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Marcas Do Destino

O ANÚNCIO DE TRATADO

O céu do Reino de Vallaris estava limpo demais para um dia de guerra.

No entanto, para a princesa Chloe, sentada em seu trono de pedra negra, a manhã parecia carregada de presságios. Ela mantinha o queixo erguido, os olhos fixos no salão repleto de nobres, generais e conselheiros. As palavras do rei, seu pai, ecoavam entre colunas de mármore.

— Pelo bem da paz entre Vallaris e Lysaria, anuncio a união sagrada entre minha filha, a princesa alfa Chloe de Vallaris, e a princesa ômega Anastácia de Lysaria.

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.

Chloe sentiu o sangue gelar. Aquilo não era surpresa — ela fora prometida desde criança. Mas ouvindo o anúncio em voz alta, sentiu as correntes apertarem. O peso da tradição. Da política. Do instinto.

Ela não conhecia Anastácia. Apenas lendas. Que era bonita, mas fraca. Gentil, mas submissa. Uma perfeita ômega, moldada para agradar. Chloe sentia náusea.

Ao lado do trono, sua mãe, a rainha Edrys, pousou uma mão firme em seu ombro. Era um toque mais frio do que reconfortante. Um lembrete silencioso: você nasceu para obedecer — e liderar. Não para amar.

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No Reino de Lysaria, o anúncio fora feito na mesma hora.

Anastácia observava as palavras serem entoadas pelo sumo-sacerdote em um pergaminho dourado. Estava de pé, cercada por damas de companhia que a parabenizavam como se fosse um prêmio a ser exibido.

— Um casamento com uma alfa de Vallaris! — murmurou uma delas. — Você será uma rainha poderosa.

Mas Anastácia só sentia medo.

Ela sabia o que significava ser marcada. Sabia o que o cio faria com seu corpo. Tinha lido os antigos tratados biológicos, as lendas das ômegas que enlouqueciam de desejo até perderem a alma.

Ela nunca conhecera Chloe, apenas seus feitos. Uma alfa fria, feroz, que não sorria nem mesmo após as batalhas. Uma mulher feita de gelo e aço.

Anastácia não queria ser possuída. Queria ser ouvida.

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Duas cartas partiram naquela noite.

Uma de Chloe para o pai, selada com a cera negra dos alfas: "Não me peça para marcar alguém que não escolhi."

E outra de Anastácia para a irmã, selada com o símbolo da lua: "Prometeram que eu teria escolha. Mentiram."

Em dois reinos separados por fronteiras, orgulho e sangue, duas futuras rainhas dormiram com o mesmo gosto amargo na boca — e um mesmo pensamento inquietante:

"Eu não serei uma peça no jogo deles."

PRIMEIRO ENCONTRO, PRIMEIRAS FAÍCAS

O vento no pátio do castelo de Vallaris carregava o cheiro da terra molhada e da pedra fria. Era início de outono, e as folhas douradas caíam como lamentos das árvores antigas. Chloe observava tudo de seu lugar no alto da escadaria, os braços cruzados sobre a armadura leve que ainda usava, mesmo fora do campo de treino.

Ela não se incomodara em trocar de roupa para receber a princesa ômega.

— Uma alfa não deve se curvar. — repetia a voz da rainha em sua cabeça. — Nem diante do desejo, nem diante da tradição.

A carruagem de Lysaria chegou escoltada por cavaleiros de armaduras brancas e capas cor de vinho. Dela, desceu uma jovem envolta em véus azul-claros, finos como névoa. Anastácia tinha a pele clara, os olhos de um cinza quase prateado, e um porte que parecia ao mesmo tempo nobre e frágil.

Mas Chloe percebeu outra coisa. Algo nos olhos dela. Um brilho que não era medo — era desafio.

As duas se encararam por longos segundos enquanto o rei anunciava formalidades que nenhuma das duas ouvia.

— Princesa Chloe. — disse Anastácia, finalmente, com um leve aceno de cabeça. — É... uma honra.

Chloe respondeu com uma sobrancelha arqueada e um tom seco:

— Não precisa fingir que está feliz. Eu também não estou.

Anastácia sorriu — e o sorriso era mais perigoso do que uma espada.

— Ótimo. Começamos com honestidade. Raro entre alfas.

— Cuidado, princesa. — sussurrou Chloe, descendo um degrau com a postura de uma predadora. — Aqui, as ômegas aprendem a não provocar quem pode sentir o cio delas no ar.

Anastácia manteve o queixo erguido.

— E aqui, as ômegas aprenderam a fingir submissão até poderem quebrar o pescoço de quem as subestima.

Por um momento, ninguém respirou.

Depois, o rei riu nervosamente, mandando chamar os criados para conduzi-las ao salão. Mas a tensão entre as duas princesas era palpável — como duas cordas esticadas prestes a arrebentar.

Chloe a seguiu com os olhos enquanto Anastácia passava, os véus esvoaçando ao redor. Pela primeira vez, sentiu o próprio coração bater mais forte por algo que não era raiva... ou talvez exatamente por isso.

Anastácia não era o que esperava.

E isso a incomodava.

Muito.

A CORTE DOS OLHARES FRIOS

O castelo de Vallaris era feito de pedra escura, salões imensos e silêncio cortante. Para quem vinha de Lysaria — com seus vitrais coloridos e jardins perfumados —, aquela fortaleza parecia uma prisão de gelo. Anastácia caminhava pelos corredores longos como túmulos, observada por olhos que não a queriam ali.

As damas da corte a seguiam com sorrisos tensos, analisando cada movimento seu como se esperassem que ela errasse. Ela era uma ômega, afinal. Estrangeira. Um risco disfarçado de aliança.

— Princesa Anastácia — chamou uma voz feminina, doce demais para ser sincera.

Ela se virou. Era Lady Cerys, uma alfa de cabelos trançados e olhos azuis como lâminas. Conselheira da rainha Edrys, e uma das figuras mais influentes da corte.

— Seu vestido está encantador — continuou Cerys. — Lysaria sempre teve bom gosto para esconder fragilidades com beleza.

Anastácia sorriu com polidez, mas por dentro o veneno queimava.

— E Vallaris sempre soube envolver ameaças em elogios. Um talento raro.

Houve um breve silêncio. Cerys arqueou as sobrancelhas, surpresa com a resposta — mas satisfeita. A corte inteira queria ver a princesa ômega ceder, quebrar, chorar. Mas Anastácia se recusava a dar esse prazer.

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Chloe observava tudo do alto da varanda, como um general vigiando uma batalha. Anastácia se comportava como uma nobre, mas andava como quem se recusava a ser domada. Havia algo de irritantemente fascinante na forma como ela respondia aos ataques velados com ironia sutil. Chloe odiava aquilo. Ou talvez odiasse o quanto gostava daquilo.

— Vai observá-la o dia inteiro, ou vai descer e agir como uma anfitriã? — perguntou a voz áspera da rainha Edrys atrás dela.

— Estou apenas analisando. — respondeu Chloe, sem se virar. — Não costumo agir por impulso.

— É uma alfa. Está na hora de agir por instinto. A marca precisa ser feita antes da lua crescente. O povo precisa ver união. Estabilidade.

Chloe apertou o parapeito com tanta força que seus dedos embranqueceram.

— Ela não é um troféu a ser exibido. Nem um animal a ser marcado em praça pública.

A rainha se aproximou, fria como sempre.

— Então trate de domá-la com palavras, se for o caso. Mas faça o que tem que ser feito.

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Mais tarde, Anastácia foi levada até os aposentos reservados para ela — uma torre isolada, com janelas altas demais para fugir e portas pesadas demais para serem forçadas. Disseram que era tradição. Ela sabia que era vigilância disfarçada de hospitalidade.

Enquanto a camareira arrumava suas coisas, Anastácia caminhou até a janela e encarou o horizonte. Podia ver a muralha de pedra que cercava Vallaris, o mesmo muro que cercava seu destino agora. Sem escolha. Sem voz.

— Você sabia? — perguntou, de repente, à camareira. — Que as ômegas aqui precisam pedir permissão para sair sozinhas?

A jovem hesitou antes de responder:

— Aqui... tudo é controlado, alteza. Até os sentimentos.

Anastácia fechou os olhos. Não posso deixar que me moldem.

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Naquela noite, houve um jantar na Sala dos Ecos. Um salão abobadado, com centenas de velas flutuando sob o teto encantado. Os nobres estavam vestidos com seus trajes de gala, e o trono de Chloe estava no centro do estrado elevado.

Quando Anastácia entrou, os olhares recaíram sobre ela como lâminas. Havia escárnio, desejo e medo em partes iguais. Chloe também a observava, mas de maneira diferente — quase protetora, apesar de silenciosa.

Durante o banquete, palavras cortavam mais do que espadas.

— Como é ser prometida a uma guerreira, princesa Anastácia? — perguntou um conde bêbado. — Espero que não tema... ser marcada com muita força.

O salão riu. Chloe se levantou, e o silêncio caiu como uma nevasca.

— Próxima piada infeliz e será marcada... com minha lâmina.

O conde engoliu seco.

Anastácia a encarou. Por um instante, esqueceu que a odiava. Só por um instante.

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Naquela noite, ao deitar-se, sentiu o calor do cio rondando os cantos do corpo. Não era forte ainda. Mas viria. E quando viesse, todos esperariam que ela se rendesse.

Mas Anastácia prometeu a si mesma:

“Se eu for marcada, será pelo meu desejo — não pelo deles.”

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