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A Vida De Caelyn Smith

Capítulo: 01

Rússia ano de 2001

Residência da família Smith

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Caelyn Smith / On

Desde que me entendo por gente, sempre tive a sensação de que meu pai e meus avós escondiam algo de mim. Era como um segredo antigo, pesado, guardado sob camadas de silêncio e olhares evitados. Mesmo quando eu perguntava — repetidas vezes —, recebia apenas meias respostas, sorrisos forçados ou um simples “não é nada com que você precise se preocupar”.

Tudo o que eu sabia era que, no passado, vivíamos com quase nada. Passávamos fome, às vezes não havia nem pão na mesa. E então, como num passe de mágica, começamos a viver bem. Comíamos o que queríamos, a casa estava sempre abastecida, as contas em dia. Quando perguntei o que havia mudado, meu pai apenas disse:

— Consegui um emprego.

Mas que tipo de emprego fazia um homem sair escondido no meio da madrugada e voltar com o dia amanhecendo, exausto, às vezes suado, às vezes com o olhar perdido como se tivesse enfrentado um pesadelo acordado?

Isso era estranho. Muito estranho.

As perguntas martelavam na minha mente: "Em que ele trabalha?" "Por que só à noite?" E, quanto mais eu tentava encaixar as peças, mais elas se embaralhavam. Como se houvesse algo faltando no quebra-cabeça.

Ele sempre parecia apressado. Correndo contra o tempo.

Às vezes, olhava por cima do ombro como se estivesse sendo seguido.

"De quem ele está fugindo?"

"O que tanto o assusta?"

Queria perguntar, mas algo em sua expressão me fazia recuar. Como se o menor questionamento pudesse fazê-lo explodir ou desabar. Então, engoli minhas dúvidas. Mas elas nunca me abandonaram.

Havia dias em que ele me escondia — literalmente —, mandava que eu não atendesse a porta, não falasse com estranhos, não saísse de casa. E em outras ocasiões, nos mudávamos repentinamente para a casa da vovó, em outra cidade, sem explicações.

Até que naquela noite... tudo mudou.

Estávamos jantando na casa da vovó. Era uma noite comum, ou pelo menos parecia. O cheiro de sopa de legumes pairava no ar, e o som dos talheres tilintando contra os pratos era a única trilha sonora.

De repente — BLAMM!

Um estrondo violentíssimo ecoou pela casa. A porta da frente voou pelos ares, arrombada por um chute brutal.

Meu corpo congelou.

A figura que atravessou a soleira parecia saída de um pesadelo elegante: um homem alto, vestindo um terno preto impecável, cabelo negro como carvão, penteado para trás, e olhos... olhos cinzentos, gelados, afiados como lâminas. Ele caminhava com a autoridade de alguém que estava acostumado a ser temido. Atrás dele, três outros homens, todos de preto, completavam a cena com uma frieza quase militar.

O ar ficou denso. Era difícil até respirar.

Meu pai e meus avós empalideceram como se estivessem vendo um fantasma.

Foi quando o desconhecido falou, com uma voz grave, carregada de veneno contido:

— Max... Max... achou mesmo que poderia se esconder de mim?

O som do nome do meu pai escapando da boca daquele homem soou como um aviso mortal.

Olhei para o meu pai, confusa, buscando alguma explicação. Seus olhos estavam arregalados, o rosto em choque puro.

— Vincent...? — balbuciou ele, a voz falhando.

— O que faz aqui? — engoliu seco.

O tal Vincent sorriu, mas o sorriso não tocou seus olhos.

— Apenas vim cobrar o que me deve. Seu prazo acabou, Max.

Meu pai caiu de joelhos, como se o peso do passado tivesse finalmente o esmagado.

— Mas vejo que você não tem o meu dinheiro, não é?

Fiquei atônita. Dinheiro? Dívidas? O que estava acontecendo?

— Pai... de que dinheiro ele está falando? Quem é ele?

Ele não respondeu. Estava mudo, como se minha voz não o alcançasse mais.

Foi quando os olhos de Vincent se voltaram para mim.

E eu desejei ter me tornado invisível.

Ele caminhou lentamente até mim, como um predador que saboreia a aproximação da presa.

— Ha... olha só o que temos aqui — murmurou, analisando-me com um brilho sombrio nos olhos.

— Já que você não tem o meu dinheiro... talvez eu possa levá-la comigo.

Meu pai gritou, desesperado:

— Não! Por favor, não leve minha filha! Ela é tudo que eu tenho de mais valioso! Me dê mais alguns dias, eu consigo o dinheiro! Mas por favor, não leve minha filha!

Vincent sequer piscou.

— Já te dei um ano, Max. Um ano inteiro. Você teve sua chance.

Ele deu um passo atrás. Sua presença tomava conta da sala.

— Mas veja só... estou de bom humor esta noite, então vou te oferecer uma escolha.

Sua voz era calma como uma lâmina encostada na pele.

— Ela... ou a sua vida.

A frase pairou no ar como veneno.

Meu pai congelou. E, com os olhos marejados, murmurou:

— Pode me matar. Mas por favor, deixe minha menina ir.

— Pai... o que está acontecendo? — sussurrei, implorando por respostas. — Por favor, não faça isso...

Mas ele não disse mais nada. Apenas me olhou. Um olhar triste, firme, cheio de amor e culpa.

Vincent assentiu.

— Muito bem. Então você escolhe... a morte.

Ele sacou a arma com a mesma frieza com que se serviria de um copo d’água.

Apontou para a cabeça do meu pai e destravou o gatilho.

CLIQUE.

O som pareceu explodir na minha mente.

Minha visão escureceu por um segundo. Meu corpo tremeu. Meu coração disparou.

“Pensa, pensa, Caelyn.”

“Você precisa fazer alguma coisa.”

Mas eu não conseguia me mexer. Não conseguia nem respirar.

A arma estava pronta. O dedo no gatilho.

E então…

Continua...

Capitulo: 02 - A escolha

O mundo parecia ter parado.

O tempo estagnou entre o som seco do clique da arma e o momento seguinte.

Vincent mantinha o dedo no gatilho, o olhar firme no meu pai ajoelhado.

Meu pai, por sua vez, não esboçava reação. Como se já tivesse aceitado seu destino.

Como se morrer por mim fosse um preço que ele estava disposto a pagar.

Mas eu...

Eu não podia deixar isso acontecer.

Meu corpo finalmente reagiu antes que meu cérebro conseguisse ordenar.

Me coloquei entre eles, os braços abertos em um gesto desesperado, protegendo meu pai com meu próprio corpo.

— Espera! — gritei. Minha voz soou mais forte do que eu esperava.

Todos os olhos se voltaram para mim. O cano da arma agora apontava direto para o meu peito.

Senti um arrepio correr pela espinha, mas não recuei.

— Não o mate, por favor...

Vincent arqueou uma sobrancelha, curioso.

— Oh? E o que exatamente você está propondo, minha jovem?

Engoli seco. Minhas mãos tremiam, mas eu não podia hesitar.

— Me leve no lugar dele.

Meu pai tentou se levantar, desesperado, mas eu o empurrei de volta ao chão.

— Caelyn, não! Não faça isso! — ele gritou, a voz embargada pelo pânico.

— Não tem outro jeito, pai! — respondi, encarando-o. — Você disse que eu era tudo que tinha... então me deixa fazer isso por você.

Vincent observava em silêncio, como um juiz à espera da sentença. Seus olhos cinzentos analisavam cada centímetro da minha alma.

— Você viria comigo... por vontade própria? — ele perguntou, um leve tom de surpresa na voz.

— Sim, contanto que poupe meu pai. Ele não vai mais te dar problemas. Eu... faço o que quiser, mas o deixe em paz.

O silêncio que se seguiu foi absoluto.

Até mesmo os homens de preto pareciam hesitar, trocando olhares rápidos, incertos.

Vincent caminhou lentamente ao meu redor, como se estivesse avaliando uma peça rara em leilão.

— Você tem coragem, garota. E isso me intriga.

Ele voltou à minha frente, os olhos cravados nos meus.

— Muito bem. Aceito sua oferta.

Meu coração afundou no peito.

— Mas... — acrescentou ele, com um sorriso frio — uma vez que cruzar aquela porta comigo, não haverá volta. Você entende isso, Caelyn?

— Eu entendo — respondi sem hesitar, embora cada parte do meu corpo estivesse gritando o contrário.

Max soluçava, impotente, enquanto eu dava o primeiro passo em direção ao desconhecido. A sensação era de estar caminhando em direção ao próprio abismo.

Vincent estendeu a mão para mim, e eu a encarei por um instante antes de segurá-la.

Era gelada.

No momento em que meus dedos tocaram os dele, algo mudou no ar. Como se um pacto invisível tivesse sido selado.

— Adeus, pai — sussurrei, sem olhar para trás.

— Eu te amo.

E então, sem entender se era o fim... ou apenas o começo, atravessei a porta ao lado do homem de olhos cinzentos, com o som da respiração contida dos meus avós ecoando atrás de mim.

O mundo que eu conhecia havia acabado.

E o novo... ainda não tinha nome.

Continua...

Capítulo:03 - O Começo Do Fim

O som da porta se fechando atrás de mim foi como o baque de um caixão sendo lacrado. Definitivo. Incontestável.

O mundo que existia do lado de fora já não me pertencia.

O corredor escuro e silencioso parecia se alongar mais do que deveria. Vincent caminhava à minha frente com passos lentos, quase solenes, como se estivesse conduzindo uma procissão fúnebre. Talvez fosse exatamente isso.

Do lado de fora, um carro preto me aguardava. Blindado, janelas com vidro fumê, a pintura tão polida que refletia as luzes da rua como um espelho sombrio. Uma máquina feita para engolir segredos.

Quando a porta se abriu, dois homens de preto — os mesmos que estavam na sala — me indicaram com o queixo para entrar.

Obedeci.

Fui colocada no banco traseiro do carro que seguia atrás do de Vincent. Um dos homens sentou à minha esquerda, o outro à direita. Seus ombros largos encostavam nos meus, seus olhos fitavam o nada, mas sua atenção... estava toda em mim. Eu era um pacote precioso. Ou talvez... perigoso.

O carro arrancou com suavidade, mas a viagem parecia sacudir o pouco que restava da minha alma. Cada quilômetro me afastava mais da única vida que eu conhecia.

Meus dedos se contraíam nervosos no colo, os olhos presos à janela escura que me negava o direito de ver o mundo lá fora.

Por dentro, eu era uma tempestade.

“Será que estou indo para a morte?”

Essa pergunta se repetia como um sussurro cruel dentro de mim, vez após vez. “Será que me venderão? Será que serei entregue a monstros?”

Meu estômago revirava a cada suposição. O coração batia rápido, como se estivesse tentando fugir do peito antes de mim.

“E se for um mercado de tráfico humano?”

“E se ele só estiver esperando a hora certa para me matar e mandar meu corpo de volta em partes para o meu pai?”

“E se ele for um psicopata disfarçado de cavalheiro sombrio?”

Engoli em seco. Minhas mãos ainda tremiam, embora eu as escondesse entre as pernas.

Doía respirar.

Vincent não havia dado nenhuma pista. Nada além daquele olhar cinzento, impenetrável, como concreto molhado prestes a endurecer. Um homem que sorri enquanto assina a sentença de alguém.

Mas talvez o pior de tudo... fosse o vazio.

O vazio no meu peito.

Um buraco escuro onde antes moravam minha família, meus sonhos, meus planos — todos engolidos pelo gesto desesperado de proteger quem eu amava.

E agora... talvez eu nunca mais os veria.

Pensei no meu pai.

Na forma como ele tentou me impedir.

Na voz dele, embargada, ao gritar meu nome.

Em como seus olhos suplicavam para que eu recuasse.

Mas eu não recuei.

“Eu sou tudo que ele tem...”

Era verdade.

Mas agora ele não tinha mais nada.

E os meus avós?

Será que eles entenderiam meu gesto?

Ou me culpariam por sumir daquele jeito, por abandoná-los?

Fechei os olhos, tentando manter as lágrimas presas, mas elas encontraram brechas, escorreram mudas pelas minhas bochechas.

Chorar em silêncio era a única forma de não entregar a dor àqueles homens ao meu lado.

Eles não mereciam minha fraqueza.

“Mas e se eu nunca descobrir quem é Vincent de verdade?”

“E se ele não for só um criminoso?”

“E se houver algo maior, algo mais sombrio por trás disso tudo?”

Eu não sabia.

E o não saber era um tipo de tortura.

Apenas o som dos pneus rolando no asfalto preenchia o ar.

Sem destino aparente. Sem palavras.

Só a minha mente, explodindo em milhares de perguntas sem respostas.

E em meio a esse caos interno, só havia uma certeza:

Eu já não era mais a mesma.

Algo dentro de mim havia morrido naquela sala...

...e algo novo, algo que eu ainda não compreendia, nascia no escuro daquela viagem.

Talvez medo.

Talvez força.

Talvez loucura.

Mas seja o que for, eu precisaria disso para sobreviver ao mundo para o qual estava sendo levada.

Porque agora... não havia volta.

Continua...

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