Aline apertou com força as alças da mochila enquanto subia os degraus da imponente Faculdade de Direito pela centésima vez naquele semestre. O segundo período mal havia começado, e ela sentia o peso de um futuro que ainda não sabia se queria, das expectativas, das madrugadas mal dormidas em meio aos livros.
Ela cresceu escutando dos pais se tornar advogada, era o caminho para a estabilidade, mas, a cada aula de Teoria Geral do Estado ou Direito Constitucional, uma inquietação crescia dentro dela.
_Eu reciso de ferias! Reclamou em meio a um suspiro. _Poderia ir na praia… morando no Rio de Janeiro, quem não gosta de praia? Se perguntou seguindo apressada lembrando que fazia mais de mes que nao ia a praia.
Aline nunca teve o sonho de ser advogada. Queria, na verdade, encontrar um caminho que fizesse sentido, que orgulhasse a família e, quem sabe, garantisse alguma segurança financeira. Mas, aos 19 anos, tudo parecia incerto demais, exceto as cobranças que eram constantes.
Naquele dia, ela foi direto para à biblioteca. Precisava pegar um livro para um trabalho de grupo, e mais do que isso, precisava de um momento de silêncio para organizar os pensamentos. Ao chegar a biblioteca, Aline cumprimentou com um aceno a bibliotecária, e foi direto para a seção de Direito Civil.
Foi ali, entre as prateleiras, que ela viu pela primeira vez Daniel.
Daniel estava sentando em uma das mesas, com um livro aberto à sua frente, mas sem de fato estar lendo. Havia algo distante em seu olhar, como se ele estivesse perdido em algum pensamento que o levavam para longe dali.
Aline o observou discretamente, fingindo procurar um livro. Ele era mais velho que os alunos da sua turma, talvez estivesse prestes a se formar, ou fosse aluno da pos graduação, deduziu Aline por causa da sua postura confiante.
E atraida por ele, Aline fingiu procurar um livro na estante ao lado, enquanto, na verdade, o observava curiosa. E então, como quem não quer nada, puxou um livro qualquer da prateleira, e se sentou na mesa mais próxima, sentindo o coração acelerar, sem um motivo aparente.
Daniel percebeu a presença dela, e se virou levemente em sua direção.
_ Esse livro é bom… mas técnico demais pra quem está começando agora.
Aline ficou paralisada por um segundo, surpresa por ter sido notada, e intimidada pela segurança na voz de Danial.
_Como sabe que estou começando? Rebateu, tentando parecer casual.
Daniel ergueu os olhos devagar para olhá-la.
_Instinto.
Aline riu, meio sem jeito, querendo se aproximar dele.
_ Acertou! Estou no segundo período.
_Sabia… Daniel murmurou, fechando o livro sobre a mesa com calma. Ele se levantou, ajeitando paletó. Antes de ir embora, ele lançou lhe um último olhar em direção a ela, que timida desviou o olhar..
Aline ficou ali, olhando para o espaço que ele havia deixado, ainda segurando o livro que não fazia a menor ideia do que se tratava.
_ Quem é ele? Se perguntou curiosa.
Aline queria daber mais de Daniel, que com 25 anos, estava finalizando a sua primeira pós graduação após concluir o curso de Direito. Sua vida estava organizada no papel, mas em frangalhos por dentro, afinal não tinha sido nada fácil romper um noivado de mais três anos, depois de descobrir uma traição.
Daniel e Eduarda estavam juntos há muitos anos, e foi com ela que ele teve a maioria das suas primeiras experiências. Por isso a noiva era alguém em quem ele confiava cegamente. Mas a Eduarda acabou quebrando o coração de Daniel ao traí-lo, abalando sua confiança no amor, nas pessoas e, de certa forma, em si mesmo. Ele se jogou no trabalho e nos estudos, construindo uma armadura de racionalidade e objetividade para esconder a dor. Mas, naquela tarde, ao cruzar com Aline, algo dentro dele mudou.
Nos dias seguintes, eles perceberam que o destino, ou a força do acaso, parecia sempre colocá-los nos mesmos lugares.
No corredor da faculdade, eles sempre se viram, e se cumprimentavam. Depois se encontram na pequena cafeteria que ficava e a dois quarteirões da faculdade, lugar que Aline usava como refúgio entre uma aula e outra.
Daniel estava distraído, esperando pelo café expresso que havia pedido, quando a viu sentada numa das mesas do fundo, mexendo distraidamente no celular, com um livro fechado ao lado. Ela também o viu, e sorriu , erguendo a xícara numa saudação silenciosa. Daniel retribuiu com um aceno tímido e se sentou algumas mesas adiante, lutando contra a vontade completamente irracional de ir até ela. E isso voltou a acontecer várias vezes, e eles comecaram a dividir uma mesa por falta de espaço, conversando sobre assuntos triviais, aos poucos, se tornavam mais complexas, da mesma forma que a atração que sentiam, se tornava mais evidente a cada olhor, a cada sorriso.
Aline contava sobre sua infância , sobre a pressão de ser a filha que daria orgulho aos pais. Daniel, por sua vez, era mais reservado, mas, aos poucos, deixava escapar fragmentos de sua história: o noivado desfeito, a sensação de ter perdido o chão, o refúgio que encontrava nos livros e no trabalho. Havia uma química entre eles, uma facilidade em estar na companhia um do outro que nenhum dos dois esperava.
Aline se sentia à vontade com Daniel, como se pudesse ser ela mesma, sem filtros. E Daniel, pela primeira vez em meses, sentia que podia baixar a guarda, mesmo que só um pouco, encontrando em Aline uma leveza que há muito não sentia.
Numa sexta-feira à tarde, o sol começava a se pôr, quando Aline e Daniel se encontraram na praça em frente à faculdade. O burburinho dos estudantes chegando e saindo se misturava ao som dos carros na avenida. Aline havia acabado de sair de uma palestra entediante sobre jurisprudência e Daniel chegava para mais uma orientação da sua pós graduação.
_Sério, Daniel, como você aguentava essas palestras na época da faculdade? Aline perguntou soltando um suspiro. _Eu quase dormi... E eu acho que o palestrante percebeu.
Daniel deu de ombros, o canto da boca se curvando em um sorriso, achando graça na expressão de Aline.
_Anos de prática. E café, muito café. Ele apontou para o copo descartável que segurava, já vazio. _E você? Como sobrevive a tudo isso? Pois me parece que essa não é sua praia?
Aline parou, o sorriso suavizando enquanto pensava em uma resposta.
_Não sei... Acho que estou tentando descobrir o que é a minha praia. Ela olhou para o chão, como se as palavras fossem difíceis de encontrar.
Daniel a observou por um momento, com os olhos gentis, enquanto Aline chutou uma pedrinha com a ponta do tênis.
_ Bem...Eu vou me formar em direito, porque é o que esperam de mim. Meus pais, sabe? Eles sempre falaram que Direito era o caminho certo a seguir. Que é uma profissão segura. Ela fez uma pausa, olhando para o horizonte. _Mas, às vezes, sinto que estou vivendo a vida de outra pessoa.
_ Bem, nesse caso, só você pode decidir o que quer para o futuro, mas tem que ser por você, não pelos outros... Mas, Aline, você nunca pensou em fazer algo completamente diferente? Questionou Daniel curioso. _Algo que faça os seus olhos brilharem?
Aline começou a rir, surpresa com a pergunta.
_Como o quê? Pintar quadros? Virar chef de cozinha? Ou melhor, me tornar uma organizadora de festas? Porque nisso eu sou boa… Brincou, mas havia um brilho diferente em seus olhos, como se a ideia de sonhar com algo novo fosse ao mesmo tempo assustadora e empolgante.
_ Por que não? Retrucou Daniel, agora sorrindo abertamente. _Você me parece o tipo de pessoa que pode fazer qualquer coisa, se quiser de verdade.
Aline sentiu o rosto esquentar com o elogio, mas, antes que pudesse responder, uma ideia surgiu em sua mente. Ela parou de caminhar, virando-se para ele com a expressão decidida.
_Mas mudando de assunto… Amanhã vai ter uma festa em um bar aqui perto. Nada muito chique, só um pessoal da faculdade, música, cerveja, e uns drinks. Ela hesitou por um segundo, mordendo o lábio inferior, antes de continuar. _Você… gostaria de ir comigo? Perguntou sentindo vontade de encontrá-lo fora da faculdade.
Daniel ergueu uma sobrancelha, claramente pego de surpresa. Ele gostava de sair com os amigos, inclusive, sempre se encontravam para um happy hours, mas fazia muitos anos que não frequentava festas universitárias. Aos 25 anos, ele se sentia um pouco deslocado entre os calouros, mas algo no convite de Aline, na espontaneidade dela, no jeito como ela o olhava tornava o convite irresistível.
_Uma festa? Perguntou, fingindo considerar a ideia com seriedade, algo que deixava evidente que seu senso de humor estava voltando. _ Não sei se meu charme de pós-graduando vai sobreviver a um ambiente cheio de calouros bêbados.
Aline riu alto, o som da sua risada ecoando pela praça.
_Vamos lá, Daniel. Não me diga que você é velho demais para uma festa! Ela provocou, cruzando os braços. _Além disso, eu prometo te salvar se alguém tentar te assediar.
Ele riu, balançando a cabeça. Havia algo em Aline que o desarmava, que fazia ele querer dizer sim, mesmo contra seu instinto de se manter reservado.
_Tudo bem, você venceu. Daniel ergueu as mãos em rendição. _Me diz onde e que horas será a festa.
Aline sorriu, satisfeita, e pegou o celular para enviar uma mensagem com o endereço para Daniel.
_ Às oito da noite. Não se atrase, hein? E… nada de roupa social, por favor. Ela apontou para blazer que ele usava com um olhar brincalhão. _Tente parecer um ser humano normal por uma noite.
_Sem roupa social? Isso vai ser um desafio. Daniel sorriu com o olhar fixo em Aline, como se estivesse tentando entender o que o fazia querer estar tão perto dela.
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No sábado à noite, a festa em questão, estava animada. Aline chegou um pouco mais cedo, e conversava com os amigos, mas sua mente estava em Daniel. A ideia de vê-lo fora do ambiente da faculdade a deixava empolgava.
Ela usava um vestido leve, estampado com flores. Os cabelos soltos caíam sobre os ombros, e um par de brincos discretos completava o visual. Enquanto a conversa seguia, seus olhos iam constantemente para a porta, esperando pela chegada dele.
Daniel chegou alguns minutos depois das oito, e Aline o viu antes que ele a encontrasse. E para a surpresa de Aline, Daniel havia seguido o conselho dela, e não estava usando roupa social. Vestia uma camiseta preta, jeans escuros e tênis, o que o fazia parecer mais jovem, mais acessível. Ainda assim, havia algo nele que chamava a sua atenção. Talvez a postura confiante, ou o jeito como seus olhos pareciam sempre observar tudo com atenção.
_Você veio! Aline caminhou até ele com um sorriso. _E sem terno. Estou impressionada. Disse cumprimentando ele com um beijo no rosto.
_Eu disse que era um desafio, não que era impossível. Respondeu Daniel, devolvendo o sorriso sentindo o cheiro dela que sempre chamava sua atenção. Ele olhou ao redor, visivelmente fora de sua zona de conforto, mas tentando se adaptar. _Então, essa é a famosa vida social dos calouros nos dias de hoje?
_Mais ou menos. Disse Aline, achando graça.
_Nossa, fazia tanto tempo que eu não frequentava a uma festa assim…
_Você vai gostar. Agora vamos, vou te apresentar ao pessoal.
Aline o guiou pela festa, apresentando Daniel aos poucos amigos. Daniel, apesar de inicialmente reservado, logo se soltou contando histórias da sua época de calouro com uma naturalidade que surpreendeu Aline. Ele tinha um jeito de contar histórias, com detalhes precisos, mas com um toque de humor que fazia todos rirem encantando ela ainda mais.
Mais tarde, quando a festa estava no auge, Aline e Daniel se afastaram da multidão, cada um com uma cerveja na mão.
_Então, me diz… Começou Aline, girando o copo entre os dedos. _ Está gostando da festa?
_ Estou… Há muito tempo que não me divertia assim.
Aline inclinou a cabeça, estudando Daniel para ver se ele dizia a verdade.
_Você não parece o tipo de cara que fica muito tempo sozinho. Quer dizer, você é… Ela hesitou, procurando uma forma para perguntar se ele gostava sair e se estava solteiro. _Carismático.
Daniel ergueu uma sobrancelha, começando a rir.
_Carismático? Essa é nova. Ele tomou um gole da cerveja, com o olhar fixo nela. Aline sentiu o coração acelerar. Por um momento, eles apenas se olharam, o barulho da festa se dissipando ao fundo. Era como se o mundo ao redor tivesse pausado, e Aline e Daniel começaram a se ver de verdade, sem saber que estavam prestes a mudar a vida um do outro.
Naquele momento, a música ficou mais alta, e eles quase não se ouviam mais.
_ Essa é parte da festa que eu não gosto… Eu não consigo te ouvir... Daniel olhou para os lados procurando o foco da música.
_ Eu também não… mas parece que você está planejando uma fuga. Aline brincou.
Daniel sorriu, e erguendo o copo de cerveja como se brindasse à ideia.
_Você me pegou. Ele inclinou a cabeça, apontando para a escada que viu ao fundo. _Quer fugir comigo? Por apenas alguns minutos...
Aline hesitou, surpresa com a proposta. Não era apenas, mas havia algo no olhar dele que a fez dizer sim. Era como se ele estivesse oferecendo mais do que uma pausa da festa, era um convite para um momento que pertenceria somente aos dois.
_Para onde essa escada vai? Questionou Aline sentindo um frio na espinha.
Ele apontou para a escada com um gesto sutil, um sorriso brincalhão nos lábios.
_Terraço. Melhor vista do bar, e claro, menos barulho.
Sem pensar duas vezes, Aline concordou, o coração batendo um pouco mais rápido.
_Vamos lá.
Eles subiram a escada em silêncio, os degraus antigos rangendo sob seus pés. O som da festa foi ficando para trás, abafado, como se pertencesse a outra realidade. O corredor estreito levava a uma porta de metal que dava acesso ao terraço que nao estava sendo usado naquela noite. Daniel a abriu a pprta deixando Aline passar primeiro, e o ar fresco da noite os envolveu assim que pisaram do lado de fora.
A cidade se estendia à frente deles, um tapete de luzes piscantes sob o céu escuro. Os prédios brilhavam à distância, e dava quase para ver o mar. Aline respirou fundo, sentindo o vento frio bagunçar seus cabelos. Daniel caminhou até o guarda corpo do terraço e apoiou os cotovelos, olhando para o horizonte com uma expressão pensativa.
Aline ficou no mesmo lugar, observando-o.
_ Você sempre arruma um jeito de fugir das festas? Perguntou quebrando o silêncio com um tom leve, tentando aliviar a tensão que começava a crescer entre eles.
Daniel virou o rosto para olhá-la, com um sorriso no canto dos labios.
_Sempre que posso. Não gosto de lugares onde é preciso gritar para ouvir e ser ouvido.
Aline mordeu o lábio, sentindo que as palavras dele diziam mais do que pareciam. Talvez ele não estivesse falando apenas da música alta, mas de algo mais profundo, algo que ela também entendia: a dificuldade de ser ouvido, de ser visto, em meio ao caos da vida.
Ela se aproximou, ficando ao lado dele. O vento soprou novamente, e uma mecha de cabelo caiu sobre seu rosto. Sem pensar, Daniel estendeu a mão e afastou a mecha com cuidado, os dedos roçando levemente a pele dela. O toque foi breve, quase imperceptível, mas suficiente para fazer o coração de Aline disparar. Ela prendeu a respiração, e, pelo olhar dele, soube que ele também sentiu o impacto daquele instante.
Eles ficaram em silêncio, como se o mundo ao redor estivesse desaparecendo. A festa, a cidade, as dúvidas de Aline sobre o futuro, as cicatrizes de Daniel do passado, tudo parecia distante. Havia apenas eles naquele terraço esquecido.
Daniel se inclinou devagar, os olhos buscando os dela, como se pedisse permissão. Aline não recuou. Pelo contrário, inclinou-se para ele, reduzindo a distância entre seus corpos. Os lábios se encontraram, como se ambos percebessem que aquele momento era inevitável.
Aline sentiu a textura dos lábios de Daniel, macios, mas firmes, e o leve roçar da barba por fazer contra sua pele. Ela colocou a mão no peito dele, sentindo a batida acelerada do coração sob a camiseta, e isso a fez sorrir contra seus lábios, enquanto uma onda de calor subiu pelo seu corpo.
Daniel aprofundou o beijo, uma das mãos deslizando para a nuca dela, os dedos se entrelaçando nos cabelos de Aline, enquanto a outra repousava suavemente em sua cintura, puxando ela para mais perto, quase o fazendo deixar cair o copo de cerveja cair. Aline respondeu com a mesma urgência, os braços envolvendo o pescoço dele, o corpo se moldando ao dele. O beijo não tinha gosto de bebida, mas de algo novo e assustadoramente real. Era como se, naquele instante, eles estivessem dizendo um ao outro tudo o que ainda não tinham coragem de verbalizar.
Quando se separaram, Aline manteve os olhos fechados por um segundo a mais, como se quisesse gravar a sensação na memória, o calor dos lábios dele, a pressão suave de suas mãos, o jeito como o mundo parecia ter se reduzido a eles dois. Daniel encostou a testa na dela, deixando suspiro escapar de seus lábios.
_Desculpa… eu não devia… Pediu com a voz rouca, sentindo culpa e alívio ao mesmo tempo, como se ele estivesse lutando contra si mesmo.
Aline abriu os olhos, e um sorriso iluminou o seu rosto.
_Shiii… eu queria…Interrompeu Aline, as palavras saindo com uma certeza que a surpreendeu.
Daniel sorriu,, e a puxou para um abraço. Aline se deixou envolver, sentindo o calor do corpo dele contra o dela, sentindo o cheiro da pele dele que aguçava seus sentidos. Seus braços a envolviam com firmeza, mas também com uma ternura que a fazia sentir-se protegida. Era como se, naquele momento, tudo fizesse sentido, e as dúvidas, os medos, as incertezas do futuro pareciam menos pesadas quando ela estava com ele.
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