NovelToon NovelToon

Entre as Paredes da Mansão

Capítulo 1: A Promessa Escrita Antes do Amor

Isadora Vasconcellos estava acostumada a ver o mundo se curvar aos desejos do seu pai. Crescera em meio a discursos sobre honra, negócios e lealdade à família, como se o amor fosse apenas um luxo reservado a gente comum. Desde pequena, aprendera a sorrir para fotos, a não fazer perguntas demais e a se portar como uma dama. Mas nada a preparou para ouvir, numa manhã cinzenta de abril, que seria dada em casamento como se fosse parte de uma transação comercial.

— O casamento com Caio Montenegro será realizado em dois meses — anunciou seu pai, Marcelo Vasconcellos, com a firmeza de quem assina um contrato bilionário.

A sala estava cheia de homens de terno, todos falando sobre alianças, fusões de empresas e lucros. Isadora, com seu vestido branco de seda, parecia uma mancha de delicadeza em meio àquela rigidez. Ninguém olhava para ela como uma mulher com sentimentos. Apenas como um símbolo. Um elo.

Ela cruzou as pernas com elegância, sustentando o olhar do pai.

— Isso é uma aliança ou uma sentença? — perguntou, a voz carregada de veneno contido.

O silêncio que se seguiu foi denso, quase palpável.

— É o seu dever, Isadora — respondeu o pai, firme. — E é sua obrigação com o nome que carrega.

Ela se levantou devagar. O salto ecoou no piso de mármore, dando à sua saída um ar teatral. Por dentro, seu coração batia como um tambor. Mas por fora, ela era gelo. Como lhe ensinaram a ser.

Do outro lado da cidade, Caio Montenegro lia os mesmos papéis com olhos impassíveis. Ele não protestou, nem sorriu. Apenas assinou. O casamento era um movimento estratégico, uma forma de fortalecer os laços entre dois impérios empresariais e evitar uma guerra silenciosa que durava décadas. Amor? Desejo? Liberdade? Essas palavras não faziam parte do vocabulário de Caio.

O primeiro encontro entre os dois aconteceu uma semana depois, em uma recepção formal organizada pelas famílias. Isadora usou um vestido escarlate, intencionalmente ousado, sabendo que causaria incômodo. Caio chegou com o costume de sempre: terno escuro, olhar calculado, expressão impenetrável.

Ela se aproximou com um sorriso sarcástico nos lábios.

— Não precisa fingir simpatia — disse, encarando-o. — Sei que não me quer aqui.

Ele não hesitou. A resposta veio baixa, calma, e mais enigmática do que ela esperava.

— Eu nunca finjo nada, Isadora. E o que eu quero ou não... você vai descobrir com o tempo.

Ela não soube se aquilo era uma ameaça ou uma promessa. Talvez os dois.

Naquela noite, deitada em sua cama, Isadora olhou para o teto alto de seu quarto e tentou imaginar o futuro. Casar-se com um homem que não escolheu. Dividir uma casa com alguém que não conhecia. Mas havia algo mais inquietante: e se, no meio disso tudo, ela acabasse se apaixonando por ele? E se ele no final a fizesse sofrer? Afinal de contas é um casamento por contrato e os maiores interessados são os patriarcas das duas famílias.

Essa era a parte que mais a apavorava. Porque amar Caio Montenegro... seria o maior erro da sua vida.

Ou talvez, o único acerto.

Capítulo 2: A Casa dos Silêncios

O portão de ferro rangeu ao se abrir, revelando uma mansão imensa, cinzenta e fria, cercada por jardins perfeitos demais para parecerem vivos. O carro preto avançou devagar pela alameda, e Isadora observava pela janela como se estivesse prestes a entrar em um filme antigo — ou em uma prisão de luxo.

O motorista abriu a porta. Ela desceu com elegância, embora as mãos estivessem frias. Seus sapatos afundaram levemente na grama molhada pela chuva. Respirou fundo. Duas malas, um contrato assinado e nenhuma escolha. Aquela seria sua casa a partir de agora.

A governanta, uma mulher de meia-idade com feições suaves, a recebeu com um leve sorriso.

— Seja bem-vinda, senhora Isadora. O senhor Caio está fora, mas deixou instruções para que a senhora se sinta... confortável.

A palavra pareceu mal escolhida. “Conforto” não combinava com aquele lugar silencioso demais, onde cada passo ecoava como se estivesse sendo observado.

— Onde fica o meu quarto? — perguntou.

— No segundo andar. Ao lado do quarto do senhor Caio. Ele achou que seria melhor assim, ao menos por enquanto.

Isadora ergueu uma sobrancelha.

— Distância diplomática?

A governanta não respondeu. Apenas fez um leve gesto com a cabeça e a conduziu escada acima. O quarto era espaçoso, com janelas grandes e cortinas pesadas. Tudo em tons neutros, frios. Luxuoso, mas sem vida. Como se ninguém realmente vivesse ali.

Nos dias seguintes, Caio apareceu pouco. Passava horas trancado em seu escritório ou fora da mansão. Mas sua presença pairava como uma sombra. Os funcionários pareciam andar em silêncio para não incomodá-lo. E Isadora, acostumada a ser o centro das atenções em qualquer sala, se viu invisível dentro daquele lugar.

Ela começou a explorar os cômodos com a curiosidade de quem busca entender o inimigo. Descobriu uma biblioteca escondida atrás de uma parede falsa — cheia de livros antigos e anotações pessoais. Em uma delas, uma partitura rabiscada à mão chamou sua atenção. Havia mais em Caio do que ele mostrava.

Na noite de sábado, acordou com um som distante. Um piano. Descendo devagar, descalça e em silêncio, seguiu o som até a sala principal, onde a luz fraca da lareira iluminava um Caio Montenegro que ela jamais tinha visto: sem terno, de camisa aberta, tocando uma melodia melancólica que parecia carregar anos de solidão.

Ela encostou-se à parede, observando em silêncio. Quando ele notou sua presença, não parou. Apenas disse, sem olhar para ela:

— Eu toco quando não consigo dormir.

— Você tem insônia frequente?

Ele hesitou antes de responder:

— Tenho fantasmas antigos demais para dormir em paz.

Foi a primeira confissão. A primeira rachadura no muro entre eles.

Ela se aproximou lentamente, como se temesse espantar aquele momento raro.

— A música diz o que você não consegue?

Ele olhou para ela, enfim. E naquele olhar havia algo que a desestabilizou: dor contida, cansaço... e curiosidade.

— Sim. E você, Isadora? O que você não consegue dizer?

Ela sorriu, mas era um sorriso triste.

— Que talvez... eu esteja mais assustada do que gostaria de admitir.

Por um instante, o silêncio entre eles deixou de ser incômodo. Era cúmplice. Intenso. Cheio de possibilidades.

E ali, no coração daquela casa silenciosa, o primeiro fio invisível entre os dois começou a se formar.

Capítulo 3: As Primeiras Rachaduras

Isadora sempre soube que o silêncio podia falar muito mais do que palavras. Mas o silêncio de Caio Montenegro era um universo à parte. Não era vazio — era carregado de passado, de ausências, de coisas não ditas que se arrastavam entre eles como fios invisíveis.

Nos dias que se seguiram à noite do piano, ela começou a observá-lo com outros olhos. Ele mantinha a postura fria e a fala contida, mas havia pequenos gestos que denunciavam um homem diferente daquele que ela conhecera nas reuniões formais.

Ele evitava tocar nela, mas sempre deixava o caminho livre quando ela passava. Mandava servir seus pratos preferidos, mesmo sem perguntar. Certa manhã, ela encontrou um livro raro que havia mencionado por acaso deixado em sua escrivaninha, com um bilhete escrito à mão: “Imaginei que gostaria.”

Ela quis fingir indiferença. Quis manter a pose de mulher controlada e distante. Mas cada detalhe, cada gesto discreto, começava a derrubar, tijolo por tijolo, os muros que ela própria havia construído.

Determinada a entender quem era, de fato, o homem com quem se casaria, Isadora começou a investigar. Nada muito direto — apenas conversas com os funcionários, visitas à biblioteca, e perguntas sutis aqui e ali.

Descobriu, por exemplo, que a mãe de Caio havia morrido quando ele ainda era adolescente. E que o pai, Marcelo Montenegro, era um homem severo, conhecido por tratar o filho como herdeiro antes mesmo de tratá-lo como pessoa. Caio crescera sob pressão, aprendendo cedo a esconder emoções para sobreviver ao mundo dos negócios.

Em um dos corredores menos movimentados da mansão, Isadora encontrou um quadro coberto por um lençol empoeirado. Curiosa, retirou o tecido. Era o retrato de uma mulher de olhar doce — tão diferente da frieza da casa que parecia deslocada naquela parede. A assinatura no canto revelava: Helena Montenegro.

Naquela noite, durante o jantar, ela mencionou o nome.

— Sua mãe… ela parecia gentil — comentou, sem encarar diretamente. — Vi o retrato hoje.

Caio pousou os talheres com calma, mas havia uma tensão em seus ombros.

— Não costumo falar dela — respondeu, a voz baixa, mas firme.

— Então talvez esteja na hora de começar — ela disse, encarando-o de volta. — Se vamos dividir uma vida, Caio, talvez devêssemos ao menos dividir um pouco do que está enterrado aqui dentro.

Ele se levantou, sem pressa. Caminhou até a janela, ficando de costas para ela por um instante.

— Minha mãe era tudo o que meu pai não sabia lidar — confessou, enfim. — Doce demais. Livre demais. Morreu tentando proteger algo que não podia ser salvo.

— Você?

Ele virou-se lentamente, os olhos escuros encarando os dela.

— Eu. Ela me protegia daquilo que me tornei depois que ela se foi.

Isadora sentiu o chão levemente ceder. Pela primeira vez, viu Caio não como o homem frio do contrato, mas como o menino que ficou órfão de amor muito cedo.

E naquele instante, não por piedade, mas por reconhecimento, ela se viu desejando estar perto dele. Não por obrigação, mas por escolha.

As rachaduras estavam lá, e cresciam em ambos. E embora nenhum deles dissesse em voz alta, ambos sabiam: algo estava começando. Algo perigoso. Irreversível.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!