A manhã na Sicília amanhecera calma, envolta em um céu alaranjado que tingia os telhados antigos e as colinas cobertas por vinhedos e oliveiras. O aroma do pão fresco vindo da padaria local misturava-se ao som distante dos sinos da igreja. Dentro do casarão da família Ferrari, Luana estava sentada na beira de sua cama, com os dois diplomas nas mãos: Administração e Teologia. Seus olhos castanhos brilhavam com orgulho, mas também com serenidade. Ela havia chegado até ali com esforço, fé e disciplina. E agora estava prestes a dar o passo mais importante da sua vida.
Levantou-se e foi até o guarda-roupa. Abriu as portas devagar, como se aquele gesto carregasse um significado sagrado. O hábito estava pendurado cuidadosamente, já lavado e passado. A peça branca e simples parecia iluminada pela luz que entrava pela janela. Luana passou os dedos pelos tecidos e sentiu um arrepio. Quantas vezes havia sonhado com aquele momento?
Desde os seis anos, vivia com aquela promessa ecoando dentro de si. Uma promessa feita sem entender completamente seu peso, mas que se enraizou com o tempo, fortalecida pelo amor que sentia pelo avô. O tempo passou, ela cresceu, amadureceu, estudou, viajou com os pais, frequentou retiros, mas sempre voltou à mesma certeza: entregaria sua vida a Deus.
Luana nunca foi como as outras jovens de sua idade. Enquanto suas amigas falavam de festas, namoros e redes sociais, ela preferia o silêncio dos livros e a paz das capelas. Não que fosse alheia ao mundo. Era uma jovem bonita, inteligente, de conversa doce e sorriso encantador. Muitos rapazes se aproximaram dela ao longo dos anos — alguns discretos, outros mais ousados. Mas nenhum despertou o menor interesse. Em seu coração, havia uma quietude. Um foco. Um compromisso.
Mesmo quando sentiu curiosidade, quando as amigas falavam do frio na barriga antes do primeiro beijo ou da ansiedade por uma mensagem, Luana se lembrava da noite em que fez a promessa. E voltava para sua essência. Para o propósito.
Com um suspiro profundo, ela sentou-se diante da penteadeira e pegou um antigo relicário de prata. Dentro dele, havia uma foto de infância: ela, no colo do avô Mateus, abraçados com ternura. Aquele era um dos momentos mais preciosos de sua vida. E foi ali que sua memória a levou novamente...
Flashback – O casamento dos tios Luiggi e Arthur, 17 anos antes
O salão de festas estava repleto de luzes douradas, flores brancas e risos. Era uma noite mágica. Luana, aos seis anos, usava um vestido azul-claro com babados e tinha uma coroa de flores no cabelo. Corria com as primas — Chiara e as gêmeas, tias dela — enquanto os adultos dançavam e brindavam. As gêmeas, filhas mais novas de Mateus, eram quase adolescentes e adoravam provocar o pai. Chiara, três anos mais velha que Luana, era cúmplice inseparável nas brincadeiras.
Quando Luciana, a avó animada, assumiu o microfone e anunciou o momento do buquê, a pista de dança se encheu de mulheres — e de meninas. As gêmeas foram as primeiras a correr, Chiara as seguiu e, como uma flecha, Luana também correu, encantada com o momento.
Mateus, que observava a cena de longe, arregalou os olhos.
— Mas o que é isso?! — resmungou. — Isso é pra moça solteira, não pra essas meninas endiabradas!
Foi até lá a passos largos, como um comandante tentando conter uma revolta. As gêmeas ignoraram solenemente. Chiara riu na cara dele e ainda fez pose de debutante. Mas Luana, ao ver a expressão aflita do avô, correu até ele. Subiu em seus braços com a inocência pura de uma criança e sussurrou:
— Eu vou ser freira, vovô.
Mateus paralisou. Um sorriso lento se desenhou em seu rosto. Uma risada ecoou atrás dele — Arthur, o noivo, ouvira a conversa.
— Essa puxou a Carla! — gritou. — Casou virgem e toda cheia de promessa também!
Os convidados riram, mas Mateus não achou graça. Ou talvez tenha fingido que não achou. A verdade é que naquele instante, ele a apertou contra o peito e murmurou, emocionado:
— Essa menina vai me dar paz. Essa vai se salvar.
E assim nasceu o compromisso que guiaria Luana até a vida adulta.
De volta ao presente...
Luana saiu do quarto e caminhou pela casa silenciosa. Os pais haviam saído para visitar uma tia doente. A casa era ampla, com móveis rústicos e quadros da família espalhados pelas paredes. No corredor, havia uma foto do avô com suas filhas e netas — incluindo ela, ainda menina. Ela parou diante da imagem, tocou o vidro com a ponta dos dedos.
“Você sempre disse que queria pelo menos uma mulher da família freira, vovô. As gêmeas deram trabalho, Chiara então... nem se fala. Alana está seguindo o mesmo caminho rebelde. Mas eu... eu vou ser sua calmaria. Sua alegria.”
Mateus sempre dizia isso. Toda vez que se reuniam em família e as outras netas causavam dor de cabeça, ele olhava para Luana com um sorriso sereno e dizia:
— Essa aí vai entrar no céu de mãos dadas comigo.
Luana sorriu com doçura e desceu as escadas em direção ao jardim. A Sicília florescia em cada canto da propriedade. Os limoeiros estavam carregados, e o cheiro cítrico se espalhava pelo ar. Sentou-se sob uma oliveira, abriu um caderno de anotações e começou a escrever:
> "Senhor, eu Te entrego meus sonhos e meus caminhos. Não por medo, nem por fuga, mas por amor. Que minha vida seja luz e que meu exemplo seja calmaria para quem vive no tumulto. Obrigada pela promessa. Obrigada pelo chamado. Em breve, estarei contigo em tua casa."
Ela sabia que ainda tinha as festas de fim de ano pela frente. Queria passar o Natal com os avós, dar um último abraço no avô antes de entrar definitivamente no convento no início do ano seguinte. Era o seu tempo. E ela estava pronta.
Mas do outro lado da Europa, em Madri, um homem chamado Sebastian Martinez fitava uma foto antiga. Nele, Luana — ainda menina — sorria ao lado da mãe, sem saber que um dia aquele homem cruzaria seu caminho... e colocaria à prova sua fé, sua promessa... e seu coração.
A luz suave do entardecer atravessava as janelas do quarto de Luana, banhando o ambiente em tons dourados e pálidos. O hábito branco pendurado à frente do guarda-roupa parecia brilhar mais do que nunca, como se carregasse um chamado celestial. Luana o encarava em silêncio, com os braços cruzados e o coração tranquilo. Era como se já pertencesse àquele mundo.
Carla bateu de leve à porta e entrou sem esperar resposta, já sabendo que encontraria a filha ali, como tantas outras vezes nos últimos meses.
— O que tanto olha para esse hábito, filha? — perguntou, com um sorriso cansado, mas terno.
Luana virou-se devagar, os olhos brilhando de emoção.
— Já está na hora, mama. Amanhã mesmo vou procurar as freiras pra saber como faço pra entrar no convento. A senhora sabe que, assim que passar o final do ano, vou pra lá.
Carla suspirou fundo e sentou-se na beirada da cama, observando a filha com aquele misto de orgulho e tristeza que só uma mãe conhece. Passou os dedos pelos cabelos da menina que, agora mulher, seguia um caminho que ela mesma nunca havia imaginado.
— Eu queria tanto que você se casasse… e me desse netos.
Luana sorriu, aproximando-se da mãe, e ajoelhou-se diante dela, segurando suas mãos com carinho.
— Mama, a senhora sabe que isso não é possível. Eu vou me casar com Jesus. E meus filhos... meus filhos vão ser os meninos órfãos. Eu prometi ao nono, e não é só isso... eu já até gosto dessa vida. Já me sinto uma freira. Gosto das orações, gosto da paz... nunca senti atração por homem nenhum.
Carla a olhou com os olhos marejados. Tentava não chorar, mas a emoção apertava seu peito.
— Meu compromisso é com Deus, mama. O nono só me mostrou o caminho, mas a decisão é minha. Eu escolhi esse amor. Esse chamado.
Carla deu uma risadinha triste, enxugando os olhos.
— Por que você tinha que puxar a mim justo na parte de cumprir promessa? Eu queria tanto ver você entrando de noiva na igreja… de um lado seu avô… do outro, seu pai…
Luana riu baixinho, inclinando a cabeça.
— A senhora vai ver isso com a noiva do Ângelo. Ele vai se casar, vai ser dom da máfia... e eu vou orar por ele. Vou orar para que Deus perdoe o pecado de toda a nossa família.
Carla a abraçou apertado, com ternura e um pouco de dor.
— Não posso te obrigar, não é mesmo, filha?
— Não pode, mama. E eu te amo por respeitar isso.
— O que as duas mulheres da minha vida estão conspirando aí? — disse Alexandre, entrando no quarto com aquele jeito expansivo e bem-humorado que o tornava único. — Já sei, já sei... logo vai chegar o dia da nossa filha ir pro convento...
Ele se jogou na poltrona do quarto, fingindo estar arrasado, e depois piscou para Luana.
— Graças a Deus eu não vou ter que fazer igual meu sogro, hein... segurar um barbado pela camisa. Me livrei disso. Isso aí se chama rainha, prêmio de Deus por tudo que eu passei quando teu avô quase me matou mil vezes até me aceitar.
Carla bufou, cruzando os braços.
— Você sabe muito bem que era drama dele.
— Drama ou não, o velho era bravo! — Alexandre riu, então olhou para Luana. — Mas, falando sério, você poderia tentar convencer ela, Carla...
Luana se levantou, olhando firme para o pai.
— Papa, não é uma questão de convencer. Já está dentro de mim. Vários meninos tentaram me conquistar. Nenhum conseguiu. Nenhum homem. Eu sou de Jesus.
— Isso mesmo, minha princesa — disse Carla, com orgulho na voz. — Vai se casar com Jesus. É o melhor noivo que existe.
Carla ergueu as mãos para os céus, rindo, e saiu do quarto, deixando pai e filha sozinhos.
Alexandre abriu os braços e Luana correu até ele. Sentou-se no colo do pai, como fazia quando era criança. Ele a abraçou com força e afeto.
— Estou orgulhoso de você, minha princesa. De verdade. Mas... — Ele a olhou com doçura. — Você tem certeza do passo que está dando? Eu brinco, mas... se você algum dia quiser ter um relacionamento... eu vou sofrer um pouco de ciúmes, é claro. Mas eu te apoio, sempre.
Luana sorriu, encostando a cabeça no ombro dele.
— Não, papa. Nunca me senti atraída por homem nenhum. Não tenho vontade de ir pra boate, bar... nem de ter muitas amigas. As que tenho não entendem. Querem que eu arrume um namorado, que viva como elas. Mas eu... eu gosto de orar. Gosto de servir ao Senhor. E estou feliz com a minha escolha.
Alexandre assentiu, os olhos marejados.
— E é isso que importa, minha filha: a sua felicidade. Apesar de que eu sou o pai mais orgulhoso do mundo, viu? Não vou morrer cedo de infarto.
Luana gargalhou.
— Seu bobo!
— Mas é sério. Seu avô teve quase dez ameaças de infarto três anos atrás quando a Chiara apresentou aquele pretendente. Não quero passar por isso. Você é linda e perfeita demais pra qualquer um.
— Eu sou só uma menina, papa.
— Pra mim, você é a segunda mulher mais bonita do mundo. A primeira é sua mãe, claro.
Ela sorriu emocionada.
— Eu fico feliz com a história de amor de vocês... na minha história de amor, o noivo é Deus.
Alexandre a apertou contra o peito com força.
— Então que Ele cuide bem de você, minha princesa. Porque você é meu maior orgulho.
Luana fechou os olhos e, naquele momento, sentiu uma paz tão profunda que poderia jurar que o céu se abrira só pra ela.
O cheiro de molho de tomate com manjericão tomava conta da casa de Luciana e Mateus. Era domingo, dia sagrado da família, e todos os filhos chegavam em horários alternados, trazendo risos, crianças correndo pelos corredores e abraços apertados que misturavam saudade com rotina.
Carla chegou com Alexandre e Luana. Assim que atravessaram a porta, Mateus se adiantou como se esperasse por aquele momento a manhã inteira.
— Quando é que você vai para o convento, hein, minha princesa? — perguntou ele, já envolvendo Luana num abraço apertado.
— Em janeiro, nono. Mas amanhã cedo mesmo eu vou falar com as freiras. Quero adiantar o processo — respondeu Luana com serenidade.
— Eu vou com você. Faço questão! — disse Mateus, batendo a mão no peito com orgulho.
Carla, com um suspiro meio impaciente, se intrometeu:
— Você pode, por favor, me desobrigar daquela promessa, Papa? Eu queria tanto ter netos da Luana...
— Ângelo vai te dar netos, e muitos! — Mateus rebateu com um sorriso.
Ângelo, que acabava de entrar com um refrigerante na mão, ouviu e logo reforçou:
— Quinze netos, mama. Se for o que a senhora quer, eu entrego!
A sala caiu na gargalhada. Mateus bateu a mão na perna:
— Aí, tá vendo? Vai ter neto de sobra! Para de drama.
Carla bufou, cruzando os braços. Luana olhou para a mãe, com doçura mas firmeza:
— Eu disse que não é mais sobre a promessa, mama. É uma escolha. E eu estou escolhendo ir. Deus plantou esse desejo no meu coração.
Mateus assentiu com um olhar terno:
— Pelo menos eu vou salvar uma...
Carla virou para ele, indignada:
— Então eu sou uma perdida, é isso, papa?
Mateus sorriu com carinho e respondeu:
— Claro que não. Você é uma princesa. Se casou pura. Mas a Luana vai salvar a nova geração. Vai quebrar a corrente que começou lá atrás, com a Luiza que casou com o Lucca na barriga...
Luiza, que escutava da cozinha enquanto pegava a sobremesa, virou-se com um sorriso debochado:
— Já fazem 19 anos, papa. E você ainda não esqueceu?
— Nunca vou esquecer — ele disse, apontando o dedo. — Começou com você, que obrigou o Calloni a tirar a sua pureza. Depois veio a Dayana, que seduziu o pobrezinho do Laranjinha, quase que ela também não chega inteira no altar. Depois teve a Chiara com aquele maldito alemão...
— O nome dele é Klaus, pai! — Chiara gritou da sala.
— Alemão, ué! — Mateus rebateu. — E agora a Alana… essa menina vai me enterrar! Quinze anos e já beijou na boca. E ainda me pediu permissão pra namorar um moleque que mal saiu das fraldas. Lógico que eu disse que não. Se ela insistir, eu tranco ela num colégio interno.
— Ele nem é tão moleque assim! — Alana respondeu, indignada do sofá.
— Ah não? Anda de skate, usa calça larga, boné, piercing no nariz e brinquinho na orelha. Aquilo nem parece homem! Essa menina ainda quer me matar.
— Papa, o Max é legal… — disse Alana, já prevendo o sermão.
— Legal é minha pistola fazendo um buraco na testa dele.
— Pelo amor de Deus, papa! — Carla exclamou.
Luana caiu na gargalhada. A cena era tão típica, tão cheia de exageros carinhosos, que só restava rir.
— Calma, nono — ela disse, sorrindo. — O senhor tem que ficar forte pra aguentar muitos anos ainda.
— Com a sua tia querendo me matar, não sei se duro uma semana! — disse ele, apontando dramaticamente para Alana.
— Nono! — ela protestou.
— É por isso mesmo que, no fim do ano, eu vou reunir todas as minhas netas: Olívia, Mirella, Clara, Juliana, Gabriela, Alice, Beatriz, Bruna, Graziela, Laura e Lívia. Todas! — ele disse com os olhos brilhando. — Você, Luana, vai dar uma palestra. Vai convencer todas elas a virarem freiras. Vamos fundar a ordem das netas Ferrari!
Luana gargalhou alto, enquanto todos na sala explodiam em risadas.
— Eu topo! — ela disse, ainda rindo. — Mas só se tiver bolo de chocolate na confraternização.
— Fechado! — respondeu Mateus, fingindo anotar mentalmente. — Só bolo e rosário!
Alexandre, que até então observava em silêncio, se aproximou de Mateus e Luana com um sorriso orgulhoso:
— Isso tudo só me prova que eu criei uma princesa. E que, sim, eu sou o pai mais orgulhoso do mundo. Mesmo que o coração aperte de ciúmes.
Luana o abraçou.
— Papa, o meu amor é todo de Jesus. E do senhor também. Eu estou feliz, é isso que importa.
— E é mesmo — respondeu Alexandre, com um beijo na testa da filha.
Luciana apareceu com as travessas quentes e anunciou:
— Está servido o almoço! E antes que alguém brigue, o Mateus não cozinhou. Foi tudo feito por mim e pela Luiza. Então, se tiver ruim, a culpa não é dele.
— Graças a Deus! — brincou Daniela.
Todos se sentaram ao redor da enorme mesa, onde as risadas, histórias antigas e esperanças para o futuro se misturavam com o cheiro da comida e o calor do amor familiar. Luana sentou-se ao lado do avô, que lhe lançou um olhar emocionado.
— Obrigado, minha menina. Por manter viva a chama da fé que um dia eu tive medo que morresse.
Ela apertou a mão dele.
— Obrigado por ter acendido essa chama em mim, nono. Você e o seu rosário foram meu caminho até Deus.
E naquele domingo, entre massas fumegantes, memórias e promessas, Luana se confirmou em sua decisão. Não por imposição, mas por vocação. E toda a família, mesmo com piadas, medos e desejos, entendeu — ela não estava perdendo nada. Ela estava encontrando tudo.
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