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REINADOS PROIBIDOS ‍

CAPÍTULO I - O BAILE DE LUZES E SOMBRAS

A noite caiu sobre o Império de Valméria com a precisão de uma lâmina de cetim — silenciosa, elegante, inevitável. Nas torres de mármore branco do Palácio de Liria, lustres de cristais encantados se acendiam com um brilho âmbar que dançava nas paredes como se o próprio tempo estivesse celebrando.

Era noite de gala. O Baile das Três Luas, celebrado apenas a cada vinte anos, reunia a nobreza de todos os reinos aliados sob o céu prateado das constelações. Nobres, generais, princesas e herdeiros — todos mascarados, todos vigiando e sendo vigiados.

Entre os convidados, uma presença reluzia mais do que o ouro nos pescoços das duquesas: Princesa Nyra de Étherya, filha do rei guerreiro Caelum IV, portava um vestido de veludo escarlate, com rendas negras que lembravam teias de aranha. Seus cabelos estavam presos por fios de prata, e seus olhos — frios como o aço das espadas do pai — varriam o salão em busca de algo que nem ela sabia nomear.

Foi então que ela apareceu.

Lady Avelyn, duquesa de Alvendre, recém-chegada de além-mar, vestia um traje masculino ajustado, com ombros largos, detalhes bordados a mão e uma capa azul-noite que arrastava pelo chão. Seus cabelos estavam presos em um coque baixo, e uma máscara preta escondia metade do rosto. Mas seus olhos… Ah, seus olhos. Eram violetas. Impossíveis. Proibidos.

Nyra a sentiu antes mesmo de vê-la. Uma presença elétrica, uma faísca invisível.

— Permite-me uma dança, Vossa Alteza? — perguntou Avelyn, sua voz grave como vinho envelhecido.

Nyra hesitou. Não por pudor, mas porque o mundo parecia ter silenciado ao redor.

— Não sei seu nome.

— Nem eu o seu — Avelyn sorriu, dando um passo à frente. — Mas talvez seja mais interessante assim.

A dança começou. Lenta, contida. Os passos perfeitamente coreografados, como um jogo político, como uma promessa não dita. E conforme rodopiavam pelo salão, Nyra percebeu que não estava apenas dançando com uma mulher. Estava desafiando uma coroa, um império, uma linhagem.

E estava amando cada segundo.

— Por que está aqui? — sussurrou Nyra, o rosto perigosamente próximo ao de Avelyn.

— Porque algo me disse que encontraria algo valioso.

— Encontrou?

— Ainda estou tentando decidir se vale a pena queimar um reino inteiro por isso.

Um trovão ecoou ao longe. Do lado de fora, uma tempestade se formava — e dentro do peito de Nyra, outra ainda maior.

O destino acabara de ser escrito sob os passos de uma dança.

E ninguém sairia ileso.

Chovia. Não aquela chuva pesada que castiga os telhados, mas uma garoa fina, persistente, que fazia o céu parecer um véu cinzento sobre as torres de Liria. Era madrugada, mas no Jardim dos Espelhos, um canto escondido atrás das estufas reais, duas silhuetas se moviam como sombras proibidas.

Nyra, ainda envolta no rubro do vestido de gala, caminhava entre as roseiras encantadas que exalavam um perfume doce e entorpecente. Seus passos não faziam som. Seus pensamentos, sim — altos, indomáveis, perigosos.

Ela havia deixado o salão minutos após a última dança. O toque de Avelyn ainda ardia em sua pele como um feitiço que não queria quebrar.

E lá estava ela.

Avelyn, encostada em uma das colunas cobertas de heras, molhada de chuva, mas imponente como uma estátua pagã esquecida pelos deuses. Ao vê-la, Nyra parou. Não porque teve medo. Mas porque não estava pronta para admitir o que sentia.

— Está me seguindo? — perguntou a princesa, sem rodeios.

— Não. Estou esperando. — Avelyn não sorriu dessa vez. Seus olhos violetas estavam mais escuros agora, quase tristes.

— Esperando o quê?

— Que você pare de lutar contra o que já começou.

Nyra bufou. Virou o rosto. Avelyn a estava tirando de um lugar seguro — e ela odiava isso tanto quanto amava.

— Você não me conhece.

— Conheço o que você esconde — disse Avelyn, se aproximando lentamente. — Vi nos seus olhos. Você quer fugir da redoma onde te trancaram. Não quer ser só a filha de um rei. Você quer… sentir.

Nyra recuou um passo. Não por fraqueza — mas porque estava perigosamente perto de se entregar.

— O que você quer de mim, Avelyn?

Avelyn estendeu a mão, tocando com delicadeza a mandíbula da princesa, forçando-a a encará-la.

— Quero ser sua heresia. Seu erro favorito. Seu segredo mais precioso.

O coração de Nyra martelava no peito. Aquilo era loucura. Aquilo era insano. Aquilo era…

— Se me beijar agora — ela sussurrou, sem conseguir evitar — …vou me perder.

Avelyn aproximou os lábios dos dela, mas parou a um fio de distância.

— Então me perca com você.

E foi ali, sob o perfume das rosas encantadas, entre os espelhos molhados pela chuva e o perigo de serem descobertas, que Nyra a beijou. Um beijo lento, contido pela fúria de mil segredos, mas ardente como uma revolução.

O amor proibido começava ali.

Mas o império logo cobraria o preço.

CAPÍTULO II - SUSSURROS ENTRE COLUNAS

O beijo ainda queimava nos lábios de Nyra quando ela cruzou os corredores frios do palácio, de volta aos seus aposentos. Avelyn desaparecera como surgira — na calada da noite, sem dizer quando voltaria, sem promessas. Mas ficou o gosto. O toque. A certeza de que algo mudara.

No Salão dos Espelhos, onde os conselheiros do Império se reuniam ao amanhecer, o clima era outro. Tenso. Quase bélico.

— A presença da Duquesa Avelyn é uma afronta velada à nossa soberania — disse Lorde Vessar, conselheiro da guerra e eterno espião do rei.

Caelum IV não respondeu de imediato. Observava o reflexo de si mesmo nas paredes espelhadas, como se tentasse decifrar algo além do que os olhos podiam ver.

— Ela veio representando o Reino de Khyros, com quem temos tratados de paz há menos de um ano. Não é sábio afastá-la sem motivo.

— E se o motivo for a princesa? — Vessar não escondia o veneno na voz. — Há rumores, Majestade. No baile, elas dançaram. No jardim, foram vistas. Há olhos em cada sombra deste castelo.

O rei apertou os punhos.

— Rumores são para velhas e serviçais. Até que me provem algo, Avelyn permanece sob nossa proteção.

Mas os olhos do rei estavam escurecidos. E seu silêncio posterior dizia mais que mil decretos.

 

Nyra dormia pouco. Sonhava demais. Em suas noites, Avelyn surgia como fogo e sumia como vento. E agora, havia uma carta.

Anônima. Selada com cera preta. Deixada em sua almofada.

"Você já foi vista.

Corações reais não são livres para amar.

Volte atrás antes que ela queime por sua culpa."

Nyra rasgou o papel. Mas o aviso já se plantara em sua alma como uma flecha invisível.

 

Em uma torre esquecida do castelo, Avelyn afinava sua espada. Sozinha. O som do metal era sua única companhia. E ainda assim, ela sabia: estavam vigiando.

Mas ela sorria.

Porque estava disposta a sangrar por aquele amor.

E a quem ousasse se interpor…

Ela lembraria que nem todo fogo pode ser apagado.

O castelo de Liria guardava seus segredos como um corpo guarda cicatrizes: ocultas à vista, mas sempre pulsando sob a pele. Havia, no andar mais antigo, uma biblioteca esquecida pela corte — onde as paredes respiravam história e o silêncio era denso como veludo.

Era ali que elas se encontravam agora.

Nyra, envolta em uma capa escura, escorria pelos corredores como sombra. Avelyn já a esperava, sentada numa poltrona de couro rasgado, cercada por estantes repletas de manuscritos, velas acesas e o aroma de páginas antigas.

— Veio sozinha? — perguntou Avelyn, sem se levantar.

Nyra assentiu, retirando o capuz. Seu rosto estava tenso, os olhos mais sérios que o habitual.

— Recebi uma carta — disse ela, indo direto ao ponto. — Anônima. Dizem que você corre perigo por minha culpa.

Avelyn apenas inclinou a cabeça.

— E você acredita?

— Não importa o que acredito. Importa o que eles são capazes de fazer. — Nyra se aproximou e ficou de pé diante dela, a poucos passos. — Você não conhece meu pai. Ele não perdoa erros. Nem fraquezas. Nem... paixões proibidas.

— Então sou um erro agora?

Avelyn se ergueu. A tensão entre elas era um fio prestes a romper. Mas Nyra, pela primeira vez, deixou transparecer o medo.

— Não é isso. É que... eu não quero que você morra por algo que nem começou de verdade.

Avelyn tocou o rosto dela, com a mesma delicadeza de sempre — mas seus olhos brilhavam com firmeza.

— Se isso ainda não começou pra você, então por que seus olhos suplicam quando me veem?

Nyra fechou os olhos. Cedeu. Beijou-a como se o mundo estivesse em chamas. Um beijo intenso, mas breve. Uma promessa guardada no peito.

 

Horas depois, Nyra estava no salão privado do rei. A figura de Caelum IV era imponente mesmo sem armadura — ombros largos, expressão dura, e um silêncio que valia mais que qualquer grito.

— Avelyn é uma aliada, não é? — perguntou Nyra, de pé diante do pai.

— Até que deixe de ser.

— Então... — a voz dela falhou. Seus olhos marejaram, mas não recuou. — Então, por favor, proteja-a.

O rei a encarou por longos segundos.

— O que ela é pra você?

Nyra tremeu. A verdade lutava contra o orgulho. Contra o medo.

— Algo... que não consigo evitar.

Caelum a observou como quem avalia uma ameaça.

— A coroa não aceita fraqueza, Nyra.

Ela ergueu o rosto, os olhos agora duros como aço.

— Então não a veja como fraqueza. Veja como coragem.

O rei virou o rosto, ocultando um breve estremecer nos lábios. E, sem olhar de volta, disse:

— Por enquanto... ela está sob minha proteção.

 

Mais tarde, no terraço mais alto do castelo, Avelyn assistia a noite cair, até sentir braços frios envolverem sua cintura por trás.

— Ele sabe — sussurrou Nyra.

— E ainda estou viva. — Avelyn sorriu. — Isso é mais do que esperava.

Nyra encostou o rosto nas costas dela.

— Só te peço uma coisa…

— Qualquer coisa.

— Continue me amando… em silêncio… até que eu possa gritar seu nome sem medo.

Avelyn se virou. Beijou-a como uma promessa.

E as estrelas foram as únicas testemunhas do amor mais proibido de Valméria.

CAPÍTULO III - A MISSÃO DO CISNE NEGRO

Os portões de Liria abriram-se ao amanhecer com o som profundo de tambores. Era a primeira missão oficial da princesa Nyra como diplomata da coroa — um tratado delicado com os duques da Ilha de Veyn, nobres rebeldes que oscilavam entre aliança e traição.

Caelum IV, o rei de punhos cerrados e olhos de aço, assistia do alto das muralhas. Ao lado dele, Lady Avelyn, vestida como membro da guarda real, portava sua espada de prata e a insígnia do escudo negro — símbolo dos guerreiros de elite.

A conversa entre os dois havia sido breve, mas cortante.

— Está me designando para protegê-la? — perguntara Avelyn, naquela sala silenciosa onde mapas cobriam as paredes.

— Estou entregando a única herdeira do trono nas mãos de alguém que já venceu três guerras, enfrentou uma emboscada no Deserto de Karth e sobreviveu à traição do próprio irmão. — O rei pousou os olhos nela com dureza. — Não por confiança… mas por falta de opções melhores.

Avelyn ergueu o queixo.

— E por saber o que sinto por ela?

— Justamente por isso. — Caelum não hesitou. — Porque você morreria por ela. E, se necessário, mataria também.

Silêncio. Um acordo selado com o peso das palavras não ditas.

---

A comitiva real cruzava os campos dourados de Valméria sob o sol pálido do inverno. Nyra cavalgava à frente, os cabelos presos, o manto real esvoaçando como asas. Avelyn estava sempre dois passos atrás — vigilante, impenetrável, porém ardendo por dentro.

Eles pararam numa estalagem segura ao entardecer. Os guardas montavam acampamento. Nyra sumiu por entre corredores de pedra, e Avelyn seguiu.

Encontraram-se em um quarto vazio, com janelas altas e cortinas de linho velho. Assim que a porta se fechou, a máscara caiu.

— Como conseguiu? — sussurrou Nyra, se aproximando devagar.

— O quê?

— Convencer meu pai.

— Eu não convenci. Ele me jogou ao fogo. — Avelyn a olhou com aquele meio sorriso que só surgia quando a tensão era insuportável. — E estou disposta a arder por você.

Nyra segurou o rosto dela entre as mãos.

— Estamos sozinhas?

— Por enquanto.

O beijo foi urgente. Não suave, não ensaiado. Beijo de desejo acumulado, de separações forçadas, de noites em claro. Mas mesmo ali, na segurança momentânea do quarto escondido, Nyra afastou-se antes que fosse longe demais.

— Ainda não… — murmurou, com os lábios encostando nos dela. — Quero você inteira, mas não quero pressa. Quero queimar aos poucos.

— Eu esperaria cem anos — respondeu Avelyn. — Se for pra te ter de verdade.

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Horas depois, enquanto o sono caía sobre os soldados, Nyra dormia. Mas do lado de fora da estalagem, olhos espreitavam entre as árvores. Um vulto encapuzado observava. E anotava.

Um amor assim, entre coroa e espada, não ficaria escondido para sempre.

E havia aqueles que sabiam que destruir um império… às vezes começava por um coração.

A lâmina passou rente ao rosto de Nyra. Teria atravessado sua garganta se não fosse pelo corpo que se jogou na frente.

O estalo do metal na carne foi seco. Um som que ela jamais esqueceria.

Avelyn caiu de joelhos com um corte profundo no flanco, ainda de espada em punho. O agressor, disfarçado entre os servos da Ilha de Veyn, não viveu o suficiente para tentar de novo. Ela o derrubou com um golpe só — mesmo ferida, mesmo sangrando.

Nyra gritou por socorro. Chorou pela primeira vez diante de todos. Não como princesa, mas como mulher que quase perdeu quem amava em silêncio.

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O caminho de volta ao castelo foi lento, tenso. Avelyn permaneceu consciente o suficiente para manter a mão de Nyra apertada nas noites em que as febres vinham. Mas não falava muito. Seus olhos diziam tudo: Você está viva. É isso que importa.

Ao chegarem a Liria, o rei os esperava nos degraus de pedra. Nyra desceu da carruagem antes mesmo que as rodas parassem.

— Onde está o sangue dela, onde está o curandeiro, onde está a minha—

— Sua guerreira está viva. — Caelum a interrompeu, mas seus olhos não tinham dureza. Pela primeira vez, havia ali algo que lembrava orgulho.

Avelyn desceu, pálida, mas firme. Ao se aproximar do rei, ajoelhou-se com dificuldade.

— Ela está segura, Majestade.

Caelum não respondeu de imediato. Apenas a ergueu com as próprias mãos — gesto raro. Quase um ritual.

— Levante-se, Duquesa de Ferro. A filha do Império vive por sua espada. Que os deuses vejam isso.

Foi a primeira vez que ele usou o título que ela herdara de sua mãe, caída em batalha. Avelyn, pela primeira vez… sentiu-se aceita.

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Duas semanas depois, o palácio de Liria se iluminava para o Jantar da Vitória, em homenagem à bravura da princesa e sua comitiva. Era uma noite de ouro, dança, música e disfarces sociais.

Nyra entrou no salão como uma tempestade vestida de luz: um vestido branco de seda pura, cravejado com fios de prata, moldando seu corpo como se tivesse sido tecido pela própria lua.

Avelyn chegou mais tarde, de uniforme formal da guarda real, cicatriz ainda fresca no lado do corpo, mas postura impecável.

E então… ele apareceu.

Príncipe Kael de Sorran, enviado especial do Norte. Alto, loiro como a neve, sorriso treinado e olhos atentos demais. Era um convite em forma de homem.

Quando ele convidou Nyra para dançar, a sala silenciou. Ela hesitou, então aceitou com um leve sorriso. Era política. Era cortesia. Era o papel que esperavam dela.

Mas do outro lado do salão, Avelyn… quase desmoronou.

Assistiu à dança em pé, ao lado dos conselheiros. Cada passo de Nyra com Kael era uma faca cravando fundo. O modo como ele segurava sua cintura, o jeito que murmurava em seu ouvido, o modo como ela sorria — mesmo que por educação.

Era um espetáculo. E ela era a única que não podia aplaudir.

Quando Nyra olhou para o canto do salão e viu Avelyn com o maxilar tenso, os olhos carregados de dor, seu coração despencou.

E, no instante em que a música acabou, ela se afastou do príncipe, sem pedir licença. Cruzou o salão ignorando os olhares e alcançou Avelyn atrás de uma coluna de mármore.

— Diga algo. — Nyra sussurrou, trêmula. — Me odeie, me mande parar. Mas diga algo.

Avelyn baixou os olhos. E num tom baixo, áspero:

— Ele não merece ouvir teu riso.

— Você também não está ouvindo — ela respondeu, os olhos marejando.

Avelyn então ergueu o rosto. E não foi ciúme o que Nyra viu. Foi medo. Medo de perdê-la para um mundo que não era feito para elas.

— Vai dançar com ele de novo?

— Não. — Nyra tocou a mão dela com a ponta dos dedos. — Mas vou dançar com você. Aqui. Agora. Mesmo que escondidas. Mesmo que em silêncio.

E ali, entre sombras de colunas, dançaram como se fossem invisíveis — e mesmo assim, foram o centro de tudo que importava.

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