Querido diário, eu odeio rosa, odeio mais ainda vestidos rodados, e os meus cabelos presos em laços de cetim. Odeio quando me olham e falam que sou linda e no fundo odeio que fazem me odiar...
— Eu não acredito que vai sair assim! As palavras da minha mãe são rispidas, o desgosto está estampado em seu rosto vendo minhas roupas.
Não quero discutir, o discurso será o mesmo, ela vai dizer que sou uma menina, que devia me vestir como uma, arruma meus cabelos, usar roupas mais justas. Tento sair.
— Não, volta e vai tirar essas roupas, parece um moleque! Reclamou.
— Mãe! Reclamei, recebendo um olhar feio. Suspirando tirei a camisa. Sua expressão parece suavizar. Não gosto de blusas justas, muito menos shorts curtos e nunca uso saia.
— Bem melhor, da próxima vez passa algo nesse rosto, e desprende esse cabelo. Senti o puxão no cabelo quando ela tirou o prendedor, ainda não cortei os cabelos para não criar uma guerra com ela. Mas se pudesse raspava a cabeça.
— Agora vai! Mandou.
Sai, segurando as lágrimas. Duas quadras depois tirei o prendedor de cabelos da bolsa e fiz um coque prendendo meus cabelos, e vesti uma camisa larga da escola, me sentindo mais segura vou para escola, e não vou contar nada a ninguém.
Encontrei meus colegas discutindo sobre algo qualquer na frente da sala de aula. Não quis saber o motivo, entrei me sentando no lugar de sempre.
Não demorou muito saber o que era, alguém descobriu de uma prova surpresa de biologia, não senti qualquer receio, era uma cdf de poucos amigos, não fazia nada além de me dedicar a escola.
Estava tranquila, confiante de tirar uma boa nota.
— Boa tarde turma, guardem tudo, vamos fazer a prova! A professora informou causando muita reclamação. — Vamos lá, todos sabiam que isso iria acontecer, não é segredo algum sobre como faço todo ano. Falou.
Alguns alunos ainda reclamam.
Adriano um dos mais tagarelas questiona. — Mas tivemos greve, quase nem estudamos!
— O que significa que não temos muito conteúdo, logo vão ir bem! A professora apontou. — Quem prestou atenção pelo menos!
Quis rir, foi uma boa indireta, não só para Adriano como a turminha do fundão, que além de não prestar atenção nas aulas, atrapalhavam os outros.
— A prova vai ser de todo capítulo que fizemos o resumo? Uma das garotas perguntou a professora confirmando pegando as provas. — Mas o capítulo tem vinte páginas! Lamentou.
— Vocês deviam ter lido todo e não só ter feito resumo por páginas. Disse que era importante. A professora falou olhando para turma. — Não façam essas caras, sei que os jogos foram bons e também atrapalhou as aulas, mas nós tínhamos combinado um resumo e prova. Lembram?
A maioria concordou. Achei a professora muito flexível nesses dois anos em que estudo biologia com ela, sempre foi legal e até de mais.
— Mas vou ser boazinha, vou permitir que façam a prova em dupla.
A sala ficou alvoraçada com a possibilidade.
— Legal, vamos juntas! Maria falou atrás de mim. Era minha amiga mais próxima.
— Claro! Concordei.
— Ficaram felizes né? Mas quem escolhe as duplas é o sorteio. A professora falou.
Alguns reclamaram e outros estavam felizes, estava preocupada em ter que fazer a prova com algum preguiçoso, isso era injusto, ter que fazer a prova toda sozinha.
A professora começou a sortear. Essa não era primeira vez que fazíamos prova em dupla, sempre tinha algum trabalho em grupo também, era por isso que achava muito injusto, alguns tiravam vantagem já que a nota seria mesma para todos do grupo.
Quando Maria, Clara e Jeane tinha suas duplas fiquei preocupada, até aliviada quando fiquei sozinha sem dupla, não vi problema algum em fazer prova sozinha.
As provas tinha sido distribuídas, e já tinha a minha quando houve uma batida na porta. A professora foi atender. A diretora estava lá, elas conversaram e um garoto entrou na sala, não era um desconhecido, lembro dele estudar o sexto ano com a gente, ficou um ano fora e agora estava de volta.
O pessoal dando boas vindas, o grupo do Fundão começou a falar, o garoto era amigo deles e a professora chamou atenção.
— Estamos em uma prova em dupla Sidney, se quiser fazer, pode se juntar a Eloísa! A professora indicou.
Quis protestar. Mas ele foi primeiro.
— E se não souber o conteúdo? Perguntou.
— A participação conta, pode ver o conteúdo, se não sentir preparado marcamos uma prova para você, porém ela vai valer como nota bimestral. A professora falou. — Pode fazer essa prova, e depois passo um resumo para complementar a nota se quiser.
— Aceita, o capítulo tem mais de vinte páginas para uma única prova cara! Adriano falou.
Sidney ponderou e puxou uma carteira próximo. — A segunda opção parece melhor professora! Disse.
No momento odiei, não estava a afim de fazer a prova com um garoto e ainda por cima um da turma dos idiotas da minha sala.
— Certo então boa prova.
Me mantive no lugar lendo a questão quatro.
— Posso dar uma olhada? Sidney pediu.
— Deixa só terminar de responder essa. Falei e comecei a responder. Terminei e passei para quinta questão o ignorando, o vendo olhar de cima, a aproximação dele me incomodando. — Aqui, quer responder? Afastei a prova para ele que pegou e começou a ler. A manteve com ele, depois passou a página e continuou. Estava aguardando falar ou escrever algo. O que não fez.
— Pode ficar a vontade em escrever! Falei meio irônica.
Colocou a prova na mesa e afastou para meu rumo.
— Fica a vontade não entendi nada! Disse em tom normal e sorrindo.
— E sério? Pedi achando que era uma piada de mal gosto.
— É sério, mas se puder fazer!
Ele soou despreocupado, e eu não estava afim de ser prejudicada por ele, comecei a responder.
— As células troncos são quatro e não três! Escutei falar enquanto descrevia, não dei bola e continuei, até seguir para próxima questão.
— As células pluripotentes induzidas, ela é a quarta células um grupo diferente. Falou.
— Não, faz parte do terceiro grupo! Disse.
— Não mais. Falou.
— No livro eram. Insisti e voltei para questão seguinte.
— Exemplo de células, protozoários, bactérias...Ele disse.
— Quer fazer? Perguntei pondo a folha na frente dele, percebendo que ele sabia sobre o conteúdo.
— Eu não, vai que erre! Disse.
— Mas parece que sabe! Falei pegando a folha novamente.
— Só lembrei isso! Disse. — Mas a quatro células é verdade! Insistiu.
— Não mesmo, deve ter confundido, e fiz trabalho desse conteúdo. Falei me sentindo orgulhosa.
— Se está dizendo! Disse e afundou na cadeira, e não ajudou com a prova. Terminei a prova primeiro da turma e estava indo entregar. — Espera! Esqueceu de colocar meu nome. Ele indicou.
Queria falar umas verdades, mas minha língua travou, quando ele pegou papel assinando.
— Depois te pago! Disse e piscou.
Queria vomitar nele. — Não quero nada! Disse fechando a cara. Entreguei a prova para professora e sentei afastando a cadeira de perto do garoto. Assim como outro ano não queria contato com ele.
— Nossa foi ótimo Eloisa e Sidney, só uma questão ficou incompleta. Na verdade acho...a professora começou falar corrigindo a prova, e pegou o livro olhando. — Ah turma na questão quatro, teve um probleminha, o livro nosso está desatualizado, mas vou considerar as respostas na hora de corrigir e depois vou explicar os quarto grupos de células tronco.
Ela falou e escutei Sidney. — Eu disse! O ignorei, e faria assim pelo resto do ano.
Peguei a prova vendo que tiramos um dez. Estava satisfeita.
Estava indo embora da escola quando passei pelo grupo em que Sidney estava. — Valeu pela nota Elô, de graça! Ele disse. Os amigos rindo.
Ignorei. Não tinha dado permissão para me chamar pelo apelido, e senti o deboche nas últimas palavras, já tinha aturado Maria e Jeane querendo saber sobre Sidney, falando como é gatinho e descolado, era mania das garotas em ter uma quedinha nos garotos mais populares.
Estava em casa pronta para me trancar no quarto e ler algo, ou escutar musicas, e minha mãe chamou.
— Tenho uma ótima oportunidade! Falou animada. — A esposa do chefe do seu pai precisa de uma babá. Disse.
Fiquei encarando, ela sempre arrumava uns trabalhos aleatórios, não era ruim aprendia algo e ganhava um dinheiro e podia comprar o que precisava, era forma da minha mãe me fazer ser independente, já que meu pai era difícil de dar algo ou quando pedia queria saber o motivo. Isso era cansativo e humilhante.
— E quando começo? Perguntei.
— Na sexta e sábado. Depois da escola!
— Tudo bem! Concordei.
Era para ser um trabalho tranquilo, e descobri no primeiro dia de trabalho que iria cuidar do irmão do meu colega de escola Sidney.
As vezes pensava que Sidney era inteligente, naquele ano ele tirou notas boas, mas a sua amizade continuava forte com um grupo que muita das vezes não levava nada a sério, o via entrar e sair de sua casa nos dias que cuidava do seu irmãozinho, também acordava tarde, não conversávamos, e estava bem em nos evitar.
Sua mãe me chamava sempre que precisava de babá. Estávamos no oitavo ano, pouca coisa tinha mudado do meu currículo de amizade, agora as garotas estavam mais vaidosas, se arrumando e as vezes saindo com garotos, eu ficava nos bastidores, ouvido as histórias, evitando que minhas poucas amigas me arrastasse para algo que não queria, ou não podia participar.
— Vai nos conta algo, ele dorme como?
Fechei a cara.
— Fala sério, nunca viu ou espiou ele? Fala! Talita queria saber de Sidney ela sempre perguntava dele, o que fazia e até o que ele comia?
— Não sei, além de ser preguiçoso e folgado, a mãe dele tem que arrumar o quarto dele, não sei o que enxergam nesse garoto! Disse.
Elas rindo. — Ele é gatinho! Maria disse.
— Um moleque! Falei sendo perda de tempo discutir com elas. A maioria das garotas achava ele bonito. O achava rude, egoísta e mesquinho, ele nem brincava com irmãozinho dele.
— Vai na festa de aniversário do irmão dele? Talita perguntou.
— Queria ir? Maria disse.
— Não vou porque quero, estou sendo obrigada! Disse.
— Aproveita por nós! Talita disse.
Reverei meus olhos. Tinha sido um pedido da mãe de Sidney, o Antony não ficava mais quieto se não fosse junto comigo, e até roupa a senhora tinha mandado fazer para usar na festa.
Juro que chorei por ter que usar um vestido, minha mãe me repreendeu, e estava indo por consideração a mulher que me pagava e me tratava bem, e tinha Antony, um menino de cinco anos quem tinha me apegado.
A festa estava correndo bem, mas me sentia desconfortável em um vestido, queria mesmo era tirar a cada vez que alguém sorria e dizia. “Que mocinha linda”. O meu estomago se revirava e não conseguia nem tomar um refrigerante.
Na hora do parabéns, olhei para família perfeita pousando enquanto o fotografo tirava fotos. Ao partir o bolo eles perguntaram ao Antony para quem seria o primeiro pedaço? Tive a surpresa quando o menino disse Lolo. Todos sorrindo e achando fofo quando Sidney me entregou o pedaço de bolo e também tiraram uma foto para registrar o momento.
Mas tarde naquele dia, quando todos tinham ido embora da festa, fiquei para ajudar a limpar. Também escutei uma discussão entre os pais de Sidney, o pai dele era gerente em uma fazenda e ficava semanas fora, sua mãe trabalhava em um banco, e as discussões eram sempre por falta de tempo entre eles e com os filhos. Sidney sempre se trancava no quarto e os evitava.
Era tarde quando limpamos tudo e não fui para casa e dormi no quarto de Antony. Detestava dormir fora de casa, tinha medo, os pesadelos pareciam me alcançar, era por me sentir insegura e com medo de que alguém pudesse aparecer durante a noite e me tocar. Isso não acontecia a anos, mas as lembranças ainda estavam na minha cabeça.
Antony acordou durante a madrugada e como ainda tinha problemas em pegar no sono levantei. Falei baixinho com ele depois dei um copo com achocolatado que sua mãe deixava pronto. Quando ele dormiu novamente, resolvi sair do quarto e lavar o copo e tomar agua.
Não quis ligar a luz e acorda alguém na casa, a cozinha estava clara por uma luz através da janela para varanda. Tomei agua olhando a noite clara lá fora, era a primeira vez que dormia fora de casa em sete anos. Me sentia melhor pelo fato da família serem de pessoas boas e gentis, o senhor quase nunca estava em casa e Sidney sendo um ano mais velho ainda era um moleque que só se importava em comer, dormir e jogar videogame. Respirei fundo acalmando e me convencendo de que nada iria mais acontecer.
— O que faz acordada e aqui? A voz atrás de mim me fez tremer e deixei cair o copo na pia que partiu em vidros.
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