpo era dela agora.
Finalmente.
Aos 35 anos, ela era professora em tempo integral e tinha um salário simples, mas digno.
Gostava do que fazia.
Gostava de inspirar.
Mas algo dentro dela queria mais.
Com a virada do milênio, surgiu a ideia — ousada, para muitos — de começar uma graduação em Pedagogia.
— O mundo está mudando — dizia. — E eu também posso mudar.
Enquanto os colegas falavam em aposentadoria, casamento, filhos, Teresa preenchia formulários de inscrição.
Queria saber mais.
Ensinar melhor.
Sentir que não havia idade para recomeçar.
Os anos 2000 chegaram com esperança.
E ela se agarrou a isso como quem segura uma flor crescendo no asfalto: com firmeza, com ternura, com fé.
Teresa não queria mais ser apenas uma sobrevivente.
Ela queria florescer.
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