Em uma manhã como outra qualquer, Maya sai para trabalhar no melhor hospital da cidade, o Hospital Medeiros, onde havia conquistado respeito e admiração por sua competência e empatia. Ela se formou em Enfermagem com apenas 22 anos de idade, um feito que refletia sua determinação e paixão pela profissão.
Maya é uma mulher alta, alegre, com cabelos longos e cacheados de cor tropical, corpo levemente sensual. A sua presença transmite dedicação, mistério, romantismo e bom humor — em resumo, um verdadeiro exemplo da mulher brasileira: forte, inspiradora e resiliente.
Em seu caminho para o hospital, Maya saiu dirigindo rumo ao trabalho — até aí, tudo certo, tudo dentro dos conformes. Ela seguia tranquila, com a janela entreaberta, permitindo que a brisa suave da manhã acariciasse seus cabelos, enquanto apreciava o nascer do sol que tingia o céu com tons dourados e alaranjados.
Dirigia linda, leve e solta, cantarolando discretamente uma música Life Goes On - BTS que sempre escutava antes dos plantões, como um ritual para aliviar a tensão. O trânsito, naquela manhã, fluía normalmente, e tudo indicava que seria mais um dia comum.
Quando, de repente, viu um homem capotar em cima do seu carro...
O miserável vinha a pilotar numa velocidade tão insana que Maya nem sequer conseguiu perceber de que lado aquele louco surgiu. Ele avançava com tanta fúria que, num piscar de olhos, a moto foi lançada para um lado e o corpo dele arremessado violentamente sobre o carro dela, caindo a poucos centímetros de distância do veículo.
O meteoro tinha nome: Victor. Alto, por volta de um metro e oitenta, corpo atlético moldado por anos de desafio e resistência. O rosto, marcado pela expressão de quem já encarou o perigo inúmeras vezes, transmitia um misto de aventura e imprudência. Havia algo de indomável nele, com olhos escuros que cortavam como lâminas, cabelos levemente desordenados, em tons de negros , e uma arrogância fria, que parecia pulsar, como se fosse parte da sua própria essência.
Maya, coitada… ainda em estado de choque, com o coração disparado, mal conseguiu abrir a porta do carro antes de sair a correr, tropeçando nos próprios pés, desesperada para socorrer aquele homem… ou pelo menos… aquilo… aquela figura imóvel no chão, que parecia um homem… não é?
— Moço! Ei! — gritou, quase engasgando com a própria respiração, enquanto se ajoelhava ao lado dele, sem saber nem onde pôr as mãos. — Está tudo bem?! Olha pra mim… por favor, olha pra mim… não fecha os olhos, tá?! NÃO FECHA! Eu… eu vou te ajudar… eu vou…
Mas ele… ele parecia nem ouvi-la. Víctor, com o corpo tomado por uma onda violenta de adrenalina, mal percebia o sangue quente escorrendo, os músculos travados de dor. A respiração saía em arfadas rápidas, descompassadas. O impacto da queda ainda ecoava no peito dele, mas a fúria… a fúria vinha primeiro, esmagadora, queimando como ácido.
Ele apertava os punhos, o rosto contraído, rangendo os dentes, escumando de raiva — ódio puro e irracional — por ter perdido o controle da moto, por ter sido lançado ao chão daquela forma humilhante, por ter sua aventura brutalmente interrompida.
E na mente dele só uma coisa fazia sentido: ela era a culpada.
Como, MEU DEUS, ela estava ali?! Naquele maldito lugar, naquela hora absurda?! Uma estrada esquecida, onde nunca passava ninguém… NUNCA! Era o refúgio dele, o seu território livre… Por isso ele acelerou, por isso não hesitou, não freou… E agora… agora isso.
Toda vez que vinha pra aquela cidade era a mesma coisa: liberdade, velocidade, risco… sem limites. Nunca tinha dado errado. Ninguém nunca tinha surgido no meio do caminho.
Mas agora… agora tinha. E ele queria gritar. Queria explodir.
Num movimento brusco e assustador, como se o impacto não tivesse lhe feito nada, Víctor se ergueu, o peito arfando, os olhos incendiados, o rosto contorcido, escumando de raiva, o olhar perdido entre a dor e a fúria, o ódio e o desespero.
Maya recuou instintivamente, com o coração na garganta, sem saber o que fazer… sem saber se ele ia desmaiar… atacar… ou socorrer.
Víctor avançou cambaleante, mas com uma fúria tão viva que parecia que a dor sequer tinha importância. A voz dele saiu cortante, carregada de raiva e desprezo:
— Ô, sua louca… destrambelhada… o que você tava fazendo parada no meio da pista? — cuspiu as palavras, com um brilho insano nos olhos, a respiração arfante. — Me fala… bora, porra! E eu não preciso que você me examine, tá me ouvindo? — inclinou-se mais, com aquele sorriso cínico, desafiador, ainda que o sangue lhe escorresse pela boca. — Obrigado… por tentar me matar… sua maluca!
— Perdida? Destrambelhada? — repetiu, com o tom mais frio que o polo norte só as pupilas dilatadas denunciando a adrenalina. Deu um meio sorriso, entre o desprezo e um deboche perigoso. — Acha mesmo que eu sou o problema aqui? Você que entrou feito um insano numa estrada vazia, sem se preocupar se podia… ou não. — Cruzou os braços, a respiração medida. — A culpa é minha? Jura?
Víctor com a expressão fechada e , com aquele olhar misto de ódio e… algo mais que ele mesmo não sabia nomear.
Maya deu um passo à frente, firme, profissional, os olhos analisando rapidamente o padrão respiratório dele, a cor da pele, os sinais de trauma. Estava putíssima, claro. Mas não seria burra.
— Olha só, esquentadinho… — a voz saiu baixa, dura, cheia de autoridade e uma provocação quase imperceptível. — Você pode não querer a minha ajuda… mas precisa. — Ela inclinou-se um pouco, invadindo o espaço dele, quase desafiando o cheiro metálico do sangue. — Levantou rápido demais, sabe? O corpo tá cheio de adrenalina, nem percebe que pode ter fraturado uma costela, ou pior… — seus olhos desceram, rápidos, atentos —… rompido um baço, lesionado algum órgão vital. Isso, sim, pode te matar, gênio.
Ele cerrou os punhos, o peito subindo e descendo, como se cada palavra dela fosse um soco, ou… um convite.
Maya ergueu uma sobrancelha, impassível, o tom ainda mais cortante:
— Não se mexe. Eu vou chamar uma ambulância. — A voz firme, inegociável, mas o olhar… o olhar ardia, não só de raiva. — E, para sua informação, não é porque você não quer que eu examine… que eu não saiba exatamente o que tá acontecendo com você.
Virou-se para pegar o celular, sem dar mais explicações, deixando no ar aquele rastro denso de tensão… e algo indefinível que queimava entre os dois, como pólvora espalhada, à espera de um fósforo.
Maya permaneceu imóvel por alguns segundos, com os braços ainda cruzados, mas a firmeza agora era só fachada. Sentiu as mãos suarem, o coração acelerado martelando no peito, enquanto os olhos acompanhavam, discretos, cada movimento dele.
Engoliu em seco, sem saber se deveria dizer alguma coisa ou simplesmente se afastar. Estava sozinha, vulnerável… e, apesar do tom decidido com que falara antes, agora se sentia pequena, acuada pela incerteza e pelo medo do desconhecido.
Ele mexia no celular como se nada tivesse acontecido, enquanto ela, quieta, buscava coragem até para respirar fundo.
Num gesto quase involuntário, ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha, tentando disfarçar o tremor que começava a tomar conta de seu corpo.
O silêncio entre eles parecia ainda mais pesado do que as palavras trocadas segundos antes, e Maya desejou, mais do que tudo, que aquele momento terminasse logo.
Vítor começou a bater de leve no vidro, meio impaciente, e fez um sinal para ela sair dali. Afinal ele queria descarregar a pouca raiva que ainda tinha.
O coração da Maya quase saiu pela boca. Na hora, nem conseguiu reagir direito, só ficou ali parada, meio travada, lembrando da avó que sempre falava: “um dia tu vai se meter numa enrascada andando sozinha nesses cantos perdidos… Fica inventando moda que um dia voçe acha"
Pois é… estava acontecendo o que a avó temia.
Ela só pensava: “Hoje eu não passo… Hoje eu vou de arrasta pra cima ,certeza"
O clima ainda estava tenso, mas já não era aquele barril prestes a explodir. Agora parecia mais aquele cansaço depois da briga, sabe? Cada um respirando fundo, tentando fingir que estava de boa, mas por dentro tudo meio bagunçado ainda
Ele ficou ali, parado, sem insistir, só esperando. E ela, respirando fundo, tentando juntar coragem pra fazer alguma coisa… qualquer coisa.
Mas graças ao bom Deus, o tempo foi passando e os dois acabaram se acalmando.
Víctor, ainda sentado ali, com a cabeça enfiada entre as mãos, do lado do carro da Maya, respirou fundo, tirou o capacete devagar, meio sem jeito, e soltou:
— Olha, moça… me desculpa, tá? Por tudo isso aí… eu juro que não queria que você ficasse assim, desse jeito…
Ele deu uma risada fraca, meio sem graça, e ficou encarando o chão, procurando palavras, mas a cabeça parecia uma confusão só.
— É que… quando eu fico com raiva… me dá um troço aqui — ele levou a mão à cabeça, fechou os olhos, como se lembrasse de alguma coisa —... um negócio que nem eu consigo explicar direito. Parece que trava tudo, sabe? Só vem aquele impulso de fazer besteira…
Ele fez uma pausa, respirou fundo de novo e, do nada, veio aquele flash, aquela lembrança que ele sempre tentava enterrar, mas nunca conseguia. Seu passado angustiante.
Veio a imagem do pai, Alberto.
Aquele homem… machista, egocêntrico, totalmente controlador, dono de tudo, achando que podia mandar em todo mundo. Empresário rico, daqueles que só sabem falar grosso e impor. Aquele tipo de cidadão que acha que o mundo gira em torno de si.
E do outro lado… a mãe dele, Dalilla. Tão diferente… tão doce, tão sonhadora, acreditando nessas coisas de conto de fadas, e de doramas achando que o príncipe encantado ou seu oppa ia aparecer e fazer ela feliz. Mal sabia ela…
Víctor suspirou, e sem perceber, falou meio baixo, mais pra ele mesmo do que pra Maya:
— Sabe… se tem uma coisa que aquele traste me ensinou… é que, apesar de tudo, um homem nunca… nunca deve levantar a mão pra uma mulher.
Ele levantou o olhar pra Maya, com os olhos meio vermelhos, meio cansados:
— Eu decorei isso. Tá gravado em mim. Eu juro… eu nunca seria capaz…
Ficou em silêncio. Nem conseguiu terminar.
Ele fez uma pausa, respirou fundo de novo e, do nada, veio aquele flash, aquela lembrança que ele sempre tentava enterrar, mas nunca conseguia.
Quando Dalilla conheceu Alberto… , pronto, foi amor à primeira vista. Pelo menos… da parte dela, né?
Dalilla, com aquele jeitinho tão doce, o olhar cheio de brilho e esperança… ficou completamente hipnotizada. Se perdia nos olhos dele, terrivelmente azuis, tão intensos que pareciam prometer o mundo inteiro. Ela sentia o coração acelerar, as mãos suarem… parecia cena de conto de fadas.
Mas Alberto… ah, Alberto… assim que viu aquela moça, nem pensou duas vezes. O olhar dele, meio estreito, meio demorado… não se prendeu nos olhos dela, não. Desceu direto, sem pudor, traçando cada curva do corpo dela com aquela malícia descarada.
Enquanto Dalilla se encantava, sonhando com o amor da vida dela, Alberto só conseguia pensar no quanto queria aquela mulher, ali, agora, do jeito mais intenso possível…
Para ele, era só isso: uma noite, um corpo, um prazer. E depois? Depois que se dane… quem liga?
Dalilla não era como as outras mulheres que Alberto encontrava por aí, fáceis, submissas, sem resistência. Com ela, o negócio era na rédea. Era uma mulher humilde, de poucos recursos, mas cheia de princípios. E, por ser romântica e delicada, acreditava que o amor tinha um percurso certo: primeiro conhecer, depois namorar, então noivar… só então casar. Não era como diziam por aí: "ou fica ou muda, ou se acaba".
Ela sonhava com um casamento abençoado pelos pais, sendo conduzida até o altar pelo irmão mais velho, cercada pelos familiares, todos torcendo pela sua felicidade. Imaginava aquele vestido branco simples, mas bonito, as flores colhidas do quintal, a praça da igreja enfeitada… enfim, todo aquele lance sonhador, típico das garotas do interior. Ela sempre sonhou com isso e parece que estava mais perto desse sonho virar realidade.
Mas a realidade foi bem diferente.
Depois de muitas idas e vindas, conversas intermináveis, promessas quebradas e até algumas brigas, Alberto se rendeu aos encantos singelos da moça. Ele dizia:
— "Você é diferente, Dalilla… nunca conheci ninguém como você. Você é a mulher da minha vida a quem quero passar todos os dias da minha vida até meu último respiro.
E ela acreditava, com o coração acelerado e as mãos suadas, que aquilo era amor.
Então, mesmo com a reprovação dos pais dele, dos amigos e conhecidos — todos achando absurdo ele se envolver com “uma pobrezinha” Uma mera atendente de mercado que usava todo seu salário com os gastos da Universidade e com seus pais. — Alberto pediu a mão dela em casamento.
Dalila hesitou. Sabia que os pais não aprovavam, que estavam magoados, mas… aquele era seu momento de ser feliz. Rebelou-se pela primeira vez: a menina obediente que seguiu sempre as regras decidiu seguir o que julgava ser amor. Ela acreditava que os pais estavam enganados que eles não conheciam Alberto como ela conhecia.
Casaram-se, contra todas as expectativas.
Por sorte… ou azar… os primeiros meses foram de pura paixão. Alberto, por um breve tempo, foi o homem que toda mulher gostaria de ter. Chegava em casa com flores todo bobo.
— "Lembrei de você quando vi essas margaridas."
Acordava Dalila com beijos, preparava café, fazia questão de andar de mãos dadas na praça aos domingos. À noite, ele abraçava-a apertado, sussurrando:
— "Você é minha… só minha."
E ela sorria, acreditando que havia encontrado seu príncipe, seu protetor, com quem iria construir uma vida, realizar o sonho de terminar a faculdade de enfermagem, ter filhos,
envelhecer.
Mas, aos poucos, a máscara caiu.
O homem carinhoso deu lugar ao controlador.
— "Não precisa mais estudar… pra quê? Agora você é minha mulher. O que eu posso te dar nunca que esse diplomasinho poderia lhe proporcionar.
Proibia que ela visitasse os próprios pais. Se ela insistia:
— "Eles não gostam de mim… não preciso deles na sua vida! Como é que você continua gostando de umas simples pessoas que não gosta do seu marido".
Dalilla, confusa, começava a se calar. Queria agradá-lo, evitar discussões… Afinal, casamento não era sobre sacrifício?
Mas não parou por aí. Vieram as agressões. Primeiro, verbais:
— "Você não serve pra nada!"
— "Se eu quisesse, tinha qualquer uma… mas escolhi você. Meu Deus quão burro eu fui, chegar da nojo de mim mesmo"
Depois de todos os tipos de agressões imagináveis: ele a isolava, dizia que ninguém gostava dela, que só ele a amava de verdade.
Alberto achava que, por terem se casado, ela era sua propriedade. Abusava de Dalilla sempre que queria, do jeito que queria. Ela chorava em silêncio, olhando para o teto do quarto, pedindo a Deus que aquilo acabasse logo.
Até que, depois de muitos abusos, Dalilla engravidou.
Quando descobriu a gestação, chorou. Não sabia se de medo, de dor, ou de esperança. Acariciava a barriga ainda pequena, tentando convencer a si mesma:
— "Com um filho, talvez ele mude… talvez ele volte a ser aquele homem… aquele… que me dava flores… Afinal criança é bênção"
Mas não.
Alberto, ao saber da gravidez, riu:
— "Esse filho nem deve ser meu! Tá me achando otário? E outra eu não quero tranzar com uma mulher com uma barriga imensa. Trate de tirar essa coisa daí de dentro o mais rápido possível, se não eu mesmo tiro".
E passou a agredi-la ainda mais. Mesmo grávida, a espancava sem piedade. Dalilla, frágil, muitas vezes ficava de cama, sem forças nem para levantar.
Mas continuava amando aquele homem… ou pelo menos a ideia dele, o que ele foi, ou o que ela acreditava que ele poderia voltar a ser.
Sua gravidez, marcada pelo sofrimento, comprometeu a saúde do bebê. Victor nasceu com um problema muscular e precisou ser internado logo após o parto.
Dalilla passava horas ao lado da incubadora, segurando a pequena mão do filho, pedindo desculpas:
— "Me perdoa, meu amor… eu falhei com você… Eu só tinha uma missão ,que era cuidar ainda mais de voçe quando estava dentro de mim"
Não conseguia amamentá-lo: não produzia leite suficiente. Isso a fazia se culpar ainda mais, sentir-se ainda menos mulher, menos mãe.
Enquanto enfrentava essa barra sozinha, Até porque seu marido impedia qualquer mínimo contato dela com a família. Alberto também simplesmente… não estava. Não aparecia, não ajudava, não perguntava. Simplesmente ignorava a situação como se nada tivesse acontecido.Dalilla era uma mulher humilde, que acreditava nos princípios do casamento. Sonhava com aquele casamento perfeito, com a bênção dos pais, a caminhada até o altar conduzida pelo irmão…
Mas eles não aceitavam sua escolha. Não aceitavam Alberto.
E aquela menina doce, que sempre obedeceu aos pais, que sempre fez tudo certinho… achou que, pela primeira vez, valia a pena se rebelar e dar uma chance ao amor.
Mal sabia ela que o amor, às vezes, é só um nome bonito que as pessoas dão para o seu próprio sofrimento.
Os anos se passaram, e Dalilla já não era mais uma mulher: era uma coisa, um objeto, um corpo que respirava apenas porque o instinto a obrigava. Estava morta por dentro, vazia, sem voz, sem pensamento, sem vontade. O seu marido a havia transformado numa prisioneira, confinada entre quatro paredes invisíveis, onde o ar rarefeito sufocava e o medo era sua única companhia.
Ela não podia falar. Cada palavra era punida com tapas, socos ou silêncios frios que duravam dias. Não podia pensar: ele dizia que mulheres não serviam para isso, que ela existia apenas para satisfazê-lo e obedecer, como um cão treinado. Não podia sonhar, não podia desejar, não podia sequer olhar pela janela sem que ele gritasse que ela estava se oferecendo para os vizinhos ou seguranças.
As agressões tornaram-se diárias, meticulosas, como um ritual de destruição lenta. Ele não a batia apenas para machucá-la, mas para lembrá-la de que ela não era nada, de que ninguém viria salvá-la, de que o mundo lá fora era ainda pior do que o inferno que ele criara para ela. Ele a queimava com cigarros, a trancava no quarto escuro por horas — ou dias — sem comida nem água, e ria enquanto ela rastejava pelo chão implorando por um gole de água ou um pedaço de pão velho. Mas o auge de tudo isso foi quando Alberto, durante uma de suas relações sexuais abusivas, colou o cano frio do revólver na vagina de Dalilla e, olhando fixamente nos olhos dela, disse com um sorriso cínico e perverso:
— “Só preciso apertar o gatilho... e você nunca mais será de ninguém"
Nas madrugadas, a acordava com puxões violentos de cabelo e a arrastava até o chão frio da cozinha, obrigando-a a limpar a casa nua, enquanto ele a insultava, dizendo que era uma inútil, uma aberração, um erro de Deus. Às vezes, quebrava pratos sobre sua cabeça apenas para ver o sangue escorrer, como se fosse um espetáculo privado. Quando ela desmaiava, ele a deixava caída, para que acordasse sozinha, encharcada de medo e dor. Os funcionário da casa recebiam ordem explícitas de não ajudar ela em nada.
A violência sexual era o ápice do seu domínio: ele não fazia amor, ele tomava posse. A usava como queria, quando queria, indiferente às lágrimas, aos gritos sufocados, ao olhar que, pouco a pouco, se apagava mais. Cada vez que ele a forçava, era como se arrancasse mais um pedaço da sua alma, deixando no lugar apenas um vazio frio e silencioso.
Ela já não se lembrava de quem era antes dele. Não sabia mais o que gostava, o que sonhava, o que a fazia sorrir. Tudo havia sido esmagado sob o peso da humilhação constante.
O único fio tênue que a mantinha viva era seu filho, que já não era mais um bebê indefeso, mas um garotinho assustado que aprendia a sobreviver em silêncio, escondido nos cantos da casa, tentando não provocar a fúria do pai. Dalilla o abraçava quando podia, tentando protegê-lo com o pouco de força que ainda lhe restava, mas sabia que, em breve, ele também seria alvo daquela monstruosidade.
E era isso que mais a aterrorizava: não o que ele fazia com ela, mas o que poderia fazer com o filho. Dalilla vivia atormentada por pesadelos acordada, imaginando o menino apanhando, sendo humilhado, quebrado como ela foi. Por isso, às vezes, pensava em fugir, pensava até em morrer — mas então olhava para o filho e decidia suportar mais um dia, mais uma noite, mais uma agressão.
Até quando, ela não sabia. Apenas vivia, ou melhor: apenas resistia. Como um corpo sem alma, como uma sombra que se arrasta, esperando que, um dia, de alguma forma, aquele inferno tenha fim.
Em uma tarde, Dalila tomou uma atitude que deveria ter tomado há muito tempo: decidiu pôr um ponto final em toda aquela vivência horrível, buscando dar um novo sentido para sua vida. Ela ansiava sentir a liberdade que jamais tivera, mesmo que o medo a acompanhasse a cada passo. Não levou nada além do seu filho e do desejo ardente de fugir para bem longe, para recomeçar.
Dalilla sabia que Alberto jamais imaginaria que ela teria coragem de fugir; ele estava tão acostumado a vê-la submissa e silenciosa que a crença de sua total submissão se tornou sua maior fraqueza. Por isso, sua fuga não foi tão difícil quanto poderia parecer para quem olhasse de fora — não porque Dalilla fosse ingênua, mas porque ele nunca esperou que ela ousasse romper as correntes que ele mesmo havia imposto.
Quando o traste desprezível chegou em casa e viu que sua esposa "amada" não estava lá, à sua espera como sempre, ele ficou furioso. Quebrou objetos pela casa, espalhando o caos como reflexo de sua raiva, mas nem sequer procurou por Dalilla ou sentiu falta do filho. Para ele, era só uma questão de tempo até que eles voltassem para a vida de antes, para o "luxo" que ele achava que proporcionava — ignorando completamente que ela já não suportava aquele inferno. A raiva que Alberto não conseguia mais descarregar em Dalilla começou a se espalhar para seu ambiente de trabalho. Ali, disfarçava o ódio com um sorriso falso, mas não poupava os funcionários das suas investidas cruéis. Passava o tempo perseguindo-os com críticas afiadas, humilhações veladas e ameaças sutis que deixavam claro que, para ele, ninguém estava a salvo. De vez em quando, dava explosões de agressividade — um grito inesperado, uma porta batida com força, um dedo apontado com ódio — deixando claro que seu poder era absoluto e sua vontade, inquestionável.
Dois anos se passaram até que os advogados de Alberto o ligassem para comunicar sobre o pedido de divórcio. Ele recebeu a notícia com ironia e deboche, menosprezando completamente o esforço de Dalilla. Para ele, era inconcebível pensar em dar qualquer dinheiro ou suporte, seja para ela ou para o filho. Sentia-se mais traído do que preocupado, e seu único pensamento era manter seu "poder" intacto.
Mas Dalilla, apesar de toda a dor e sofrimento, mostrou uma força que surpreendia até a si mesma. Nos primeiros meses, precisou buscar ajuda profissional para lidar com o trauma da violência — psicólogos e tratamentos de reabilitação foram essenciais para que pudesse começar a se reconstruir. Não foi fácil: além das marcas invisíveis deixadas pela agressão, ela enfrentou a dificuldade de cuidar de Victor, que também carregava seus próprios medos e traumas. O menino, embora jovem, sentia a tensão no ar, às vezes retraído e assustado, precisando de atenção e carinho redobrados.
A estrada para a liberdade foi longa e dolorosa, mas Dalilla continuou firme, movida pela esperança de um futuro melhor para si e para seu filho.
Alberto tinha uma preferência doentia por mulheres do interior, frágeis e de aparência dócil, exatamente como Dalilla. Com elas, ele era um mestre da sedução, um falso cavalheiro que sabia exatamente como conquistar e manipular. Seu sorriso era uma armadilha, sua voz um veneno disfarçado de doçura. Mas, assim que as portas se fechavam, a máscara caía. Durante a relação sexual, o homem encantador se transformava em um monstro implacável. Ele dominava suas vítimas com tapas que faziam o ar faltar, puxões brutais de cabelo, sufocamentos até o rosto delas ficar vermelho, e humilhações sádicas que corroíam a alma. As agressões não se limitavam ao corpo; as palavras afiadas e cruéis destruíam qualquer resquício de dignidade.
E, como um símbolo grotesco de seu poder, ele gostava de jogar dinheiro na cara dessas mulheres após suas loucuras, como se pudesse comprar suas vidas, suas dores, seus medos. O som das notas caindo no chão era um eco de sua arrogância e desprezo absoluto, uma declaração brutal de que elas não passavam de objetos descartáveis, meros brinquedos em suas mãos sangrentas.
As mulheres até denunciavam os casos de agressão e tudo mais so que os policiais lhe estendiam um tapete vermelho de privilégios; ao ouvir seu sobrenome, fechavam os olhos para os gritos das vítimas, tratavam seus apelos com desdém e negligência, como se a dor delas fosse irrelevante. Com uma pilha de dinheiro sujo nas mãos, Alberto manobrava os processos como um maestro macabro, assegurando que a justiça fosse apenas uma ilusão para quem ousasse enfrentá-lo. Ele ia além do abuso físico: registrava, em segredo, as relações sexuais violentas, capturando imagens que usava como um instrumento de terror. Ameaçava expor essas fotos nas redes sociais, não apenas para silenciar suas vítimas, mas para espalhar o medo pelo interior inteiro, destruindo reputações, vidas e esperanças, como um predador que devora sem piedade tudo que toca.
Com o tempo, Alberto começou a sentir um vazio insuportável. O estilo de vida caótico e solitário que levava não o satisfazia; ele percebia que faltava Dalilla ao seu lado — a peça que mantinha seu mundo aparentemente completo. Com uma falsa cara de arrependido, um olhar de "cachorro perdido", ele pensava em reatar, em trazê-la de volta para casa, restaurar a família e o amor que, no fundo, ele manipulava como uma marionete para manter seu controle. Passou-se um ano desde que jurava ter mudado, mas para muitos esse era só mais um jogo sujo, uma máscara bem ensaiada. Aos poucos, Dalilla parecia estar reencontrando seu próprio caminho. Terminara os estudos e conseguira um emprego no Hospital Medeiros, tentando recuperar o velho eu que a violência havia apagado. Havia um colega no hospital que demonstrava interesse por ela, mas Dalilla não estava pronta para um novo relacionamento — seu coração ainda carregava cicatrizes profundas demais para se abrir.
O Colega do hospital era gentil e atencioso, sempre tentando arrancar um sorriso de Dalilla nos momentos mais difíceis. Ele a convidava para tomar café durante as pausas, trazia pequenas lembranças — uma flor, um livro, um chocolate — como quem quer mostrar cuidado sem pressa. Conversava com ela sobre sonhos e planos futuros, sem pressionar, apenas estando presente. Para ele, Dalilla era uma mulher forte e inspiradora, embora desconhecesse toda a tempestade que havia atravessado: não sabia que ela ainda era casada, muito menos os horrores do casamento e a longa batalha para reconstruir sua vida. Seu interesse era sincero, um contraste tranquilo diante da turbulência que Dalilla ainda tentava deixar para trás.
Dalilla ficou petrificada ao saber que Alberto havia descoberto onde ela estava — na casa da tia, longe do inferno que tinha deixado para trás. Numa manhã fria, por volta das cinco horas, enquanto ela se preparava para sair e pegar o plantão no hospital Medeiros a sombra de Alberto surgiu na porta como um espectro ameaçador. Para Dalilla, era um pesadelo vivo, uma ameaça que gelava seu sangue; tudo o que ela queria era pegar seu filho, que dormia tranquilo, e fugir para bem longe, sem olhar para trás. Suas lágrimas silenciosas caíam, traindo o desespero que apertava seu peito. Seu corpo tremia, preso entre a obediência involuntária e a vontade desesperada de correr. Mas para Alberto, sua presença ali era simples, quase banal — como visitar um parente que não via há tempos, com um sorriso falso de quem acha que tudo está bem, enquanto destruía a paz que Dalilla lutava para reconstruir.
Dalilla carregava a certeza do homem que Alberto realmente era, e sabia que palavras vazias jamais poderiam apagar as lembranças dolorosas. Uma parte dela ainda sentia um vínculo tênue — talvez pela profundidade do primeiro amor, talvez pelo laço invisível de ser mãe do seu filho —, mas esses sentimentos não brotaram imediatamente ao vê-lo. Foi um lento e delicado processo de meses, onde medo e esperança se entrelaçavam em silêncio. As marcas do passado ainda estavam ali, suaves e dolorosas, moldando cada pensamento e cada hesitação. E, embora ainda não soubesse se poderia abrir seu coração para ele novamente, havia uma parte guardada, quase imperceptível, que ainda acreditava na possibilidade de recomeço, mesmo que só o tempo pudesse dizer.
Dalilla ainda sentia um medo surdo, mas, para sua surpresa (ou talvez para seu desconforto), Alberto realmente parecia ter virado outra pessoa. Falava com toda a pompa sobre buscar ajuda profissional, e a chance que ela deu não foi para voltarem a morar juntos, mas para um “quase namoro” cheio de cautelas. Ela comentava isso com os amigos, e seu colega do hospital, que estava claramente interessado nela, viu ali uma brecha para se aproximar mais — mas Dalilla, com um sorriso seco, mal dava atenção. Alberto se esmerava no papel de pai exemplar: levava o filho para a escola, para a empresa, brincava com o menino como se fosse o melhor amigo do mundo, mandou reformar a escola toda, distribuía presentes para os coleguinhas do garoto e ainda mimava os amigos de Dalilla como se fosse um prêmio de consolação. No hospital, virou uma espécie de guru local do arrependimento — investindo grana e fazendo palestras motivacionais em que se apresentava como o ex-marido desprezível que milagrosamente virou o “cara do exemplo”, usando seu passado podre para tentar “salvar” outros machões. Dalilla, claro, não contava para ninguém essas sessões de autocomiseração e falsa redenção — porque certas histórias são tão horríveis que só mesmo um empresário poderoso para transformar em espetáculo.
Alberto agora viajava com sua família sempre que podia, tentando mostrar que realmente havia mudado, que era um homem novo. Participava de todos os momentos, parecia dedicado, quase como se quisesse apagar o passado com gestos e palavras ensaiadas. Então, Dalilla, cansada da luta constante, com o coração dividido entre o medo e uma tênue esperança, cometeu o inevitável: cedeu ao capricho de Alberto e se reconciliou com ele. Voltou a morar junto. Ele chegou a vender aquela velha casa, comprou outra e prometeu que ali tudo seria diferente, que construiria um novo começo — sem nenhuma lembrança do passado, sem vestígios do seu velho eu. Mas Dalilla sabia, no fundo, que algumas sombras são difíceis de apagar.
A atuação de Alberto durou um bom tempo, uma verdadeira encenação digna de palco. Mas, como toda máscara, ela teve que cair — e da pior forma possível. Ele não precisava mais levantar a mão para machucar; agora, sua arma era a humilhação pública, sutil e cruel. No meio de todos, ele fazia questão de diminuir Dalilla, lançava palavras afiadas que feriam mais que qualquer agressão física. Era uma tortura silenciosa, um jogo de poder onde ele se alimentava do sofrimento dela diante dos olhares alheios, como se fosse um espetáculo doentio em que ele era o mestre de cerimônias.
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