A chuva batia como pequenas lâminas contra o telhado enferrujado da casa simples onde Luna vivia com sua mãe. Eram apenas as duas desde que o pai, que ela mal lembrava, sumiu no mundo. A casa era pequena, mas cheia de amor — e segredos.
Naquela tarde de novembro, Luna sabia que algo estava estranho. A mãe, Helena, havia passado os últimos dias inquieta, falando ao telefone em voz baixa, saindo tarde da noite e trancando a porta do quarto — coisa que nunca fazia.
— Mãe, você tá estranha. Aconteceu alguma coisa? — Luna perguntou, encostada no batente da porta da cozinha, segurando uma xícara de café.
Helena sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. Ela largou os papéis que lia e caminhou até a filha, segurando seu rosto com as duas mãos.
— Eu só estou cansada, minha filha. Mas tudo vai ficar bem. Prometo.
— Você sempre promete isso...
Helena respirou fundo e, sem dizer mais nada, pegou a pasta preta sobre a mesa, beijou a testa de Luna e saiu apressada pela porta dos fundos. A porta que nunca usava. A porta que sempre trancava com medo. Luna ficou parada ali, com um nó na garganta e a sensação incômoda de que aquela seria a última vez que veria a mãe.
E foi.
Luna tinha 17 anos quando a mãe desapareceu sem deixar rastros. Nem polícia, nem vizinhos, nem conhecidos sabiam de nada. A única pista era a pasta — que ela encontrou embaixo de uma tábua solta do assoalho semanas depois. Dentro, documentos estranhos, nomes de políticos, fotos borradas, listas com números. Era como se sua mãe tivesse tropeçado em algo grande... algo perigoso demais.
Desde então, Luna passou a viver com os avós, e cada aniversário sem notícias se tornava mais uma ferida aberta. Até que, cinco anos depois, no dia em que completava 22 anos, tudo mudou novamente.
📆 5 ANOS DEPOIS…
O tempo não apagou a dor. Só a disfarçou.
Luna agora era uma jovem de 22 anos, formada em Serviço Social, ativista comunitária e defensora dos direitos das minorias. Dava palestras, ajudava ONGs e participava de projetos sociais em comunidades carentes. Mas todas as noites, antes de dormir, abria a pasta preta que tinha escondido durante todos aqueles anos. Dentro dela, nomes de empresários, políticos e até juízes. Dossiês completos de corrupção. Um deles, circulado com marca-texto vermelho, dizia:
"Operação Cravina – Lista de pagamentos ilegais ao clã Moretti. Código: Viúva Negra."
Luna nunca soube quem eram os Moretti, mas o nome a assombrava.
Na manhã de seu aniversário, foi convidada para dar uma palestra sobre mulheres em situação de vulnerabilidade no Centro Cultural da zona norte. Falava com paixão, com os olhos brilhando, enquanto contava sua história.
Ao fim do evento, ao sair pelas portas de vidro, sentiu um arrepio. Três homens de terno preto estavam parados do outro lado da rua. Um deles falava ao telefone. Os outros dois olhavam fixamente para ela. Os olhos frios. Sombrios.
Luna ignorou. Caminhou para o ponto de ônibus. Os passos atrás dela aumentaram. O som dos carros abafava tudo, mas ela sentia que estava sendo seguida. Apressou o passo, atravessou a rua correndo, entrou em uma farmácia fingindo comprar algo. Pegou um remédio qualquer, foi até o caixa, fingiu normalidade. Mas ao sair…
— Luna Alvarez? — disse uma voz em português com sotaque estrangeiro.
Ela correu. O coração batia tão forte que parecia querer rasgar o peito. Entrou em uma viela, tropeçou, levantou. Tentou pegar o celular, mas mãos fortes a seguraram por trás.
— Solta! SOCORRO! — gritou, em desespero.
— Silêncio, ragazza! — disse a mesma voz, com raiva.
Um pano pressionado contra seu rosto. Cheiro forte. Dormência. Escuridão.
📟 QUANDO ACORDOU…
O som de motores. O cheiro do couro. Um avião? Luna tentou se mover, mas seus pulsos estavam amarrados com algo firme. Estava vendada, com as mãos para trás e os pés presos. O pânico tomou conta.
— Quem tá aí?! Onde eu tô?! — gritou.
A voz que respondeu vinha da frente.
— Você está segura... por enquanto.
Era um homem. Voz grossa, calma, como quem está no controle de tudo. A venda foi retirada bruscamente. A luz a cegou por segundos.
Ao abrir os olhos, Luna se deparou com o interior de um jato luxuoso. Ao seu lado, sentava-se um homem com olhos verdes intensos, barba bem feita, terno sob medida e um anel dourado com um símbolo estranho — uma serpente em espiral.
— Quem é você?! — ela sussurrou, com raiva e medo.
O homem sorriu de lado, como quem se diverte com o medo alheio.
— Meu nome é Dante Moretti. E você, Luna Alvarez... é minha nova esposa.
O céu do norte da Itália parecia um quadro pintado em tons de cinza e chumbo. Do lado de fora da janela do jato, as nuvens grossas se desfazem lentamente, revelando o contorno das montanhas ao longe. Mas Luna não via nada disso. Sentada, amarrada, o olhar fixo no homem à sua frente, só conseguia pensar em três coisas:
1.Ela estava em outro país.
2.Estava sendo mantida contra sua vontade.
3.E aquele homem… era um monstro bonito demais.
— Me solta. Agora. — sua voz saiu firme, mesmo com o medo latejando por dentro.
Dante Moretti não respondeu de imediato. Ele apenas a observava, com aqueles olhos verde-esmeralda que pareciam analisar sua alma. Como se pudesse ver além das palavras. Vestia um terno cinza escuro impecável, o relógio no pulso brilhava discretamente, e seus cabelos estavam perfeitamente alinhados para trás. Elegante demais para um criminoso. Frio demais para ser confiável.
— Você não está em condições de exigir nada, Luna — disse ele, em tom baixo, como quem conversava sobre o tempo.
— Você me sequestrou! Isso é crime!
— Você acha que o mundo em que você entrou ainda joga com as regras da sua justiça? — ele arqueou uma sobrancelha, como se se divertisse com a inocência dela. — Você não foi sequestrada. Foi resgatada.
— Resgatada do quê?!
— De pessoas que queriam você... morta.
O silêncio caiu como uma explosão entre eles. Luna engoliu seco.
— Mentira. Você só quer me assustar.
Dante se levantou, caminhou até ela com passos lentos, e inclinou-se para falar bem perto de seu rosto. Seu perfume era forte, amadeirado. Dominador.
— Você acha que sua mãe desapareceu por acaso?
Os olhos de Luna se arregalaram.
— O que você sabe sobre a minha mãe?
— Tudo.
Antes que ela pudesse reagir, o avião começou a descer. A turbulência sacudiu tudo por alguns segundos, e ela sentiu o estômago virar. Quando o jato aterrissou em uma pista privada, já era noite.
Do lado de fora, viam-se apenas luzes brancas, carros pretos blindados e homens de terno com auriculares — segurança armada. Luna foi tirada do avião com as mãos soltas, mas sob a mira de olhares atentos. Ela tentou correr quando pisou no chão, mas Dante a segurou pelo braço com firmeza.
— Não faça isso. Aqui, correr tem consequências fatais.
Ela o olhou com ódio.
— O que você quer de mim?
— Um favor político, um símbolo, uma esposa.
— Isso é loucura! Eu nunca vou...
— Vai. — ele cortou, firme. — Porque sua mãe sabia demais. E agora... você sabe também.
Ela foi levada até uma limusine. O trajeto durou cerca de uma hora, até chegarem a uma propriedade cercada por altos portões de ferro e cercas vivas. Era um palazzo. Antigo, imponente, com janelas góticas e colunas de mármore. Guardas vigiavam cada entrada. Era como estar num castelo... de terror.
Ao entrarem, Luna foi recebida por uma mulher de meia-idade, elegante, com um leve sorriso forçado.
— Seja bem-vinda à casa dos Moretti, senhorita Alvarez. Sou Francesca. A governanta.
— Eu não quero estar aqui. Quero ir pra casa.
Dante aproximou-se por trás.
— Esta é sua casa agora. Temporariamente. Você vai ter tudo do bom e do melhor. Com exceção de liberdade.
Luna respirou fundo. A raiva crescia como um incêndio dentro dela. Mas havia algo mais: medo... e uma sensação estranha. Aquela casa, aquela família, aquele homem — todos pareciam saber mais sobre sua vida do que ela mesma.
Enquanto a governanta a guiava por corredores suntuosos, tapetes vermelhos e quadros antigos, Luna notou algo numa moldura. Um retrato a óleo.Um homem muito parecido com Dante... mas com olhos mais gentis. E ao seu lado, uma mulher de cabelos escuros e rosto familiar.
— Quem são eles?
— O pai de Dante... e a mãe dele. Ambos mortos há mais de 10 anos. — disse Francesca, quase num sussurro. — Mas há rumores de que a morte deles... não foi acidente.
Luna sentiu um arrepio na espinha.
Naquela noite, ao se deitar em um quarto luxuoso, mas com portas trancadas por fora, ela olhou para o teto alto, os candelabros e as paredes frias.
Ali, pela primeira vez desde a infância, Luna chorou.
Mas não era só tristeza.
Era o prenúncio de uma guerra.
Luna acordou com um sobressalto. Não sabia quanto tempo havia dormido, mas o sol já se escondia atrás das cortinas de veludo vinho. O quarto era grande demais para o que ela estava acostumada — cama de dossel, poltronas douradas, um armário enorme que parecia pertencer à realeza. Tudo exalava riqueza e poder... mas nada ali tinha cheiro de lar.
Ela caminhou até a janela. Trancada. Grades invisíveis do lado de fora. O portão do jardim era vigiado por dois homens. Cães pastores rondavam a propriedade. A fuga parecia impossível.
Até que notou: uma porta entreaberta no corredor. Pegou um candelabro pequeno como arma improvisada, respirou fundo e saiu silenciosamente. O corredor era longo, silencioso, os quadros antigos pareciam observá-la.
Virou à direita e encontrou um cômodo... um escritório.
Entrou.
Papéis sobre a mesa. Mapas. Pastas com nomes italianos e brasileiros. Em uma delas, reconheceu um rosto: Helena Alvarez, sua mãe. Estava mais nova, com uniforme hospitalar. Ao lado, uma ficha em italiano com palavras como “testemunha-chave”, “dossiê confidencial”, e “informante em perigo”.
— O que ela fez, mãe...? — sussurrou, passando os dedos sobre a foto.
Mas antes que pudesse pegar mais documentos, uma voz cortou o silêncio:
— Mexer em arquivos da máfia pode te custar caro, Luna.
Ela se virou bruscamente, o coração disparado. Dante estava na porta, com as mãos nos bolsos, e o mesmo olhar controlado de sempre. Mas agora... havia uma sombra nele. Algo mais sombrio do que antes.
— O que você quer de mim? — ela disparou, tentando disfarçar o medo com raiva.
— O mesmo que sua mãe queria: justiça. Mas justiça custa caro... e ela não pagou o suficiente.
Luna apertou o candelabro com força.
— Você a matou?
Dante arqueou uma sobrancelha.
— Eu não mato inocentes. Mas... nem todos os meus homens são como eu.
Ela caminhou até ele, os olhos brilhando de dor e fúria.
— Me solta. Eu não sou sua. E nunca vou ser.
— Ainda não, Luna. Mas vai ser. — Ele se aproximou, invadindo seu espaço. — Porque nesse jogo... ou você casa comigo, ou morre com a verdade que carrega.
Ela o empurrou com força.
— Eu prefiro morrer livre do que viver como sua prisioneira!
Dante a segurou pelos braços com força, mas não machucou. Apenas sussurrou:
— Não diga isso tão cedo. Você ainda nem viu o inferno.
📟HORAS DEPOIS...
Luna foi obrigada a se arrumar para um jantar de apresentação à “família”. Vestido preto, salto alto, maquiagem leve. Uma funcionária a vestiu como se ela fosse uma boneca. A mesa de jantar era longa, cercada por velas e taças de cristal.
Estavam lá: Giuliano, o irmão mais novo de Dante — irônico, debochado e perigoso.
Rosa, a tia-avó — católica fervorosa, mas com olhos que tudo viam.
Padre Francesco, o capelão da família — silencioso, mas com cicatrizes de guerra.
E Don Marco Moretti, o “tio” de Dante, e verdadeiro chefão da máfia — sorriso gentil, mas com olhos de assassino.
Quando Luna entrou, todos silenciaram por um instante. Ela se sentou ao lado de Dante, com o corpo rígido e o olhar desafiador.
— Então essa é a futura Signora Moretti... — disse Don Marco, com um sorriso cínico.
— Contra a vontade dela — Luna respondeu, cortante.
O tio riu.
— Tem fogo na alma. Igual sua mãe. Gostei.
Dante apertou discretamente a mão dela sob a mesa. Um gesto que, por mais que Luna odiasse, a confundiu. Era proteção? Ou controle?
Durante o jantar, ela ouviu conversas em código, piadas sobre “negócios” e ameaças disfarçadas de boas-vindas. Entendeu que aquilo não era apenas uma casa — era uma prisão com lustres de ouro.
Mas ali, naquela mesa de criminosos, Luna fez uma promessa silenciosa a si mesma:
Ela iria descobrir toda a verdade. Sobre sua mãe. Sobre Dante. Sobre essa maldita família. E quando descobrisse… iria derrubá-los por dentro.
Nem que precisasse casar com o diabo para isso.
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