Se você entrou aqui só pra reclamar... calma!
Essa história foi feita com muito suor e amor.
Antes de despejar veneno, experimenta o mel — vai que você se surpreende?
💬 Não gostou de algo? 👇
...✧ PRÓLOGO ✧...
✧ Selena Leclerc
As pessoas acham que sabem o que é viver sob disfarce. Assistem séries, leem livros e acham que a pior parte é usar um nome falso ou trocar de roupa no meio de um beco escuro. Mas não é.
A parte mais difícil é ter que matar partes de si mesma. Apagar quem você era, e fingir que isso não te corrói por dentro.
Faz sete anos que deixei minha identidade real presa numa caixa trancada dentro de mim. Já usei perucas, mudei sotaques, inventei passados que nunca vivi. Já fui garçonete, estudante de psicologia, secretária de uma empresa fictícia. Já me apaixonei duas vezes — ambas mentiras. E em todas essas missões, aprendi a enganar com os olhos, com a boca, com o corpo.
Mas nada me preparou para o que estou prestes a viver.
Meu nome é Selena Leclerc. E oficialmente, sou uma Detetive Particular do Serviço Nacional de Inteligência. Oficiosamente, sou a mulher que vai colocar um fim na maior organização criminosa do sul do país.
Meu alvo?
Ninguém sabe o rosto. Nenhum nome confirmado.
Só sabemos que ele é o “chefe”. O homem por trás de tudo. Lavagem de dinheiro. Tráfico de armas. Extorsão.
E a pior parte?
Ele é invisível. Como um fantasma.
— Você vai ter que entrar como uma civil. Nada de crachá, nada de equipe. Você estará sozinha, Leclerc. — Essas foram as palavras do meu superior, quando me passou a missão.
Foi nessa hora que pensei: ótimo. Estar sozinha é o que faço de melhor.
O problema é que, dessa vez, a abordagem seria diferente. Nada de ir atrás de documentos, rastrear celulares, hackear contas bancárias. Dessa vez… eu teria que seduzir um membro da organização.
“Chegue perto de alguém do círculo interno. Alguém que fale. Alguém que seja a ponte entre você e o chefe.”
Só que eu não imaginava que essa ponte seria ele.
Ezra Ravelo.
Eu ainda não sabia o nome dele. Nem o poder que ele carregava. Eu só sabia que ele era lindo. Um homem que você sente antes de ver.
Terno escuro, barba por fazer, olhos que te analisam como se arrancassem seus segredos.
Mas também tinha o toque leve, as palavras doces, o sorriso torto que fazia qualquer mulher se render.
E eu me rendi.
Na primeira noite.
Não vou mentir, eu me entreguei a ele. Não porque a missão mandava. Mas porque ele me fez sentir.
Eu nunca tinha sentido prazer de verdade antes.
Com meu ex, o sexo era sempre sobre ele. Quando terminava, eu ficava deitada olhando pro teto, me perguntando se algum dia seria diferente.
Ezra foi diferente.
Ele me olhou nos olhos. Me despiu devagar. Me tocou como se eu fosse feita de algo precioso.
E quando ele me levou ao limite, quando minha pele queimava sob a dele, eu percebi: Isso não era atuação. Nem fingimento. Era desejo cru. Real.
Eu deveria ter parado ali. Deveria ter mantido a distância. Ter feito o que sempre fiz: me envolver só o suficiente, colher informações, desaparecer.
Mas não com ele. Com Ezra, eu quis ficar.
As noites se repetiram. E com cada toque, eu esquecia da minha missão. Com cada beijo, eu enterrava minha verdade. Com cada gemido, eu me afastava da minha razão.
Até que um dia… a ficha caiu.
Ele não era a ponte. Ele era o chefe.
Aquele que eu deveria desmascarar. Aquele que eu deveria derrubar. O mesmo homem que me fazia gozar com um toque, gemer o nome dele sem pensar, dormir deitada no peito como se o mundo lá fora não importasse.
Ezra Ravelo. O fantasma. O perigo. O meu alvo.
E agora eu me pergunto: Como se prende um homem... quando tudo o que você quer é que ele te prenda em seus braços outra vez?
✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧
✧ Capítulo 01
...✧ Selena Leclerc....
Minha mala está pronta, com roupas neutras, documentos falsificados, dispositivos de escuta, câmeras escondidas e um celular criptografado conectado diretamente ao canal de emergência da agência em Milão. Tudo o que eu posso carregar sem levantar suspeitas.
Meu nome é Selena Leclerc. Tenho vinte e oito anos, nasci em Los Angeles, e, atualmente, minha profissão é fazer o que ninguém quer fazer: me infiltrar, mentir, manipular, seduzir, e sair viva disso. Sou detetive do Serviço Nacional de Inteligência e estou há sete anos envolvida em uma missão que muitos já chamaram de “impossível”.
Meu trabalho exige mais do que armas ou inteligência. Exige controle emocional, sangue frio e a capacidade de apagar a própria identidade toda vez que um novo disfarce começa. A cada missão, uma nova persona. Uma nova história. Uma nova vida. E, acima de tudo, o mesmo objetivo: derrubar estruturas criminosas que o sistema comum não consegue alcançar.
Faz sete anos que trabalho para descobrir quem está por trás da maior organização criminosa do sul da Europa. Um fantasma. Um nome que ninguém conhece. Um rosto que ninguém viu. O "chefe", como todos chamam.
Essa organização movimenta milhões com tráfico de armas, lavagem de dinheiro, extorsão e subornos a políticos em cargos estratégicos. As investigações oficiais não conseguiram sequer arranhar a superfície. Diversos agentes foram enviados. Todos falharam. Alguns desapareceram. Outros foram corrompidos. Alguns simplesmente não voltaram.
Até que a missão foi colocada em minhas mãos.
— Você será a última. Se não der certo com você, o caso será arquivado. — Essas foram as palavras do diretor da agência, duas semanas atrás.
Aceitei sem questionar.
E então viajei.
Agora, estou em Roma. O disfarce é simples: Camille Deneuve, recém-chegada à Itália para estudar arquitetura. Natural, elegante, reservada. O suficiente para chamar atenção sem parecer uma ameaça.
Estou hospedada em um apartamento discreto no centro de Roma, alugado por seis meses sob o nome falso. As câmeras internas foram desativadas e substituídas pelas minhas. A porta está equipada com sensores de movimento e trava magnética codificada. Nada entra ou sai sem meu controle.
No momento, estou diante do espelho, finalizando os últimos ajustes no vestido preto que escolhi para esta noite. Corte reto, costas nuas, uma fenda discreta. Suficiente para me inserir no ambiente sem parecer vulgar. O cabelo está solto, caindo como cascatas sobre o ombro. Maquiagem leve. Perfume francês suave.
Debaixo do vestido, preso à minha coxa direita por uma cinta elástica sob medida, está um coldre fino com uma pistola compacta. Leve, silenciosa, precisa. Ninguém notaria a menos que soubesse exatamente onde procurar. É o tipo de detalhe que nunca uso — a não ser quando o alvo pode se tornar um problema real.
A escuta já está posicionada discretamente em um pingente do meu colar, praticamente imperceptível até para olhos treinados.
A voz de Richard, meu superior direto, rompe o silêncio no exato momento em que finalizo o batom.
— Selena, está me ouvindo?
— Sim. Tudo certo. — respondo sem tirar os olhos do meu reflexo.
— Ótimo. A foto do homem que você deve abordar foi enviada para seu dispositivo seguro. Nome: Ezra Ravelo. Empresário de fachada, possivelmente o contato mais próximo do chefe. Se não for o próprio.
Ezra Ravelo.
O nome aparece no canto da tela do celular criptografado. A imagem mostra um homem com cerca de trinta e poucos anos, cabelo escuro penteado para trás, barba bem-feita, olhar firme. Terno sob medida. Estatura alta. Aparência imponente. E olhos verdes esmeralda.
— Você tem certeza que ele não é apenas um intermediário? — pergunto.
— Certeza absoluta, não. Mas ele é a conexão mais limpa e sólida que temos até agora. Já cruzou contas com três empresas fantasmas usadas pela organização. Ele vai estar na festa hoje. Queremos que você se aproxime. Faça o que for necessário. Se for para ir pra cama com ele, que seja. Mas terá apenas 6 meses para pegar esse miserável. Me entendeu?
Richard é direto. Gosto disso. Sem floreios, sem promessas. Missões assim exigem foco. Nada além disso. Mas ele exagera em certas coisas. Não posso dormir com um estranho. Além do mais, tenho um noivo, nos casaremos assim que eu voltar dessa missão. Mas, eu não preciso entrar em detalhes com ele, só pioraria as coisas e começariam uma discussão.
— O local? — pergunto.
— Galeria Vivanti. Evento de arte contemporânea, início às vinte horas. Entrada restrita. Já cuidamos do convite no nome de Camille Deneuve. Seu nome está na lista. Ezra também confirmou presença. Ele nunca falta a esse tipo de evento.
— Entendido. — fecho o celular e deslizo ele pela lateral da bolsa pequena.
Richard faz uma pausa antes de continuar.
— Atenção redobrada. Ele pode estar esperando por algo. Ezra não se expõe sem motivo. Pode ter segurança disfarçada. Fique em alerta.
— Deixarei o canal aberto. Qualquer movimento suspeito, aviso.
— Boa sorte, Leclerc. Lembre-se: você é a arma mais precisa que temos.
A escuta silencia. Canal fechado.
Respiro fundo. Estou acostumada a entrar em lugares onde não sou bem-vinda. A diferença, dessa vez, é que o alvo sabe jogar. E o campo é dele.
...✧ ✧ ✧ ✧ ✧...
O táxi me deixa a poucos metros da Galeria Vivanti. O prédio é antigo, restaurado, com colunas de mármore branco e luzes direcionadas para a fachada. Do lado de fora, um tapete cinza e recepcionistas com pranchetas recebem os convidados com discrição. Nada chamativo. Luxo silencioso.
Caminho até a entrada com passos calculados, entrego o convite. O segurança confere o nome e permite a entrada sem perguntas.
Lá dentro, o ambiente está bem iluminado, o ar condicionado em temperatura controlada, e o cheiro suave de perfume caro e vinho tinto preenche o espaço.
As paredes são tomadas por quadros modernos — a maioria com formas abstratas, algumas com tons sombrios, outras com cores gritantes. Um reflexo perfeito da elite romana: caótica, mas refinada.
Caminho entre os convidados, absorvendo rostos e escaneando os grupos. Procuro por alguém com a descrição de Ezra. Nada ainda. Pego uma taça de champanhe da bandeja de um garçom. Finjo interesse em uma escultura de metal retorcido. Espero.
E então vejo.
No centro da sala, em frente a uma tela imensa de tons vermelhos e pretos, está ele.
Ezra Ravelo.
Exatamente como na foto. Terno escuro, cabelo alinhado, mãos nos bolsos, postura firme, um leve sorriso ao conversar com dois homens mais velhos. Ele parece... calmo. Mas atento. Como se tudo estivesse sob seu controle — inclusive quem entra e sai daquela sala. E como eu não esperava, é mais bonito pessoalmente, mas do que nas fotos.
Eu não me aproximo. Ainda não. Observo. Registro.
Richard volta a falar no ponto, a voz baixa e precisa:
— Posição confirmada. O homem ao centro, de frente para a tela vermelha. É ele. Você tem luz verde para iniciar contato.
— Entendido. — murmuro, virando o rosto levemente para o lado, mantendo a boca próxima ao colar que oculta o mini microfone.
Deixo a taça de lado e caminho em direção ao outro lado da sala, me posicionando estrategicamente ao lado de uma obra de arte onde posso ser vista sem parecer que quero ser vista. A regra é simples: se ele for quem dizem, ele virá até mim.
Minutos depois, Ezra Ravelo levanta os olhos. Ele me vê. O olhar é fixo. A análise é direta. E então, como previsto, ele se despede do grupo com uma desculpa elegante e começa a andar em minha direção.
Aproxima-se com passos tranquilos, mãos ainda nos bolsos. O sorriso é mínimo, mas existe. Confiança pura. Frieza calculada.
— Primeira etapa concluída. — murmuro no ponto, antes de desconectar discretamente o canal de áudio. O próximo movimento é meu.
E o jogo acaba de começar.
Tenho trinta e quatro anos. Nasci em Palermo, cresci entre Roma e Milão, e hoje administro negócios que nenhum relatório fiscal ousa nomear com exatidão. Sou um homem de métodos discretos e cercados por números. Há quem diga que sou um fantasma. Prefiro pensar que apenas sei usar bem as sombras.
Na superfície, sou dono de duas empresas de investimentos, acionista em três vinícolas italianas e um consultor financeiro “reserva” para políticos que não querem perguntas. Nos bastidores, movo valores que fazem economias tremerem. Lavagem de dinheiro, importações fictícias, contratos forjados, ativos evaporados. O mundo financeiro me pertence. E o submundo me respeita.
Aprendi cedo que o poder não está na força, mas na informação. E ninguém sabe mais do que eu. Pelo menos, é isso que todos acreditam.
Hoje é noite de evento. Um dos tantos que frequento para manter aparências, renovar contatos, observar. Os ricos e corruptos adoram fingir que são artistas. Galerias de arte são, portanto, o cenário perfeito para negócios silenciosos. Dinheiro flui entre taças de vinho e olhares coniventes.
Estou em meu apartamento em Trastevere. Vista privilegiada, mas longe dos holofotes. Um lugar onde posso ser apenas Ezra. Ou o que sobrou de mim.
O relógio marca 19:15. O carro me espera às 19:30.
Caminho até o closet. Os ternos estão dispostos por cor e corte. Escolho o preto de lã italiana. Corte slim, lapela estreita, sob medida. Camisa branca, abotoada até o colarinho. Relógio suíço discreto, sapatos oxford em couro preto polido. Nada grita, tudo sussurra sofisticação.
Enquanto dou o nó na gravata, observo meu reflexo. Há sempre uma tensão contida nos meus olhos. Como se até o espelho soubesse que tudo o que construí pode ruir com um movimento errado. Mas isso nunca aconteceu. Ainda não.
Pego meu celular. Há três mensagens de Sérgio, meu consigliere. Uma delas menciona movimentações suspeitas em uma das contas “escondidas”. Outra cita o nome de uma Detetive que entrou em meu território. A terceira? Apenas confirma que “a mulher estará no evento”.
Franzo o cenho.
Uma investigadora? Possivelmente mandada pelo filho da puta do Richard. Aquele canalha não vai parar, não até acabar com a minha vida. Novamente envolvendo pessoas inocentes nas tramóias dele. Mas dessa vez, se trata de uma mulher, os que ele enviou antes, eram homens. Já sei o que ele pensa. Acha que mandando uma mulher, eu vá me deslumbrar e cair na rede feito peixe. Provavelmente ela vai me seduzir, tentar me levar pra cama, para conseguir o que ele quer.
Respondo a mensagem de Sérgio, digitando rapidamente.
"Levante um dossiê sobre ela, e me envia no email."
...✧ ✧ ✧ ✧ ✧ ✧...
O carro me deixou na porta da Galeria Vivanti às 19:55. O motorista, como sempre, se mantém em silêncio. É parte do contrato. Nada de conversas, nada de olhares no retrovisor. Apenas direção firme e pontualidade.
O segurança da galeria me cumprimenta com um aceno sutil. Ele sabe quem eu sou, mas jamais dirá em voz alta. Dentro, os convidados já circulam com taças nas mãos e poses estudadas. Olhos analisam obras que ninguém compreende. Riem de piadas que não têm graça. E sussurram nomes que não deviam ser ditos em público.
Eu caminho com passos tranquilos, mãos nos bolsos. Dou um aceno aqui, um cumprimento ali. Meu rosto é conhecido, mas não íntimo. Gosto assim.
Paramos sempre na mesma tela. Um quadro grande, vermelho com traços em preto. Caótico. Intenso. Caro.
É minha âncora nesses eventos. A desculpa perfeita para não precisar ficar em constante movimento. Sempre há alguém curioso o bastante para se aproximar da pintura e começar uma conversa.
Uma mulher sozinha, posicionada a cerca de dois metros da tela. Vestido preto, costas nuas, cabelo preso num coque limpo, elegante. Silenciosa. Sutil.
Mas é o olhar que me chama atenção. Ela não finge estar interessada como os outros. Ela realmente observa. Analisa. Como se tentasse entender a mente do artista, ou do anfitrião. Isso é raro. E perigoso. O que me leva a acreditar, que é ela, a investigadora. Confesso que ela é bem atraente, bonita e bem deliciosa.
Eu me aproximo. Sem pressa. Ignoro os dois empresários que tentam me atrair para uma conversa. Meus olhos estão nela.
Paro ao lado esquerdo, a uma distância respeitável, mas o bastante para fazer presença.
Olho para a tela e então falo, direto, como se o tempo entre nós já existisse há muito tempo.
— É uma peça de Enzo Petricelli. Um artista napolitano. Ele pintou isso após o suicídio do irmão mais novo. As cores representam raiva. O vermelho é descontrole. Os traços pretos, a culpa.
Ela vira o rosto na minha direção.
Pele clara, traços suaves, olhos inteligentes. Há algo de calculado nela. Mas ela esconde bem. É o tipo de mulher que sabe o que está fazendo. E faz parecer que não sabe.
— Interessante. — ela responde com um leve sorriso. — Achei que fosse apenas caos estético.
— É o que parece, à primeira vista. — retruco, ainda olhando a tela. — Mas nada que custa mais de cinquenta mil euros é realmente caótico. É sempre calculado.
Ela me encara por mais tempo do que a etiqueta social permite. Como se esperasse que eu dissesse mais. Como se me estudasse.
— E você? — pergunto com um sorriso que não mostra os dentes. — Entende de arte ou apenas veio beber espumante?
Ela sorri de leve.
— Depende de quem estiver perguntando.
Toque de desafio. Eu gosto disso.
— Ezra Ravelo. — estendo a mão, sem pressa. Eu sei que ela sabe meu nome, mas como uma perfeita mentirosa, vai apertar minha mão e fingir que é a primeira vez que ouvi meu nome.
Ela aceita o cumprimento, a mão firme e quente na minha.
— Camille Deneuve.
— Muito prazer, senhorita Deneuve — comento, ainda segurando a mão dela por um segundo além do necessário. Levo até os lábios olhando bem no fundo dos olhos dela, e beijo o costa da sua mão.
Ela retira a mão suavemente e volta a olhar para a tela, mas sei que agora sua atenção está dividida. Me tornei parte da equação. E ela da minha.
— Primeira vez na Galeria Vivanti? — pergunto.
— Sim. Cheguei há pouco na cidade.
— E já se envolveu com o lado mais pretensioso de Roma. Parabéns. Isso exige coragem, ou falta de opção.
Ela ri brevemente.
— Acho que é mais uma mistura dos dois.
A resposta me diverte. E me intriga. Há um equilíbrio perigoso nela. Um tipo de controle que geralmente só vejo em pessoas que não são exatamente quem dizem ser.
Mas não é o momento para brincar com ela. Ainda.
— Bom gosto em quadros. — digo, indicando a pintura. — E em vestidos, se me permite dizer.
— Obrigada. — responde ela, com polidez que não soa nem um pouco envergonhada.
Eu gosto disso também.
Já vi espiões, jornalistas, Detetives, investigadoras e até atrizes tentando se infiltrar nesse meio. Mas Camille é diferente. Ela se move como quem sabe que está sendo observada, mas não se importa. Isso a torna interessante. Ou perigosa.
Talvez os dois.
Ela volta os olhos para mim.
— E você? Veio admirar arte ou apenas desfilar seus ternos bem cortados?
A provocação é clara. Mas o tom é suave. Quase divertido.
— Eu vim ver o que aparece quando as luzes estão acesas. — respondo, sem desviar os olhos dela.
E, por ora, o que Richard me mandou, merece minha atenção. Toda minha atenção.
Ainda diante dela, estendi a minha mão e fiz o convite.
— O que acha de conhecer Roma? Já que você é nova aqui, talvez queira dar uma volta e conhecer o lugar em minha companhia. Prometo não ser entediante, sou divertido.
— Não dispensaria esse convite por nada.
Ela não pegou em minha mão, como eu esperava. Apenas passou por mim, deixando o rastro do seu perfume feminino, e o cheiro doce dos seus cabelos.
Porra, que mulher!
Ela tem um jeito de olhar como se estivesse no controle. O corpo relaxado, o sorriso equilibrado, a pose estudada de quem finge não estar em missão nenhuma. Mas eu sei. Sei quem ela é. Sei quem a enviou. Sei o que ela quer.
Selena Leclerc. Vinte e oito anos. detetive do Serviço Nacional de Inteligência, trabalhando há sete anos para capturar um fantasma. Noiva de um CEO. — e agora sentada ao meu lado, disfarçada de mulher casual em uma noite qualquer.
O dossiê chegou enquanto estávamos no carro. Enviado por Sérgio. Rápido, direto, completo. Nome real, histórico, acessos anteriores, todos os perfis que ela já assumiu em outras infiltrações. E a assinatura no final: autorizada por Richard Andersson, o mesmo idiota que enviou outros antes dela.
A diferença?
Ela chegou mais perto. Ela é melhor. Mas ainda assim não o suficiente.
Fechei o arquivo e guardei o celular. Me virei para ela e sorri com a mesma leveza que uso quando alguém está prestes a perder e ainda não percebeu.
— Gosta de rooftops com vista histórica?
Ela me olhou com uma leve surpresa, mas respondeu com a mesma confiança teatral.
— Quem não gosta?
— Ótimo. — Fiz sinal para o motorista. — Tenho um lugar em mente.
O carro deslizou pelas ruas de Roma com o conforto de quem tem caminho livre. Dentro, o silêncio era macio, o couro dos bancos absorvia tudo — até as mentiras.
Ela observava pela janela. Evitava me encarar diretamente. Provavelmente preocupada com o que diria, com o que revelaria sem querer. E eu? Eu apenas observava. Uma outra mulher, aproveitaria aquele momento, sentaria em meu colo, me beijaria e tentaria arrancar alguma informação, por mais pequena que fosse. Mas ela é diferente, não fez isso.
A postura dela. Os dedos cruzados no colo. A maneira como respirava um pouco mais devagar cada vez que eu a fitava.
Ela está atenta. Mas não percebeu que o jogo já começou — e que as cartas dela estão todas viradas sobre a mesa. Só eu ainda escondo as minhas.
O lugar escolhido era uma suíte privada no último andar de um hotel boutique — discreto, elegante, com segurança invisível e janelas amplas para a cidade. A varanda dava para o Coliseu. Uma visão projetada para tirar o fôlego e distrair a mente.
Ela saiu do carro com naturalidade, seguimos até o elevador. Mas eu percebi o leve tensionar do maxilar. Ela não estava tão à vontade quanto fingia. Ficar sozinho comigo em um lugar discreto, provavelmente não era uma boa opção. Não para ela.
Melhor assim.
Lá em cima, a suíte nos aguardava com vinho já gelado.
— Belo lugar. — ela disse, observando a varanda.
— Eu gosto de silêncio. E de lugares onde ninguém escuta o que não deve.
Ela soltou uma risada baixa.
— Prático. Conveniente. Quantas mulheres já trouxe pra cá?
— Várias que adoram serem bem fodidas. — Vi o momento em que ela engoliu em seco. Ri e peguei duas taças. — Chianti, 2005. Espero que goste.
— Perfeito. — ela desviou o olhar.
Nos sentamos em poltronas de frente para a cidade. A luz tocava apenas nossos rostos. A tensão se espalhava com elegância.
Tomei um gole de vinho. Depois, a olhei nos olhos.
— Roma costuma atrair todo tipo de visitante. Especialmente os que dizem ser outra coisa.
Ela sustentou meu olhar.
— E o que acha que eu sou?
— Acho que é muito boa no que faz. — Respondi com a suavidade de quem elogia um inimigo com uma rosa na mão.
Ela não respondeu imediatamente. Apenas tomou mais um gole de vinho.
Percebi que calculava as palavras.
— E você? — perguntou, com leve inclinação de cabeça. — Quem é, além de alguém que conhece arte, vinhos e rooftops perfeitos?
— Alguém que já viu de tudo... menos uma mulher corajosa como você, que ousa se enfiar em territórios desconhecidos.
Ela sorriu. Mas o olhar denunciava uma cautela contida. Um aviso mudo de que algo estava fora do lugar.
E eu pretendia mantê-la assim.
Ela levantou e caminhou até a varanda, deixei minha taça vazia de lado e me juntei a ela. O vento bagunçou alguns fios dos seus cabelos. Ela se aproximou do parapeito, encarando a cidade com a calma de uma atriz ensaiada. Estava nítido que queria fugir do assunto.
— Linda vista. — disse, quase num sussurro.
— É. Mas essa noite, Roma não é o que me interessa.
Ela virou o rosto na minha direção, séria por um instante.
— Então o que te interessa, senhor Ravelo?
— O que está tentando descobrir aqui, Camille? Ou devo chamá-la de Selena Leclerc?
Ela piscou devagar. Frio. Cautela. Mente trabalhando. Respirou fundo e sorriu.
— Eu disse que sou arquiteta. Gosto de ambientes históricos. E não sou Selena Leclerc, me chamo Camille. Deve estar me confundindo com alguém.
— Não estou. Sei que agentes de inteligência gostam de ambientes discretos.
Ela não reagiu de imediato.
— Você fala como alguém que conhece agentes.
— Conheço o suficiente para saber que você tenta mentir muito bem, mas falhou dessa vez. Aviso a você, está se metendo em um mundo perigoso.
Ela se virou por completo agora. As mãos firmes na taça. Mas o olhar? Ainda tentando manter o papel.
— E você fala como alguém que está desconfiado demais para alguém que só queria conversar.
Cheguei perto. Bem perto. Tão perto que eu senti seu calor, seu perfume e principalmente sua respiração acelerada. Ah, e como eu adorei saber que ela está tão afetada.
— Eu sou desconfiado. É o que me mantém vivo.
Ela me encarou com um desafio contido. E eu retribuí com um sorriso leve.
— Mas não se preocupe. Ainda acredito que você só queria apreciar a arte, o vinho e uma boa companhia.
Ela soltou o ar devagar. Um riso suave escapou.
— Ainda?
— Vamos dizer que minha tolerância a surpresas, varia conforme o vestido da pessoa.
Ela deu um passo para trás, retomando espaço.
— E sua tolerância a mentiras?
— Depende de quem está mentindo. — Me aproximei novamente. — E o quanto ela acredita que eu ainda não descobri.
Ela se calou.
— Você sempre é assim com todas as suas convidadas? — ela provocou, tentando retomar o controle.
— Não. Algumas eu ignoro completamente.
— Então por que me trouxe aqui?
— Porque você mente com talento. E gosto de entender o que move pessoas talentosas.
Ela sustentou o olhar nos meus, e rapidamente me mostrou uma arma. Ela é rápida, não vou mentir.
Selena Leclerc queria brincar. Queria jogar como se o mundo ainda estivesse nas mãos dela. E talvez, em outra situação, ela ganhasse. Mas não hoje. Não comigo.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!