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Quando o Amor Se Revela

A Promessa

Eu me lembro daquele dia como se estivesse suspenso no tempo.

O sol ardia no céu azul, lançando faíscas douradas sobre o quintal da casa dos meus pais. O cheiro adocicado das flores se misturava ao som das nossas risadas, e o mundo, naquela tarde, parecia inteiramente nosso.

Eu tinha seis anos. Pequena, leve, despreocupada. Brincava de correr atrás de borboletas com os pés descalços na grama, enquanto Davi — meu melhor amigo — era meu escudeiro em todas as aventuras. Ele tinha sete, mas entre nós não havia diferença. Éramos cúmplices inseparáveis, exploradores de mundos imaginários, príncipes e princesas de um reino que só existia em nossos olhos.

Nossos pais conversavam na varanda, sorridentes, com copos na mão e olhares de quem carregava um segredo. Meu pai e o pai de Davi sempre foram como irmãos, e naquela tarde havia algo solene entre eles. Eu não sabia o que estavam planejando, mas sentia, mesmo com a inocência da infância, que algo especial pairava no ar.

Então, meu pai nos chamou.

Nos aproximamos com os rostos corados da brincadeira. Ele se ajoelhou, olhou nos meus olhos com uma doçura que ainda consigo sentir, e disse:

— Vocês dois são mais que amigos. São como alma e espelho. E um dia, se o destino permitir, quero ver vocês casados.

As palavras soaram como um feitiço. Davi, com um sorriso decidido, segurou minha mão com firmeza.

— Você vai ser minha esposa um dia, Luana — disse ele, como se fosse uma certeza absoluta.

Eu ri, tímida, mas balancei a cabeça em concordância. "Sim." Era só o que meu coração sabia dizer.

Naquele instante, sem entender o peso daquela promessa, algo dentro de mim se aninhou ao dele. Como raízes de uma árvore crescendo juntas, entrelaçadas sem esforço.

Com o passar dos anos, aquela ideia se transformou numa tradição que todos achavam encantadora. A "promessa de casamento" era citada em festas de família, aniversários, almoços de domingo. Crescemos com essa história sendo repetida, como se fosse lenda e destino ao mesmo tempo.

Mas, para mim, era mais.

Porque Davi sempre foi mais.

Nossas tardes continuaram sendo preenchidas por risos, segredos e sonhos trocados sob a sombra de uma árvore centenária. Falávamos sobre o futuro como se tivéssemos todo o tempo do mundo — e, naqueles momentos, parecia que tínhamos mesmo.

Nossos pais nos olhavam com aquele brilho esperançoso no olhar, como se vissem ali o reflexo de um amor que sempre desejaram.

— Eles são um só coração — diziam. — Uma só alma.

Mas o tempo… o tempo tem um jeito sutil de mudar tudo.

A infância começou a se afastar, dando lugar à adolescência — esse território nebuloso de perguntas sem respostas. As brincadeiras deram espaço a silêncios carregados. Os olhares que antes buscavam cumplicidade começaram a arder com um calor desconhecido. E de repente, estar perto de Davi era ao mesmo tempo familiar e desconcertante.

Ele crescia. Eu também. E a promessa… aquela velha promessa… passou a carregar outro peso. Não era mais brincadeira de criança. Era expectativa. Era caminho. Era medo.

Lembro de uma tarde em especial.

Estávamos no parque, nosso antigo reino. Davi me levou até o gazebo coberto de trepadeiras, onde o sol dançava entre as folhas, criando desenhos dourados no chão.

— Você já pensou sobre o que vem depois da promessa? — ele perguntou, e seu tom era mais sério do que nunca.

Engoli em seco.

— Às vezes penso — confessei. — Mas é tudo tão incerto. Às vezes eu só quero fugir disso... e, ao mesmo tempo, quero que dê certo.

Ele segurou minha mão como naquela primeira vez, anos atrás.

— Eu não sei o que o futuro reserva — disse. — Mas eu sei que quero ele com você.

E naquele instante, mesmo com o coração apertado e os pensamentos embaralhados, eu acreditei nele.

Naquela noite, deitada na cama, revivi cada palavra. Senti o calor da mão dele ainda na minha, como uma âncora, um porto seguro. Mas também havia algo novo dentro de mim: um desejo silencioso de entender esse laço que nos unia. Seríamos apenas fruto de uma história antiga, escrita por nossos pais? Ou já tínhamos escrito nossos próprios capítulos, mesmo sem perceber?

Sonhei com ele. Com a gente. Caminhando lado a lado por uma estrada longa, cercada de flores e sombras. E em cada sombra, as perguntas que eu ainda não sabia responder: estamos prontos? Isso é amor, ou é destino?

Quando acordei, soube que precisávamos conversar.

E que talvez, o verdadeiro significado daquela promessa ainda estivesse por vir...

As primeiras ondas de Incerteza

Ela sentia falta das longas conversas sob a árvore onde costumavam sonhar juntos, quando o tempo parecia desacelerar só para ouvi-los. Agora, as palavras entre eles pareciam frágeis, como folhas secas carregadas pelo vento. Luana respondia às cartas com cuidado, tentando preservar o que restava da ligação entre eles, mas aos poucos começou a perceber que escrevia mais para si mesma do que para ele.

Certa tarde, enquanto caminhava sozinha até o campo onde costumavam se deitar e olhar o céu, ela sentou-se na relva alta e abriu seu caderno de desenhos. O sol filtrava-se pelas nuvens, lançando sombras suaves sobre o papel. Seus dedos traçaram linhas incertas no início, mas logo se deixaram guiar pela dor que havia tentado ignorar. A imagem que tomou forma foi a de duas árvores lado a lado, seus troncos entrelaçados na base, mas com copas inclinadas em direções opostas, como se procurassem céus diferentes. Ela olhou o desenho por um longo tempo, sem palavras. Era a primeira vez que admitia — mesmo que apenas em traços — a possibilidade de que ela e Davi estivessem começando a querer coisas diferentes da vida.

Ainda assim, havia noites em que ela deitava a cabeça no travesseiro e se obrigava a acreditar que era apenas uma fase, que ele precisava de tempo para se adaptar à nova rotina e logo tudo voltaria ao normal. Mas esses momentos de esperança eram cada vez mais curtos, substituídos por uma lucidez melancólica que não conseguia mais evitar.

Foi durante uma ligação interrompida por um suposto “compromisso urgente” que ela percebeu o silêncio mais pesado de todos: o que existe quando o outro já não tem mais tempo nem paciência para escutar. A chamada caiu sem despedida, e Luana ficou olhando para o celular em sua mão, o peito apertado por um sentimento que beirava a vergonha — não por algo que tivesse feito, mas por tudo o que tinha permitido sentir sozinha.

Na manhã seguinte, ao acordar, algo estava diferente. Não havia mais angústia, nem esperança, apenas uma estranha e serena aceitação. Ela se levantou, colocou o avental manchado de tinta e começou a preparar uma nova tela. Misturou cores frias com tons vibrantes, criou contrastes intensos, ousou traços que antes não teria imaginado. Era como se estivesse pintando o luto de um sonho, mas também o nascimento de uma nova versão de si mesma.

Aos poucos, o vazio deixado por Davi foi sendo preenchido por ela própria — por sua arte, por sua vontade de construir algo que não dependesse da permanência de ninguém. O campo, que antes parecia cenário de lembranças com ele, tornou-se seu refúgio pessoal, um lugar onde podia respirar e simplesmente existir.

Luana ainda pensava em Davi, claro. Havia dias em que seu nome surgia como um sussurro entre as flores, mas já não causava dor, apenas uma saudade branda, quase doce. O tempo estava ensinando que amar alguém não era o mesmo que permanecer com ele — e que às vezes, o maior ato de amor próprio era escolher seguir em frente, mesmo quando o coração queria ficar.

E assim, com os olhos voltados para o horizonte e o pincel firme na mão, Luana começou a escrever, com tinta e alma, o terceiro capítulo da sua história — um capítulo que, dessa vez, seria inteiramente o seu.

Luz entre as Sombras

O ateliê improvisado no sótão da casa dos pais de Luana tornara-se seu refúgio mais íntimo. Cada objeto ali — dos pincéis manchados às telas em branco — pulsava com a essência de sua alma criativa. A luz que entrava pela pequena janela de madeira, ao entardecer, tingia o espaço com um dourado suave, revelando as partículas de poeira que dançavam no ar, como se até o tempo desacelerasse para contemplar sua arte nascer.

Ali, entre o cheiro adocicado do óleo de linhaça e a nota picante da terebintina, Luana era mais do que ela mesma — era livre. Seu mundo cabia naquelas pinceladas que escorriam dos dedos com uma urgência viva, quase sagrada. Pintava campos dourados ao pôr do sol, árvores antigas com troncos retorcidos que pareciam carregar histórias, borboletas translúcidas que um dia tentara prender entre as mãos de criança, sem saber que liberdade não se aprisiona.

Em cada tela, ela depositava um fragmento do que sentia, uma tentativa honesta de transformar emoções em cor, porque às vezes as palavras simplesmente não davam conta.

As aulas na pequena escola de arte da cidade passaram a ser o ponto alto de sua semana. Absorvia tudo — técnicas, histórias, texturas — com a sede de quem finalmente encontrara um norte. Via nas explicações de Dona Helena, sua professora de olhar atento e mãos enrugadas, mais do que teoria: via possibilidade.

“Você tem um dom, Luana,” dizia Dona Helena, encarando uma de suas telas com olhos marejados. “Suas cores têm alma. Suas linhas contam segredos que a gente não sabia que precisava ouvir.”

Essas palavras ecoavam dentro dela por dias. Alimentavam uma confiança tímida, mas crescente. Pela primeira vez, o futuro parecia mais do que um lugar onde Davi existia. A cidade, antes símbolo de distância e saudade, tornava-se agora cenário de seus próprios sonhos. Um centro de cultura efervescente, onde sua arte poderia florescer — onde ela poderia ser mais do que a menina que esperava por alguém.

Passava horas pesquisando na internet, encantada com galerias, universidades, movimentos artísticos. O universo que se descortinava diante dela era vasto, vivo, cheio de possibilidades. Estudar com grandes mestres, expor ao lado de artistas consagrados... Aquilo a incendiava por dentro. Queria mais. Precisava mais.

As mensagens de Davi, porém, vinham cada vez mais esparsas. Algumas ligações, cartas apressadas, áudios curtos e sem entusiasmo. Ele falava da correria no trabalho, dos happy hours que “precisava” frequentar, do cansaço que o consumia. Sua voz, antes doce e familiar, agora soava arrastada, como se estivesse sempre longe — mesmo quando dizia sentir saudade.

“Está puxado demais,” ele disse em uma ligação rápida, a voz abafada. “Às vezes, nem sei como chego em casa.”

Luana apertou o celular contra o ouvido, tentando escutar entre as pausas o que ele não dizia.

“Sinto sua falta...” murmurou, engolindo a vontade de chorar.

Houve silêncio do outro lado. Um daqueles silêncios que dizem tudo. Finalmente, Davi respondeu, sem emoção:

“Também sinto a sua. Mas... preciso focar aqui agora. É importante pro nosso futuro.”

Nosso. Uma palavra que soou protocolar, sem a força de antes. Como se o futuro que ele tanto buscava tivesse deixado de incluí-la de verdade.

O vazio após o fim da ligação ficou reverberando nela. Era como ler uma carta escrita às pressas, sem carinho. Como um abraço dado com um braço só.

Foi então que surgiu o anúncio do concurso de arte local. Uma pequena oportunidade, mas que brilhou aos olhos de Luana como um raio de sol em tarde nublada. Pensou em desistir. Achava que ainda não era boa o suficiente. Mas as palavras de Dona Helena — e aquela necessidade profunda de se provar — a convenceram.

Inscreveu uma de suas obras favoritas: um pôr do sol carregado de emoção, vibrante como sua vontade de recomeçar.

No dia da exposição, o coração batia como se tivesse vida própria. As obras dos outros artistas a intimidavam e encantavam. Mas, quando seu nome foi anunciado como vencedora do primeiro lugar, uma emoção intensa tomou conta dela.

Incredulidade. Orgulho. Alegria pura.

“Eu sabia!” disse Dona Helena, abraçando-a com ternura e euforia. “Esse é só o começo, minha menina.”

Naquela noite, com o troféu nas mãos e os olhos marejados, Luana sentiu — com todas as células do corpo — que tinha uma voz própria. Que seu brilho não precisava vir de ninguém além dela mesma. A cidade, agora, era destino por escolha. Não por amor ferido, mas por amor próprio.

Mesmo assim, antes de dar o passo definitivo, precisava ver Davi. Precisava entender, com os próprios olhos, o que ainda havia — ou não — entre eles. Pegou parte do dinheiro que ganhara com alguns desenhos vendidos e embarcou em um ônibus na manhã seguinte, levando na bagagem uma mala pequena e um coração pesado de esperanças e temores.

A chegada à cidade foi um soco nos sentidos. Barulho, pressa, prédios tão altos que pareciam engolir o céu. Ela se sentiu minúscula. Atravessar avenidas e localizar o prédio de Davi foi uma pequena saga. Quando enfim chegou, o porteiro mal ergueu os olhos, e o elevador de serviço parecia mais um beco com botões.

Quando Davi abriu a porta, seu espanto foi visível, mas não caloroso. Vestia uma camiseta amassada e parecia perdido em meio a um apartamento escuro e desorganizado. Pilhas de pratos sujos na pia, roupas jogadas como se não houvesse tempo nem vontade de viver ali.

“Luana? O que você está fazendo aqui?” A voz dele soou mais irritada do que surpresa.

Ela sorriu, tentando manter o entusiasmo. “Vim te ver. Senti sua falta.”

Ele suspirou, cansado. Passou a mão nos cabelos desgrenhados.

“Você devia ter avisado. Tô cheio de coisas.”

O balde de água fria caiu sem piedade. Mas ela insistiu, tentando não deixar transparecer a dor.

“Queria fazer uma surpresa.”

A visita foi desconfortável. Ele parecia inquieto, como se estivesse preso ali com ela. Mal olhava nos olhos dela. No restaurante para onde a levou — barulhento, impessoal, cheio de telas e ruídos — a conversa foi trivial. Nenhum toque. Nenhum sorriso que dissesse “estou feliz por você estar aqui”.

No dia seguinte, ele alegou ter uma reunião e a deixou sozinha no apartamento. Luana decidiu sair. Precisava respirar.

Caminhou sem rumo pelas ruas movimentadas, as vitrines brilhando como promessas vazias. Em uma rua tranquila e charmosa, encontrou um pequeno café com toldo listrado e mesas na calçada. Um alívio em meio ao caos. Pediu um café e um pedaço de bolo. Sentou-se, sentindo-se, enfim, consigo mesma.

Foi então que Pedro tropeçou perto de sua mesa, derrubando alguns papéis.

“Ah, me desculpe!” disse ele, agachando-se apressado.

Luana abaixou-se para ajudar, sorrindo. “Tudo bem. Acontece.”

Ao recolher os papéis, notou esboços de desenhos. Interessantes. Vivos.

“Sou Pedro,” ele disse, já de pé, com um sorriso gentil.

“Luana,” respondeu, apertando a mão que ele lhe estendia.

Conversaram por alguns minutos. Ele era simpático, de olhos castanhos claros e fala suave. Comentou sobre o café, sobre a cidade, perguntou se ela estava de passagem. Nada invasivo. Apenas... agradável.

Quando ele se despediu, com um sorriso e um aceno, Luana ficou ali por alguns instantes, olhando o movimento da rua e sentindo algo curioso: leveza.

Não havia segundas intenções, nem promessas. Apenas um gesto simples de gentileza. E isso bastou para que algo dentro dela se acendesse. Um lembrete de que o mundo ainda podia ser bonito, mesmo em sua confusão. E que talvez... talvez a cidade pudesse acolher também outras formas de conexão — mais doces, mais honestas — como ela merecia.

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