Iris
Eu nunca gostei de fusões. Muito menos de celebrações. Mas hoje, duas das maiores agências inimigas estão se unindo... por causa de um casamento. Amor — esse sentimento frágil e inútil — agora é motivo de decisão estratégica. Que piada.
— Endireita essa cara, Iris! Tá parecendo que é você quem tá subindo no altar — disse Antônio, cutucando meu braço.
Estávamos sentados na fileira da frente. A igreja estava dividida ao meio como num campo de batalha: de um lado a Teccorp, do outro a Antcorporation. Eu sou da Ant. Especialista em demolições, combate corpo a corpo e missões que não deixam vestígios. Os outros? Aqueles bundões de terno da Tec... sinceramente, não faço ideia do que fazem.
— Cala a boca, Antônio. Quero que essa palhaçada acabe logo pra eu poder encher a cara.
Ele riu, abafando o som para não ecoar no altar.
Durante a cerimônia — brega e previsível — me mantive calada. Só voltei a prestar atenção quando já estávamos na recepção, sentados à mesa com Stefani e claro, Antônio.
— Achei tudo tão lindo... — suspirou Stefani. — Os votos do noivo me deram até vontade de chorar. Quem diria, o amor florescendo no meio da guerra corporativa...
— Em qualquer lugar, menos no coração da Iris — provocou Antônio
— Não fode! — retruquei, rolando os olhos.
— O pior é que ele tem razão. Será que você nunca vai se apaixonar? — perguntou Stefany, já meio alta do champanhe.
— Quando você mata tanta gente quanto eu, sentir qualquer coisa fica... complicado — disse, antes de dar um gole amargo no meu uísque.
Foi então que senti. Um olhar queimando minha nuca. Discreto, mas constante. Virei o rosto lentamente, e lá estava ele, em um canto do salão, meio afastado do burburinho. Bonito. Fiquei observando por tempo demais. Droga.
— Iiiiir! — resmunguei com nojo. — Preciso de ar. Esse ambiente tá me dando enjoo de tanto romantismo barato.
Me levantei e fui em direção ao jardim. Mal havia cruzado a porta, fui interceptada — claro — pelos noivos e mais um cara... O cara.
— Iris Maninha! Que sorte te encontrar. Preciso te apresentar alguém — disse animada a CEO da Ant, minha chefe Anita.
— Jura? Que honra — murmurei com sarcasmo.
— Com a fusão, achamos que seria interessante promover interação entre os funcionários — disse o noivo, todo sorridente.
— E eu com isso?
— Você é a melhor agente da Ant. E este aqui é Homero, o melhor da Tec. Achamos que vocês dois podem formar uma excelente dupla.
Meu corpo inteiro ficou tenso.
— Desculpa. Eu já tenho minha equipe. E moço, sem ofensa, mas meu grupo tá fechado. Não abro mão de ninguém.
Minha chefe soltou um risinho.
— Não vai precisar abrir mão de ninguém. Você será transferida. A partir de agora, vai trabalhar em uma nova equipe. Precisamos testar sua capacidade de... cooperação.
— Sério? Em pleno casamento? — revirei os olhos.
— Como se voce se importasse. Considere isso um presente uma chance de reeducação. Se fizer bonito, te reintegro à sua equipe. Vai ser só em dupla. Fácil, né?
Os dois riram. Eu fervia por dentro. Homero permaneceu em silêncio, com uma expressão neutra, como se analisasse tudo à distância.
Assim que se afastaram, eu me virei para ele.
— Senhorita, eu...
Antes que terminasse, o imprensei contra a parede do jardim com o antebraço.
— Escuta bem, galã. Só porque vamos “trabalhar juntos” não quer dizer que a gente tenha que se falar. Você fica no seu canto, eu no meu. Trocamos o mínimo de palavras possível. E, se tentar qualquer gracinha, eu juro que te quebro no meio. Tá claro?
Ele sorriu. Um sorriso malicioso.
Soltei-o com um empurrão e voltei para a festa, pisando firme. Meus amigos me esperavam com copos erguidos e gargalhadas.
Homero
Sempre a observei de longe, mesmo antes da fusão. Sempre me intrigou o jeito dela — fria, direta, eficiente. A melhor. Mexi uns pauzinhos pra conseguir trabalhar com ela. Só não esperava uma recepção tão... calorosa.
Depois que ela praticamente me transformou em decoração de jardim, voltou para a mesa dos amigos. Ria de algo, provavelmente contando como me prensou contra a parede. Um brinde se ergueu. Gargalhadas.
— Vai ficar secando ela assim, na cara dura? — disse Caio, surgindo do nada.
— Cala a boca. Achei que não vinha.
— Festa rica, comida de graça, bebida à vontade... Você acha que eu ia perder?
Revirei os olhos.
— Você fala assim porque nasceu em berço de ouro — continuou ele. — Mas mudando de assunto... por que não vai até ela?
— Porque eu não quero morrer. Sabe quem ela é?
— Ahn... Não?
— Iris Dvilla. Lê a ficha dela depois. A melhor das melhores. E agora minha parceira.
Caio não disse nada. Só balançou a cabeça, como se dissesse: “Você está ferrado.”
E eu provavelmente estou mesmo.
Homero
Fiquei ali parado, olhando para ela de longe. Ainda sentia a pressão do braço dela no meu peito, como se meu corpo ainda estivesse tentando entender o que aconteceu. Iris era fogo. E eu acabei de acender um pavio que pode muito bem explodir na minha cara.
— Cara, você tá com um sorriso estranho — comentou Caio, pegando mais uma taça de espumante. — Você gosta de desafio, né?
— Isso é suicídio profissional — respondi, mesmo sabendo que havia algo mais ali. — Ela não é só uma agente. Ela é uma lenda viva. Mas também parece... quebrada.
— Quebrada? — Caio arqueou a sobrancelha.
— Tem algo no olhar dela. Uma raiva contida, como se estivesse sempre à beira de explodir. Mas não é ódio... é dor. Ela odeia tudo que remete a afeto, carinho, conexão. Odeia o amor.
Caio assobiou.
— Pesado. E você vai ter que passar quantos meses com ela mesmo?
— O tempo suficiente pra ela tentar me matar ou começar a tolerar minha presença — suspirei, encarando meu copo vazio.
FLASHBACK – Sete Anos Atrás
Era inverno em Bucareste e Iris participava da formatura de novos recrutas, o vento cortava como navalha, e Iris sentia cada sopro gelado como um lembrete cruel de que não havia ninguém esperando por ela, ninguém iria parabenizar pela conquista.
Aos 13, foi deixada por sua mãe na sede da Antcorporation como quem abandona um pacote. A última frase que ouviu foi:
— Eles sabem o que fazer com você. Eu... não.
Desde então, combate e sobrevivência se tornaram sua nova linguagem.
Amor era algo que assistia de longe. Nunca experimentava. Nunca permitia.
Mas então veio Arthur.
Um recruta novo, olhar gentil, palavras leves. Alguém que conseguiu atravessar suas defesas. Demorou meses até que ela aceitasse que talvez, só talvez, poderia baixar a guarda.
E quando finalmente baixou...
O noivado durou menos de seis meses. O descobriu aos beijos com uma colega da equipe, no alojamento da base. Teve que terminar a relação com uma arma na mão, não porque pretendia usá-la... mas porque precisava dela para não cair.
— Você não é suficiente — ele disse na última discussão. — Você só sabe lutar. Isso não é amor, Iris. Isso é guerra.
Desde então, ela decidiu: nunca mais.
Nunca mais se permitir ser vulnerável. Nunca mais entregar o coração para alguém que pudesse esmagá-lo como os pais e Arthur fizeram.
O amor era uma armadilha. E ela era uma guerreira, não uma presa.
De volta à festa
Homero terminava sua bebida quando ouviu uma nova explosão de risadas vindo da mesa de Iris. Por um momento, ela parecia normal. Quase feliz. Mas era só uma máscara.
Ele sabia disso.
E se agora seriam parceiros... precisava descobrir o que havia por trás daquela armadura.
Não para salvá-la, mas talvez... para não ser destruído por ela sai para o jardim novamente para buscar explicações em minha própria mente
Parei no jardim e fiquei de frente para a porta que eu acabei de passar, o copo vazio na mão, eu tentava juntar as peças do quebra-cabeça que era Iris. Ela voltou para a mesa, rodeada pelos colegas, e em menos de um minuto já gargalhava de alguma piada idiota. Mas aquele sorriso... era mais para manter as pessoas longe do que perto. Ela sabia usar o humor como armadura.
— Parece que alguém levou um coice — disse Caio, me cutucando com o cotovelo. — Gostei dela. Ácida, direta. Te faz bem sair da bolha.
— Me faz bem arriscar minha vida? — revirei os olhos. — Ótimo plano.
Voltamos para dentro. A festa estava num ponto em que os ricos se misturavam aos bêbados e as máscaras começavam a cair. O salão estava cheio de luzes baixas e música ambiente que tentava, em vão, parecer sofisticada. Casais dançavam como se estivessem em um comercial de perfume caro. E lá estava ela, sentada na mesa com o mesmo grupo, o olhar alternando entre tédio e irritação.
Me aproximei devagar, com um copo novo na mão. Ela percebeu. Não moveu um músculo, apenas levantou uma sobrancelha com escárnio.
— Veio reclamar oficialmente? — disse ela, antes que eu dissesse qualquer coisa.
— Vim pedir um armistício — respondi com calma. — A gente vai ter que trabalhar junto, lembra?
Ela cruzou os braços, me olhando de cima abaixo como se eu fosse um vírus no sistema.
— Um brinde, então. Ao profissionalismo... e ao infortúnio de ter que te aturar — pegou o copo da minha mão e bebeu, de uma vez.
— Você sempre trata os colegas assim?
— Não. Só os que sorriem demais. E os que acham que vão me entender.
— Eu não vim te entender, Iris. Eu vim te acompanhar. Por pior que seja, essa é a missão. E eu sou bom nela.
— É... e bonito demais pra ficar calado, aparentemente — murmurou ela.
Homero sorriu de leve. Ela percebeu e bufou.
— Se acha que vai quebrar meu gelo com charme, vai acabar com hipotermia.
— Anotado. Sem charme. Só ordens. E sarcasmo, claro.
— Agora sim estamos falando a mesma língua.
Antes que a conversa ficasse ainda mais ácida, Stefani puxou Iris pelo braço, querendo dançar. E Antônio ria ao fundo, já levemente alterado. A pista se enchia, casais improvisados formavam pares desconexos. O amor estava no ar — e Iris, visivelmente enjoada.
— Se eu sumir, ninguém me procure — disse ela ao grupo, antes de desaparecer pela lateral do salão.
Homero a seguiu com os olhos, pensativo.
— Cara, você tá indo direto pro buraco — disse Caio atrás dele, estalando os dedos na frente do seu rosto. — Mas vou te dar um conselho... se quiser que ela confie em você, vai ter que provar que não é como os outros.
— E como eu faço isso?__ Ele pega no meu ombro e olha para o mesmo lugar que eu.
— Sobrevive à primeira semana. Aí a gente conversa.
Iris
Eu terminava de sair da pista de dança quando Homero entrou na minha frente.
— A próxima música é tua única chance de dançar comigo — ele disse, com aquele sorriso de propaganda de pasta de dente.
— Chance? — arqueei a sobrancelha. — Querido, a última vez que alguém achou que estava me dando uma chance, saiu com três costelas quebradas. E por incrível que pareça estava usando terno também.
Ele recolheu a mão, ainda sorrindo, mas havia um traço de frustração ali. Ótimo. Melhor aprender desde já.
— Boa sorte, Homero — disse, passando por ele e voltando para a mesa.
De longe, Stefani me lançou um olhar que dizia você vai ficar sozinha pra sempre. Eu retribuí com outro que dizia melhor sozinha do que morta por decepção, dali acabei minha noite pois tinha que cavar umas covas no dia seguinte.
Missão 01 — Armazém 43, Zona Portuária, 03h14
Tudo estava errado.
O plano era simples: entrar, coletar o drive de informações no galpão, sair. Mas a comunicação com Homero caiu no minuto em que ele passou do perímetro interno. Eu pedi atualização. Nada. Só silêncio. Como um idiota que resolveu jogar o herói.
Então fiz o que sempre faço: entrei.
Três inimigos estavam armando emboscada na lateral do galpão. Eles não esperavam que alguém invadisse pelo teto. Ruins de mira. Melhor pra mim.
Um giro, dois tiros, uma rasteira — e pronto. O último homem ainda tentava erguer a arma quando pressionei a lâmina contra sua garganta.
— Onde ele está?
O sujeito apontou com o olhar, aterrorizado. Atrás de um container de metal, encontrei Homero imobilizando um dos caras. Um corte no braço, nada grave. Mas sério o suficiente pra deixá-lo lento.
— Você está brincando comigo, né? — Minha voz era mais afiada que a lâmina ainda em minha mão.
— Eu ia avisar, mas fui interceptado. Precisava lidar antes...
— Antes? Você quebrou a regra número um de uma missão em dupla: atualize. Sempre. E se eu não tivesse vindo? Ia morrer abraçado nesse container?
Ele não respondeu. Claro que não. O tipo dele nunca responde quando está errado.
Voltei com ele até o ponto de extração. A adrenalina ainda fervia em mim. Ao chegar na base, nem esperei ele terminar de descer da van antes de invadir a sala da CEO.
— Você enlouqueceu? — perguntei, batendo a porta com força. — Quer me punir? Me manda limpar banheiro, não me dá um parceiro que nem sabe seguir protocolo!
Ela ergueu os olhos do tablet, calma demais pro meu gosto.
— Bom dia, pra você também. — disse em um tom sarcastico. — Ele é o melhor da TecCorp.
— Ele quase virou estatística da TecCorp. Você quer uma operação ou uma tragédia?
— Iris — ela respirou fundo —, você sempre trabalhou sozinha, mesmo estando em equipe. Essa é sua chance de aprender a confiar e a liderar sem se centralizar.
— Eu não sou babá.
— Não, você é uma arma. E armas precisam de controle. Você vai aprender. Nem que seja na marra.
Saí da sala bufando, mas sem argumento. Tinha acabado de salvar um idiota — e, ainda por cima, ele era meu parceiro.
Homero
Ela não disse uma palavra no caminho de volta. Só o som do motor e da minha respiração pesada. Eu estava tentando entender o que tinha feito de tão errado.
Mas a forma como ela me olhou… como se eu fosse um fardo.
Talvez fosse.
Ou talvez ela só estivesse com medo de que eu me aproximasse. Porque se alguém chegar muito perto, pode ver as rachaduras.
E alguma coisa me dizia que as dela eram mais profundas do que qualquer missão poderia mostrar.
Chegamos na Antcorp ela ainda estava bem irritada, saiu do carro e bateu a porta como se fosse papel, ela não apareceu no refeitório então fui procura-la, ela com certeza estava descarregando sua raiva então o primeiro lugar que fui, foi a sala de treinamento.
Assim que cheguei o som do impacto ecoou pela academia. O corpo de Antônio voou no ar como um saco de farinha e caiu para fora do ringue com um baque seco.
— Ponto pra mim — disse Iris, ainda em posição de ataque.
Ela limpou o suor da testa com o antebraço, sem perder o fôlego. Estava no auge. Sempre estava.
Entrei no espaço naquele exato momento, parando no limiar do tatame, surpreso.
— Santo Deus — murmurou.
— Relaxa, novato — disse Antônio, rindo do chão, os braços abertos como se tivesse acabado de sair de uma montanha-russa. — Isso aí é o nosso jeitinho carinhoso de brincar. A Iris se diverte assim, quebrando ossos e egos.
— Você veio espionar ou tentar a sorte? — Iris disse, já saltando para fora do ringue com a leveza de quem não tinha acabado de arremessar um homem de oitenta quilos.
Homero ergueu as mãos, num gesto de paz.
— Na verdade, eu... pensei que talvez pudéssemos treinar juntos.
— Treinar juntos? — Ela estreitou os olhos. — Porque a última vez que trabalhamos "juntos", você decidiu brincar de esconde-esconde no meio de uma missão.
— Eu cometi um erro. E já ouvi o suficiente sobre isso, inclusive de você, três vezes. Só estou tentando... melhorar. Aprender com a melhor.
Iris parou por um segundo. Só um segundo. Mas ele percebeu. Alguma coisa naquela frase a tocou — ou talvez a irritou ainda mais.
— Homero — disse ela, com voz firme, andando até ficar cara a cara com ele — Você quer aprender comigo? Então presta atenção. Eu não sou sua mentora. Não sou sua amiga. E definitivamente não sou o tipo de pessoa que melhora os outros.
Ela se afastou, pegou a toalha e virou as costas.
— Mas se ainda quiser subir no ringue... o Antônio está livre. Ou quase.
— Eu passo — respondeu Homero, erguendo uma sobrancelha, enquanto Antônio ainda gemia de dor no fundo.
Ela estava prestes a sair da sala quando ele disse, mais baixo:
— Você sempre foi assim ou alguém fez você virar isso?
Iris congelou por um segundo. O ar pareceu mais pesado.
Ela não se virou. Apenas respondeu:
-- Alguém não. Alguns.
E saiu, deixando a porta bater atrás de si.
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