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Vertigem

Sinopse – "VERTIGEM"

Sabe aquela sensação de quando o chão simplesmente some dos seus pés? Quando o peito aperta, a boca seca, e o corpo inteiro parece flutuar… mas não de um jeito bom. É como se você estivesse prestes a cair, mesmo estando de pé.

Vertigem. É assim que eu descreveria a maior parte da minha vida.

Eu não sou como as outras pessoas. Nunca fui.

Cresci ouvindo que eu era sensível demais, delicada demais, frágil demais. Como se isso fosse uma falha. Como se existir desse jeito, com esse corpo de porcelana e esse coração marcado, fosse errado.

Mas o que ninguém sabe — ou prefere não saber — é que essa fragilidade aparente carrega rachaduras profundas. Marcas invisíveis, daquelas que não cicatrizam direito. Daquelas que fazem você desconfiar até do próprio reflexo.

Eu aprendi a viver em silêncio. A sobreviver.

Eu aprendi a sorrir com a boca e trancar o resto. A dançar, não porque era bonito, mas porque era o único lugar onde eu conseguia existir sem medo. Onde ninguém podia me tocar sem a minha permissão. Onde eu tinha controle.

E tem sido assim… até agora.

Olhei para a tela do meu notebook. Pisquei. Pisquei de novo.

O e-mail estava ali. Real.

"Convite oficial – HYPE Entertainment."

Meu corpo inteiro travou. Meu coração quis pular pra fora do peito. As mãos tremeram, e por um segundo, achei que era mais uma brincadeira cruel do universo. Mais uma daquelas ilusões que ele gosta de jogar só pra rir da minha cara depois.

Mas não era. Era real.

Eles me queriam. Eles me escolheram.

Eu. A garota que passou a vida fugindo dos holofotes, fugindo de olhares, fugindo de... homens.

A garota que fez do anonimato uma armadura.

E agora... agora eu estava prestes a aceitar um convite que poderia mudar absolutamente tudo.

Mas sabe aquele frio na barriga? Aquele que te avisa que não tem mais volta?

Então. Ele veio forte. Quase me derrubou.

Porque não é só um clipe. Não é só dança. Não é só música.

É me expor. É me entregar. É deixar que olhem — que realmente olhem — pra mim.

E, pior ainda...

É ele.

Park Jimin.

O nome que ecoa em qualquer lugar desse planeta.

O sorriso que estampa capas, outdoors, telas de cinema.

A voz que faz o mundo parar.

Ele é tudo aquilo que eu passei a vida inteira evitando.

Ele é homem.

Ele é presença.

Ele é toque.

Ele é intensidade.

E eu?

Eu sou caos disfarçado de delicadeza.

Eu sou rachadura pintada de rosa pastel.

Eu não sei se estou preparada pra isso.

Pra ele.

Pra eles.

Pra mim.

Mas, de algum jeito, mesmo com o coração disparando, mesmo com as mãos trêmulas e a garganta fechada... meu dedo clicou.

"Aceitar convite."

E naquele exato segundo, eu soube que não tinha mais volta.

Que ou eu aprendia a voar...

Ou a vertigem ia me engolir de vez.

Só que talvez — só talvez — entre uma queda e outra, eu descubra que nem todo mundo veio pra me derrubar.

Talvez, só talvez, algumas mãos existem pra te segurar... antes que você caia.

Mas essa... essa ainda é uma história que eu tô aprendendo a escrever.

o que eles não veem

O cheiro de café fresco preenche a cozinha pequena, mas aconchegante, da casa da minha mãe. As paredes são brancas, meio descascadas perto da janela que dá vista pra rua. Uma cortina floral balança, acompanhando o vento leve dessa manhã. Tudo aqui tem cheiro de lar. De história. De conforto.

Sento na mesa de madeira, onde cada riscado tem uma lembrança. As mãos estão inquietas, e eu percebo isso quando noto que tô apertando o próprio dedo até ele ficar vermelho.

— "Tá, agora fala. O que é que você tá querendo me contar que tá te deixando com essa cara aí, menina?" — minha mãe pergunta, cruzando os braços, arqueando uma sobrancelha do jeito que só ela sabe fazer.

Ela é assim. Sempre direta. Sempre prática. O tipo de pessoa que não gosta de rodeios, que resolve tudo no grito ou no abraço.

Respiro fundo. Meu peito sobe e desce como se eu precisasse convencer meu corpo inteiro a falar.

— "Eu aceitei." — solto. Baixo. Quase num sussurro. — "O convite. Pra trabalhar lá… com eles."

Por um segundo, o silêncio toma conta. Mas é só um segundo.

— "Minha nossa senhora, Joyce!" — ela leva as mãos ao rosto, os olhos arregalados, e solta aquele riso meio choro, meio incredulidade. — "Você conseguiu, minha filha! Você conseguiu! Eu falei que você ia conseguir! Que orgulho de você, meu Deus do céu!"

Ela se levanta, vem até mim e me puxa pra aquele abraço apertado, de quem carrega a vida toda dentro dos braços. Sinto o cheiro do perfume dela, aquele mesmo cheiro desde que eu era criança — floral, meio doce, meio caseiro.

— "Essa é a chance da sua vida, meu amor. Você merece isso! Merece ser reconhecida! Vai voar, minha filha. Você nasceu pra isso, pra ser grande, pra ir além!" — ela fala, apertando meu rosto com as duas mãos.

Eu sorrio. E, por um momento, quase me deixo acreditar que tudo é tão simples assim.

Mas não é.

Mordo o lábio inferior, sinto a ponta dos dedos gelar. — "Mãe..." — minha voz já muda, mais baixa, mais hesitante. — "Você sabe que... que esse trabalho vai ser… ao lado de… deles. Homens."

E, como se eu tivesse jogado um balde de água fria na euforia dela, vejo o sorriso da minha mãe murchar. Ela revira os olhos, solta um suspiro irritado, bate as mãos na coxa.

— "Ah, Joyce… Pelo amor de Deus, né?!" — ela balança a cabeça, impaciente. — "Você não vai deixar isso te travar, né? Isso foi lá atrás, mulher! Já passou. Para de besteira. Supera isso. Isso não te define, não pode te definir!"

Eu engulo seco. É aquele tipo de dor que não dá pra explicar. Ela nunca entendeu. Nunca vai entender. E eu… eu já cansei de tentar fazer ela entender.

— "Não é assim, mãe." — minha voz sai mais baixa, quase sumindo. — "Não é tão simples."

Ela solta outro suspiro, como quem varre a sujeira pra debaixo do tapete. — "Claro que é simples! Isso não tem nada a ver! Isso é só trabalho, minha filha. Só trabalho. Você vai fazer o que você ama, ensinar, dançar, e acabou. Eles são seus colegas, seus alunos, sei lá. Homens, mulheres, tanto faz. Isso não muda nada."

Queria tanto que fosse assim. Queria tanto que minha cabeça funcionasse desse jeito simples, direto, prático… Mas não. Porque a dor não some só porque alguém te manda superar. Ela não evapora com força de vontade.

Ela fica. Ela mora dentro de mim. Ela se senta no sofá da minha mente, cruza as pernas, acende um cigarro imaginário e me observa o tempo todo. Tá ali, ó. Persistente.

— "Eu sei, mãe. Eu sei…" — minto. Ou talvez tente me convencer disso também. — "É só trabalho. Só isso."

Ela sorri de novo, forçando aquele otimismo que sempre parece resolver tudo na cabeça dela.

— "Isso aí! Pensa assim! Não deixa besteira nenhuma te impedir. Você sempre foi muito focada, Joyce. Sempre. Desde pequena. Nunca foi de sair, de ter muita amizade, de fazer bagunça. Sempre com a cabeça na dança. E olha aí… valeu a pena, não valeu? Tá aí, colhendo os frutos."

Frio sobe pela minha espinha. Porque é verdade. Eu nunca tive muitos amigos. Nunca deixei. Ou talvez… nunca me deixaram. Minha mãe sempre falava que amizade tirava o foco, que gente demais distrai, que quem quer ser grande precisa andar sozinho.

E eu fui. Fui sozinha. A vida inteira.

A única pessoa que eu tive, que me estendeu a mão lá atrás… prefiro nem pensar agora. Nem trazer esse nome pra esse momento. Isso é assunto que fica trancado na gaveta, junto com todas as outras coisas que eu não quero — ou não posso — abrir.

— "Mas olha, Joyce…" — a voz da minha mãe suaviza um pouco, e ela segura minhas mãos sobre a mesa. — "Você vai viver coisas lindas lá. Eu sinto. Isso aí pode abrir portas, minha filha. Portas enormes. Você é talentosa, dedicada, é a melhor no que faz. As pessoas lá vão enxergar isso. Você vai participar de coisa grande, de coisa importante. E daqui a pouco, ó… tá sendo chamada pra trabalhar em tudo quanto é lugar desse mundo. Vai por mim."

Sorrio. E, pela primeira vez, sinto aquele calorzinho no peito. Porque, apesar de tudo… de tudo mesmo… eu tô feliz.

Feliz por estar indo. Por sair dessa bolha, desse mesmo chão, dessas mesmas paredes que sempre me cercaram. É assustador, sim. É desconhecido, sim. Mas, de algum jeito… parece certo. Parece que, talvez, só talvez… eu finalmente possa ser vista.

Por quem eu sou.

Por tudo que eu sou.

E, principalmente… por tudo que eu escondi até hoje.

despedidas

O som das sapatilhas riscando o chão de madeira. O cheiro de resina, de suor, de esforço, de sonhos. A porta da minha escola de balé range quando empurro, como sempre fez. E, como sempre, meu peito aperta no exato segundo em que cruzo aquele batente.

Mas hoje... hoje aperta diferente.

As paredes parecem mais brancas. O teto, mais alto. As janelas, mais abertas. Talvez porque eu saiba que, daqui a pouco, não vou mais fazer parte disso.

O último dia.

O último.

Respiro fundo. Tento segurar o nó que sobe na garganta. Porque, apesar de tudo... apesar de toda dor, de todos os fantasmas, foi isso aqui que me manteve viva. A dança foi meu bote salva-vidas no meio de um oceano que quase me engoliu inteira. Se não fosse ela... eu não estaria mais aqui. Eu sei disso. Eu sempre soube.

— "PROFEEEEEEE!!!" — um grito estridente me faz olhar pra frente, segundos antes de ser atropelada por um enxame de adolescentes desesperadas, rindo, chorando, me abraçando como se eu fosse sumir ali mesmo.

— "Aaaaaah, ela chegou!!!"

— "Professora, não vai emboraaaaa!!!"

— "Leva a gente junto!!"

— "A gente cabe na mala, prometo!!"

Elas falam tudo ao mesmo tempo, aos gritos, misturando risos com soluços, apertando meu corpo como se pudessem segurar o tempo entre os braços.

Quando olho pra dentro da sala, quase não acredito.

Cartazes coloridos colados nas paredes, no espelho, até no piano. Corações desenhados, meu nome escrito com glitter, fotos nossas, bilhetes, recados. No meio da sala, um banner enorme com letras garrafais escrito: “NUNCA VAMOS ESQUECER VOCÊ, PROFESSORA JOYCE”.

E, no canto, um celular gravando, enquanto uma delas fala: — “Galera, essa é a nossa teacher maravilhosa que vai TRABALHAR COM O BTS, SIM, ISSO MESMO, VOCÊS OUVIRAM CERTO, COM O BTS, MEU DEUS, EU TÔ PASSANDO MAAAL!!”

E aí começa o pandemônio. Elas surtam. Gritam. Pulam. Uma pega meu braço, sacode: — “Professora, pelo amor de Deus, você tem noção do que é isso?! Isso é histórico! Eu vou contar pros meus filhos que minha professora foi trabalhar com o BTS!”

Eu sorrio. Sorrio grande. Porque elas merecem esse sorriso. Elas merecem ver essa versão de mim. A boneca perfeita. A professora doce, impecável, elegante. A que nunca deixa transparecer as rachaduras na porcelana.

Por fora, eu sou isso. Por dentro... Deus, por dentro é um abismo. Um buraco que não fecha. Ansiedade latejando no peito. Uma mistura de medo, insegurança, e aquele velho sussurro que nunca cala: "E se você não for boa o bastante? E se eles descobrirem que você não é tudo isso?"

Mas aqui, com elas... eu seguro firme. Finjo que tá tudo bem. Que eu sou forte. Que essa despedida não tá arrancando pedaços de mim.

— "Profe, vem aqui! A gente fez um vídeo!" — uma delas me puxa pra frente do espelho.

O vídeo começa a rodar. Tem fotos nossas, vídeos de ensaios, apresentações, bastidores. E, no fundo, uma música que elas sabem que eu amo — “Spring Day”, do BTS. Como se elas soubessem que, de algum jeito, aquela música sempre soou como abraço pra mim, mesmo que eu nunca tenha dito.

— “Obrigada por tudo, professora Joyce...” — uma voz doce, emocionada, começa no vídeo. — “Por acreditar na gente. Por ensinar que a dança não é só técnica, é amor, é resistência, é sobre cair e levantar quantas vezes for preciso. A gente te ama muito. E a gente sabe que, lá onde você vai, você vai brilhar. Porque quem dança com o coração, nunca some. Fica pra sempre na gente.”

Aí desmorono. As lágrimas descem, quentes, grossas, sem controle.

Abracei todas. Uma por uma. Forte. Apertado. Como se eu pudesse gravar o cheiro, a textura, o calor, tudo delas na memória.

No meio dos abraços, uma mãozinha me entrega alguma coisa.

— “Profe... isso é pra você. Pra não esquecer da gente. E pra você saber quem é o Jimin. Você PRECISA saber quem é o Jimin, profe. Sério.” — diz, segurando um photocard plastificado.

Pego o card. Uma foto de um menino sorrindo. Cabelos loiros, sorriso bonito, olhar meio doce, meio travesso. Eu olho. E, por um segundo, quase sorrio de verdade.

— “Esse é o Jimin, profe. Você vai AMAR ele.”

Arqueio uma sobrancelha, tentando segurar o riso. — "Ele parece... simpático."

Mas, por dentro, aquela voz velha, amarga, me lembra: “Quanto mais doce parece... mais perigoso é. Nunca confie.”

Guardo o photocard na bolsa, junto com os bilhetes, junto com os pedaços do meu coração que elas me deram hoje.

O ensaio continua, entre risos, passos, mais lágrimas. Me esforço pra gravar cada rosto, cada movimento, cada som daquele lugar. Porque amanhã… amanhã eu não volto mais. Amanhã, a vida vira outra coisa.

Quando o ensaio termina, fico mais um tempo sozinha na sala. Só eu, o eco dos risos, e o cheiro da resina misturado com a saudade que já começa a nascer.

Olho meu reflexo no espelho. A professora perfeita, impecável. A boneca que todo mundo vê.

Ninguém nunca viu a rachadura. Ninguém nunca soube do que realmente existe por trás.

Amanhã… eles vão descobrir.

Se estou pronta? Não.

Mas vou mesmo assim.

Porque é isso ou continuar presa num passado que nunca mais vai me devolver nada além de dor.

E, pela primeira vez, talvez... eu esteja pronta pra ser mais do que só uma boneca de porcelana.

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