O som das botas ecoava pelo chão de pedra do quartel. Todos os soldados imediatamente pararam o que faziam ao vê-la passar. Reta, elegante, olhos verdes como lâminas afiadas e postura impecável, com sua máscara imponente — era ela, a Comandante.
A máscara preta que cobria seu rosto era quase tão famosa quanto sua força. Os boatos circulavam pelos corredores como sombras — diziam que por trás da máscara havia uma face marcada por cicatrizes, uma punição por ter enfrentado um demônio dos antigos tempos. Mas ninguém ousava perguntar. Ela era temida, respeitada e completamente solitária.
No alto da torre de vigia, cinco comandantes das forças especiais esperavam por ela.
— Atrasada? — provocou Kael, o mais brincalhão do grupo.
Ela cruzou os braços, encarando-o sem falar uma palavra. A máscara fazia com que sua presença fosse ainda mais imponente.
— Isso foi um "cale a boca", Kael — riu Mira, sua melhor amiga.
— Vamos ao ponto: o evento infantil será amanhã. Todos os generais de alta patente estarão presentes... inclusive aquele idiota do Felipe.
Ao ouvir o nome, a comandante bufou e desviou o olhar para o horizonte. O sol se punha tingindo o céu de laranja e vermelho.
— Ainda não acredito que ele vai ser meu parceiro de guarda, justo ele — resmungou. — É como mandar dois gatos briguentos protegerem um aquário.
— Mas vocês são eficientes — disse Mira, sorrindo. — Em campo, ninguém segura vocês dois juntos. Um verdadeiro espetáculo de carnificina e sangue.
— Não preciso de um conquistador, mimado um playboy ao meu lado — ela respondeu friamente. — A última vez que lutamos juntos ele me chamou de “aberração misteriosa de armadura preta” de "Sombra sem alma".
Todos riram, mas o clima era tenso. Ela sabia que Felipe era talentoso, inteligente, forte e irritantemente bonito. Mas também sabia que não podia se permitir envolvimento, não com alguém como ele, um idiota mimado.
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Do outro lado da cidade, Felipe estava no telhado de um prédio da central de segurança, observando a movimentação dos soldados enquanto bebia de uma garrafa d’água. Seu irmão mais velho, Rafael, se aproximou.
— Está nervoso? — perguntou Rafael, vendo o irmão bater o pé com impaciência.
— Eu não. Só... curioso. A comandante vai estar no evento. Aquela garota sempre me irrita, mas quero descobrir por que ela se esconde tanto, do que ela tem medo.
— Porque ela não suporta idiotas, talvez? — disse Rafael com um sorriso.
— Engraçado — resmungou Felipe. — Mas tem algo nela. Força, raiva... e uma tristeza que ela tenta esconder. Aposto que ela não é nem de longe tão feia quanto dizem, ou pode ser pior do que dizem.
Rafael deu um tapinha no ombro do irmão.
— Cuidado, Felipe. Às vezes, quanto mais você se aproxima do mistério, mais ele te consome.
Felipe riu e se deitou no telhado, encarando as estrelas que surgiam lentamente, curioso sobre o desconhecido.
— Eu só quero ver o que tem por trás daquela máscara. Só isso...
Mal sabia ele que, no dia seguinte, o destino o faria ver muito mais do que imaginava.
O sol mal havia nascido, quando os portões da arena de treinamento infantil foram abertos. Pais, mães, uma plateia assistia ansiosos aos pequenos prodígios que competiriam em provas de força, combate, agilidade e controle de energia. Era uma celebração da nova geração de caçadores — e uma excelente oportunidade para avaliar os futuros recrutas fofos.
No alto das arquibancadas de segurança, a comandante observava tudo com atenção redobrada. Mesmo com a máscara cobrindo seu rosto, seus olhos brilhavam ao ver as crianças rindo, correndo e demonstrando seus dons. Ela amava crianças. Amava a pureza delas, a coragem sem intenção, o jeito como enfrentavam monstros de madeira como se fossem as criaturas mais perigosas do mundo, eram genuínos sem maldade.
— Você sorri por trás da máscara, ou é só minha imaginação? — disse uma voz arrogante às suas costas.
Ela virou-se lentamente. Felipe estava ali, usando seu uniforme militar adaptado com o tradicional casaco branco aberto no peito, onde pendia o colar da família. Os olhos azuis dele brilhavam com aquele mesmo deboche de sempre.
— General...
— Pensei que você não acordasse antes do meio-dia — ela respondeu seca.
— Para crianças, vale o esforço — respondeu com um meio sorriso. — Talvez... só por ver você surtando ao meu lado, ou está feliz em me ver?
— Idiota.
— Encantadora como sempre, Comandante Sombria.
Ela bufou e voltou a olhar para a arena.
Não valia a pena discutir — não agora, tinha que estar atenta aos pequenos eles eram sua prioridade e sua missão.
Enquanto observava, um dos meninos tentou usar uma esfera de fogo e perdeu o controle. O fogo ricocheteou, indo direto para uma menina que não percebeu a aproximação.
Antes que alguém pudesse reagir, a comandante pulou da arquibancada como uma sombra veloz. Com um movimento de mão, ergueu uma parede de vento que dissipou o fogo no ar. Todos aplaudiram, mas ela já havia desaparecido no meio dos guardas, sem esperar agradecimentos.
Felipe desceu logo depois, encontrando-a nos fundos da arena, ele estava observando cada passo que ela dava.
— Você foi impressionante, comandante Sombra— ele disse, cruzando os braços. — Você sempre age rápido demais. Quase como se estivesse tentando compensar algo.
— Eu não salvo vidas por vaidade — ela respondeu, séria. — Diferente de você, que gosta de aplausos, estou errada?
— Não ligo pra aplausos. Ligo pra verdade.
Ela virou-se devagar para ele. Mesmo com a máscara, o olhar lindo era cortante.
— E que verdade seria essa, general?
— Que você se esconde. Que tem medo de mostrar quem é. Que usa essa máscara como escudo — ele se aproximou um passo. — E eu vou descobrir o que tem por trás dela. Mais cedo ou mais tarde.
Ela sentiu o coração bater mais forte, mas não demonstrou.
— Boa sorte tentando.
Felipe sorriu, como se tivesse gostado da resposta.
— Vai ser divertido.
Naquela noite, ela caminhou sozinha até os dormitórios, pensativa. Precisava de um banho quente e relaxante. Um momento de paz. Não sabia que estava prestes a ser flagrada no momento mais vulnerável de sua vida.
O dormitório era silencioso, envolto em uma penumbra acolhedora. Já passava das dez da noite, e todos os professores, soldados e auxiliares haviam recolhido-se para seus quartos e quartéis. A comandante caminhava sozinha pelo corredor lateral, com uma toalha nos ombros, sua máscara ainda cobrindo o rosto, perdida em pensamentos, sobre seu dia.
Estava exausta. O calor do dia e o estresse de dividir o turno com Felipe haviam drenado suas forças. Ela encontrou o banheiro reservado para os instrutores e professores — um espaço amplo, com cabines separadas, chuveiros individuais e iluminação suave. Não havia nenhuma placa de gênero. Não havia uma que ela tivesse percebido pelo menos. Ou talvez estivesse distraída demais pensando.
Verificou rapidamente o ambiente. Nenhuma voz, nenhum som de água. Tudo vazio, calmo. Suspirou aliviada.
Tirou o casaco pesado, desamarrando os cintos e alças que seguravam sua armadura personalizada. Deslizou a máscara para fora do rosto com cuidado, como se estivesse se despindo de um escudo de guerra. Seus longos cabelos pretos caíram sobre os ombros, cobrindo parcialmente o busto. A pele era clara, os traços delicados, o olhar verde cheio de cicatrizes... não físicas, mas profundas.
Ficou de roupa íntima, pronta para entrar na cabine, quando ouviu o barulho de uma porta abrindo, ela paralisou na hora, sem reação.
— Hã? — virou-se lentamente, o coração disparando.
E ali, saindo de uma das cabines, com o cabelo ainda molhado e uma toalha enrolada na cintura, estava ele.
Felipe.
Ambos congelaram.
Ela soltou um grito instintivo:
— O que você tá fazendo aqui, Felipe?!
Ele parou de andar. Seus olhos azuis se arregalaram por um segundo, fixos nela e mesmo sem intenção seus olhos percorreram seu corpo. Em silêncio. Totalmente imóvel.
Ela cobriu seus seios com os braços, o rosto em chamas de vergonha. Mas não teve coragem de esconder o rosto de volta com a máscara. Estava atônita, vulnerável — pela primeira vez.
Felipe engoliu em seco. Aquela não era a mulher misteriosa e fria que ele conhecia. Aquela era... diferente. Linda, sim, de um jeito que cortava o ar, mas também frágil. Seus cabelos emolduravam um rosto delicado, os olhos não pareciam ameaçadores, e sim assustados.
Ela parecia... pequena. Humana.
— Você... — começou ele, mas a voz falhou.
Ela apenas olhou para a porta. Viu finalmente a placa: Banheiro Unissex.
— Droga... — murmurou, e correu para dentro da cabine mais próxima, batendo a porta com força.
O silêncio caiu. Felipe ficou ali, sem se mover, os pensamentos girando em turbilhão.
Aquela era a comandante?
A mulher que vivia coberta de preto, sempre armada, sempre impassível?
Ele vestiu-se rápido, ainda tomado por algo que não sabia nomear. Não era apenas surpresa. Era... respeito? Fascínio? Culpa?
O som do chuveiro começou a ecoar atrás da porta da cabine.
— Merda... — ele sussurrou, passando a mão pelo cabelo. E saiu.
Mas mesmo ao deixar o banheiro, algo dentro dele havia mudado. Ela não era mais um mistério provocante.
Ela era uma mulher. Real, bela, vulnerável... e agora, apreciavelmente presente na sua mente.
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