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Do Lado Errado da História de Amor

Capítulo 1 – O Que Parecia Amor

Clara sorriu para o reflexo no espelho enquanto ajeitava os brincos de pérola. O vestido vermelho de seda abraçava suas curvas com a delicadeza de um elogio não dito. O cabelo estava solto, com ondas suaves que ela mesma havia feito naquela manhã. Tudo para ele.

Era sempre por ele.

Eduardo Vasconcellos. Seu marido. Seu grande amor. O homem que ela passou metade da vida tentando conquistar.

Eles estavam casados há quase três anos, e Clara ainda sentia aquele frio na barriga toda vez que ele chegava em casa, com o terno impecável e o perfume amadeirado que ela aprendera a associar com desejo e segurança. O mesmo frio na barriga que ela sentia desde a época em que ele mal sabia seu nome.

Enquanto passava um último batom, Clara olhou para o celular. Nenhuma mensagem dele desde o final da tarde.

"Deve estar atolado de trabalho", sussurrou para si mesma, ignorando o pequeno incômodo que começava a crescer no fundo do estômago.

Desceu as escadas da casa com leveza, quase flutuando, como se o simples ato de estar arrumada para ele fosse uma vitória. Na sala, a mesa estava posta, com a comida que ela mesma havia preparado — lasanha de camarão, o prato preferido de Eduardo. Velas acesas, vinho respirando na taça, música instrumental suave ao fundo.

Ela queria surpreendê-lo. Queria que aquela noite fosse um respiro no meio da rotina estressante dele. Nos últimos meses, ele andava mais ausente, mais frio… mas Clara se recusava a ver aquilo como um sinal de que algo estava errado. Para ela, era só mais uma fase. Como tantas outras que eles já tinham superado.

O relógio marcou oito da noite. Depois, oito e meia. Nove.

Clara mandou uma mensagem.

— “Amor, está tudo bem? Estou te esperando.”

Sem resposta.

Ligou. Caixa postal.

A mão dela começou a tremer. Ela respirou fundo e se forçou a manter a calma. Levantou da mesa, pegou o celular e foi até a varanda. O ar fresco da noite parecia mais frio do que o normal.

— Ele vai chegar. Sempre chega. — tentou convencer a si mesma, como fazia sempre.

Mas no fundo, uma voz insistente e amarga começou a sussurrar: "Ele não vai chegar. Não dessa vez."

Foi quando, quase por instinto, Clara entrou no Instagram.

A primeira coisa que apareceu foi um story de uma conhecida do círculo social deles. Uma foto mal focada… mas clara o suficiente para que ela reconhecesse o ambiente: o restaurante mais sofisticado da cidade. O mesmo restaurante onde Eduardo a levou para jantar na noite em que a pediu em casamento.

Só que, dessa vez… ele não estava com ela.

Clara ampliou a imagem. O coração disparou.

Lá estava Eduardo. Terno azul-marinho, camisa branca, o sorriso de sempre… olhando de forma cúmplice para a mulher à sua frente. Uma morena de cabelos longos, rosto delicado, usando um vestido preto justo demais para ser só uma amiga.

A foto era de minutos atrás.

Clara congelou. Por um instante, o mundo pareceu girar ao contrário. As mãos suaram, as pernas ameaçaram ceder. Mas em vez de chorar, ela se moveu.

Entrou em casa, pegou a bolsa, as chaves do carro… e dirigiu.

O caminho até o restaurante foi um borrão. As luzes da cidade passavam como vultos pela janela. Ela mal sentia as mãos no volante. Só uma certeza pulsava dentro dela: ela precisava ver com os próprios olhos.

Precisava ter certeza.

O restaurante estava lotado. Muita gente bonita, flashes de celulares, taças de cristal. O tipo de lugar onde ela e Eduardo costumavam ser o casal modelo.

Ela entrou com passos firmes, como se fosse uma cliente qualquer, fingindo naturalidade, como se o coração não estivesse prestes a explodir dentro do peito.

E então viu.

Lá estava ele. Eduardo. Rindo, com o olhar cheio de algo que ela não via há meses. Um brilho que antes era dela.

A mulher à sua frente segurava a mão dele sobre a mesa. O garçom servia vinho. As velas iluminavam o rosto dele como numa cena de cinema.

Clara parou a poucos metros de distância. Ficou ali, parada. Invisível. Como tantas vezes na vida.

Eduardo virou o rosto, como se sentisse um arrepio. E então, os olhos dele encontraram os dela.

O sorriso dele morreu no mesmo instante.

O rosto da outra mulher ficou pálido.

Por um segundo, o salão inteiro pareceu em silêncio.

Clara respirou fundo. Sentiu o gosto amargo da decepção subindo pela garganta. Não havia lágrimas nos olhos dela. Não ainda.

Ela apenas sorriu. Um sorriso amargo, dolorido… e virou as costas.

Saiu do restaurante sem dizer uma palavra. Porque, naquele momento… ela sabia que o silêncio doía mais do que qualquer grito.

E Eduardo… soube também.

Ao entrar no carro, Clara fechou os olhos. As mãos tremiam, o coração parecia dilacerado. Mas entre os estilhaços, algo diferente começou a nascer.

Uma decisão.

Ela não sabia o que viria depois. Mas uma coisa era certa:

A mulher que passou a vida inteira correndo atrás de Eduardo Vasconcellos…  Morreu naquela noite.

Clara entrou em casa com o coração ainda acelerado e as mãos trêmulas. A porta da frente bateu atrás de si com um estrondo seco, ecoando pela sala silenciosa.

O cheiro da lasanha que ela havia preparado mais cedo ainda pairava no ar, misturado ao aroma adocicado das velas que agora queimavam até o fim, com as pontas quase virando fumaça.

Ela parou no meio da sala de estar, olhando para tudo ao redor como se fosse uma intrusa na própria vida.

A mesa do jantar ainda estava posta.

O vinho respirando na taça.

Os talheres arrumados com perfeição, como se aquilo fosse uma noite qualquer. Como se ela ainda fosse a esposa que ele merecia.

Só que não era.

Clara respirou fundo, tentando engolir o nó na garganta. Caminhou até o barzinho da sala, serviu-se de uma dose generosa de whisky — mesmo sem gostar da bebida — e tomou tudo de uma vez. A garganta ardeu, mas a dor foi bem-vinda. Pelo menos, era uma dor que ela podia controlar.

O relógio marcava quase meia-noite quando ouviu o som da fechadura girando.

O corpo dela enrijeceu. O barulho da porta sendo aberta, os passos entrando… E então, como se nada tivesse acontecido, Eduardo apareceu.

Casaco nos ombros, cabelo bagunçado, o cheiro familiar de perfume misturado com um aroma feminino que não era dela.

Ele parou ao vê-la ali, no meio da sala, ainda com o vestido vermelho e os olhos inchados.

Por um instante, a expressão dele foi de puro espanto. Mas logo se recompôs.

— Clara… — A voz dele saiu baixa, quase ensaiada. — Eu posso explicar.

Ela riu. Baixo, amargo.

Passou a mão pelo cabelo, sem saber se explodia ou se ria mais ainda da cara de pau dele.

— Explicar? — Ela cruzou os braços, encarando-o. — Vai dizer que não era você no restaurante? Que eu imaginei tudo? Que aquela mulher de vestido preto não estava segurando sua mão? Vai mesmo me tratar como idiota até o fim?

Eduardo respirou fundo, passando a mão pelo rosto. Caminhou em direção a ela, mas Clara recuou um passo.

— Não é o que você está pensando. — Ele tentou.

Ela bufou, incrédula.

— Jura? Então me conta… o que é? Um jantar de negócios… com direito a olhares apaixonados e mãos entrelaçadas?

Ele se calou por alguns segundos. Depois, suspirou, como se estivesse cansado demais para sustentar a mentira.

— Clara… eu não queria que fosse assim. Não queria que você soubesse… desse jeito.

Ela piscou, desacreditada.

— Ah, então o problema não é a traição… é o jeito que eu descobri?

Eduardo caminhou até o bar, pegou uma dose de whisky para si, como se aquele fosse só mais um dia difícil no escritório.

— Eu só… eu não sei mais como continuar do jeito que tá. — Ele encarou o copo por alguns segundos antes de olhar para ela. — A gente briga por tudo, você tá sempre em cima de mim, controlando cada passo. Não era pra ser assim, Clara. Eu preciso de espaço.

Ela sentiu o sangue ferver.

— Espaço? Você quer espaço? Pois devia ter pedido antes de enfiar outra mulher no meio do nosso casamento!

O silêncio que se seguiu foi pesado.

Então, com a calma de quem nunca precisou lidar com as consequências de seus atos, Eduardo soltou a frase que mudaria tudo:

— Talvez o que a gente precise seja… um casamento aberto.

O mundo parou.

Clara piscou várias vezes, achando que tinha ouvido errado.

— O quê?

— Isso mesmo que você ouviu. — Ele deu de ombros, como se falasse de um detalhe trivial. — Eu não quero te magoar, Clara… mas acho que a gente pode encontrar uma nova forma de fazer isso funcionar. Você tem a sua vida… eu tenho a minha… e a gente mantém as aparências. Todo mundo ganha.

Clara o encarou por longos segundos.

Ele realmente achava que ela ia aceitar aquilo. Que ela ia se contentar com migalhas. Que ia continuar sendo a esposa submissa, que finge que não vê.

Ela sentiu o coração partir… mas, junto com a dor, veio algo novo.

Uma raiva fria. Um orgulho que ela nem sabia que ainda tinha.

Clara respirou fundo, ergueu o queixo… e sorriu. Um sorriso que ele nunca tinha visto antes. Um sorriso perigoso.

— Tá bom, Eduardo.

Se é isso que você quer…

É isso que vai ter.

Ela subiu as escadas para o quarto com passos firmes, deixando ele parado na sala, segurando o copo de whisky e com a expressão confusa de quem não sabia que, naquela noite… havia perdido mais do que a confiança dela.

Havia perdido… ela.

Capítulo 2 – A Primeira Ruptura

O despertador tocou às sete da manhã, como em todas as outras manhãs dos últimos anos. Mas, dessa vez, Clara não o desligou imediatamente.

Ficou deitada, encarando o teto, sentindo o peso da noite anterior ainda pairando sobre ela como um lençol sufocante.

O lado da cama onde Eduardo costumava dormir estava vazio.

Talvez tivesse dormido no quarto de hóspedes. Ou, quem sabe, nem tivesse voltado depois que ela subiu as escadas. Ela não se importava. Pela primeira vez em muito tempo… ela não se importava.

Clara levantou devagar. Foi até o espelho e encarou a própria imagem.

Os olhos estavam inchados, a pele pálida… mas havia algo novo no olhar dela. Algo que ela mal reconhecia. Um brilho que não era de dor… era de raiva. De decisão.

Pegou o celular, abriu o navegador e digitou sem pensar muito:

“Vagas de emprego – Marketing – Centro da cidade”

Ela não sabia por onde começar… mas uma coisa era certa: precisava ocupar a mente. Precisava de um plano. Não dava mais para depender dele para tudo. Não depois de tudo.

Na cozinha, o cheiro de café fresco a surpreendeu.

Eduardo estava lá, como se fosse um marido dedicado, mexendo no celular com uma xícara nas mãos.

— Bom dia. — Ele disse, sem levantar os olhos da tela.

Clara parou na porta, o encarando por alguns segundos. A naturalidade dele a enojava.

— Bom dia. — Ela respondeu, seca.

Pegou uma caneca, serviu café e se encostou na bancada, observando-o de canto de olho.

Ele estava vestido como sempre: terno impecável, gravata perfeitamente alinhada, cabelo penteado para trás. O mesmo Eduardo que ela amou por tanto tempo… mas que agora parecia um estranho dentro da própria casa.

— Dormiu bem? — Ele perguntou, como se não tivesse sugerido, horas antes, que eles tivessem um casamento aberto.

Ela respirou fundo.

— Maravilhosamente bem. — Respondeu, com um sorriso irônico.

Ele finalmente ergueu os olhos para ela, claramente surpreso com a resposta. Mas logo voltou ao celular.

— Tenho uma reunião cedo. Vou sair agora. — Disse, pegando as chaves do carro.

Clara apenas assentiu, dando um gole no café.

Ele foi até a porta, parou por um segundo, como se quisesse dizer algo… mas não disse. Apenas saiu.

O som da porta se fechando soou como um sinal de liberdade.

Depois que ficou sozinha, Clara foi até o quarto, abriu o guarda-roupa e encarou as roupas alinhadas. Vestidos delicados, saias de seda, camisas que ela usava para os almoços sociais, jantares beneficentes e encontros com as amigas de fachada.

Pegou um jeans antigo no fundo da gaveta, uma camiseta branca e um tênis.

Olhou-se no espelho e sorriu de leve.

— De volta à realidade.

Sentou-se à frente do notebook e começou a atualizar o currículo. Fazia anos que não tocava naquele documento. Na verdade, desde que tinha largado o emprego para "se dedicar ao casamento", como Eduardo sugerira na época.

Ela respirou fundo ao escrever o próprio nome no cabeçalho do arquivo.

Era quase simbólico.

Uma nova versão de si mesma nascendo… ali.

Passou a manhã enviando currículos para agências de marketing, consultorias e até startups que ela nem conhecia. Não se importava com o cargo, o salário, nada. O que ela queria era ter uma vida além dele. Ter para onde ir. Ter um motivo para sair de casa todos os dias.

No início da tarde, enquanto fazia uma lista de contatos antigos para reativar, seu celular vibrou.

Uma notificação de mensagem.

Remetente: Miguel Duarte

Clara congelou.

Miguel…

O amigo da faculdade.

O cara que, anos atrás, ela sempre viu como “só amigo”, mas que hoje… de repente… parecia uma lembrança confortável.

A mensagem era simples, mas direta:

“Vi seu currículo no LinkedIn. Está de volta ao mercado? Se quiser, conheço algumas pessoas. Podemos conversar.”

Ela sorriu, pela primeira vez em dias.

O universo… começava a conspirar.

Guardou o celular no bolso e, por um instante, sentiu o coração bater diferente. Não por Eduardo. Não por raiva. Mas por uma curiosidade nova. Por uma leveza que há muito tempo não sentia.

Ela sabia que a estrada seria longa…

Mas, de algum jeito… ela estava começando a gostar da ideia de recomeçar.

E Eduardo…

Ele que se preparasse. Porque aquela Clara…

Não existia mais.

O restante da tarde passou arrastada, mas com um tipo estranho de alívio. Clara manteve-se ocupada enviando currículos, reorganizando a escrivaninha que há tempos não usava e até pesquisando cursos online de atualização profissional.

Cada pequeno gesto parecia uma vitória.

Uma afirmação silenciosa de que ela estava, finalmente, recuperando o controle da própria vida.

Por volta das seis da tarde, ela ouviu o som do portão eletrônico abrindo.

Eduardo estava de volta.

Clara permaneceu no quarto, sentada à frente do notebook, revisando um portfólio antigo de campanhas que tinha feito antes de se casar.

Ouviu o barulho da porta da frente sendo aberta, os passos dele no hall, o som da chave caindo na bancada, como sempre fazia.

Tudo tão igual… e ao mesmo tempo, tão diferente.

Minutos depois, ele apareceu na porta do quarto.

— Você passou o dia aqui? — Eduardo perguntou, encostado no batente, com aquele tom casual que a deixava ainda mais irritada. — Nem desceu pra almoçar.

Ela apenas o olhou de relance.

— Estava ocupada. — Respondeu, seca.

Ele franziu o cenho.

— Ocupada… com o quê?

Ela virou a tela do notebook, deixando que ele visse o currículo aberto, os sites de vagas, as abas de empresas.

Por um instante, Eduardo ficou em silêncio, como se não soubesse o que dizer.

— Você tá procurando emprego? — A voz dele carregava uma mistura de surpresa e desdém mal disfarçado.

Clara deu de ombros.

— Sim. Achei que um casamento aberto combinasse melhor com uma mulher independente. — O sarcasmo pingava de cada palavra.

Ele deu uma risada baixa, um tanto nervosa.

— Clara… você não precisa disso. Não precisa se expor a esse tipo de estresse… de cobrança…

— Não se preocupe. — Ela o interrompeu. — Eu dou conta.

Ele respirou fundo, passando a mão pela nuca. Caminhou até o meio do quarto, parou atrás dela.

— Você sabe que eu sempre cuidei de tudo pra você…

Ela virou a cadeira devagar, encarando-o.

— Você sempre quis que eu dependesse de você, Eduardo. Mas, a partir de agora… isso acabou.

Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos.

Ele forçou um sorriso, claramente desconfortável.

— Clara… olha… sobre ontem… Eu sei que foi um choque. Mas… a gente pode encontrar um equilíbrio nisso tudo. Sem drama.

Ela riu, dessa vez sem nenhum humor.

— Sem drama? Depois de tudo? Depois de me trair na cara dura e ainda ter a coragem de sugerir esse circo?

— Eu só tô tentando ser honesto. — Ele rebateu, cruzando os braços. — Pelo menos… tô te dando opções.

— Ah, obrigada pela generosidade. — Ela levantou da cadeira, caminhou até a porta do quarto e, antes de sair, lançou um último olhar por cima do ombro. — Pode ficar tranquilo, Eduardo. Eu vou aproveitar cada uma dessas "opções" que você me deu. E quando você perceber… vai ser tarde demais.

Ela saiu do quarto com o coração disparado, mas com a cabeça erguida.

Pela primeira vez em muito tempo, ela sentia que tinha voltado a respirar.

E, no fundo… ela sabia que aquela conversa tinha sido só o começo.

Porque se Eduardo achava que ela ia continuar sendo a mulher que vivia à sombra dele… estava muito, muito enganado.

Mais tarde naquela noite, antes de dormir, Clara pegou o celular novamente.

Abriu a mensagem de Miguel.

Leu e releu.

E finalmente respondeu:

“Podemos conversar sim. Quando você estiver disponível.”

E, ao apertar o botão de enviar, Clara sorriu.

Dessa vez… um sorriso verdadeiro.

Capítulo 3 – Um Novo Começo (Ou Quase Isso)

A notificação do celular brilhou na tela logo cedo, antes mesmo do despertador tocar.

Miguel Duarte:

“Café Vila Central, 8h? Pago um café e a gente conversa. :)”

Clara sorriu ao ler.

Direto, gentil, simples. Como sempre tinha sido o Miguel.

Ela olhou para o relógio: eram pouco mais de seis da manhã. Ainda tinha tempo para se arrumar, mas decidiu levantar logo. Estava ansiosa… e pela primeira vez em dias, sentia-se viva.

Abriu o guarda-roupa e, diferente dos vestidos e conjuntos sofisticados que costumava usar para qualquer saída, escolheu um jeans escuro, uma blusa de tecido leve e uma jaqueta. Simples, confortável… mais ela.

Prendeu o cabelo em um coque despretensioso, passou um batom suave e pegou a bolsa.

Ao descer as escadas, já com as chaves em mãos, encontrou Eduardo na cozinha, ainda de pijama, mexendo no café. O cabelo dele estava bagunçado, como sempre ficava quando dormia mal.

Ele ergueu os olhos assim que a viu pronta para sair.

— Vai sair? — A pergunta veio com aquele tom de surpresa e leve desconforto que Clara já começava a reconhecer.

Ela assentiu.

— Tenho um compromisso.

Ele arqueou a sobrancelha.

— Às sete e meia da manhã? Desde quando você tem compromissos antes das dez?

Ela sorriu de lado, jogando a alça da bolsa no ombro.

— Desde ontem.

Eduardo ficou em silêncio por um segundo, observando-a com o olhar de quem tentava decifrar o que estava acontecendo.

— Quer que eu te leve? — Ele perguntou, numa tentativa fracassada de soar casual.

— Não precisa. Eu me viro. — Ela respondeu com firmeza.

Passou por ele sem olhar para trás, abrindo a porta da frente com a leveza de quem sabia que, a cada passo, estava se afastando um pouco mais daquele mundo sufocante.

No caminho até o carro, o ar fresco da manhã bateu em seu rosto e, pela primeira vez em muito tempo, Clara respirou fundo… sem o peso que costumava sentir no peito.

Ela ligou o motor, sintonizou uma playlist qualquer no rádio e dirigiu até o Café Vila Central.

O lugar ainda estava começando a encher quando ela chegou. Algumas pessoas apressadas tomavam café em pé, outras liam jornais ou mexiam no celular. O aroma de café fresco, pão na chapa e croissants recém-saídos do forno invadiu seus sentidos, trazendo uma sensação de acolhimento que ela não sentia há tempos.

Miguel já estava lá, sentado em uma mesa no canto, de frente para a rua. O mesmo sorriso fácil, o olhar gentil… como se o tempo não tivesse passado.

Ele se levantou assim que a viu se aproximando.

— Clara Vidal… ao vivo e a cores. — Disse, abrindo os braços para um abraço leve, mas caloroso.

Ela riu, correspondendo.

— Miguel Duarte… sempre pontual.

— Velhos hábitos. — Ele piscou para ela e indicou a cadeira à frente. — Senta aí. Já pedi dois cafés, mas se quiser outra coisa… é por minha conta.

Ela se acomodou, cruzando as pernas, ainda tentando assimilar como era bom estar ali… com alguém que simplesmente gostava dela. Sem segundas intenções, sem jogos.

— Então… — Miguel começou, apoiando os cotovelos na mesa. — Vi que você atualizou o perfil no LinkedIn ontem. Fiquei curioso. O que aconteceu? Mudança de carreira ou…?

Clara hesitou por um segundo. Parte dela queria simplesmente responder que estava buscando novos desafios… mas não tinha mais energia para disfarces.

— Mudança de vida, na verdade. — Ela respondeu, olhando diretamente para ele.

Miguel ergueu as sobrancelhas, surpreso… mas não insistiu.

— Bom… seja lá o motivo, saiba que fico feliz por você estar recomeçando. E se eu puder ajudar de alguma forma… tô aqui.

Clara sentiu um calor gostoso no peito.

— Obrigada, Miguel. De verdade. Você não faz ideia do quanto eu precisava ouvir isso.

Ele sorriu, como sempre fazia.

— Então vamos começar com o básico… me conta: o que você está procurando?

E, naquele instante, enquanto descrevia os cargos que tinha em mente, as áreas que gostaria de trabalhar e os projetos que sentia falta de fazer, Clara percebeu que estava, de fato… dando os primeiros passos fora da sombra de Eduardo.

Enquanto a conversa avançava, Clara sentia a tensão acumulada dos últimos dias começando a se dissolver. Falar sobre o mercado, sobre estratégias de marketing, sobre campanhas que ela admirava… tudo parecia trazer de volta uma parte dela que estava adormecida há anos.

Miguel ouvia com atenção, fazendo perguntas, rindo com ela, lembrando de histórias da época da faculdade.

— Você sempre teve essa pegada criativa… — Ele comentou, mexendo na própria xícara de café. — Lembro da sua apresentação no último semestre… aquela sobre o poder das emoções na comunicação de marca. Eu ainda uso aquele exemplo nas minhas reuniões.

Ela riu, balançando a cabeça.

— Nem lembrava mais disso…

— Pois eu lembro. — Ele disse, olhando para ela com um sorriso genuíno.

Por um instante, os dois ficaram em silêncio. Uma pausa confortável. Diferente de tudo que Clara estava acostumada nos últimos tempos.

Miguel mexeu no celular, como se buscasse coragem para dizer o que estava prestes a dizer. Quando finalmente voltou a olhar para ela, havia um brilho diferente no olhar.

— Clara… vou ser direto. — Ele respirou fundo. — A minha agência tá precisando de uma coordenadora de marketing. Alguém que saiba liderar equipe, pensar fora da caixa, cuidar de alguns clientes estratégicos… E antes de você dizer qualquer coisa… eu sei que faz tempo que você está fora do mercado, mas… eu conheço o seu potencial. Sempre conheci.

Ela congelou por um segundo.

— Miguel… eu não sei… — Começou, com um sorriso nervoso. — Eu tô totalmente enferrujada. Faz anos que não trabalho. Não sei se tô pronta pra…

— Clara… — Ele a interrompeu, com a voz firme. — Você é mais pronta do que imagina. E, se quiser… começamos devagar. Um período de experiência, algumas semanas de adaptação… você sente o ambiente, vê se gosta… e, se não der certo, tudo bem. Sem pressão.

Ela abriu a boca para responder, mas a emoção travou a garganta por um segundo.

Era a primeira vez, em muito tempo, que alguém realmente acreditava nela… sem cobranças, sem exigências, sem jogos.

— E aí? O que me diz? — Ele perguntou, apoiando os cotovelos na mesa, esperando.

Clara respirou fundo. Sentiu o coração bater um pouco mais rápido.

— Eu digo… que aceito. — Ela sorriu, sentindo-se mais leve do que em semanas.

Miguel abriu um sorriso largo, daqueles de amigo que torce de verdade.

— Ótimo. Então amanhã, nove da manhã, na agência. Vou te apresentar a equipe.

— Amanhã? Já assim?

— Melhor começar antes que você desista. — Ele brincou, piscando.

Os dois riram.

Ela pegou a bolsa, pronta para ir embora, mas antes de sair, Miguel segurou levemente o braço dela.

— Clara… eu sei que você não me contou tudo o que tá acontecendo… mas só pra você saber… se precisar de alguém pra conversar, pra desabafar… tô por aqui, tá? Sempre estive.

Ela sentiu o peito aquecer com aquela frase.

— Obrigada, Miguel. De verdade.

No caminho de volta para casa, Clara mal conseguia conter o sorriso. Por dentro, era como se uma parte dela… uma que ela achava morta… estivesse acordando aos poucos.

Ao estacionar na garagem, desligou o carro e respirou fundo.

Sabia que, ao atravessar aquela porta… voltaria a encarar Eduardo, o casamento falido e toda a tensão que ainda os cercava.

Mas dessa vez, ela tinha algo que não tinha antes:

Um plano.

Um propósito.

E, quem sabe… uma nova história prestes a começar.

Eduardo estava na sala, no celular, rindo de algo que ela não se importou em saber o que era.

Quando a viu entrando, parou de rir por um instante, apenas observando enquanto ela passava direto por ele.

Clara subiu as escadas com passos leves, como se o peso dele já não a alcançasse mais.

E, pela primeira vez em muito tempo… era verdade.

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