Mia Park nunca acreditou muito em amor. Aos 17 anos, tinha amigas que suspiravam por garotos de filmes, outras que contavam paixões em segredo no intervalo da escola, mas nada disso parecia acontecer com ela. Ela achava tudo exagerado, distante… até conhecer Dulce Maria.
Dulce era uma aluna nova, vinda de outra cidade. Tímida, olhos grandes e castanhos, sempre com um caderno nas mãos e auscultadores nos ouvidos. Sentia sozinha no fundo da sala e raramente levantava a mão. Mas havia algo nela que chamava a atenção de Mia — não algo óbvio, barulhento. Era uma curiosidade silenciosa, um interesse sem nome.
Na primeira semana. Mia só observou. Na segunda, sentou-se ao lado. Na terceira, falou:
— Posso copiar a resposta da três? — Mia brincou, com um sorriso.
Dulce riu, tímida, e empurrou o caderno discretamente. Foi o primeiro gesto de confiança.
As duas começaram a se aproximar. Compartilhavam músicas durante o recreio, trocavam livros de fantasia e conversavam por mensagens até tarde. Mia sentia algo diferente com Dulce — um frio no estômago, um calor nas bochechas. Era novo. Estranhamente bom.
Dulce, por outro lado, travava uma batalha interna. Aos 16 anos, já havia se entendido como lésbica, mas o mundo lá fora ainda era assustador. A escola, os comentários, a família. O armário era pequeno, mas ao menos parecia seguro. Até Mia chegar e balançar tudo com um sorriso sincero e perguntas simples que pareciam enxergar por dentro.
Certa tarde, debaixo da árvore onde sempre se encontravam, Mia perguntou:
— Você já se apaixonou?
Dulce desviou o olhar. O seu coração bateu mais rápido. Quis mentir, mas não consegui
.
— Talvez… uma vez. — respondeu, quase num sussurro.
— E era um garoto? — Mia perguntou, com a voz leve, mas curiosa.
Dulce hesitou. Depois, apenas balançou a cabeça em negativa.
Mia não disse nada por alguns segundos. Então, sorrindo com gentileza, respondeu:
— Eu penso que estou a começar a entender algumas coisas também.
Com o tempo, os olhares demoravam mais, as despedidas ficavam mais lentas, e os silêncios diziam mais do que as palavras. Dulce ainda tinha medo, mas Mia estava ali, com paciência. Nunca forçava, apenas estava.
Foi numa tarde chuvosa, em frente à escola, que Dulce pegou a mão de Mia pela primeira vez. Um toque rápido, quase inseguro, mas cheio de significado.
— É errado sentir isso? — Dulce perguntou, olhando para o chão.
Mia apertou de leve sua mão.
— Se for errado, então eu não quero estar certa.
Elas não saíram contando a ninguém. Era delas. Um sentimento novo, frágil, mas bonito. Compartilhavam olhares nos corredores, mensagens carinhosas escondidas nos livros, e tardes no parque com segredos e descobertas.
Dulce começou a se aceitar aos poucos. Com Mia ao lado, ela se sentia mais corajosa. Não precisava gritar pro mundo – pelo menos, não. Mas já conseguia se olhar no espelho sem medo
. Mia, se sentia viva. Pela primeira vez, o seu coração tinha escolhido alguém – e era uma garota com cabelos castanhos e olhos tristes que sorriam só para ela.
O amor entre Mia e Dulce não começou com um beijo de filme, nem com uma música dramática. Começou com um caderno emprestado, um sorriso tímido, uma pergunta sussurrada. Começou nos pequenos gestos, nas mãos trêmulas, nos olhos que buscavam abrigo um no outro.
Era amor. Ainda novo, ainda se formando, mas real. E isso bastava.
O colégio parecia o mesmo de sempre: alunos apressados, professores com pilhas de provas nas mãos e o barulho característico dos corredores antes do primeiro sinal. Mas, para Mia Park, algo havia mudado.
Ela não conseguia parar de olhar para Dulce Maria.
Desde aquele trabalho em grupo de Artes, em que passaram uma tarde pintando cartazes lado a lado. Mia percebeu uma coisa estranha: o seu coração batia mais rápido quando Dulce sorria. E Dulce... tinha um sorriso tímido, quase escondido, como quem carrega segredos que não ousa confiar a ninguém.
Na manhã daquela terça-feira, elas se cruzaram no corredor. Mia, sem pensar muito, murmurou um "oi". Dulce arregalou os olhos por um segundo, como se não esperasse ser notada. Mas respondeu, quase num sussurro:
— Oi, Mia.
E seguiu o seu caminho.
Foi um simples cumprimento. Mas, para Dulce, foi como um furacão silencioso. Seu peito se apertou com uma mistura de alegria e pânico. Ela nunca havia falado com alguém sobre o que sentia. Nem mesmo com sua melhor amiga. Como contar ao mundo que se apaixonou por meninas? Como explicar que a presença de Mia mexia com ela de um jeito novo, assustador?
Naquele dia, ambas se observaram de longe durante as aulas. Entre os cadernos, os olhares se cruzavam rápido, como se o universo inteiro pudesse desabar se alguém percebesse.
À tarde, Mia escreveu no diário que não mostrava a ninguém:
"Acho que estou gostando dela. De verdade. Mas... e se ela nunca sentir o mesmo? E se for só eu?"
Enquanto isso, Dulce deitava na cama, encarando o teto. Pensava em mil formas de fugir daquilo que sentia, mas nenhuma parecia funcionar. Fechou os olhos e desejou, só por um segundo, ser corajosa o bastante para ser quem ela era — para talvez, um dia, segurar a mão de Mia no meio do pátio.
O trabalho de História era em dupla. E, como sempre, Mia Park deixava tudo para a última hora. Quando o professor anunciou a entrega para a semana seguinte, todos se apressaram para escolher seus parceiros. Mia, no entanto, só conseguia olhar para uma pessoa: Dulce Maria.
Ela estava sentada na terceira fileira, com os auscultadores pendurados no pescoço e os olhos baixos, rabiscando o canto do caderno. Como sempre, discreta. Como sempre... encantadora?
Mia se virou para a amiga do lado e cochichou:
— E se eu chamasse a Dulce pra fazer o trabalho comigo?
— A Dulce? — a amiga arqueou a sobrancelha. — Vocês quase não conversam, né?
— ... — Mia mordeu o lábio. — Mas queria mudar isso.
Enquanto isso, Dulce fingia estar concentrada na folha, mas ouvia cada palavra que Mia dizia. Seu coração deu um pulo ao ouvir seu nome, seguido por um arrepio de ansiedade. E se Mia a chamasse? E se ela dissesse sim? E se alguém percebesse?
O sinal tocou. Era o intervalo. Dulce arrumou o material lentamente, torcendo para que Mia falasse com ela. Mas também torcendo para que não falasse. Era um conflito constante: o desejo de se esconder lutando contra o desejo de ser vista.
Mia se aproximou.
— Dulce?
A garota levantou os olhos devagar, como quem caminha na beira de um precipício.
— Oi...
— Você já tem dupla pro trabalho de História?
Dulce hesitou por um segundo. Queria dizer que sim, que já tinha alguém. Fugir seria mais fácil. Mas, pela primeira vez em muito tempo, ela deixou o coração responder:
— Não... ainda não.
Mia sorriu, aliviada.
— Então... quer fazer comigo?
Dulce sorriu de volta. Pequeno. Cauteloso. Mas verdadeiro.
— Quero, sim.
Elas saíram da sala lado a lado. Não conversaram muito, só frases curtas sobre o tema do trabalho. Mas, naquele silêncio, algo começou a nascer. Um espaço onde talvez fosse possível ser sincera. Um lugar seguro entre dois mundos que ainda não sabiam se encaixar, mas já se reconheciam.
E, pela primeira vez, Dulce não quis se esconder.
A tarde estava nublada, mas quente. O céu encoberto parecia combinar com os pensamentos de Dulce Maria: confusos, densos, mas ainda assim cheios de expectativa.
Ela tocou a campainha com os dedos trêmulos. A porta se abriu segundos depois, revelando Mia com um coque bagunçado, camiseta larga e um sorriso um pouco nervoso.
— Oi!.. entra! — disse Mia, abrindo espaço.
Dulce entrou, sentindo o coração disparar como se tivesse acabado de correr uma maratona. A casa era silenciosa. A mãe de Mia estava no trabalho e o irmão mais novo, segundo ela, ficaria trancado no quarto jogando videogame.
A sala estava forrada com cadernos, folhas impressas, canetas coloridas e um pacote aberto de bolachas.
— Eu sou um pouco caótica quando estudo — Mia brincou, coçando a cabeça.
— Eu gosto disso — respondeu Dulce, surpreendendo a si mesma.
Mia deu um risinho leve e puxou uma almofada para se sentar no chão.
Durante a primeira hora, elas realmente tentaram se concentrar no trabalho. Analisaram o conteúdo, dividiram tópicos, fizeram anotações. Mas os olhares sempre escapavam.
Em determinado momento. Mia deixou a caneta cair e soltou um suspiro.
— Posso te perguntar uma coisa?
Dulce assentiu, com o coração na garganta.
— Você já se apaixonou por alguém?
Dulce congelou. Era como se a pergunta tivesse atravessado todas as camadas da sua armadura. Ela hesitou, olhando para os dedos entrelaçados no colo.
— Já. Mas nunca contei pra ninguém. — Sua voz saiu baixa, quase uma confissão.
Mia se aproximou um pouco. Não demais. Mas o suficiente para Dulce sentir seu perfume: algo entre chá de pêssego e livros antigos.
— Nem pra sua melhor amiga?
Dulce balançou a cabeça.
— Eu tenho medo. Medo do que vão pensar. Medo de ser quem eu sou.
Mia respirou fundo. O silêncio se estendeu por alguns segundos, mas não foi desconfortável. Era o tipo de silêncio que escutava.
— Eu também nunca me apaixonei — Mia disse, com sinceridade. — Até agora. E é confuso, sabe? Porque a gente cresce achando que amor tem uma forma certa. Mas às vezes ele aparece do jeito mais inesperado.
Os olhos de Dulce encontraram os de Mia. Havia algo ali. Algo não dito, mas sentido.
Nenhuma das duas teve coragem de tocar no assunto diretamente. Não ainda. Mas, quando riram juntas minutos depois por causa de um erro bobo na pesquisa, quando os joelhos se encostaram sem querer, quando os olhos demoraram um segundo a mais que o normal... ambas souberam.
A linha entre amizade e algo mais estava ficando cada vez mais tênue.
E, mesmo com o medo, Dulce já não queria voltar.
A noite chegou antes do esperado. Mia e Dulce nem perceberam o tempo passar enquanto organizavam as últimas partes do trabalho. As risadas vinham mais fáceis agora. As palavras também. Era como se uma ponte invisível tivesse finalmente se formado entre elas.
Do lado de fora, a chuva fina batia na janela. E por dentro... os corações batiam ainda mais forte.
— Acho que terminamos — disse Mia, fechando o caderno com um leve suspiro.
— Hum! Murmurou Dulce, olhando para a folha, mas sem realmente enxergar nada.
A verdade é que nenhuma das duas queria ir embora.
Mia se levantou para guardar os materiais e, ao voltar, percebeu que Dulce observava as estantes de livros no canto da sala. Ela se aproximou devagar, ficando ao lado da garota, tão perto que os ombros quase se tocavam.
— Gosta de ler? — Mia perguntou baixinho.
— Gosto. Principalmente quando os personagens sentem algo que eu não consigo explicar.
Mia sorriu com a resposta. Era exatamente assim que ela se sentia com Dulce.
Por um momento, o tempo pareceu parar. As duas estavam frente a frente. O silêncio era carregado. Mas não era estranho — era cheio de possibilidade. Os olhos de Dulce baixaram para a boca de Mia, depois voltaram para os olhos. Mia percebeu. E se aproximou um pouco mais.
— Dulce...
O nome dela saiu como um sussurro. Um pedido.
Dulce não recuou.
Seus rostos estavam tão perto que podiam sentir a respiração uma da outra. O coração de Dulce batia alto, forte, como se estivesse tentando quebrar o peito.
Foi quando a campainha tocou.
As duas pularam com o susto. O irmão de Mia gritou do quarto:
— É a mãe! Ela chegou!
Dulce deu um passo para trás, corando até a raiz do cabelo.
— Penso que... eu devia ir.
Mia assentiu, ainda sentindo a proximidade em cada parte do corpo.
Acompanhou Dulce até a porta. Antes que ela saísse, Mia segurou de leve sua mão.
— A gente se vê amanhã?
— A gente se vê — respondeu Dulce, sorrindo de um jeito tímido, mas verdadeiro.
E saiu na chuva fina, sem saber ao certo o que teria acontecido se a campainha não tivesse sido interrompida. Mas com a certeza de que, pela primeira vez, queria descobrir.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!