O silêncio entre eles era tão espesso quanto as paredes daquele apartamento luxuoso. Henrique lia o jornal em seu tablet, como fazia todas as manhãs. Alice tomava o café que ela mesma preparara, embora soubesse que ele preferia o da cafeteira automática. Havia uma rotina entre os dois — não de parceria, mas de sobrevivência.
— Você vai voltar tarde hoje? — Alice perguntou, tentando soar casual.
Henrique ergueu os olhos por um segundo. Sua expressão era neutra, quase fria.
— Provavelmente. Tenho uma reunião com investidores no fim da tarde.
Ela assentiu, disfarçando o nó que se formava na garganta. Há quanto tempo ele não a tocava? Não a olhava como mulher? Talvez nunca tivesse olhado.
Tinham se casado há pouco mais de dois anos. Uma decisão tomada às pressas, logo após o teste de gravidez dar positivo. Ele foi direto ao ponto, como sempre:
"Se é meu, vamos fazer o que é certo."
Na época, Alice acreditou que o tempo traria o amor. Que a convivência despertaria algo verdadeiro. Mas o que crescia entre eles era apenas distância.
— Henrique... — ela arriscou, apertando a xícara com força. — Eu marquei uma consulta. Achei melhor fazer um novo ultrassom.
Ele não demonstrou interesse, tampouco entusiasmo. Apenas assentiu com a cabeça, voltando os olhos para a tela do tablet.
— Me avisa se precisar que eu assine alguma coisa.
Era só isso. Nenhuma pergunta sobre como ela estava se sentindo. Nenhuma menção ao bebê.
Alice respirou fundo. A ausência de carinho já não doía tanto quanto antes. Agora, machucava de outra forma: como um corte profundo que para de sangrar, mas nunca cicatriza.
Henrique terminou o café e se levantou.
— Tenho que ir.
Ela o acompanhou até a porta, como sempre. Ele pegou o paletó, ajeitou os punhos da camisa, e antes de sair, hesitou por um breve segundo.
— Cuide-se.
Era quase um afeto. Quase. Mas Alice sabia que aquele “cuide-se” era mais um hábito do que uma demonstração de preocupação real.
Quando a porta se fechou, ela encostou a testa contra a madeira fria e deixou uma lágrima escorrer.
Ela estava cansada de ser quase tudo. Quase esposa. Quase amada. Quase feliz.
Horas se passaram desde que Henrique saiu. Alice tentava se ocupar, organizando cada canto da casa, como se arrumar coisas pudesse arrumar também sua própria vida.
Na hora do almoço, ela encarou a mesa posta para dois — hábito que nunca abandonou —, mesmo sabendo que comeria sozinha, como sempre fazia.
Sentou-se, pegou o garfo, mas, antes da primeira garfada, sua mão pousou instintivamente sobre a barriga. Ainda era muito cedo para sentir qualquer coisa. A gravidez mal começava. Mas dentro dela havia uma esperança teimosa... e um medo ainda maior.
— Será que você vai me dar força pra seguir? — sussurrou, acariciando o ventre.
No outro lado da cidade, Henrique estava no escritório. Terno impecável, olhar sério, postura inabalável. Era admirado, respeitado, temido. Um homem que não deixava transparecer emoções, pelo menos não para a maioria das pessoas.
— Henrique... — chamou sua assistente, batendo à porta. — Tem uma pessoa querendo falar com o senhor. Não tem horário marcado, mas ela disse que... é importante.
Ele franziu o cenho, impaciente.
— Quem é?
Ela hesitou antes de responder, quase desconfortável.
— Bianca... Bianca Oliveira.
Por um segundo — apenas um —, o mundo de Henrique parou. O nome que ele tentou enterrar nas profundezas da memória reapareceu como uma facada no peito. Seu corpo enrijeceu. A respiração ficou pesada.
— Mande... mande entrar — ordenou, recuperando o tom frio, mesmo que seu coração estivesse disparado.
Enquanto esperava, ajeitou a gravata, passando as mãos pelos cabelos como se quisesse controlar não apenas a aparência, mas também o turbilhão que começava a se formar dentro dele.
A porta se abriu lentamente, e lá estava ela. O mesmo rosto, o mesmo perfume adocicado, os olhos castanhos que, um dia, ele jurou que nunca mais veria.
— Henrique... — a voz dela soou baixa, quase arrependida. — Quanto tempo, não é?
Ele não respondeu de imediato. Apenas a observou, tentando ignorar a mistura de raiva, saudade e dor que começava a invadir cada espaço do seu peito.
— O que você está fazendo aqui, Bianca? — perguntou, seco, com o maxilar travado.
Ela sorriu de canto, aquele sorriso que ele conhecia bem — meio doce, meio venenoso.
— Eu precisava te ver... Precisava falar com você. — Deu alguns passos, parando em frente à mesa dele. — E, sinceramente... eu não consegui mais te tirar da minha cabeça.
Henrique se encostou na cadeira, cruzando os braços. Tentou manter a postura firme, inabalável. Mas por dentro... por dentro, ele já sabia que aquela visita tinha o poder de virar sua vida de cabeça pra baixo.
De volta ao apartamento, Alice, sem saber de nada, colocava as mãos sobre o ventre e sussurrava:
— A gente vai ficar bem... Vai sim.
Mas uma pontada no peito dizia que nem ela mesma acreditava naquelas palavras.
O silêncio no escritório era cortado apenas pelo som dos saltos de Bianca contra o piso de mármore. Cada passo dela fazia Henrique apertar ainda mais os punhos, tentando conter o turbilhão que ela, inevitavelmente, trazia consigo.
— Eu... — Bianca suspirou, levando uma mecha de cabelo atrás da orelha — Não sabia se você me receberia. Na verdade, nem sabia se deveria estar aqui. Mas... eu precisava.
Ele não respondeu de imediato. Seu olhar era duro, desconfiado. O corpo inteiro tensionado.
— Você não devia estar — respondeu, seco. — Depois de tudo... não faz sentido você aparecer aqui. Não mais.
Ela mordeu o lábio inferior, fingindo nervosismo. Na verdade, cada movimento era calculado.
— Eu sei que te magoei, Henrique. E não vou fingir que não errei. Mas... — abaixou os olhos, como se estivesse vulnerável — eu também sofri. Me arrependo tanto...
Ele se levantou, caminhou até a janela, olhando a cidade lá fora. Por alguns segundos, seu silêncio foi mais pesado do que qualquer palavra.
— Você me deixou... sem olhar pra trás. — Sua voz saiu baixa, amarga. — Sumiu. Simples assim. Anos... Bianca.
Ela respirou fundo, caminhando lentamente até ele.
— Eu era jovem... assustada... e burra. Achei que precisava de coisas que... no fim, nunca me fizeram feliz. — Tocou o braço dele, que enrijeceu. — E... todo esse tempo, sabe quem nunca saiu da minha cabeça? Você.
Henrique fechou os olhos. A verdade é que, por mais que tentasse negar, o nome dela sempre habitou algum lugar dentro dele. Um nome que ele nunca conseguiu apagar completamente, mesmo depois de se casar... mesmo depois de tentar construir uma vida com outra pessoa.
— Por que agora, Bianca? — Perguntou, virando-se lentamente para encará-la. — Por que depois de tanto tempo?
Ela respirou fundo, com lágrimas se formando nos olhos. Falsas, mas convincentes.
— Porque... — sua voz falhou — eu descobri que... te perdi uma vez... e não suportaria te perder de novo.
Henrique apertou o maxilar. Sentia-se dividido. Parte de si queria expulsá-la dali. Mas a outra parte... a mais fraca, talvez... ainda era dela.
— Eu sou casado, Bianca — declarou, numa tentativa desesperada de lembrar a si mesmo da realidade.
Ela assentiu, abaixando a cabeça.
— Eu sei... e não vou mentir... isso me machuca. Mas eu não vim aqui pra causar problemas, Henrique. Vim porque... eu precisava te ver. E... se ainda existir qualquer chance, eu... eu quero tentar.
O silêncio se instalou novamente, pesado, sufocante. Henrique não respondeu. Simplesmente ficou ali, olhando para ela como quem vê um fantasma do passado que nunca conseguiu exorcizar.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, Alice chegava à clínica para seu ultrassom. Caminhava sozinha, segurando a bolsa contra o peito como se aquilo pudesse protegê-la do vazio que sentia.
Sentou-se na sala de espera, olhando ao redor e observando casais sorrindo, mãos entrelaçadas, expectativas compartilhadas. Ela era a única sozinha ali.
Por que comigo sempre foi assim? — pensou, lutando contra as lágrimas.
O celular vibrou. Um nome na tela: Henrique.
Por um segundo, seu coração acelerou. Quem sabe, dessa vez, ele perguntaria como ela estava. Quem sabe...
Deslizou o dedo, ansiosa, mas o que encontrou foi apenas uma mensagem curta, fria, quase automática.
"Não vou conseguir chegar. Me avisa se der tudo certo."
As mãos de Alice tremeram. Ela apertou os olhos, respirou fundo e forçou um sorriso fraco, tentando convencer a si mesma de que não doía. Mas doía. Como sempre doeu.
Segurou a barriga, engoliu o choro e sussurrou baixinho:
— Tudo bem... Você tem a mim, meu amor. E eu... eu tenho você.
E, pela primeira vez, uma voz silenciosa dentro dela começou a gritar:
Você não merece viver assim. Não mais.
Henrique passou as mãos pelo rosto, caminhando de um lado para o outro do escritório, tentando organizar os próprios pensamentos. Ele era sempre racional, sempre centrado. Mas Bianca... Bianca era sua fraqueza. Sempre foi.
— Você não pode simplesmente aparecer assim, Bianca — disse, mais para si mesmo do que para ela. — Minha vida... minha vida seguiu.
Bianca se aproximou, tocando de leve o braço dele, com aquele olhar que sabia usar como ninguém — uma mistura de arrependimento e desejo.
— Seguiu mesmo, Henrique? — Sua voz saiu baixa, suave, quase um sussurro venenoso. — Você olha nos meus olhos e me diz, com toda certeza, que me esqueceu? Que nunca mais pensou em mim... nem uma única vez?
Ele apertou os olhos, respirando fundo, lutando contra o peso das lembranças.
— Isso não importa mais — respondeu, desviando o olhar. — Você fez sua escolha, Bianca. E eu... eu me casei.
Ela assentiu, cruzando os braços, fingindo aceitar. Mas seu sorriso de canto denunciava que aquele jogo estava longe de acabar.
— Claro. Com... como é mesmo o nome dela? Alice? — falou com uma falsa doçura, como se o nome tivesse gosto amargo na boca. — Sua... esposa.
Henrique não respondeu. Apenas apertou o maxilar, mantendo a postura rígida.
— E me diz, Henrique... — Bianca deu mais um passo, agora bem perto, tão perto que ele podia sentir o perfume que um dia o enlouquecia — você ama ela?
O silêncio que se seguiu foi mais revelador do que qualquer palavra.
Henrique não respondeu. Porque, no fundo, ele sabia que não. Nunca amou. Nunca sequer tentou de verdade. Casou-se por responsabilidade, por honra, por senso de dever... mas não por amor.
Bianca sorriu, satisfeita.
— Eu imaginei... — sussurrou, antes de pegar sua bolsa e caminhar até a porta. — Eu não vim aqui pra te forçar a nada, Henrique. Só queria que você soubesse... que eu voltei. E, se você quiser... eu ainda posso ser sua.
Antes de sair, lançou um último olhar, carregado de segundas intenções.
— Pensa nisso.
Quando a porta se fechou, Henrique caiu na cadeira, passando as mãos pelo rosto, sufocado por um turbilhão que ele fingia não existir há anos.
Horas depois, Alice voltou da clínica. Caminhou pelo apartamento vazio, segurando o envelope com as imagens do ultrassom. Seus olhos estavam inchados de tanto segurar o choro, mas o sorriso forçado não saía do rosto.
Colocou as imagens na mesa de centro, olhando para elas como quem busca uma força que não sabe se tem.
Pegou o celular, hesitou... e, contra sua própria vontade, digitou:
“Está tudo bem. O bebê está bem.”
A mensagem foi enviada, mas nenhuma resposta veio.
Suspirou, deitou-se no sofá e apertou um travesseiro contra o peito, tentando sufocar o vazio, a dor, o cansaço.
Até quando eu vou viver assim? Até quando eu vou me contentar com migalhas? — pensou, enquanto uma lágrima solitária escorria.
Mal sabia ela que, naquele mesmo momento, o coração de Henrique estava dividido entre o passado que ele nunca superou... e o presente que ele nunca valorizou.
O relógio marcava quase oito da noite quando Alice ouviu a porta se abrir. O som das chaves, dos passos dele. Por um segundo, seu coração disparou. Queria acreditar que ele perguntaria do exame. Que, pelo menos dessa vez, olharia pra ela diferente.
— Oi — disse, forçando um sorriso.
Henrique deixou as chaves na bancada, tirou o paletó e respondeu sem nem olhar pra ela:
— Oi.
Ela engoliu em seco.
— Eu... eu trouxe as imagens do ultrassom. Se quiser... posso te mostrar.
Ele sequer parou o que fazia. Tirou o relógio, afrouxou a gravata, andando até o bar para servir uma dose de whisky.
— Depois. Agora não. — Sua voz saiu seca, distante.
O silêncio que se seguiu foi tão ensurdecedor que parecia gritar dentro da cabeça de Alice.
Ela fechou os olhos, apertando forte as mãos sobre as pernas pra não desabar ali mesmo.
Naquele instante, sem que ela soubesse, Henrique segurava o copo de whisky com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. Mas não era pelo bebê. Não era por ela.
Era por uma única coisa que não saía da sua mente desde a tarde inteira:
Bianca voltou.
E, embora ele não quisesse admitir... uma parte dele sabia que, dali em diante, nada mais seria como antes.
O relógio marcava seis e meia da manhã quando Alice acordou, como fazia todos os dias. O aroma do café recém-passado preenchia a cozinha enquanto ela preparava o café da manhã, mesmo sabendo que, provavelmente, ele nem tocaria.
Era assim. Sempre foi assim. E ela, teimosa, continuava tentando.
Arrumou a mesa, colocou as torradas, frutas, café... Tudo no lugar, na esperança tola de que, quem sabe, hoje ele notasse. Quem sabe, hoje, ele perguntasse do bebê, ou ao menos olhasse pra ela.
Ouviu os passos firmes de Henrique se aproximando. O som dos sapatos batendo no chão sempre causava um misto de ansiedade e dor.
— Bom dia — disse ela, com a voz mais doce que conseguiu, segurando o sorriso.
Ele entrou, ajeitando os botões da camisa, e respondeu, seco:
— Bom.
Sentou-se, pegou uma xícara de café, mas não tocou em mais nada. Seus olhos estavam fixos no celular. Digitava, respondia mensagens, e, de vez em quando, esboçava um sorriso... um sorriso que Alice não via há tanto tempo.
Ela apertou as mãos sobre o colo, tentando disfarçar o incômodo que começava a queimar por dentro.
— Você vai chegar tarde hoje? — perguntou, tentando soar casual.
Ele nem levantou o olhar.
— Não sei. Tenho alguns compromissos.
— Compromissos? — Ela franziu a testa. — Da empresa?
Henrique largou o celular por um instante, respirou fundo e respondeu, impaciente:
— Alice... Eu não tenho que te dar satisfação de cada passo que dou, não é?
Foi como um soco. Ela abaixou a cabeça, sem saber se segurava o choro ou a raiva.
— Não... claro que não — respondeu, engolindo o nó na garganta.
Ele se levantou, pegou o blazer e, antes de sair, disse sem sequer olhar pra ela:
— Cuida de você. E... descansa. É melhor pro bebê.
E, assim, foi embora.
A porta se fechou, levando junto qualquer esperança que Alice ainda alimentava.
Ela respirou fundo, apertou a barriga de forma protetora e, com a voz embargada, sussurrou:
— Ele... ele nunca vai me amar, não é?
Horas depois, no escritório, Henrique estava inquieto. Mexia nos papéis, mas a concentração era zero. Seus pensamentos estavam... nela.
Bianca.
O celular vibrou, como se o universo conspirasse.
Mensagem de Bianca:
"Pensei em você o dia todo ontem... Será que a gente pode se ver hoje?"
Henrique apertou os olhos, respirou fundo. Lutava contra algo dentro de si. Contra a razão, contra o pouco de responsabilidade que ainda restava.
Mas, no fim, o dedo deslizou pelo teclado:
"Me diz o lugar e a hora."
Ao enviar, sentiu o peso do erro... mas não parou.
Final da tarde. Alice, sozinha no consultório, esperava a médica para mais um retorno. Na sala, outras mulheres riam, acompanhadas de seus parceiros. Mãos dadas, olhares cúmplices, sorrisos cheios de amor.
Ela olhou para a cadeira vazia ao lado e sentiu o peito apertar.
Queria não se importar. Queria ser forte. Mas doía. Doía tanto que parecia que, a qualquer segundo, ela desabaria ali, no meio de desconhecidos.
A médica entrou, sorridente.
— E aí, mamãe, como estamos?
Alice forçou um sorriso.
— Estamos bem... eu acho.
— E o papai, não pôde vir?
Ela apenas abaixou os olhos, apertando as mãos sobre o colo.
— Está ocupado...
A médica percebeu, mas não insistiu. Apenas segurou a mão de Alice e disse, gentil:
— Você não está sozinha. Nunca se esqueça disso.
Aquelas palavras, simples, foram como uma faca. Porque, na prática, ela estava sim. Mais sozinha do que jamais imaginou estar.
Enquanto isso, em um restaurante elegante no centro da cidade, Henrique segurava uma taça de vinho, olhando para Bianca, que sorria, sedutora.
Ela tocou a mão dele, deslizando os dedos de forma suave, provocante.
— Eu senti tanto sua falta — sussurrou, olhando nos olhos dele.
Henrique respirou fundo, apertou os lábios, e, mesmo que parte de si gritasse que aquilo era errado, deixou-se levar.
Porque, naquele momento, tudo que ele queria... era se perder nela.
Alice chegou em casa exausta, física e emocionalmente. Jogou-se no sofá, segurando novamente as imagens do ultrassom.
O celular, mais uma vez, permaneceu em silêncio.
Sem mensagens. Sem perguntas. Sem interesse.
Ela fechou os olhos, apertou forte aquelas imagens contra o peito e, em meio às lágrimas que não conseguiu mais segurar, disse:
— Eu te esperei, Henrique... te esperei tanto... Mas, talvez, tenha chegado a hora de aceitar que... eu cansei.
O relógio já passava das dez da noite quando Alice ouviu a porta do apartamento se abrir. Seus olhos, inchados de tanto chorar, imediatamente se voltaram para a entrada.
Por um segundo — apenas um segundo — seu coração ingênuo se encheu de esperança. Talvez ele tivesse sentido sua falta. Talvez estivesse preocupado. Talvez...
Mas o cheiro de perfume feminino que invadiu o ambiente matou qualquer ilusão.
Henrique entrou, afrouxando a gravata, e sequer olhou na direção dela. Seus passos eram firmes, indiferentes. Seu rosto? Carregado de satisfação. Mas não dela. Nunca dela.
— Você chegou tarde... — a voz de Alice saiu falha, quase um sussurro.
Ele nem se deu ao trabalho de fingir.
— Jantar de negócios — respondeu, curto.
Alice apertou as mãos, lutando contra as lágrimas que já ameaçavam transbordar novamente.
— Henrique... você mal olha pra mim. Mal pergunta sobre o bebê... — Sua voz quebrou no meio. — O que está acontecendo com a gente?
Ele finalmente a encarou, mas o olhar estava frio, distante... quase cruel.
— Alice, não começa. — Passou a mão pelos cabelos, impaciente. — Você sabia desde o início que nosso casamento não foi por amor. Não me cobre aquilo que eu nunca prometi.
Ela levou as mãos à boca, tentando conter o soluço que rasgava sua garganta.
— Eu... eu só queria que você se importasse. Só um pouco, Henrique... só um pouco.
Ele riu, seco. Um riso amargo, sem nenhuma sombra de pena.
— Se importasse? — Cruzou os braços, encarando-a. — Você quer que eu minta? Que eu finja que estou feliz, que isso aqui é perfeito? Porque não é, Alice! Nunca foi! E você sabia disso!
Cada palavra era como uma facada no peito dela.
— Eu estou... grávida. — A voz saiu pequena, dolorida. — Grávida do seu filho, Henrique! E você... você age como se eu fosse invisível.
Ele desviou o olhar, apertou os olhos, respirando fundo.
— Eu não te pedi isso. — Sua voz saiu baixa, amarga. — Eu nunca te pedi pra engravidar, Alice.
O mundo dela simplesmente desmoronou naquele instante.
Ela segurou a barriga de forma instintiva, como se quisesse proteger aquele pequeno ser do veneno que saía da boca do pai.
— Deus... — sussurrou, cambaleando para trás, levando a mão à testa, como se quisesse acordar de um pesadelo. — Eu não acredito que você... que você foi capaz de dizer isso.
Henrique não respondeu. Pegou as chaves do carro novamente.
— Eu vou sair. — Sua voz saiu fria, como se falasse com uma desconhecida. — Não me espere acordada.
— Sair? — Ela piscou, incrédula. — Com quem, Henrique? Com quem? Vai me dizer que é com Bianca?
O nome fez ele congelar por um segundo. Pequeno demais para quem não quisesse ser pego... longo o suficiente para confirmar todas as suspeitas dela.
— Isso não te diz respeito — respondeu, ríspido, antes de bater a porta atrás de si.
Alice caiu de joelhos no meio da sala, chorando como nunca antes.
Seu corpo inteiro tremia. Sua alma estava em pedaços. Nunca, nem no pior dos seus pesadelos, imaginou que o homem que ela amava fosse capaz de destruir tanto o coração dela.
Segurou a barriga, entre lágrimas e soluços, e sussurrou, com a voz quebrada:
— Eu te esperei... te esperei tanto... Mas, agora... agora eu... cansei.
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