A sala de reuniões da Mansão Valderra parecia uma câmara de segredos, sufocada pelo aroma denso de madeira envelhecida misturado ao leve toque de cera derretida das velas que tremeluziam nas paredes. As janelas altas, de vitrais intricados, emolduravam um céu crepuscular tingido de roxo, como se a noite estivesse ansiosa para engolir o dia. Helena Valderra, de 24 anos, sentia o peso do assento de couro macio sob seus dedos trêmulos, a textura fria contrastando com o calor que subia por seu pescoço. Seus olhos castanhos percorriam a longa mesa de carvalho polido, onde os retratos de seus ancestrais, com expressões severas, pareciam julgá-la do alto das molduras douradas.
À sua frente, os tios a encaravam como predadores à espreita. Álvaro, com seu bigode grisalho que emoldurava um sorriso torto, tamborilava os dedos sobre a mesa, o som ecoando como um tambor de guerra. Mariana, de lábios finos e apertados, inclinava a cabeça, os brincos de pérola balançando com um brilho quase hipnótico. A herança da Valderra Indústrias — um império construído sobre tecidos finos, comércio internacional e segredos de família — estava em jogo, e Helena sabia que seu destino seria decidido ali, naquele instante sufocante.
"Você é jovem demais para comandar, Helena," disse Álvaro, sua voz cortante cortando o ar como uma lâmina. Ele se recostou na cadeira, os olhos semicerrados avaliando cada movimento dela. "A empresa precisa de mãos experientes, de alguém que entenda os meandros do poder." Mariana assentiu lentamente, os dedos brincando com uma caneta de prata. "Ou de um casamento estratégico," acrescentou, o tom carregado de uma frieza que fez o estômago de Helena revirar. Ela conhecia bem essa moeda de troca. Desde criança, ouvira sussurros sobre alianças forjadas com sangue e anéis, e a ideia de se vender para salvar o legado a sufocava, como se uma corda invisível apertasse seu peito.
Helena apertou os punhos sobre a mesa, as unhas cravando-se nas palmas das mãos. Seu coração batia descompassado, uma mistura de raiva e medo que ela lutava para esconder. Foi nesse momento que a porta rangeu, um som agudo que quebrou a tensão como vidro estilhaçado. Um homem entrou — jeans rasgados nas coxas, camisa de algodão amassada, cabelo castanho desgrenhado caindo sobre a testa. Ele carregava uma caixa de entregas, o papel pardo contrastando com a simplicidade de sua aparência. Quando seus olhos castanhos cruzaram os dela, um arrepio percorreu a espinha de Helena, como se uma corrente elétrica a atravessasse. Havia algo nele — um mistério nos olhos profundos, um cheiro de chuva fresca que parecia deslocado naquele ambiente opulento.
"Entrega para a senhorita Valderra," ele murmurou, a voz rouca e baixa, quase um sussurro que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem. Ele colocou a caixa sobre a mesa com um gesto rápido e saiu apressado, o som de suas botas ecoando no corredor. Álvaro soltou uma risada desdenhosa, o som cortante como vidro. "Um mensageiro sujo em nossa casa? Que absurdo!" Mas Helena não o ouviu. Seus olhos estavam fixos na caixa, o coração disparado. Ela a abriu com dedos trêmulos, revelando um bilhete simples, escrito à mão: "Encontre-me ao anoitecer, perto do lago." As palavras dançavam em sua mente, e ela sentiu um misto de curiosidade e pavor. Quem era ele? Por que seu coração insistia em traí-la assim, pulsando contra as regras rígidas da família que a moldaram?
O crepúsculo cedeu à escuridão quando Helena deixou a mansão, o ar fresco da noite carregado com o aroma úmido de folhas e terra molhada. Ela envolveu-se em um xale de lã cinza, o tecido áspero roçando sua pele enquanto caminhava pelos jardins de Valderra, os arbustos de azaleias sussurrando ao vento. Seus sapatos de couro macio mal faziam barulho contra o cascalho, mas cada passo ecoava em seu peito com um peso que ela não conseguia explicar.
O lago, uma joia escondida nos confins da propriedade, refletia as primeiras estrelas em sua superfície espelhada. Cercado por salgueiros cujas folhas pendiam como véus, o lugar parecia um santuário proibido, um segredo que a família raramente mencionava. Helena hesitou ao se aproximar da margem, o bilhete ainda queimando em sua memória: "Encontre-me ao anoitecer, perto do lago." A caligrafia, firme e angulosa, parecia carregar uma urgência que ela não podia ignorar, mas também uma promessa — ou seria uma ameaça?
Seus olhos vasculharam a penumbra, o coração pulsando em antecipação. Então, ela o viu. O mensageiro estava lá, encostado em um tronco retorcido, a luz fraca da lua iluminando os contornos de seu rosto anguloso. Ele não parecia mais um simples entregador; havia uma intensidade em sua postura, uma energia contida que a fez dar um passo para trás. "Você veio," disse ele, a voz rouca agora mais clara, mas ainda carregada de um tom que fez os pelos de sua nuca se arrepiarem.
"Quem é você?" perguntou Helena, sua voz tremendo, mas firme o suficiente para mascarar o medo. Ela cruzou os braços, o xale escorregando de um ombro. "E por que me chamou aqui?" Ele deu um passo à frente, o cheiro de chuva fresca misturado a algo mais terroso — musgo, talvez — invadindo o espaço entre eles. "Meu nome é Damian," respondeu, os olhos castanhos brilhando com algo que ela não conseguia decifrar. "E sei o que sua família está planejando para você."
O estômago de Helena revirou. Como ele poderia saber? A Valderra Indústrias era um labirinto de segredos, e ela mesma mal entendia as maquinações de Álvaro e Mariana. Antes que pudesse responder, Damian continuou, a voz baixando para um sussurro conspiratório. "Eles querem te vender como um peão, Helena. Mas você não precisa aceitar isso." Ele estendeu a mão, os dedos longos e calejados, e por um instante ela sentiu o impulso de segurá-la — um desejo que a assustou mais do que as palavras dele.
Um som seco cortou o ar — o estalo de um galho quebrando nas sombras. Helena girou o corpo, o coração na garganta, mas não viu nada além das árvores balançando ao vento. Quando olhou de volta, Damian estava mais perto, o rosto a poucos centímetros do dela. "Alguém nos seguiu," ele murmurou, os olhos estreitos varrendo o escuro. "Você confia em mim o suficiente para correr?" Antes que ela pudesse responder, o som de passos rápidos ecoou na noite, e a mão dele agarrou a dela, puxando-a para as sombras.
O ar da noite parecia pulsar com uma energia selvagem enquanto Helena corria, os dedos de Damian firmes ao redor de seu pulso, puxando-a para as profundezas do bosque que margeava o lago. O frio cortante mordia suas bochechas, e o aroma terroso de folhas molhadas misturado ao musgo invadia suas narinas, uma lembrança vívida das tardes de infância que ela passava explorando aqueles mesmos caminhos. Mas agora não havia inocência naquelas árvores — apenas sombras que pareciam se estender como garras, prontas para engoli-la.
Os galhos baixos arranhavam seus braços expostos, rasgando a manga de sua blusa de linho com um som que parecia alto demais no silêncio tenso da noite. O xale de lã cinza que a aquecia escorregou de seus ombros, caindo como uma sombra abandonada sobre o cascalho irregular, e ela não ousou parar para pegá-lo. Seu coração martelava contra as costelas, um tambor descompassado que ecoava o som dos passos que os perseguiam — passos rápidos, determinados, vindo das sombras atrás deles, como se a própria escuridão tivesse ganhado vida para caçá-los.
"Mais rápido!" sussurrou Damian, sua voz cortada pelo esforço enquanto desviava de um tronco retorcido, a casca áspera iluminada por um fio de luz lunar que conseguia atravessar a copa densa. A lua, uma foice prateada pendurada no céu, mal iluminava o caminho, lançando padrões de prata e preto no chão úmido coberto de musgo. Helena tropeçou em uma raiz exposta, o pé escorregando na lama, e quase caiu, o ar escapando de seus pulmões em um suspiro afogado. Damian a segurou com um braço forte, os músculos sob a camisa amassada tensos como cordas esticadas, e por um instante ela sentiu o calor de seu corpo contra o dela — um contraste alarmante contra o frio que a invadia, como se o toque dele fosse um fogo que ela não deveria desejar.
Seus olhos se encontraram por um segundo, e ela viu a urgência crua neles, um brilho que não era apenas medo, mas algo mais profundo — determinação, talvez, ou um segredo que ele ainda não compartilhara. Quem os seguia? Seus tios, Álvaro e Mariana, eram implacáveis quando se tratava de proteger o controle da Valderra Indústrias, mas contratar alguém para vigiá-la parecia um exagero, mesmo para os padrões deles. Ou seria outra faceta dos segredos que Damian parecia conhecer? Ele a guiou para uma clareira escondida, o som da perseguição diminuindo até se transformar em um eco distante, e parou, ofegante, o peito subindo e descendo enquanto tentava recuperar o fôlego.
Helena apoiou as mãos nos joelhos, o ar queimando sua garganta seca, e olhou para ele. A luz fraca da lua iluminava os contornos de seu rosto anguloso, destacando a linha firme de sua mandíbula e a sombra de barba que começava a crescer. Ela notou, pela primeira vez, uma cicatriz fina cortando sua sobrancelha esquerda, um traço quase invisível que parecia gritar uma história de vida mais complexa do que a de um simples mensageiro. Seus olhos castanhos brilhavam na penumbra, fixos nos dela, e por um momento ela sentiu que ele podia enxergar através dela — através das camadas de dever e medo que a prendiam à família Valderra.
"Por que está fazendo isso?" perguntou ela, a voz rouca, quase um sussurro, enquanto se endireitava e puxava o braço para se soltar. Damian a soltou lentamente, erguendo as mãos em um gesto de paz, como se temesse que ela fugisse dele também. "Porque você merece escolher seu destino, não ter ele imposto," respondeu, o tom baixo e carregado de algo que ela não conseguia nomear — pena, talvez, ou uma determinação tão feroz que a assustava. Ele apontou para uma trilha estreita à esquerda, quase invisível entre os arbustos. "Aquela casa ali pertence a um amigo. Podemos nos esconder até amanhecer, longe de quem quer que esteja nos seguindo."
Helena hesitou, o peito ainda arfando, o suor frio escorrendo por sua testa. A ideia de confiar nele era insana — ele era um estranho, um homem que apareceu do nada com um bilhete enigmático que a levou até o lago. Mas algo em sua expressão, na forma como ele a olhava como se a conhecesse de uma vida passada, a fez dar um passo à frente, mesmo contra seu bom senso. Ela queria respostas, e Damian parecia ser a única chave para elas. Antes que pudessem se mover, um farfalhar nas árvores os fez congelar, o som seco das folhas esmagadas reverberando como um trovão em seus ouvidos.
Uma figura encapuzada emergiu da escuridão, o rosto oculto sob um capuz de lã preta, mas a lâmina que segurava refletiu a luz da lua com um brilho frio e afiado. "Vocês não vão a lugar nenhum," disse uma voz grave, ecoando na clareira como um veredicto final, cada palavra carregada de uma ameaça que fez o sangue de Helena gelar. Damian empurrou Helena para trás, colocando-se entre ela e o intruso, o corpo tenso como um arco prestes a disparar. O ar ficou pesado com a promessa de violência, e Helena sentiu o peso do destino se fechar ao seu redor.
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