📖 Dedicatória
A todos que já foram pequenos demais para o mundo,
mas grandes o suficiente para sobreviver a ele.
— Com carinho, Kauan
Capítulo 1 — Onde o sol toca o silêncio
Os pés de Biel afundavam levemente na areia fina, espalhada entre pedaços de capim seco que balançavam com o vento. O sol queimava alto, radiante como nunca, e o céu parecia limpo demais para alguém que carregava tanto dentro de si.
Com a mochila escolar nas costas, ele corria. Não porque estivesse atrasado, nem porque alguém o esperava — mas porque precisava sentir o corpo em movimento. Precisava esquecer.
Ao seu lado, um cachorro grande e desajeitado corria junto, abanando o rabo, como se aquele momento fosse o melhor do mundo. Era o único amigo que ele tinha ali. Biel sorriu, ofegante, mas feliz.
De repente, parou no meio do nada. Em volta, só areia, mato ralo e o som do vento. Nada além disso.
Ele jogou a cabeça para trás, fechou os olhos e gritou.
Gritou como se o mundo inteiro precisasse ouvir, mesmo que não houvesse ninguém ali.
Gritou com força.
Com dor.
Com liberdade.
— AAAAAAAAAAH! —
Sua voz ecoou entre o silêncio dos campos, se perdendo no vazio.
***
Biel caminhava devagar pela estrada de terra, com os tênis já gastos e a mochila balançando em suas costas. O cachorro seguia ao lado, fiel, como se soubesse que, mesmo em silêncio, Biel dizia tudo com os olhos.
Ele olhou para o céu, limpando o suor da testa com a manga da camisa aberta, e então se curvou um pouco para falar com seu amigo de quatro patas.
— Você sabia que eu sou um ômega recessivo, né, Totó? — disse com um sorrisinho cansado. — Mas ninguém pode saber disso... principalmente lá na universidade.
O cachorro o olhou com a língua de fora, abanando o rabo, como se entendesse cada palavra.
— Lá... eles têm preconceito, Totó. Ainda mais com ômegas pobres. — Biel olhou para frente, os olhos ficando meio vidrados. — E se eles descobrirem... vão usar isso contra mim.
Deu um passo lento, pensativo. Depois voltou a sorrir, forçado.
— Mas eu vou fazer amigos! Muitos amigos! — disse, fingindo empolgação, jogando o braço no ar como quem comemorava algo.
— Eu... — riu. — Eu nunca tive amigos, né? Mas tudo bem. Vou ter agora. Vai ser diferente dessa vez.
Totó latiu uma vez, alto, como se estivesse concordando. Biel passou a mão na cabeça dele.
— Você é meu único amigo, sabia? — murmurou. — Mas talvez lá... alguém queira sentar comigo no almoço. Quem sabe até dividir um lanche, ou me chamar pra sair... — sua voz foi diminuindo. — Ou não, né?
O caminho seguia silencioso, com apenas o som de pássaros ao longe e o vento leve batendo nas folhas. Foi então que, ao longe, um barulho familiar surgiu: um pequeno trator, daqueles usados para carregar sacos ou galões de leite, vinha subindo a estrada de terra com um rangido irritante.
Quando o tratorzinho se aproximou, o homem que dirigia, de chapéu de palha e pele queimada do sol, sorriu ao ver Biel.
— Olha só! O rapaz da dona Zefa! Vai pra cidade mesmo?
Biel apenas assentiu, sem mudar a expressão. O homem não se deu por vencido.
— Você e sua avó vão morar lá, é? Abandonar esse paraíso aqui?
Biel respirou fundo. Evitava conversar com as pessoas do vilarejo. Evitava se abrir. Evitava criar laços.
Mas dessa vez, respondeu.
— Eu vou sozinho... — disse, num tom baixo. — Minha vó vai ficar aqui com meu tio.
O homem arqueou a sobrancelha, surpreso.
— Então você sabe falar, hein? Pensei que fosse mudo de tanto que vive calado. Você nunca conversa com ninguém, nunca participa de nada... deve ser bem solitário, né?
As palavras bateram fundo. Biel olhou pro chão, e respondeu, firme, mas triste:
— Eu prefiro assim.
O homem coçou a cabeça, um pouco desconcertado, e acelerou o trator devagar, deixando a poeira subir atrás dele.
— Boa sorte lá, rapaz. A cidade não é fácil, não...
Biel ficou olhando até o trator sumir na curva da estrada. Depois, suspirou. O cachorro se aproximou e deitou aos pés dele, como se sentisse o peso em seu peito.
— Eu sei que não vai ser fácil, Totó... — ele disse, de olhos fechados. — Mas eu preciso tentar. Por mim... e pela minha vó.
Ficaram ali parados por alguns minutos. O tempo parecia desacelerar. Biel pensava em como tudo ia mudar. Em como ele estava indo para um lugar onde ninguém o conhecia... onde poderia ser qualquer coisa. Ou... ninguém.
Ele abaixou-se, apertando o cachorro num abraço forte.
— Fica com a vó, tá? Cuida dela por mim.
O cachorro lambeu sua bochecha. Biel fechou os olhos, segurando o choro.
Sabia que, ao dar o primeiro passo em direção à cidade, deixaria pra trás a única parte de si que ainda era livre.
E foi então que ele caminhou. Sem olhar pra trás.
Sem saber que, do outro lado da cidade, alguém com olhos frios e sorriso perigoso já caminhava no mesmo destino...
Alguém que nunca acreditou no amor.
***
Enquanto Biel caminhava sozinho entre poeira e promessas, do outro lado da cidade, os holofotes iluminavam outro mundo. Um mundo de música ambiente refinada, taças de cristal tilintando, perfumes caros e sorrisos falsos.
Arthur atravessava o salão como quem atravessa um campo de adoração. Homens, mulheres, alfas, ômegas — todos paravam para vê-lo passar.
Não era apenas sua beleza absurda, nem a roupa de grife impecável...
Era o feromônio.
Um feromônio sobrenatural, que deixava o ar denso, os corpos suados, as mentes atordoadas. Ele era o vício. O desejo proibido.
E ele sabia disso.
Sem nem olhar para os lados, seguiu direto para o elevador privativo. As luzes do bar refletiam nos espelhos do lugar enquanto ele entrava sozinho, apertando o botão que levava ao andar VIP — onde seus amigos o esperavam.
Mas, segundos antes das portas se fecharem, uma mulher entrou.
Alta, elegante, com um vestido justo que valorizava cada curva. Ela não disse nada. Apenas encostou-se no canto do elevador e ficou ali, quieta.
Arthur não gostava de interrupções.
Muito menos de presenças que não se derretiam diante dele.
Irritado com a audácia dela, liberou seus feromônios com intensidade. Uma onda quente, invisível, poderosa. Era o suficiente para fazer até um beta desmaiar de prazer, ou um ômega cair de joelhos.
Mas... ela não se moveu.
Nenhuma reação. Nenhum suspiro. Nenhum arrepio.
A mulher apenas olhou para frente, e quando o elevador chegou ao andar dela, saiu sem dizer uma palavra.
Sumiu nos corredores como uma sombra.
Como se ele fosse... comum.
Arthur ficou parado, completamente em silêncio. A testa franzida. Os olhos fixos na porta do elevador, agora fechada.
"Como assim ela não reagiu aos meus feromônios...? Até um beta teria ficado tonto..."
Foi então que a porta do lounge VIP se abriu com um estalo, e um de seus amigos entrou no elevador com um copo na mão, sorrindo.
— Ei, cara! Tá aí parado por quê? Ficou congelado? — riu, dando um tapa leve no ombro de Arthur. — O que foi?
Arthur piscou devagar, como se estivesse voltando à realidade.
— Acho... que eu encontrei a minha Cinderela.
O amigo gargalhou alto.
— Cinderela?! Você já tá de olho em outra garota? Você mesmo falou que tava cansado das últimas...
Arthur não respondeu de imediato. Apenas olhou para o chão com um meio sorriso.
— Essa é diferente.
O amigo o empurrou de leve com o ombro.
— Diferente? Igual a de ontem? Igual a da semana passada? Todas são "diferentes", Arthur. Você mesmo que disse. Depois larga no dia seguinte...
Arthur olhou para o espelho do elevador. E pela primeira vez... duvidou disso.
— Não... essa é diferente de verdade. Ela me ignorou.
O amigo ergueu uma sobrancelha.
— Ignorou? Quem ignora você?
Arthur sorriu de lado. Um sorriso entre raiva e fascínio.
— Não faço ideia. Mas vou descobrir.
O elevador apitou. As portas se abriram. E eles saíram caminhando em direção à área VIP, onde luzes de neon e garrafas caras os aguardavam.
Mas Arthur não conseguia tirar da mente aquela sensação... aquela mulher.
Aquela... resistência.
***
A casa de dona Zefa era simples, com paredes amareladas e cheiro de café recém-feito. O sofá de couro rachado fazia um barulho engraçado toda vez que Biel se mexia. Ele estava ali, deitado com a cabeça no colo da avó, enquanto ela penteava seus cabelos curtos com uma escova antiga, com cerdas já gastas.
Na televisão, uma novela passava, mas nenhum dos dois prestava realmente atenção. Era só o som de fundo, o conforto de uma rotina que estava prestes a acabar.
— Você cresceu tanto, meu menino... — disse dona Zefa com a voz mansa, acariciando o topo da cabeça dele com os dedos finos e enrugados. — Parece que foi ontem que você caía no terreiro correndo atrás de galinha com o bumbum de fora.
Biel sorriu, tímido.
— Vó... — disse em voz baixa. — Eu ainda nem fui embora e a senhora já tá com saudade?
— Já tô, sim. E não é pouca, não — respondeu ela, beijando a testa dele. — Eu cuidei de você desde que era um feijãozinho. Agora vai pra cidade grande, estudar, viver... virar médico.
Ele riu, meio sem graça.
— Enfermeiro, vó. Primeiro eu quero fazer enfermagem... depois, quem sabe, medicina. Se eu conseguir uma bolsa boa, talvez...
— Vai conseguir, sim — interrompeu ela, firme. — Porque você é o menino mais inteligente que eu já vi. E porque Deus tá com você. Sempre esteve.
Biel mordeu o lábio, tentando segurar a emoção. A avó o conhecia como ninguém. Sabia quando ele sorria de verdade e quando fingia.
— Promete que vai me visitar? — perguntou ela, suavemente. — Que não vai esquecer de mim?
— Nunca, vó... eu vou voltar todos os finais de semana, se puder. Vou trazer remédio, comida boa, tudo o que a senhora quiser. Vou cuidar da senhora igual a senhora cuidou de mim.
Ela sorriu com os olhos cheios d’água.
— Quero só um abraço... e que você seja feliz, Bielzinho.
— Vó... — ele respirou fundo, como quem carregava o mundo. — E se eles descobrirem... o que eu sou?
Ela parou de pentear o cabelo por um segundo.
— Você é um menino bom. Isso é o que você é. O resto... é só rótulo. Não deixa ninguém te diminuir por causa disso.
— Mas eles vão, vó. Lá na cidade, ômega é tratado como lixo. E eu ainda sou... recessivo.
— Olha pra mim — disse dona Zefa, virando o rosto dele delicadamente. — Você é mais forte do que pensa. E mais especial do que todos eles juntos.
Ele assentiu em silêncio, com o peito apertado.
— Quando você estiver se sentindo sozinho, lembra disso aqui — ela colocou a mão sobre o coração dele. — Aqui mora sua força. E aqui — ela tocou na própria testa dele — mora sua sabedoria.
— Vó...
— E aqui — ela apertou a mão dele — mora o amor que eu sinto por você. Isso ninguém tira.
Eles ficaram ali em silêncio por um tempo, enquanto a novela seguia com gritos e traições, contrastando com a paz daquele momento.
Do lado de fora, o cachorro Totó dormia na varanda, como se estivesse em vigília. A noite caía, suave, cobrindo os últimos minutos antes da partida.
Do outro lado da cidade...
No alto do prédio mais caro da zona nobre, dentro de um lounge privativo, riam alto, brindavam e faziam planos.
Arthur estava recostado numa poltrona de couro escuro, com um copo de uísque na mão e um olhar entediado. Os amigos, todos alfas como ele, conversavam animadamente.
— Esse ano, estamos na unidade principal — dizia um dos rapazes, um moreno de olhos verdes chamado Logan. — Agora que você voltou do exterior, finalmente vamos estudar juntos de novo.
— É — disse outro, loiro, com um sorriso convencido. — E com a gente no campus... a universidade vai tremer.
Arthur deu um pequeno sorriso sem graça e levou o copo à boca.
— Não vejo a hora de colocar tudo sob a minha ordem de novo.
Logan gargalhou.
— Ah, o rei voltou pro trono... o diretor até ligou pra mim essa semana. Disse que tá animado por eu estar estudando lá.
— O diretor já tá comendo na nossa mão faz tempo — comentou o outro. — Ele sabe que com a gente no campus, a reputação da universidade vai subir.
Arthur riu baixo, sem entusiasmo.
— Estou muito entediado esse tempo...
— Ah, não começa com essa de novo — disse Logan. — Você vive reclamando. Sabe o que tá faltando? Um desafio de verdade. Algo... inesperado.
Arthur ficou em silêncio. Seu olhar vagava pelas luzes da cidade pela janela enorme atrás deles.
"Desafio..." — pensou.
A lembrança da mulher no elevador voltou. A forma como ela o ignorou. Como o feromônio não fez nem cócegas nela.
"E se... alguém como ela aparecesse de novo?"
Arthur girou o copo em mãos, observando o uísque dançar no fundo. A noite ainda era jovem. E o semestre estava só começando.
Mal sabia ele que seu maior desafio estava a caminho, num ônibus velho, com uma mochila rasgada e um brilho doce nos olhos.
Um garoto chamado Biel.
CONTINUA...
O corredor do prédio da universidade era longo, silencioso e moderno. As paredes eram brancas com luzes frias no teto. Cada porta numerada tinha uma aparência idêntica — fria, sem alma. Biel se sentia pequeno ali, segurando sua mochila nas costas e uma sacola plástica com pão, um suco e um caderno apertado contra o peito.
O número 308 piscava em vermelho, informando que a porta estava destrancada. Ele parou diante dela, respirou fundo e girou a maçaneta devagar.
Assim que entrou, parou no mesmo instante.
O quarto era enorme. Muito maior do que ele imaginava. Havia duas camas de casal, uma do lado direito e outra do lado esquerdo, com lençóis escuros e travesseiros impecáveis. Em frente às camas, uma TV enorme estava presa à parede, ainda desligada. Entre elas, uma mesinha moderna com dois controles e uma planta falsa no centro. Logo ao lado, uma pequena cozinha americana — balcão, micro-ondas, armários brancos, uma geladeira nova.
Mas o que realmente chamou a atenção de Biel foram as caixas e malas jogadas de um lado do quarto. Malas de couro, caixas com etiquetas de grife, algumas abertas, com roupas dobradas perfeitamente.
Ele olhou para um lado... depois para o outro.
— Alguém já tá aqui — murmurou para si mesmo. — Mas... não tem ninguém.
Andou devagar até a cama do lado esquerdo — onde não havia bagunça — e deixou sua mochila ali. O colchão era macio demais para alguém acostumado com um sofá torto e um travesseiro velho. Biel quase se sentiu culpado por sentar ali.
Observou o guarda-roupa ao lado da cama. Estava entreaberto. Curioso, Biel puxou a porta.
Ali, cuidadosamente pendurado, estava o uniforme da universidade.
Um short curto, azul-escuro, com o símbolo da universidade bordado na lateral.
Uma camisa branca formal, de tecido fino, com seu nome bordado no peito:
"Biel D. R."
Ele tocou o tecido com cuidado, como se fosse algo sagrado.
— Isso é real mesmo... — sussurrou. — Eu tô aqui.
Seus olhos encheram-se de lágrimas por um instante. Mas ele piscou rápido, limpando com o dorso da mão. Não queria chorar. Não ali.
Olhou novamente para o lado onde estavam as malas. O colega de quarto ainda não havia chegado, aparentemente. Talvez estivesse no refeitório... ou no prédio de recepção.
Biel andou até a cozinha e abriu a geladeira. Estava vazia, limpa.
Depois foi até o banheiro. O chão de mármore, o espelho gigante, os toalheiros brilhando.
Era como entrar em um hotel.
E tudo aquilo... era para ele.
E alguém mais.
Voltou para a cama, sentou devagar e tirou os sapatos. Seu cachorro não estava ali. Sua avó não estava ali. Nenhum cheiro conhecido.
Ele se jogou de costas no colchão e ficou olhando para o teto branco.
— Seja bem-vindo, Biel... — murmurou para si mesmo. — Aqui ninguém sabe o que você é... e talvez ninguém nunca descubra.
Fechou os olhos por um instante.
***
O som da água quente batendo nas costas de Biel era relaxante. Ele fechou os olhos, deixando a testa encostar no azulejo frio. O banheiro era maior do que toda a cozinha da casa de sua avó. O espelho ainda embaçado refletia apenas a silhueta frágil e molhada de um garoto tentando parecer forte.
Ele estava quase terminando o banho quando, do lado de fora, ouviu vozes abafadas.
— Você esqueceu a carteira de novo, Arthur.
— Logo agora? Estamos atrasados, porra.
Portas se abriram e se fecharam. Risadas rápidas. O som de passos. E então, um estrondo seco: a porta batendo com força.
Biel congelou.
"Arthur..."
A água continuava caindo sobre ele, mas o mundo lá fora tinha mudado.
Assim que desligou o chuveiro e abriu a porta do banheiro, o cheiro o atingiu.
Um aroma forte, doce e inebriante. Como o perfume do ar livre misturado com flores silvestres e tempestades prestes a cair.
Era um cheiro viciante... e perigoso.
Biel sentiu as pernas falharem levemente.
O coração acelerou sem aviso. A pele arrepiou, e o ar pareceu mais quente.
— O que... que cheiro é esse? — murmurou, levando a mão ao peito, onde o coração batia descompassado.
Sentiu o corpo esquentando. A boca secando. A respiração ficando curta.
Sabia exatamente o que estava acontecendo.
Feromônios. Alfas. Um deles esteve ali.
— Merda... — sussurrou, olhando em volta.
As malas, as roupas... era dele.
Arthur.
O cheiro dele... tinha impregnado o quarto inteiro.
Biel correu até o relógio de pulso jogado na cama. Os ponteiros giravam mais rápido do que pareciam.
— Droga, droga, droga! Tô atrasado!
Vestiu o uniforme às pressas: o short justo e a camisa branca ainda com o nome bordado. Penteou o cabelo diante do espelho com as mãos, o suor escorrendo pela nuca.
Abriu a gaveta onde tinha deixado o remédio para bloquear o cio...
Mas hesitou.
Estava com pressa.
Muito atrasado.
— Só hoje... — disse para si mesmo, batendo a gaveta com força. — Não vai dar tempo.
Saiu correndo pela porta, descendo as escadas com os pés ainda úmidos nos tênis. A mochila pendurada num ombro, o peito ardendo, o cheiro ainda preso nas narinas.
"Que tipo de alfa tem esse cheiro? Isso não é normal..."
Mas naquele momento, Biel só queria chegar à reunião de boas-vindas antes que fosse visto como o aluno invisível que chega atrasado.
***
As portas do salão principal da universidade se abriram com um rangido leve.
Biel entrou.
Todos os olhares se voltaram imediatamente para ele. Alunos já sentados, grupos cochichando, ômegas bem vestidos, betas com cadernos no colo, alfas espalhados como reis e rainhas em seus tronos invisíveis.
Biel sentiu o chão sumir por um instante.
A respiração ficou curta, o corpo ainda suado do banho apressado. Cada passo parecia pesado demais para quem só queria ser invisível.
Ele subiu as escadas do auditório sem olhar para os lados, passando entre fileiras ocupadas. Suas pernas tremiam.
Achou um lugar vazio — o mais afastado possível, no canto da última fileira — e sentou-se, escondendo o rosto por trás dos fios úmidos do cabelo.
O palco ainda estava vazio.
Os professores não tinham começado.
Mas o julgamento... já havia começado.
A alguns metros dali, as portas se abriram novamente.
Um grupo de garotos entrou com passos lentos e confiantes.
Perfumes caros. Roupas impecáveis. Expressões arrogantes. Eles não precisavam dizer nada — o silêncio se curvava para eles.
Biel ouviu um grupo de garotas cochichar na fileira à frente.
— É ele.
— Arthur...
— Meu Deus, ele é tão bonito pessoalmente.
— Dizem que ele é o alfa dos alfas. Que ninguém resiste ao cheiro dele.
Biel olhou discretamente para baixo, tentando ver os rostos... mas eram muitos. Quase todos lindos, altos, com presença.
"Qual deles é Arthur?"
Ele não sabia.
Mas Arthur sabia.
Porque, do outro lado do salão, ao parar diante da fileira central, Arthur avistou alguém: a garota do elevador.
Sentada entre os demais, como se nada tivesse acontecido.
Ele a encarou com intensidade. Os olhos estreitos. A expressão indecifrável.
Foi então que Logan, um de seus amigos, sussurrou com deboche:
— Já pescou um peixe, Arthur? Nem começou o semestre...
Arthur nem respondeu. Mas algo o incomodava...
Não era ela. Não mais.
Era o cheiro.
Do nada, o ar foi preenchido por uma fragrância tão suave, tão fraca...
Mas doce. Doce demais.
Indefeso.
Provocante.
Quente.
Todos os alfas do grupo pararam por um segundo. Como se o instinto tivesse puxado o freio do tempo.
— Que cheiro é esse? — murmurou um deles, com os olhos semicerrados.
— Eu quero esse ômega. Agora. — disse outro, rindo com o canto da boca.
Olharam em volta. Procuraram entre a multidão.
Mas não viram nada. Ninguém diferente. Ninguém que os olhos identificassem como alvo.
Só Arthur viu.
Lá no canto do auditório, meio encolhido na cadeira, com os ombros curvados e o olhar abaixado.
Biel.
Frágil.
Calado.
Sozinho.
Arthur o encarou por alguns segundos.
Algo em Biel... quebrou o tédio.
O cheiro vinha dele. Não havia dúvidas.
E quando os olhos de Arthur o tocaram, mesmo de longe, Biel sentiu. Como se algo tivesse rasgado o ar entre eles.
Ele olhou para cima, por reflexo — e viu.
Os olhos de Arthur.
Fixos nele.
Duros.
Magnéticos.
O mundo parou por um segundo.
E então Biel baixou o rosto rapidamente, envergonhado, como se tivesse feito algo errado.
Arthur sorriu, quase imperceptivelmente. Mas não disse nada.
Logan estalou a língua e falou:
— Vamos sentar em algum lugar. Quero ver de perto quem são os novatos desse ano.
Eles subiram as escadas, ocupando os melhores lugares no centro, enquanto Biel ficava em seu canto, tentando respirar normalmente, sem saber que o cio se aproximava.
***
As palavras do diretor ainda ecoavam na cabeça de Biel enquanto ele subia lentamente as escadas do alojamento.
"Os alunos que forem bolsistas ficarão nos quartos dos alunos cujas famílias financiaram a bolsa..."
Isso significava que ele estaria morando com alguém muito... muito rico.
Alguém influente.
Alguém que, muito provavelmente, o desprezaria.
"Mas qual era o nome mesmo?" — pensou Biel, mordendo o lábio. — "O diretor falou rápido... Eu devia ter anotado..."
O corredor estava silencioso, o mesmo onde ele tinha caminhado horas antes. Agora, mais escuro. Mais denso.
O número 308 brilhava como antes.
Ele parou diante da porta, com a mão prestes a alcançar a maçaneta, quando...
A porta se abriu.
E então, o cheiro.
O mesmo cheiro.
Do elevador. Do salão. Do quarto.
E ali, parado diante dele...
Arthur.
O garoto da plateia.
O menino dos olhos de tempestade.
Por um segundo, Biel congelou. Seus pulmões travaram. O sangue parecia quente demais para o corpo.
Arthur estava com o cabelo levemente bagunçado, uma camisa escura colada ao peito e um celular na mão. Ao ver Biel, sorriu de canto.
— Então... você é o garoto das notas espetaculares que meu pai comentou. — a voz dele era grave, suave, perigosa. — Prazer. Arthur.
Biel não disse nada.
Apenas olhou. O coração batendo tão alto que era possível escutar por dentro da cabeça. Ele tentou abrir a boca.
Nada saiu.
Arthur levantou uma sobrancelha, um pouco confuso com o silêncio.
— Tá tímido? — ele cruzou os braços. — Eu encarei você no auditório e achei que você fosse mais... direto.
Biel desviou o olhar imediatamente, como se tivesse sido pego em um crime.
Arthur riu. Um riso leve, como quem se diverte com algo frágil.
— Acho que você queria entrar. — disse, abrindo mais a porta, com o braço estendido para o lado.
Biel apenas acenou com a cabeça, lentamente.
Sem dizer uma palavra, passou por ele com cuidado. O cheiro ainda era intenso. Como se o ar entre eles estivesse mais denso, mais quente, mais lento.
Arthur virou-se, observando Biel por trás, analisando cada passo, cada gesto nervoso.
— Seremos colegas de quarto agora. — comentou casualmente, já se afastando no corredor. — Foi bom te conhecer, Biel.
Biel parou por um segundo ao ouvir seu nome. Não se lembrava de tê-lo dito em voz alta.
Arthur apontou para o peito dele.
— Tá na sua camisa. — disse, com um sorriso provocador.
E então virou as costas e foi embora. Seus passos ecoaram pelo corredor como um aviso.
Biel fechou a porta devagar.
Encostou as costas nela, com os olhos fechados.
Inspirou o ar do quarto e sentiu que tudo ao seu redor estava diferente.
Como se o quarto já não fosse seu.
Como se ele estivesse, finalmente, dentro da jaula.
E o leão... agora sabia seu nome.
CONTINUA...
A noite havia caído sobre a cidade, envolvendo os prédios altos em uma névoa suave e quente. O quarto 308 estava em silêncio. Apenas o som leve da respiração de Biel preenchia o espaço.
Arthur entrou devagar, os cabelos ainda úmidos da saída, com as mãos nos bolsos e a expressão cansada. Tirou os sapatos com preguiça e olhou ao redor.
O quarto estava escuro, exceto por uma luz suave vinda do banheiro entreaberto. Seus olhos logo foram atraídos para a cama do lado esquerdo.
Biel dormia.
Encolhido, abraçado a um travesseiro, os fios do cabelo caindo sobre os olhos, a camisa do uniforme meio desabotoada, revelando parte do pescoço pálido e delicado. Uma perna estava para fora do cobertor, desprotegida, fina, bonita.
Arthur se aproximou devagar, quase sem perceber o que estava fazendo. Parou ao lado da cama, observando o rosto calmo do garoto.
Havia algo... doce demais em Biel quando dormia.
Algo que irritava.
— Parece um bebê — murmurou, puxando o lençol e cobrindo Biel com cuidado.
Deu um passo para trás, mas o olhar escorregou pelas pernas do ômega, pela cintura fina. Seu corpo reagiu, e ele odiou isso.
Desejou.
Rangendo os dentes, virou as costas.
— Merda... — sussurrou. — Por que estou me preocupando com esse garoto?
Foi até a geladeira, abriu com força... e encontrou apenas ar frio e vazio. Nenhuma garrafa. Nenhum suco. Nada.
Na mesinha da cozinha, apenas dois pãezinhos em cima de um guardanapo. Arthur franziu a testa.
— Ele comeu só isso o dia inteiro?
Olhou para a cama novamente. Biel dormia profundamente, como se estivesse esgotado.
Arthur foi até o guarda-roupa de Biel, puxou a porta com cuidado.
De um lado, algumas peças simples, dobradas com capricho. O outro lado estava vazio.
Sem perfumes. Sem calçados extras. Sem casacos de marca.
Quase nada.
— Ele só tem isso...? — murmurou. — Tá brincando comigo.
Fechou a porta do armário com mais força do que devia e voltou para o banheiro. Tomou um banho rápido, tentando esfriar o corpo. Tentando esquecer o que tinha sentido.
Vestido apenas com um roupão preto, deitou-se na própria cama, apoiando os braços atrás da cabeça, olhando para o teto.
O cheiro de Biel ainda estava no quarto. Fraco, doce, tímido...
E cada vez mais presente.
Ele fechou os olhos, suspirando fundo.
Mas quando os abriu de novo...
Biel estava ali.
Sentado no seu colo.
Os olhos ainda meio perdidos de sono, as pernas dobradas, o corpo leve, como se tivesse sido guiado por um impulso.
Arthur arregalou os olhos, paralisado.
— O que você tá fazendo...? — perguntou, com a voz rouca, baixa.
Biel não respondeu de imediato. Encostou a cabeça no ombro de Arthur, como se estivesse procurando um lugar seguro.
— Tá quente... — murmurou. — Tá tudo tão quente...
Arthur sentiu o sangue ferver. O coração disparar. E, pela primeira vez, não soube o que fazer.
Aquele ômega...
Fraco, recessivo, calado...
Estava mexendo com ele.
***
A luz do sol invadia o quarto pelas frestas da cortina, iluminando os lençóis brancos com delicadeza cruel. O som de pássaros distantes parecia fora de lugar naquela cena silenciosa.
Biel acordou lentamente.
Os olhos ainda pesados. A mente confusa. O corpo quente.
E então percebeu...
Não estava na própria cama.
Estava na cama de Arthur.
Se sentou num pulo. O lençol escorregou por seu corpo e revelou a camiseta larga que vestia.
Seus cabelos estavam bagunçados, caindo sobre os olhos. O coração batia acelerado.
“O que estou fazendo aqui?”
Tentou se lembrar, mas tudo parecia embaçado. Apenas sensações. Calor. Proximidade. Um abraço?
Ele colocou a mão sobre a testa e murmurou:
— Eu... o que eu fiz?
Foi então que ouviu a voz.
— Você deve estar se perguntando o que aconteceu ontem à noite...
Arthur.
Em pé, encostado na parede perto da cozinha, com uma xícara na mão e uma toalha no ombro. Os cabelos úmidos, o rosto limpo, a expressão fria como pedra.
Biel olhou para ele sem conseguir dizer nada.
Arthur deu um gole no café e falou, casualmente:
— Não se preocupa. Você não vai engravidar... eu usei camisinha.
As palavras caíram como faca na mente de Biel.
Paralisado.
Olhando para o nada.
Os pensamentos giravam como redemoinho.
"Eu fiz isso...? Com ele...? Por quê?"
— Aqui tem café da manhã. — continuou Arthur, apontando para a mesa onde estavam frutas cortadas, pães e café quente. — Come alguma coisa e vai pra aula.
Biel continuava sem se mover. O rosto branco. As mãos trêmulas.
Arthur o observou por um instante... e então desviou o olhar.
— Toma um banho antes. Você tá suado.
Com isso, ele virou as costas, pegou a mochila e saiu do quarto sem dizer mais nada. A porta bateu com um estalo suave.
Silêncio.
Biel olhou para os lençóis. Sentiu o cheiro. Sentiu a vergonha.
Sentiu o vazio.
"O que aconteceu comigo?"
"Por que eu fui até ele?"
"Isso não pode... isso não deveria..."
Levantou devagar, como se estivesse pisando sobre vidro.
Foi até o banheiro e ligou o chuveiro.
A água quente não levou embora o gosto amargo na garganta.
***
O banheiro estava cheio de vapor. Biel deixou a água escorrer pelo corpo como se ela pudesse apagar as lembranças da noite anterior. Mas o calor não apagava a sensação de ter perdido o controle, nem a vergonha que queimava sob sua pele.
"Foi só o cio. Foi só instinto. Foi só..."
Ele saiu do banho com os olhos inchados e o corpo mole. Vestiu o uniforme com lentidão, penteou os cabelos com os dedos e respirou fundo várias vezes antes de abrir a porta do quarto.
Os corredores já estavam movimentados. Alunos subindo e descendo, risadas, passos apressados. Biel se misturou à multidão em silêncio. Os sons ao redor pareciam distantes, abafados por dentro da sua cabeça.
Ele entrou na sala de aula com passos leves, tentando não chamar atenção. Escolheu uma carteira perto da parede, longe das janelas e mais ainda do centro da sala. Sentou-se. Baixou os olhos. Fingiu que lia algo no caderno.
Fingiu que nada estava errado.
Mas tudo estava.
Alguns minutos depois, o som da porta se abrindo atraiu a atenção geral. Risos, cochichos, empolgação.
Arthur entrou.
Com o cabelo perfeitamente seco, uma mochila jogada de lado e a mesma expressão de superioridade tranquila. Ao lado dele, seus amigos — Logan e os outros — caminhavam como se o corredor da universidade fosse uma passarela feita só para eles.
Biel congelou. O corpo inteiro enrijeceu.
Arthur passou por ele.
Olhou direto para ele.
E... não disse uma palavra.
Nenhum sorriso. Nenhum sinal. Nenhuma lembrança da noite passada.
Como se nunca tivesse acontecido.
Como se Biel fosse só mais um.
Arthur foi até os fundos da sala e se sentou com os outros alfas, rindo de alguma piada que Logan fez.
E por mais que Biel fingisse estar copiando as anotações do quadro...
ele estava desmoronando por dentro.
"Ele não vai dizer nada? Nem olhar de novo? Foi só isso pra ele?"
A professora entrou na sala e começou a chamada.
Os nomes ecoavam como ecos distantes. Biel tremia por dentro.
E quando a professora chamou:
— Arthur Lorentz?
— Presente. — respondeu ele, com a voz firme, educada.
Como se fosse intocável.
Como se a noite passada não tivesse acontecido entre eles dois.
Como se Biel não significasse absolutamente nada.
***
A aula terminou com o som abafado das cadeiras arrastando e dos alunos se levantando animados, comentando sobre o cardápio do refeitório da universidade. Risos, passos, vozes altas — tudo ficou para trás, deixando apenas Biel, quieto, no canto da sala.
Ele fingia ler um livro.
Mas na verdade... apenas escondia o estômago roncando.
Os lanches do campus eram caros demais. Tão caros quanto os sapatos dos alfas que passavam por ele como se ele nem existisse.
Ele não queria olhar para ninguém.
Não queria parecer fraco.
Foi quando a porta se abriu novamente.
Arthur.
Ele voltou com passos firmes, como se soubesse exatamente onde estava sua presença ausente: sua carteira, esquecida sobre a mesa.
Mas ao olhar em direção à última fileira, parou.
Biel ainda estava ali.
Sozinho.
Lendo.
Ou tentando.
Arthur ficou em silêncio por alguns segundos, observando.
Então, fez algo inesperado.
Virou-se, pegou a cadeira mais próxima... e saiu correndo pelos corredores.
Biel nem percebeu.
Minutos depois, enquanto ele passava calmamente os olhos pelas páginas do livro — tentando fingir que não sentia o vazio do estômago —, Arthur reapareceu.
Parou bem na frente dele e estendeu uma sacola grande, recheada de embalagens coloridas. Pães recheados, sucos, doces, salgados.
Biel ergueu os olhos, confuso.
— Pra que isso...? — perguntou com a voz baixa, olhando fixo para Arthur.
Arthur deu um sorriso leve, mas carregado de sarcasmo.
— Você tem que se alimentar. Ou pretende cair no meio do corredor e virar notícia?
Biel hesitou, olhando a sacola como se fosse uma armadilha. Mas a fome falava alto.
— Obrigado... — disse, quase num sussurro, enquanto pegava a sacola devagar.
Arthur virou-se imediatamente. Saiu andando com as mãos nos bolsos, sem olhar para trás.
Sumiu pelos corredores, como se nada tivesse acontecido.
Biel ficou olhando a porta, ainda aberta. O coração palpitando. O rosto corado.
"Ele... se importa comigo?"
"Será que... ele está começando a gostar de mim?"
Por um momento, o peito se aqueceu. Um pequeno sorriso quis nascer nos lábios. Mas foi interrompido.
— Nossa! — disse uma voz animada atrás dele. — O Arthur é mesmo incrível, né?
Biel virou o rosto. Um grupo de garotas havia entrado na sala, comentando com empolgação.
— Ele comprou lanche pra escola toda!
— Imagina ser filho de um dos maiores investidores do país...
— E ainda ser lindo daquele jeito? Um sonho.
Biel sentiu o mundo despencar de novo.
O lanche... não era só pra ele.
Era pra todos.
Ele não era especial.
Só mais um.
O olhar dele caiu sobre a sacola em suas mãos. Por um instante, o cheiro do pão fez o estômago doer ainda mais.
Mas ele não teve coragem de comer.
Levantou-se, foi até a mesa da frente e deixou a sacola ali, intocada.
Saiu da sala sem dizer uma palavra.
Caminhou até o alojamento com passos curtos, arrastados. Cada degrau parecia pesar mais que o anterior.
Entrou no quarto, jogou a mochila num canto e deitou de lado na própria cama.
Sem fome.
Sem coragem.
Sem voz.
***
O silêncio no quarto era denso. Biel estava deitado de lado, abraçado ao travesseiro, tentando adormecer o estômago vazio e o coração quebrado.
Foi então que, sem aviso, a porta se escancarou com força e bateu na parede com um estrondo.
Arthur entrou.
Os olhos dele estavam escuros, as sobrancelhas franzidas, os passos duros.
Biel se sentou na cama, assustado.
Arthur com a sacola que trouxe da sala de aula, aonde Biel havia deixado. Jogou sobre ele na cama.
— Come.
O tom de voz era frio. Mais do que frio — ameaçador.
— Não vou ser legal por muito tempo, não — disse Arthur, com os olhos fixos nele. — Não tô aqui pra cuidar de você, entendeu?
Biel, em choque, ficou olhando para ele. O coração disparado. As mãos tremendo.
— Come essa porra da comida, agora! — gritou Arthur.
Biel pulou. Pegou o pão às pressas e começou a comer. As lágrimas caíam devagar, sem controle, enquanto ele mastigava o mais rápido que podia, tentando conter o choro.
Arthur se aproximou. Segurou o prato e empurrou mais um pedaço contra a mão de Biel.
— Mais.
— Não morra de fome, entendeu? Meu pai tem uma reputação a zelar.
Biel olhava para ele com os olhos molhados, sem entender por que a bondade vinha acompanhada de gritos.
Arthur se abaixou, ficou cara a cara com ele.
— Você foi escolhido entre milhões pra essa bolsa. Isso significa que você é útil.
Então seja grato.
E engula esse choro antes que eu te estrupa e aí você vai chorar de verdade seu ômega de merda.
O maxilar dele estava trincado, o cheiro forte de feromônio dominava o ar. O quarto parecia menor com ele tão perto.
Biel apenas assentiu com a cabeça, em silêncio.
Arthur ficou parado por um instante, olhando Biel devorar o pão em prantos.
— Isso. Melhor assim. — murmurou, como se estivesse tentando convencer a si mesmo.
Então virou as costas e entrou no banheiro. A porta se fechou atrás dele com um barulho seco.
Biel ficou ali.
Com migalhas na boca, lágrimas no rosto e um gosto amargo no fundo da garganta que não era só fome...
Era humilhação.
Ele mordeu o pão com mais força, como se aquilo fosse punição.
Como se sobreviver fosse um erro.
"Por que ele está fazendo isso comigo...?"
E, do outro lado da porta, Arthur se olhava no espelho do banheiro com as mãos trêmulas.
"Por que ele me faz sentir isso...?"
CONTINUA...
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