Reencanei Como O Protagonista
O Herói que Eu Detestei
Lucas tinha 26 anos. Cabelos bagunçados, olheiras fundas e uma xícara de café quase sempre pela metade. Seu trabalho como coordenador de projetos o consumia até os ossos e ele aguentava tudo calado. Até o dia em que não aguentou mais.
Morreu no meio de uma reunião, com o olhar perdido no PowerPoint, e ninguém notou que o corpo dele estava imóvel por mais de três minutos.
Mas a consciência não se apagou.
Quando abriu os olhos, sentiu um cheiro forte de madeira velha e poeira. Estava de pé e gritando.
Suriel
COMO VOCÊ PODE SER TÃO INÚTIL?!
A voz não era dele. Era mais grave, carregada de raiva. E o que ele via o deixou paralisado.
Um garoto de cabelos brancos, pequeno, com os olhos arregalados, se encolhia diante dele. Estava tremendo, tentando segurar o choro. E Lucas... Lucas estava com a mão erguida, como se fosse bater nele.
Castiel
•balbuciou o garoto•
D-desculpa... eu não queria errar...
E foi então que tudo congelou.
Aquela cena. Ele conhecia aquela cena.
O quarto, a tapeçaria vermelha, os candelabros, o garoto de cabelos brancos, e o olhar doce e triste era tudo como no novel antigo que ele lia quando tinha 16 anos. Aquela história que ele amava... até odiar. O enredo que ele abandonou revoltado com o final.
Lucas tinha reencarnado. E o corpo em que estava era de Suriel.
Suriel: o “herói”, o escolhido, o general divino, o preferido do povo… e um monstro disfarçado de virtude.
Era Castiel, o doce e frágil companheiro de infância de Suriel, que era humilhado até se tornar um vilão Aos olhos do mundo, morrendo no final para salvar Suriel.
Lucas sentiu o estômago revirar.
Ele odiava Suriel. Odiava como o autor forçava o leitor a admirá-lo. Odiava como ele destruía Castiel aos poucos, emocionalmente, fisicamente, até arrancar dele tudo o que tinha de bom. Odiava como todos aplaudiam Suriel no final, enquanto Castiel morria sozinho.
A mão de Lucas ainda estava no ar.
A pele pálida de Castiel tremia, seus olhos marejados abaixados para o chão. O corpo curvado como se esperasse o impacto.
A garganta de Lucas travou.
Ele abaixou lentamente a mão, sentindo o peso do momento. Castiel se encolheu ainda mais, esperando alguma explosão verbal mas o que veio foi um tom baixo, contido, amargo:
Castiel hesitou, confuso. Aquele não era o tom de sempre. Não havia ódio, apenas… cansaço. Ele assentiu, se afastando rapidamente com passos pequenos e leves, como se sua presença fosse um fardo.
Lucas ficou ali por alguns segundos. Silêncio. A raiva que sentia não era dele era do corpo em que estava, o resquício daquilo que era Suriel.
Mas a repulsa, essa era toda sua.
Ele cambaleou até o espelho do quarto.
olhos rubros e intensos como brasas, cabelos negros alinhados e um semblante imponente que exala autoridade. Suriel era um Alfa dominante, temido e respeitado nos quatro reinos, sua presença era tão nobre quanto fria
Lucas socou a parede ao lado do espelho, o som seco ecoando no cômodo.
A imagem dele mesmo o encarava de volta.
Suriel
Você era o protagonista. O escolhido. O Alfa mais raro entre os reinos. E o que fez?
As lembranças da história o invadiam como uma enxurrada. O casamento
Forçado, um tratado entre famílias antigas para unir linhagens puras. Suriel, forçado a largar a noiva de quem gostava. Castiel, um Ômega masculino raro, oferecido como moeda política, escondendo o próprio amor tímido e dolorido.
Castiel… que nunca reclamava.
Castiel… que mesmo sendo desprezado, acreditava que merecia cada insulto por ter “tirado” a felicidade de Suriel.
Suriel
Castiel… que deu a própria vida para salvar esse imbecil.
Suriel
Nojento… Você era noivo de outra. Fez do Castiel um saco de pancadas
Suriel
Emocional. E no fim... ainda foi salvo por ele. sua voz tremeu. E o pior… foi ele
Suriel
Que morreu achando que te amava. E você… você casou com a protagonista.
A lembrança da cena final da história lhe deu ânsia.
Suriel, ensanguentado, ajoelhado sobre o corpo frio de Castiel, finalmente “descobrindo” que o amava. Mas tarde demais. A “heroína” chegou, chorou um pouco e depois os dois escolheram o povo, ergueram a espada juntos… e terminaram felizes.
Castiel não teve final feliz.
Suriel
Isso não vai acontecer de novo. Nem
Suriel
Que eu tenha que lutar contra esse mundo inteiro.
Se ele estava mesmo dentro dessa história… se era mesmo o protagonista… então essa história não seria mais a mesma.
O Valor de Um Pedido de Desculpas
No fim da tarde Lucas, disposto a fazer algo que Suriel jamais havia feito: pedir desculpas.
Castiel não saía da sua cabeça. O jeito como tremia. A maneira como pedia perdão até mesmo por respirar. A culpa que carregava por um casamento que ele nunca escolheu um peso que não deveria ser dele.
Suriel
Se tem alguém que deveria pedir desculpas, sou eu.
Mas quando Lucas entrou no corredor principal em direção às dependências dos cônjuges, ouviu um barulho estranho.
Ele correu sem pensar, virando a esquina… e parou.
Castiel estava ajoelhado no chão de pedra. Encharcado. Um balde havia sido virado sobre ele água suja, escura, que escorria de seus cabelos brancos e manchava sua túnica branca. Duas empregadas riam, uma delas ainda segurando o balde, enquanto outras duas apontavam e murmuravam ofensas.
Safira《 Empregada》
Ômega inútil…
Sofia《 Empregada》
Nem varrer sabe. E ainda quer ser consorte?”
Sofia《 Empregada》
Só atrasa o trabalho da gente. Se fosse por mim, já tinha sido mandado embora.
Lucas congelou. Seus olhos se tornaram gelo.
Ele deu um passo à frente.
Suriel
O que está acontecendo aqui?
As empregadas se viraram surpresas, mas não com medo. Claro que não. Suriel nunca ligava para o que faziam com Castiel. Elas sorriam, uma delas até respondeu casualmente:
Safira《 Empregada》
Estamos apenas educando o consorte, senhor.
Safira《 Empregada》
Ele derrubou uma bandeja com porcelana e nos atrasou
Sofia《 Empregada》
Sabe como ele é desajeitado... só está recebendo o que merece.
Lucas passou direto por elas.
Foi até Castiel, ajoelhado, tremendo, os olhos baixos, o corpo inteiro encolhido.
Suriel
Castiel
•Disse ele com suavidade•
Castiel abriu a boca, os olhos ainda arregalados… mas nada saiu.
Ele apenas abaixou a cabeça, engolindo seco.
Castiel
M-me desculpa...
•sussurrou•
Aquilo foi o fim da linha para Lucas.
Desculpa. Era tudo o que ele conseguia dizer, mesmo depois de ter sido humilhado. Mesmo depois de tudo. Porque ele achava que merecia.
Porque Suriel o ensinou assim.
Lucas tirou a jaqueta pesada de sobre os ombros e colocou sobre os ombros molhados de Castiel com cuidado.
Suriel
E tampe os ouvidos. Só volte a abrir quando eu disser, entendeu?
•Sorrir•
Castiel o encarou como se estivesse diante de um sonho. Os lábios entreabertos. As bochechas coradas. E… um sorriso? Suriel nunca sorria para ele.
Ele assentiu, obedecendo sem questionar.
Lucas se levantou. O sorriso morreu.
Seus olhos ficaram sombrios.
Ele sacou a espada da cintura, uma lâmina negra como obsidiana com runas prateadas ao longo da lâmina a Espada Cerimonial dos Alfas do Sul.
E em um único movimento, cortou a cabeça de duas das empregadas.
O sangue manchou o chão de pedra.
As outras duas caíram de joelhos no mesmo instante, gritando.
Camila《 serviçal》
M-misericórdia! Senhor
Mônica 《Empregada》
Por favor!! Não sabíamos, por favor!!
Lucas se aproximou devagar, os olhos gelados.
Pisou na mão de uma delas.
e cortou os dedos das mãos da outra empregada
Suriel
Calem,essas malditas bocas
Suriel
Eu não matei vocês ainda porque preciso que alguém espalhe o recado.
Suriel
•Ele se inclinou, a voz cortante•
Se você ousar levantar a voz, a mão ou mesmo o olhar contra meu esposo.
Suriel
Você vai desejar ter morrido hoje. Castiel é meu. E nenhum de vocês tem o direito de tocá-lo.
Chamou dois guardas com um gesto.
Suriel
Limpem essa bagunça. Tirem essas duas da minha frente
Suriel
E limpem minha espada. Usem sal negro quero ela brilhando.
Um dos guardas ajoelhou-se, pegando a espada ainda gotejando sangue. Os olhos arregalados de puro terror.
Lucas voltou-se a Castiel, que ainda estava com os olhos e ouvidos fechados.
Se ajoelhou. Envolveu o pequeno corpo nos braços, com cuidado.
Suriel
Pode abrir os olhos agora, Castiel. Pode tirar as mãos dos ouvidos. Acabou.
Castiel abriu os olhos devagar. E o que viu foi… o impossível.
Suriel, o homem que nunca o olhava nos olhos, estava segurando-o no colo. Com cuidado. Com proteção. Com… carinho?
Castiel
V-você... está...
•ele tentou dizer, mas sua voz sumia•
Lucas o ajeitou nos braços, levantando-o.
Suriel
Uma empregada vai preparar um banho quente pra você.
Suriel
E depois disso… você vai descansar. Nada mais de tarefas.
Suriel
A partir de agora, ninguém manda em você sem minha permissão.
Castiel encostou a cabeça contra o peito dele, confuso, atordoado… mas pela primeira vez, um pouco mais seguro.
Lucas só pensava em uma coisa.
Suriel
Esse mundo vai mudar. Nem que eu tenha que queimá-lo inteiro.
Coisas Bonitas e Boas Como Você
O quarto de Suriel era amplo, silencioso, decorado com tons escuros e móveis de madeira entalhada. A banheira já estava sendo preparada por uma serva silenciosa uma das poucas que ainda respeitava as normas com discrição. Assim que viu Lucas carregando Castiel, ela abaixou a cabeça e desapareceu sem uma palavra.
Lucas colocou Castiel sentado na ponta da cama, com cuidado, como se fosse feito de vidro.
Castiel, ainda tremendo um pouco, abaixou os olhos. Estava confuso. O peito apertado, o coração batendo tão rápido que ele achava que ia desmaiar. Mas, acima de tudo, havia uma pergunta que ele não conseguia guardar.
Castiel
Por que… por que você me mandou fechar os olhos e tampar os ouvidos?
Lucas se virou para ele, sorriu de leve, e respondeu com naturalidade:
Suriel
Porque eu só quero que você veja e ouça coisas bonitas e boas… como você.
Castiel ficou paralisado.
Ele piscou várias vezes, achando que tinha ouvido errado. Aquilo… aquilo não fazia sentido. Suriel nunca dizia esse tipo de coisa. Nunca. Não para ele.
Por impulso, levantou a mão e encostou os dedos na testa de Lucas, como se procurasse por febre.
Lucas arqueou uma sobrancelha, surpreso com o gesto.
Mas Castiel pareceu perceber o que tinha feito dois segundos depois.
Se afastou rápido, como se tivesse tocado fogo.
Castiel
M-me desculpa!
•disse, gaguejando•
Castiel
Eu… eu só queria ver se você não estava doente!
Castiel
Eu sei que… eu lembro que você pediu uma vez pra eu nunca te tocar… que era nojento...
Castiel
Desculpa... eu não queria te incomodar de novo...
Aquela lembrança caiu como um peso entre os dois.
Lucas ficou em silêncio por um instante. O coração apertado. A raiva não de Castiel, mas de Suriel. Do verdadeiro. Aquele que tinha sido cruel o bastante pra dizer isso a alguém tão doce.
Sem responder com palavras, Lucas simplesmente se aproximou e pegou Castiel no colo de novo. O pequeno ômega arregalou os olhos, mas não teve tempo de reagir Lucas o deitou com delicadeza sobre a cama e segurou sua mão com gentileza.
Levou a mão de Castiel até sua própria testa e sorriu.
Suriel
E então? Estou com febre? Pareço doente pra você?
Castiel ficou paralisado. Suas bochechas, que já estavam coradas, ficaram em chamas.
Castiel
N-não!
•respondeu apressado, balançando a cabeça várias vezes•
Castiel
Você… você parece bem. Só… diferente...
Lucas sorriu, segurando firme aquela mão pequena.
Os dedos delicados de Castiel escorregaram levemente, passando sem querer pela bochecha de Lucas, depois pelo queixo… e por fim roçaram os lábios dele.
Lucas levou os lábios à palma da mão de Castiel e depositou um beijo suave, quente.
Castiel prendeu a respiração, os olhos arregalados, o rosto inteiro tingido de vermelho.
Castiel Tentou dizer algo, mas só conseguiu puxar a mão de volta rapidamente, cobrindo o rosto com vergonha.
Lucas soltou uma risadinha baixa. Aquela mãozinha quente deixava uma saudade imediata. Era como um raio de sol em meio a tudo que ele odiava naquele corpo, naquela história.
Suriel
você é muito fofo,Castiel.
Mas então, a lembrança voltou: ele era Suriel agora.
O nome que causava medo. A figura que havia destruído Castiel dia após dia.
Ele suspirou fundo, se afastando, voltando à postura mais fria.
Suriel
Vai tomar banho logo
•disse, tentando esconder o tom gentil que ainda escapava•
Suriel
Você vai acabar pegando um resfriado com essa roupa molhada.
Castiel se levantou devagar, hesitante, segurando a jaqueta dele como se fosse algo precioso.
Antes de entrar no banheiro, virou-se por um instante.
Suriel
Não me chame assim.~
Mas não disse nada.
Apenas encarou a porta se fechando atrás de Castiel, com o coração pesado… e determinado.
Suriel
A história não vai se repetir. Não enquanto eu estiver aqui.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!