O som das sapatilhas deslizando pelo chão ecoava no salão espelhado. As paredes refletiam corpos disciplinados, movimentos precisos, suor e respiração ofegante. A sinfonia dos passos era constantemente interrompida pela voz cortante e firme que dominava o espaço.
— Mais uma vez, desde o início! — ordenou Isabella, cruzando os braços, os olhos semicerrados avaliando cada detalhe. — E, Luna... alinhe esse quadril. Está torto. De novo.
Luna travou a mandíbula. Apertou os punhos, respirou fundo, e voltou à posição inicial. A contagem começou, e seu corpo obedeceu... mas sua mente fervilhava de raiva.
"Torta, torta... ela sempre acha defeito em mim. Sempre."
Movimentou-se com mais força do que deveria, quase desafiando a gravidade, quase desafiando a própria professora.
— Mais leveza, Luna! — Isabella disparou, os saltos ecoando pelo piso enquanto caminhava até ela. — Você não está batendo um tapete. Isso é dança, não uma luta.
— Estranho ouvir isso de quem luta com as palavras, não com os pés. — respondeu, seca, os olhos flamejando.
O silêncio no salão foi imediato. Os outros alunos congelaram, fingindo ajustar posturas, mas atentos a cada sílaba daquele embate.
Isabella arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços, com aquele sorriso frio que fazia qualquer um suar frio.
— Engraçado... Se você dançasse tão bem quanto fala, talvez já estivesse em outro nível.
O peito de Luna subiu e desceu rapidamente, não sabia se era pela exaustão ou pela vontade insana de jogar aquela mulher contra a parede — e não sabia dizer se seria para gritar ou... algo bem pior.
Por que ela a tirava tanto do eixo?
Por que cada olhar daquela mulher parecia arrancar dela algo que nem sabia que existia?
— Vamos de novo. — Isabella virou-se de costas, impassível, ignorando o olhar de pura indignação de Luna.
A música recomeçou.
O corpo de Luna se movia com raiva, com desejo de se provar, de vencer aquela mulher — aquela professora arrogante, insuportável... perfeita.
Sim, perfeita. Mesmo que nunca admitisse em voz alta, não podia negar. Cada linha do corpo de Isabella parecia desenhada para a dança, mesmo que hoje ela não subisse mais aos palcos. Seus passos firmes, seu olhar calculista, sua voz segura... tudo nela fazia Luna odiá-la. E desejar... algo que não conseguia entender.
Do outro lado da sala, Isabella apertava o próprio braço, como se tentasse se conter. Seus olhos seguiam cada movimento de Luna, cada curva, cada deslize.
"Ela é irritante. Insolente. Desafiadora."
Mas, dentro de si, sabia que era mais do que isso.
"Por que é justamente ela quem tira minha paz? Por que, de todas, é a única que me faz perder o controle?"
O solo terminou. Silêncio.
Isabella cruzou os braços, respirou fundo e caminhou até o centro da sala, batendo as mãos uma na outra.
— Bom... para quem acha que sabe tudo, até que não foi um completo desastre.
— Vindo de você, isso quase soa como um elogio. — Luna rebateu, jogando a toalha no ombro, olhando-a de cima, desafiadora.
Por um segundo, seus olhares se prenderam. E algo queimou ali. Algo que nenhuma das duas sabia nomear, mas que as fazia querer se atacar... ou se agarrar.
Mas, como sempre, desviaram.
— Por hoje, basta. Treinem os movimentos. Luna, fique. Quero falar com você. — Isabella girou nos calcanhares, caminhando em direção ao escritório anexo.
Luna respirou fundo, mordendo o lábio inferior, olhando de canto para os colegas que se dispersavam rapidamente. Alguns cochichavam, outros fingiam não ver.
Ela caminhou até a porta do escritório, bateu duas vezes e entrou.
Isabella estava de pé, de costas, organizando umas partituras na estante. As costas dela, mesmo sob o tecido justo da camisa, revelavam músculos bem definidos. Uma linha que descia pela coluna, perfeitamente simétrica... e Luna se odiou naquele segundo por reparar nisso.
— Feche a porta. — Isabella ordenou, sem sequer olhar para ela.
O som da porta se fechando soou mais alto do que deveria.
Isabella se virou, os braços cruzados, encarando-a com aquele olhar que fazia Luna oscilar entre querer fugir e querer avançar.
— Você precisa decidir se quer ser uma dançarina de verdade ou só mais uma garota que gosta de se exibir no palco.
— Eu... — Luna travou. — Eu danço melhor do que qualquer uma aqui. E você sabe disso.
— Você é talentosa. — Isabella se aproximou, parando perigosamente perto. — Mas talento sem disciplina não é nada.
A respiração das duas se misturou. Havia centímetros entre elas. Centímetros que pareciam quilômetros... ou milímetros demais.
— Talvez... se sua boca trabalhasse menos e seu corpo mais, você chegaria onde acha que merece estar.
O peito de Luna subiu, arfando. O dela também.
Ambas sabiam que aquele limite era tênue.
E ambas estavam perigosamente perto de cruzá-lo.
— Você me tira do sério. — Luna sussurrou, quase sem perceber.
Isabella piscou, surpresa. Por um instante, apenas um, seu olhar vacilou. Mas logo voltou a ser o gelo costumeiro.
— Ótimo. Porque você também me tira. — respondeu, seca. — Pode ir. E treine, Luna. Eu quero resultado, não drama.
Luna girou nos calcanhares, saiu, e quando fechou a porta, encostou-se na parede, apertando os olhos.
"Por que... por que ela mexe tanto comigo?"
Longe dali, dentro do escritório, Isabella apoiou as mãos na mesa, fechando os olhos.
"Por que... por que justo ela?"
E assim, a guerra silenciosa entre orgulho, desejo e obsessão continuava.
O som da água caindo no chão frio do boxe não era suficiente para acalmar o turbilhão na cabeça de Luna. Suas mãos apertavam os fios molhados, os olhos fechados, tentando expulsar aquela voz — aquela maldita voz — que ainda ecoava em sua mente.
"Talento sem disciplina não é nada."
A mandíbula travava só de lembrar. Isabella Duarte conseguia ser insuportável em níveis que ela jamais imaginou possíveis. E, ao mesmo tempo, era absolutamente impossível não se sentir afetada.
"Por que eu me importo tanto? Por que é só ela que me tira desse jeito?"
Bateu a mão contra a parede de azulejos, soltando um suspiro longo, pesado, quase frustrado.
Saiu do banho, amarrou a toalha no corpo e se olhou no espelho. Seus próprios olhos a encaravam, como se tentassem buscar uma resposta que nem ela sabia formular.
No reflexo, não via só uma dançarina. Via alguém que, por algum motivo, parecia dançar em função daquela mulher.
E odiava isso.
O celular vibrou em cima da bancada. Luna pegou o aparelho, desbloqueou, e encontrou uma notificação no grupo dos alunos.
"Lembrando que amanhã começa o ensaio geral da apresentação de outono. Aulas em tempo integral. Preparem-se."
A mensagem estava assinada, obviamente, por Isabella.
— Ótimo... mais Isabella. — murmurou, revirando os olhos.
Se jogou na cama, ainda com a toalha enrolada, olhando para o teto. Queria odiá-la. Queria ignorá-la. Mas, no fundo, sabia que isso era impossível.
E o que Luna não sabia... era que, do outro lado da cidade, Isabella estava passando por algo assustadoramente semelhante.
O escritório de Isabella estava mergulhado em silêncio, iluminado apenas pela tela do notebook. Ela assistia — pela terceira vez — a gravação do ensaio daquele dia.
E, mais uma vez, seus olhos se fixavam em Luna.
Ela dizia para si mesma que era apenas análise técnica. Que estava procurando erros, pontos de melhoria. Mas, no fundo, sabia que era mentira.
Cada linha daquele corpo em movimento parecia hipnotizá-la. Cada salto, cada giro... cada vez que os olhos de Luna se apertavam de concentração ou de raiva.
"Por que... por que ela me provoca tanto? Por que eu não consigo ser indiferente a ela, como sou com qualquer outro aluno?"
Fechou o notebook bruscamente, empurrou-o para o lado e levou as mãos ao rosto.
Não podia — não devia — sentir aquilo. Ela era professora. Luna era aluna. E além disso... Luna era insuportável. Arrogante. Rebelde.
E, de algum jeito torto, absolutamente irresistível.
Isabella se levantou, caminhando até a janela do escritório, olhando para a cidade lá fora. Respirou fundo, tentando colocar os próprios pensamentos em ordem.
"Isso é só uma fase. É só controle. Você controla tudo, Isabella. Você controla isso também."
Mas, no fundo, sabia que não era bem assim.
No dia seguinte, o salão da academia estava mais cheio do que nunca. Todos estavam reunidos para o primeiro ensaio geral.
Isabella estava na frente, braços cruzados, vestindo uma calça preta, uma blusa justa e cabelos presos em um coque impecável. O olhar afiado fazia qualquer um endireitar a postura instantaneamente.
Luna entrou na sala. A mesma tensão de sempre percorreu seu corpo no instante em que os olhos cruzaram com os de Isabella.
Sem trocar uma palavra, apenas se encararam. E aquilo já dizia mais do que qualquer discurso.
— Muito bem — começou Isabella, batendo palmas. — A apresentação de outono é o nosso cartão de visitas. Quero perfeição. E perfeição não nasce do acaso.
Andava de um lado para o outro, como uma predadora avaliando suas presas.
— Alguns de vocês vão brilhar. Outros... bem, nem tanto. — Seu olhar parou diretamente em Luna. — Isso depende exclusivamente do quanto estão dispostos a se dedicar.
Luna apertou os punhos, os olhos faiscando.
— Preparem-se. Vamos começar pelos duetos.
O coreógrafo assistente se aproximou, conferindo a lista de pares, e Isabella pegou o papel da mão dele. Leu rapidamente e arqueou uma sobrancelha.
— Interessante... — comentou, quase em tom de deboche. — Parece que o destino tem senso de humor.
Ergueu os olhos.
— Luna... você está no dueto principal. — anunciou. — E seu par... sou eu.
O salão inteiro ficou em choque. Murmúrios se espalharam como fogo.
— O quê? — Luna quase engasgou. — Isso é piada, né?
— Eu não brinco com trabalho. — Isabella respondeu, impassível. — O dueto principal é uma dança contemporânea que exige técnica, entrega, química e... proximidade. E, infelizmente, nenhum dos outros pares alcançou o nível que eu exijo. Então, assumirei esse papel.
Luna piscou várias vezes, como se o cérebro tentasse processar.
— Você quer que eu... dance... com você?
— Não quero. — Isabella deu um sorriso frio. — Mas é necessário. E você, mais do que ninguém, sabe que não recua diante de um desafio.
O olhar entre elas queimava. Desafiava. Rasgava.
— A não ser que... — Isabella arqueou uma sobrancelha — ...esteja com medo.
Luna deu um passo à frente, a expressão se fechando.
— Medo? — O tom dela ficou baixo, carregado de raiva e algo mais. — Eu? Nunca.
— Ótimo. — Isabella sorriu, cruzando os braços. — Vamos começar.
E, naquele instante, enquanto os colegas se afastavam, formando um círculo em volta, ambas perceberam, mesmo que inconscientemente, que aquele dueto seria mais do que uma simples dança.
Seria uma guerra.
Ou... talvez, o início de algo que nenhuma das duas estava pronta para enfrentar.
— Posicionem-se. — Isabella disse, fria, arrastando uma das lonas do chão para abrir mais espaço no centro do salão. — A base do dueto começa no contato. Precisamos alinhar movimentos, respiração... e confiança.
Luna bufou. — Confiança... — repetiu, cruzando os braços. — Que ironia vindo de você.
Isabella a olhou de cima a baixo, com aquele típico olhar de desprezo misturado com algo que nem ela mesma sabia nomear.
— Acredite, Cavalcanti, a confiança que eu preciso é só na sua capacidade de não estragar meu tempo.
O salão inteiro assistia em silêncio. Era como presenciar um duelo à beira de um vulcão prestes a explodir.
— Vamos. — Isabella se aproximou, ficando perigosamente perto. — Dê-me sua mão.
Luna hesitou por um segundo. Aquela mão estendida, tão fria, tão firme... parecia mais uma armadilha do que um convite. Mas não ia recuar. Não na frente de ninguém.
Segurou a mão dela. E o choque veio imediato.
Era como tocar fogo e gelo ao mesmo tempo. As pontas dos dedos se encaixaram, e, por um breve segundo, ambas se olharam, e o tempo pareceu dobrar, parar, respirar junto delas.
— Primeiro movimento — Isabella quebrou o instante, voltando ao tom profissional. — Giro lateral, conexão pelo ombro, condução pela lombar.
— Pode repetir? — Luna arqueou uma sobrancelha, fingindo desentendida. — Me distraí.
O olhar de Isabella virou navalha. — Você é insuportável.
— Só estou me aquecendo. — respondeu Luna, mordendo o lábio, cínica.
Sem mais palavras, Isabella tomou a iniciativa. Deslizou pelo lado de Luna, puxando-a pela mão, girando-a de costas, e levando a outra mão diretamente à base da lombar dela — o toque era firme, quente, mais demorado do que precisava ser.
— Cuidado. — Luna sussurrou, olhando-a de canto. — Isso quase parece carinho.
Isabella segurou o queixo dela com os dedos, fazendo-a olhar diretamente em seus olhos.
— Você não saberia reconhecer carinho nem que ele te atropelasse. — respondeu, seca, mas com a voz levemente falha.
O coreógrafo assistente pigarreou do outro lado da sala, forçando ambas a soltarem-se rapidamente.
— Do início! — Isabella disparou, mais ríspida do que antes.
A música começou. Uma melodia intensa, cheia de tensão, que subia e descia como ondas nervosas.
O corpo de Luna se movia com uma mistura perfeita de raiva e desejo. Seus pés deslizavam, os braços cortavam o ar, e, sempre que Isabella se aproximava para conduzir um movimento, a pele parecia acender, eletrificar.
Isabella, por sua vez, lutava contra o próprio corpo. Cada vez que segurava o pulso de Luna, que encaixava sua mão na cintura dela, que girava o corpo dela contra o próprio, sentia algo que jamais deveria sentir.
"Controle. Controle, Isabella. É só técnica. Só técnica..."
Mas não era. Nunca foi.
Em um dos movimentos de aproximação, Isabella puxou Luna para mais perto do que deveria. Seus rostos ficaram a centímetros. As respirações colidiram. O peito de ambas subia e descia, e por um instante, o salão inteiro deixou de existir.
— Você precisa se soltar mais... — Isabella sussurrou, e aquilo soou perigosamente fora do contexto da dança.
— Difícil... — Luna respondeu, olhando para os lábios dela. — ...quando quem tenta me prender é você.
Por um segundo, tudo poderia ter desabado ali. As mãos de Isabella apertaram a cintura de Luna, e ela sentiu, claramente, os dedos pressionarem com força demais, como se tentasse segurar não apenas o corpo... mas o próprio desejo.
Mas o equilíbrio quebrou. Literalmente.
— Aí! — Luna tropeçou no próprio pé, desequilibrando-se, e Isabella, num reflexo, segurou-a antes que caísse.
Ambas foram ao chão. Um emaranhado de pernas, braços, e corpos ofegantes.
O salão explodiu em risadinhas contidas, murmúrios, olhares chocados.
Luna estava deitada, Isabella praticamente sobre ela, uma mão apoiada no chão, a outra cravada na coxa de Luna.
— Dá pra sair de cima? — Luna arquejou, tentando parecer irritada, mas o rosto inteiro ardia.
— Dá. — Isabella respondeu, seca, mas não se moveu imediatamente. Seus olhos percorriam o rosto de Luna como se buscassem algo que não fazia sentido.
Quando percebeu, levantou-se abruptamente, limpando a roupa, o rosto voltando ao habitual gelo.
— Intervalo. Dez minutos. — disparou, fugindo para o escritório antes que qualquer outra coisa acontecesse.
Luna ficou ali, deitada no chão, olhando para o teto, tentando entender o que diabos estava acontecendo consigo mesma.
"Isso não é só dança. Isso não é só raiva. Não pode ser."
Do outro lado da porta, Isabella trancou-se no escritório, apoiou-se na mesa e levou a mão ao peito, como se tentasse controlar o coração disparado.
"Respira. Respira, Isabella. É só... é só uma maldita dança."
Mas ambas sabiam, no fundo, que estavam começando a perder essa guerra.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!