Você não escolhe nascer dentro de um império.
Mas pode escolher como vai governar os destroços que ele deixa.
Meu nome é Gael Herrera.
Terceira geração da dinastia Herrera — homens que construíram impérios com pólvora, sangue e silêncio.
Nasci entre colunas de mármore e corredores onde a morte sussurrava mais alto que as preces. Meu berço foi cercado por pistoleiros. Minhas primeiras palavras, ditas sob a mira de rifles. Me ensinaram que fragilidade era um defeito genético. Que bondade era uma doença sem cura.
Meu avô, Hernane Herrera, fundou o cartel com a precisão de um general e a frieza de um carrasco.
Meu pai, Arturo, expandiu. Fez alianças, quebrou pactos, enterrou traidores com a mesma facilidade com que selava negócios.
Quando ele morreu, eu tinha dezenove.
E a faca ainda estava na minha mão.
Não houve cerimônia.
Houve silêncio. E corpos.
Assumi o cartel antes mesmo de completarem o último tiro do velório. Não precisei gritar.
Minha presença bastou.
A herança estava escrita nos olhos.
Desde então, tornei-me mais que um líder. Fui transformado em um mito armado de gravata preta.
Me chamam de fantasma nas favelas, de demônio nos becos de fronteira. Homens temem dizer meu nome alto demais, como se isso pudesse convocar minha sombra.
Mas eu não quero medo.
Quero controle.
Frio, absoluto, sem rachaduras.
E para isso, não basta matar.
É preciso seduzir o inimigo e beijá-lo antes de enterrá-lo.
É aí que eu sou imbatível.
É por isso que todos obedecem.
É por isso que ninguém ousa me trair duas vezes.
Gael Herrera não perdoa.
Gael Herrera não negocia.
Gael Herrera não ama.
E eu prefiro assim.
Os meus homens sabem: eu sou o monstro que eles fingem não ver à noite. Mas que eles chamam pra matar quando o inferno real começa.
Não tenho tempo pra erros. Muito menos pra dívidas não pagas.
E foi por isso que o nome de Vinícius Duarte chegou até mim.
Dono de um bar mixuruca, passava coca cortada demais pros viciados das redondezas. Fez dinheiro rápido e achou que podia brincar de traficante em território meu. Pegou produto do cartel e não pagou. Quarenta mil reais.
Pequeno.
Mas não é o valor que importa.
É o precedente.
Se um verme acha que pode me enganar e continuar respirando...
Outros vão tentar também.
— Quero o endereço — eu disse a Javier, meu braço direito. Ele tem o mesmo nome do meu pai. Ironias nojentas do destino.
— Já está no seu celular, jefe.
Abro a mensagem. Zona sul. Um cortiço disfarçado de kitnet de luxo. O tipo de lugar onde idiotas colocam piso novo achando que isso esconde o cheiro da merda.
— Tragam o verme. Quero ver ele suar antes de chorar.
Três horas depois, ele está ajoelhado na minha frente. Mãos amarradas. Boca sangrando. Um dente a menos.
Vinícius Duarte fede a medo. E a mijo. Literalmente.
— Vai pagar a dívida? — pergunto, limpando a lâmina da faca nas calças.
— E-eu… só preciso de mais um tempo, por favor… eu... tenho alguém… tenho uma irmã… e-eu posso pedir ajuda pra ela… ela pode pagar…
Irmã.
Esse detalhe me interessa.
— É mesmo? — pergunto, sorrindo pela primeira vez na noite. — Uma mulher… com quem você se importa?
Ele hesita. Só por um segundo. Mas eu vejo.
— Sim… por favor, ela não sabe de nada… eu juro… Luna não tem culpa disso…
Luna.
O nome escorre da boca dele como confissão. Como uma chave que talvez abra uma porta interessante.
— Luna, hein? Bonito nome. Será que ela é bonita também?
— Por favor, não mexe com ela… ela é limpa. Trabalha, estuda, é… boa.
Ah… Essas são as melhores.
Boas, puras, limpas.
Perfeitas para serem manchadas.
Perfeitas para pagar dívidas que os vermes da família criaram.
— Javier — digo, me levantando. — Acha a garota. Descubra tudo. Onde mora. Onde trabalha. O que come. Se tem namorado. E se transa com ele.
Vinícius começa a gritar, a se debater.
Covarde e previsível.
— Não encosta nela, pelo amor de Deus! Eu juro que vou pagar! Eu dou meu sangue, minha vida!
— Você vai dar a única coisa que tem valor — digo, me abaixando até ficar cara a cara com ele. — Sua irmã.
E pela primeira vez naquela noite… eu sinto algo que se aproxima do prazer.
Porque Luna ainda não sabe, mas já me pertence.
E eu nunca devolvo o que é meu.
Três dias depois, Javier entra no meu escritório com um sorriso curto e um envelope preto nas mãos.
Quando ele sorri assim, é porque tem coisa boa.
— Aqui está. Tudo sobre a tal Luna Duarte.
Pego o envelope e abro com cuidado. Não por zelo — mas por respeito ao ritual. Gosto de informações como gosto de carne: cruas, sem maquiagem, e cheias de nervo.
As primeiras páginas trazem as básicas.
Luna Duarte, 24 anos.
Funcionária administrativa em uma clínica particular de psiquiatria. Horário das 8h às 18h, de segunda a sexta. Nenhum envolvimento criminal, ficha limpa, nenhuma passagem. Vive sozinha num apartamento minúsculo no centro, a três estações da clínica. Vai de metrô. Sempre no mesmo vagão. Mesma roupa discreta. Mesmo fone de ouvido.
— Ela gosta de rotina — comento, folheando as fotos tiradas de longe. Imagens em preto e branco, cheias de zoom. Ela saindo do prédio. Ela rindo com uma colega. Ela lendo um livro num banco da praça.
Os olhos dela nas fotos são grandes. Claros. E há um traço de melancolia neles, mesmo quando sorri.
— Mora sozinha? — pergunto.
— Sim, senhor. O irmão visitava às vezes, mas faz semanas que não aparece. Provavelmente fugido, sabendo o que o espera.
Continuo lendo.
Sem namorado. Sem vida social ativa. Sem drogas. Sem festas. Só livros, séries policiais, chá de camomila antes de dormir, e um histórico escolar exemplar.
— "Queria ser psicóloga" — leio em voz alta, a partir de um print de uma antiga publicação nas redes. — Interessante.
Ela quer entender mentes. Vai aprender da pior forma como funciona a minha.
Na última página, há um mapa da rotina dela.
6h45 — acorda.
7h20 — café na padaria da esquina.
7h40 — metrô, linha azul.
8h05 — entrada na clínica.
12h00 — almoço no restaurante de quilo da Rua do Carmo.
18h00 — volta pra casa.
18h45 — banho.
19h00 — janta.
20h00 — leitura ou Netflix.
22h00 — cama.
Metódica.
Previsível.
Sozinha.
Perfeita.
— Quero ela — murmuro, com os olhos fixos em uma foto em que ela está distraída, mordendo a tampa de uma caneta. — Mas não como refém. Isso qualquer idiota faria.
Javier cruza os braços, atento.
— Como quer jogar?
— Quero que ela venha por vontade própria. Que aceite o acordo. Que acredite que tem escolha. E quando ela disser sim... será minha em corpo, alma e sangue.
Javier assente.
— Posso forçar uma aproximação. Fazer ela acreditar que é a única salvação do irmão.
— Não. Não ainda. Antes disso, quero olhá-la nos olhos. Sentir o cheiro dela. Saber se ela treme ou me enfrenta. Se chora ou morde o lábio.
Fecho o dossiê.
— Marque um encontro. Não diga quem eu sou. Só diga que é sobre salvar o irmão.
— Onde?
— Aqui. Amanhã. Sala vermelha.
E traga uma câmera.
Ele me olha. Não questiona. Nunca questiona.
Mas eu sei o que ele está pensando.
Sim.
Vai começar.
E Luna Duarte está prestes a descobrir que, no meu mundo, até o amor é uma arma carregada.
Acordo antes do despertador, como sempre.
São 6h42.
Três minutos antes do alarme tocar. O mesmo alarme que escolhi com aquele som calmo de piano — como se o dia, por si só, não fosse agressivo o bastante.
Levanto devagar. Me espreguiço. Me arrasto até o banheiro, me olho no espelho e faço aquela careta de quem precisa lembrar a si mesma que ainda está viva. Escovo os dentes, prendo o cabelo, lavo o rosto.
É tudo igual.É sempre igual. E, estranhamente, eu gosto disso.
Minha rotina é o único lugar em que o mundo faz sentido. Cada horário, cada passo, cada pequena repetição — tudo é um abrigo. Previsível. Seguro. Diferente da infância que tive. Diferente do que tento esquecer.
Enquanto passo manteiga no pão, penso no estágio que talvez eu comece mês que vem. Se tudo der certo, vou conseguir minha bolsa integral no curso de psicologia. Já tenho o diploma técnico e trabalho na clínica há dois anos como auxiliar administrativa. Nada demais, mas é honesto. E é meu.
Meu celular vibra. Olho, esperando alguma notificação boba. Mas é só ele: Vinícius.
Irmão mais velho, dor de cabeça número um, e dono de todas as minhas noites mal dormidas.
Tem dias que ele aparece como um furacão — bêbado, agitado, com ideias estúpidas e um sorriso de menino de rua. Outros, some como se nunca tivesse existido. Não responde. Não atende. E me faz passar horas olhando pro celular, pensando no pior.
Mas ele é meu irmão. E mesmo com todas as cagadas que ele faz, eu sou tudo que ele tem. E ele é o único pedaço da minha família que sobrou.
Leio a última mensagem que me mandou há três dias:
“Fica tranquila, pequena. Tô resolvendo umas paradas e volto logo. Te amo.”
Mentira.
Toda vez que ele diz isso, sei que vem merda por aí.
Respiro fundo. Não posso me deixar levar por isso agora. Tenho que trabalhar. Tenho contas. Tenho um plano. E nesse plano, eu me formo, abro minha própria clínica e nunca mais dependo de homem nenhum.
Nem de Vinícius. Nem de ninguém.
São 18h17 quando chego em casa.
Tiro os sapatos. Ligo a chaleira. Acendo a luz da sala. É automático.
Troco de roupa, prendo o cabelo num coque frouxo, e sento no sofá com minha velha cópia de A Sangue Frio aberta no colo. Leio duas páginas. Talvez três.
Então alguém toca a campainha.
O som me atravessa como um soco seco. Quase ninguém me visita sem avisar. E ninguém toca a campainha desse jeito — direto, forte, como se tivesse pressa ou autoridade.
Abro a porta com a corrente de segurança ainda travada.
É um homem engravatado. Alto, expressão neutra, olhos duros.
— Boa noite. Senhorita Luna Duarte?
— Quem quer saber?
— Trabalho com assuntos… delicados. Referentes a seu irmão, Vinícius Duarte.
Meu sangue gela.
— Ele está bem? O que aconteceu?
— Não posso falar aqui. É confidencial. Mas é urgente. E ele mencionou a senhorita como seu único contato de confiança.
Eu travo.
— Quem é você, exatamente?
Ele tira uma credencial. Não policial. Não oficial. Mas algo corporativo. A logo é de uma firma de advocacia que eu nunca ouvi falar, mas tudo parece absurdamente profissional. E frio.
— Nosso cliente precisa falar com você. Amanhã, 14h. Aqui está o endereço. Comparecer é do seu interesse. E do interesse de Vinícius.
Ele me entrega um envelope. Padrão. Sem nome. Sem selo.
— Se eu não for?
— Sua ausência será interpretada como desinteresse no bem-estar do seu irmão.
A frase me fere mais do que deveria. Quando olho de novo, ele já está virando as costas e descendo as escadas do prédio.
Fecho a porta. Trêmula. Envelope nas mãos.
Sinto como se algo tivesse entrado comigo. Algo invisível. Frio. E definitivo.
Abro o envelope.
Um endereço. Um horário. E só uma linha, escrita à mão:
“Venha sozinha. Ele depende de você.”
Sento de novo, o papel tremendo entre meus dedos.
Sinto a respiração falhar. O peito apertar.
Meu irmão se meteu em mais uma.
Mas dessa vez tem algo diferente.
Mais escuro. Mais perigoso. Mais real.
E eu não sei o que vou encontrar no dia seguinte.
Só sei que vou.
Porque se tem uma coisa que aprendi com o tempo, é que quando o passado bate à porta… ele não espera você estar pronta.
A noite foi um borrão.
Revirei na cama. Fingi que dormiria. Mas meu corpo sabia: algo tinha mudado. Como se o ar estivesse mais denso. Mais grosso. Como se a realidade tivesse esticado por baixo da porta do meu apartamento, escorrendo como fumaça.
Passei as horas seguintes pensando no envelope. No homem de olhos duros. No nome do meu irmão.
E no medo.
Porque o medo tem cheiro. Tem forma. Tem gosto. E agora, ele vivia em mim como uma segunda pele.
Às 13h10, já estou pronta.
Blusa de botão. Calça preta. Sapatilha discreta. Rímel leve. Nada chamativo. Não sei quem vou encontrar, mas sei o que eles verão: uma mulher calma, centrada, que sabe ouvir. Uma mulher que resolve.
A Uber me deixa na frente de um prédio alto, com fachada espelhada e nenhuma placa. Luxuoso, mas discreto. Como um lugar que tenta não ser visto, mesmo sendo impossível ignorar.
Meu estômago vira quando cruzo a porta.
O hall é vazio. Silencioso. Frio demais para o clima de fora.
— Luna Duarte — digo à recepcionista que parece saída de um editorial de moda.
Ela não responde. Apenas acena para o segurança ao lado da porta preta. Ele abre.
— Elevador privativo. Último andar. — diz ela.
A porta se fecha atrás de mim com um clique.
Definitivo.
O elevador sobe sem som. Sem espelho. Sem música.
Só eu e meu coração, agora descompassado.
Quando as portas se abrem, sou engolida por vermelho.
As paredes. As cortinas. O tapete. A luz. Tudo é vermelho, escuro e quente. Como o interior de um coração batendo devagar. Ou de um inferno elegante.
— Senhorita Duarte — diz um homem ao fundo da sala. Não o mesmo de ontem.
Esse é outro. Alto, moreno, com traços afiados e um terno sob medida. Está encostado na beirada de uma mesa de madeira escura, segurando um copo de cristal com algo âmbar dentro.
— Eu sou... — começo, mas ele levanta a mão.
— Eu sei quem você é. Luna. — Ele diz meu nome como se provasse o sabor na boca.
Minha garganta seca.
— Onde está o meu irmão?
Ele sorri. Mas não há simpatia no gesto.
— Sentada primeiro. — Aponta para uma poltrona de couro frente à dele. — E então conversamos.
Engulo o desconforto. Sento.
A sala tem cheiro de couro, bebida cara e algo indefinido, algo masculino, dominante, penetrante. O tipo de aroma que te prende antes que você perceba.
— Seu irmão me deve uma quantia considerável. E como todo covarde que ama sobreviver, ele usou você como moeda.
Meu coração para. Depois recomeça, frenético.
— Isso é algum tipo de brincadeira?
— Eu não brinco, Luna. Nunca.
Ele bebe, observando cada pequeno movimento meu. Me sinto nua, mesmo estando vestida até o pescoço.
— O que você quer?
— Uma solução. Um acordo.
— Que tipo de acordo?
Ele se inclina para frente, os olhos escuros fixos nos meus. Intensos. Perigosos. E com algo que não sei decifrar.
— Você vai fingir ser minha namorada por um tempo. Vai sorrir onde eu mandar. Vai se calar quando eu quiser silêncio. Vai me dar a sua imagem, sua presença, sua entrega social.
Em troca... eu não quebro os ossos do seu irmão e os mando pelo correio.
Eu travo. Por dentro e por fora.
— Isso é absurdo.
— Não. Isso é a única oferta que você vai receber.
Porque veja, Luna... você é limpa. Perfeita. Boa.
E isso... isso é exatamente o que eu preciso ao meu lado agora. Uma mentira convincente. Embalada em moralidade.
— E se eu disser não?
Ele sorri. Lento. Quase carinhoso.
— Então reze pra gostar de caixões fechados.
Fico em silêncio. Congelada. Um segundo. Dois. Talvez mil.
E então percebo que não há saída.
Não pra mim.
Não pra Vinícius.
E talvez… nunca houve.
— Quanto tempo? — minha voz sai baixa, quebrada.
Ele se levanta. Devagar. Caminha até mim. Para atrás da minha poltrona. Me cerca com presença. Com calor. Com perigo.
— Até quando eu disser. — sussurra no meu ouvido. — Bem-vinda à jaula, Luna.
E nesse instante, com a respiração presa e a pele em chamas, percebo que acabei de vender minha alma.
E ele nem precisou pedir.
Ela disse sim.
Mesmo com os olhos arregalados, mesmo com o medo perfurando a pele, mesmo com a voz trêmula.
Ela disse sim.
É isso que diferencia os fracos dos úteis. Os fracos imploram. Os úteis obedecem. E Luna Duarte, apesar do corpo frágil e do jeito doméstico de quem vive de café e rotina, é útil. Muito útil.
Caminho ao redor dela como um predador em ronda. Sinto o cheiro do medo. Do suor na nuca. Do perfume doce e barato que ela passou achando que ia impressionar alguém.
Tolinha.
Ela não faz ideia do que acabou de aceitar. Mas vai descobrir. Lentamente. E sob minhas regras.
— Levante-se — ordeno, com voz baixa.
Ela obedece. Sem discutir. Sem entender.
— Onde estamos indo?
— Para sua nova casa. — Respondo, pegando meu celular e fazendo um único gesto com os dedos. — Seu antigo apartamento já não é seguro. A partir de hoje, você vive sob meu teto. Dorme sob minhas câmeras. Respira sob minha vigilância.
— Isso não estava no acordo…
— Não houve acordo, Luna. — Me viro para ela, perto demais, perto o suficiente para que minha presença roube o ar dos pulmões dela. — Houve uma ordem. Você confundiu liberdade com escolha. Acontece com os inocentes.
Ela morde o lábio. Um vício nervoso que acabo de catalogar mentalmente.
Javier aparece na porta, sempre pontual.
— O carro está pronto.
Faço um gesto. Ela hesita. Javier a observa com um brilho cínico nos olhos, mas não diz nada. Eu não gosto que outros falem com o que é meu.
Ainda não é. Mas será.
O carro preto que nos espera é blindado, discreto, luxuoso. Enquanto ela senta ao meu lado, nota os detalhes: os vidros escuros, o silêncio absoluto, o motorista mudo, os bancos de couro real. Não falo. Não explico.
Ela precisa sentir. Ser engolida.
A estrada até a mansão é longa e sinuosa, como toda boa armadilha.
Cruzamos dois portões automáticos, um controle biométrico e uma barreira de segurança subterrânea. Homens armados vigiam os pontos cegos. Câmeras escondidas em cada centímetro. Ninguém entra sem que eu saiba. Ninguém sai sem que eu permita.
A propriedade tem quatro andares, jardins impecáveis, uma piscina que nunca uso, e um sistema de monitoramento que faria a CIA corar.
Ao chegar, ela se cala.
Olha tudo como uma criança largada em um castelo de pedra. Entre encantamento e pavor.
— Vai se acostumar. — murmuro.
Levo-a para dentro. Javier abre a porta. Marina, a governanta, já está à espera. Dura, silenciosa, como gosto.
— O quarto dela está pronto?
— Sim, senhor. Ala leste.
Luna franze o cenho.
— Não vamos dormir no mesmo quarto?
— Ainda não. — Respondo, olhando direto nos olhos dela. — Mas você dorme sob meu teto. Isso já é mais do que qualquer mulher que eu conheça conseguiu.
Ela baixa o olhar.
Boa garota.
— A partir de hoje, você obedece a uma rotina simples. — caminho em direção à escada, ditando as regras. — Acorda às 7. Café da manhã às 7h30. Aulas de etiqueta às 10. Almoço ao meio-dia. Leitura à tarde. Silêncio absoluto das 15 às 18. Às 19, você janta comigo. Toda noite. Vestida. Arrumada. Sorrindo.
— Isso é um cativeiro?
— Isso é proteção. — Sorrio. — E proteção sempre tem um preço.
Ela caminha atrás de mim. Silenciosa. Tensa.
— E se eu fugir?
Paro.
Me viro lentamente.
A encaro.
— A primeira vez, corto sua liberdade. A segunda, sua dignidade. A terceira... eu não preciso repetir, Luna. Você é inteligente.
Ela engole em seco.
Eu gosto disso nela. Essa força que sangra devagar, mas não morre.
Chegamos à porta do quarto dela. Javier a abre.
Espaçoso. Luxuoso. Cama king-size. Janelas enormes com vista para o jardim. E, claro, sem trancas por dentro.
Ela entra. Observa o lugar como quem pisa em outro planeta.
— A comida aqui é boa. A cama é macia. E o chão nunca será necessário, a não ser que você queira se ajoelhar — digo, antes de fechar a porta.
Deixo ela ali, trancada, sem tranca, livre sem escolha. E desço de volta ao meu escritório, onde o monitor de segurança já exibe sua imagem. Sentada na beira da cama. Os olhos perdidos.
Ela ainda acha que pode resistir. Ainda acha que isso tem um fim.
Mas Luna... Luna vai descobrir que viver no meu mundo é como respirar fumaça: No começo queima.
Depois... vicia.
Desço para meu escritório com os passos medidos e a mente alerta. O monitor exibe Luna parada, tocando a colcha da cama com as pontas dos dedos como se aquilo não fosse real.
Ela é um contraste gritante naquele quarto de mármore e cetim. Um pedaço de mundo simples dentro do meu império. E eu quero que ela sinta isso — que entenda que, a partir de agora, tudo que toca… é meu.
Pego o telefone fixo ao lado do sofá e pressiono a linha interna.
— Marina.
— Senhor?
— Mande buscar vestidos. Vários. De noite, de coquetel, de jantar. Tons claros. Tecidos que gritam luxo. Quero apliques de cristal, seda italiana, e etiquetas que custam mais do que a renda anual da família dela. Entendeu?
— Entendido.
— Joias também. Nada vulgar. Elegância de mulher rica, mas que ainda tem gosto. Pés delicados, mãos pequenas. Meça e compre. Ou mande fazer.
— Sapatos?
— Louboutin. Jimmy Choo. E qualquer outro nome que você hesitaria em comprar pra si mesma.
Silêncio do outro lado. Marina sabe: ordens não se discutem.
— Perfumes também. Mas nada doce demais. Quero que ela cheire como alguém que se tornou perigosa sem saber.
— Sim, senhor.
— Ah, e Marina… providencie um piano. De cauda. No salão da ala leste.
— Senhor... ela toca?
— Não faço ideia. Mas se tocar, que toque para mim.
Se não tocar… vai aprender.
Desligo.
Sento no sofá, encaro o monitor de novo.
Ela deita devagar, sem desfazer o coque, como se dormir fosse um erro. Como se fechar os olhos fosse perigoso demais.
Ela tem razão.
É.
Mas também é o início. Porque toda mulher tem um preço.
E Luna, com seus olhos grandes e seus sonhos pequenos, vai aprender a diferença entre ser presenteada…
E ser possuída.
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