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Lancelot: A Rainha De Ferro

Prólogo

A noite havia caído pesadamente sobre o vasto palácio, lançando sombras profundas que pareciam se estender como dedos escuros sobre os corredores e jardins. A brisa fresca carregava o perfume das flores noturnas, um contraste cruel com o peso sufocante que pairava no ar. Lancelot caminhava ao lado do rei Otávio, seus passos ecoando baixinho sobre as pedras frias do caminho iluminado pelas tochas que tremeluziam sob o céu estrelado.

— Precisamos conversar — a voz do rei quebrou o silêncio, carregada de um tom que a rainha nunca havia ouvido antes. Era duro, cortante como uma lâmina. — Sozinhos.

Ela olhou para ele, surpresa e um frio estranho lhe subiu a espinha. O rei, até então calmo e controlado, agora parecia um homem dominado por uma raiva silenciosa, uma fera contida prestes a se libertar. Ela sabia que o rei Otávio não tinha apreço pela rainha desde que se casaram, mas ele nunca foi tão frio como estava sendo naquele momento.

— Está bem — respondeu Lancelot, tentando esconder o nervosismo que começava a crescer em seu peito. — Para onde vai me levar?

Ele não respondeu, apenas acelerou o passo. Lancelot enlaçou seu braço ao do rei, despedindo-se de alguns nobres que encontrava no caminho, no salão de bailes. Por um momento, sua garganta pareceu amargar e ela sentia o gosto horrível de algo que poderia estar prestes a acontecer. Otávio acessou uma porta que dava acesso ao jardim interno do palácio, um espaço que usualmente era um refúgio de paz, mas naquela noite parecia um cenário de um drama prestes a se desenrolar.

As folhas sussurravam ao vento, e a luz prateada da lua filtrava-se entre os galhos, pintando o chão com manchas irregulares de sombra e luz. O coração de Lancelot pulsava forte, como se antecipasse o perigo que se escondia nas palavras não ditas do rei.

— Você sabe que nunca quis casar-me com você.

Lancelot engoliu seco, pois todas as vezes que Otávio falava sobre aquele assunto, vinham agressões verbais e físicas a acompanhar.

— Claro que não.— Concordou, apenas.

— Você era a princesa herdeira do trono mais pobre, mas meu pai insistiu que faria uma aliança inútil com o seu pai.

— Eles tinham os seus motivos, querido.

Otávio parou para a encarar. O seu olhar era cheio de rancor e ódio, parecia que a queria morta naquele momento.

— Everbest era a melhor opção para mim.— Referiu-se à princesa mais cobiçada.— Ela sim, estava a minha altura. O trono que a acompanha é o maior depois do meu, rico e próspero, não é como o seu que precisou do meu para se erguer. Seu povo é desprezível.

— Somos apenas pessoas boas, querido.— Engoliu seco.

— São pessoas nojentas.— Ele sorriu.— Mas há uma maneira de resolver essa questão. Everbest ainda não se casou e eu posso tornar-me viúvo.

— Como assim?— Lancelot se assustou.

Ela deu um passo para trás, com medo, mas quando menos esperava, Otávio avançou contra ela com um objeto afiado em suas mãos.

— Você não merece este trono! — sua voz rugiu, cheia de ódio contido. — Sempre foi uma usurpadora!

Lancelot deu um passo para trás, o corpo tenso. Foi então que ela viu, com um estalo horrível, o brilho metálico que reluzia em suas mãos. Uma lâmina afiada, pequena, porém mortal.

Num reflexo, ela desviou o corpo para o lado, quase sentindo o ar cortado pela lâmina que passou rente à sua roupa. Mas no movimento repentino, Otávio acabou tropeçando e se feriu ao cair em cima da lâmina. Seu sobrepeso ajudou a cair.

— Merda! — ele grunhiu. — Maldita seja!

Otávio se virou e havia um corte profundo em seu corpo, o sangue já descia como uma enxurrada. Lancelot hesitou por um instante, o choque a dominando. O sangue quente caía, já formando pequenas poças vermelhas sobre o chão de pedras. Sem pensar duas vezes, ajoelhou-se ao lado dele, pressionando sua mao contra o peito do rei, tentando conter a hemorragia com a própria força das mãos trêmulas.

— Calma, Otávio, vai ficar tudo bem — sussurrou, mais para si mesma do que para ele.

— Você não deveria estar aqui — ele respondeu, a voz fraca, o olhar começando a turvar-se. — Eu… eu tentei… te matar. Devia me deixar morrer.

— Shhh — Lancelot interrompeu, apertando a mão dele com força. — Não diga mais nada. Eu vou chamar ajuda.

Mas naquele instante, um ruído suave denunciou uma presença. Um serviçal do palácio, um jovem que passava pelo corredor do jardim, parou abruptamente ao avistar a cena. Seus olhos arregalaram-se ao ver a rainha ajoelhada, as mãos vermelhas de sangue, e o corpo do rei caído, com a vida esvaindo-se diante de seus olhos.

Ele engoliu seco, a voz tremendo:

— Majestade… o que aconteceu?

Lancelot levantou-se rapidamente, o rosto pálido, o medo lhe apertando o peito. Sua mente disparou — precisava agir rápido, precisava desviar qualquer suspeita que pudesse recair sobre ela.

Lancelot avançou sobre o homem e o sujou com o sangue do rei. O homem deu um passo para trás, tentando entender o que estava acontecendo e se afastou da rainha.

Com uma força surpreendente para alguém dominada pelo pânico, ela apontou para o serviçal e gritou:

— Guardas! Socorro!

Ela gritava sem parar e o serviçal não sabia o que fazer e nem estava entendendo nada. Logo os soldados do palácio chegaram prontamente ao ouvir os gritos desesperadoras de sua rainha. Viram a cena de Otávio já sem vida cheio de sangue, olharam na direção da rainha e depois para o serviçal.

— Prendam este homem! Foi ele quem atacou o rei!

O jovem deu um passo atrás, confuso e assustado.

— Eu não! Eu juro que não!

Mas antes que pudesse se defender, o som pesado das botas dos guardas ecoou no jardim. Eles surgiram rapidamente, envoltos em armaduras negras, os rostos sombrios e impassíveis. Em instantes, o serviçal estava cercado, algemado e arrastado para longe, balbuciando palavras de inocência que ninguém ouvia.

Lancelot voltou-se para Otávio, ajoelhando-se novamente ao seu lado. O rei já estava desacordado, quase sem vida, seus olhos fechados já não buscavam mais ninguém. Ela sentiu uma dor lancinante na alma — não apenas pelo homem que estava morrendo ali, mas pelo destino que acabara de selar com suas próprias mãos, mesmo que por medo e desespero.

— Por favor, não me deixe — murmurou ela, enquanto as lágrimas escorriam silenciosas. — Eu não queria… não queria que fosse assim.

O vento frio sussurrou entre as árvores, como se o próprio reino lamentasse o começo da queda de seu rei e o nascimento de uma rainha que, apesar de vilã, seria lembrada para sempre.

Um

O sino da morte ecoava como trovões surdos pelo vale. Três badaladas lentas a cada intervalo, e com cada uma, o reino mergulhava mais fundo no luto. As bandeiras pendiam a meio mastro, os portões do castelo estavam cobertos por panos negros e os jardins — outrora perfumados e vibrantes — agora pareciam um espelho pálido do pesar.

No grande salão de pedra do palácio, o corpo do rei Otávio jazia dentro de um caixão de ébano, cercado por colunas encobertas por longos véus de luto. O cheiro de velas e incenso era tão intenso que fazia os olhos arderem. Guardas armados em suas armaduras polidas ladeavam o caixão, imóveis como estátuas com suas armas prontas para ser desembainhadas se alguém se aproximasse sem permissão. O ambiente inteiro estava mergulhado em uma solenidade sombria.

Lancelot vestia-se de luto profundo — um vestido longo de veludo negro com detalhes prateados e um véu espesso ocultando todo o seu rosto. As mãos juntas a frente do corpo, ela mantinha-se com expressão neutra. Caminhava com passos calculados, mas não apressados. Os olhares dos nobres cravavam-se nela como punhais ocultos sob vestes de seda enquanto caminhava em direção ao caixão de seu marido.

Ela se aproximou do caixão, a cabeça erguida com altivez. Parou ao lado e olhou para o rosto inerte de Otávio. A morte o tornara silencioso, como ela sempre desejara — mas o gosto da vitória era amargo, pois custara mais do que planejara. Não era para tê-lo matado. Apesar de tudo o que Otávio há lhe fizera, Lancelot não queria carregar sua morte nas mãos. Ela pode ter culpado o pobre jardineiro, mas sabia que, na verdade, a verdadeira culpa estava em suas mãos.

Engoliu o nó na garganta e pousou a mão enluvada sobre a madeira escura. A voz saiu baixa, mas firme.

— Que a morte te leve em paz, Otávio. Talvez seja a primeira vez que repousas sem ódio no coração.

Atrás dela, os cortesãos fingiam pesar, mas na verdade, Otávio não foi um bom rei. A maioria chorava por protocolo. Mas entre os rostos pálidos e frios, um em especial mantinha-se imóvel — e atento.

O Duque de Thorne.

Vestia o traje cerimonial escuro da Casa Real, uma farda rica em bordados prateados. Os olhos cinzentos do irmão do rei estavam cravados em Lancelot, como se quisessem arrancar dela uma confissão. Ele não piscava. Não desviava. Não chorava. Era como se dissesse a ela com o olhar, que sabia de tudo.

Quando ela se virou para encarar os presentes, viu-o ali, ao fundo, parado entre duas colunas de pedra. O véu ocultava seu rosto, mas ela soube: ele a observava com atenção cirúrgica. Um calafrio percorreu sua espinha. A mente de Lancelot, ágil como a de uma loba em cerco, latejou em alerta.

"Ele sabe."

A hipótese formou-se como um sussurro cortante. "Ele viu?" Não... não podia. Não havia ninguém ali. Apenas ela... o rei... e o serviçal.

Mas o olhar dele não deixava dúvidas: ele desconfiava. E isso bastava para ser perigoso.

O Cardeal Grandel, velho e curvado, aproximou-se do altar e ergueu os braços para que todos se sentassem. Lancelot se sentou em seu trono, ao lado do caixão, enquanto todos se sentavam de frente para ela, na enorme construção de pedras. Iria iniciar a cerimônia de passagem:

— Que os deuses acolham o rei Otávio em seus salões eternos. Que sua alma encontre descanso. E que sua morte, embora trágica, não quebre a estabilidade do trono.

— Amém!— Todos responderam em uníssono.

— Rei Otávio, adorado, venerado, será recebido pelos deuses com honrarias...

A cerimônia continuou. Lancelot manteve a postura, mas por dentro, sentia cada palavra como uma lâmina. “Trágica”. “Estabilidade”. “Trono”. Tudo carregado de significados ocultos. Ela sabia o que o religioso quis dizer com estabilidade. Na verdade, ninguém acreditava no reinado de Lancelot, todos pensavam que ela acabaria com o reino, que seria uma péssima rainha.

Após a cerimônia, o corpo foi conduzido em procissão silenciosa pelos jardins até o túmulo real. O cortejo era solene: soldados marchavam ritmadamente, sacerdotes murmuravam preces fúnebres, e atrás deles, os nobres se enfileiravam conforme o protocolo exigia.

Lancelot era levada em uma carruagem de cor preta, logo atrás de seu marido. Em sua frente, sentado, estava o nobre Thorne, que insistia em a encarar. Não ousava olhar para ele. Mas sabia que Thorne estava lá. Sentia-o. O calor de seus olhos como brasas queimando a pele pálida de seu rosto.

No mausoléu, cavado nas profundezas da cripta real, o corpo de Otávio foi finalmente depositado. O caixão foi coberto com o brasão da Casa de Arkanne, e o símbolo do cetro foi colocado sobre ele. Quando a última pedra foi selada, Lancelot sentiu o peso final cair sobre seus ombros.

Ela ficou em pé diante da sepultura lacrada, os olhos fixos no nome entalhado na pedra:

Otávio, o Rei Dourado.

As palavras pareciam zombar dela.

— Majestade... — murmurou uma voz grave ao seu lado.

Ela se virou lentamente. Era Thorne. Agora mais perto do que nunca. O rosto estava neutro, mas os olhos — aqueles olhos — eram abismos cheios de julgamento. Ele carregava um sorriso curto, quase imperceptível, mas cheio de significados. Ele fez uma leve reverência.

— Espero que esteja suportando bem o fardo — disse ele.

Lancelot assentiu, tensa. Thorne tocou sua mão e a levou até a boca, beijando-a. Lancelot sentiu o peito acelerar, sentiu medo daquele homem, o mesmo medo que sentia de seu irmão.

— Farei o que for necessário. Pelo reino.

Thorne inclinou a cabeça levemente, com aquele sorriso que não era bem um sorriso.

— Sempre admirável sua determinação... minha rainha.

Ela sentiu um arrepio. Ele não disse “vossa majestade”, como os demais. Disse “minha rainha”, como quem lembrava a ela que agora o poder era seu — e que ele era uma ameaça sutil demais para ser descartado.

— O povo quer saber quando tomará o trono oficialmente — completou ele.— Todos já comentam que não podem ficar sem um governo por muito tempo.

Lancelot respirou fundo. Sabia que Thorne sempre quis ser rei, mas seu pai retirou seu título de príncipe e passou a herança do trono a Otávio, pois Thorne era uma pessoa muito inconsequente quando novo e acabaria destruindo o legado de seu pai, o falecido rei Heros.

— Amanhã ao amanhecer.

— Perfeito. Estarei lá. Na primeira fileira.— disse ele, antes de se afastar, deixando no ar um rastro de silêncio mais ameaçador que qualquer grito.

Quando ele se foi, Lancelot ficou sozinha diante da tumba. O mundo parecia ter parado de respirar.

"Ele sabe. Ou acha que sabe. E vai esperar o primeiro deslize para provar."

Ela se recompôs. Alisou o vestido, ergueu o queixo e deixou o mausoléu com passos firmes.

O rei estava morto.

Mas os inimigos ainda viviam.

E o jogo de poder — aquele que definiria o futuro do trono — havia apenas começado.

Lancelot deu uma última olhada para o caixão. Agora ela estava livre de Otávio, mas sabia que isso traria muitos inimigos. Um deles seria o Thorne, mas Lancelot estava disposta a enfrentar quem quer que quisesse a tirar do trono. Ela queria ser uma rainha de ferro, temida por todos, respeitada. Lancelot decidiu que ser uma boa rainha não seria uma opção, pois a faria frágil.

Dois

A alvorada chegou silenciosa, como se o próprio sol hesitasse em nascer naquele dia. As nuvens cerradas pairavam sobre o Reino de Arkanne, tingindo os céus de um cinza sombrio. Os sinos, desta vez, não anunciaram luto — mas tampouco soaram em júbilo. Era uma manhã de expectativa. De medo. De olhares cruzados em silêncio.

O Reino se preparava para ser comandado por uma rainha. Pela primeira vez.

Nas aldeias, o povo reunia-se em frente às casas, cochichando entre si, murmurando incertezas. Muitos jamais haviam visto Lancelot de perto. Conheciam-na apenas como a esposa do rei Otávio, a bela e silenciosa dama que raramente aparecia em público. Outros diziam que ela era ambiciosa, fria. E havia quem sussurrasse histórias mais perigosas — de veneno, traição e sangue derramado nas sombras do castelo.

No alto do Palácio Real, os criados corriam em silêncio. Tecidos eram estendidos sobre os corredores, o trono polido com pressa, flores dispostas em cada arco de pedra. Tudo precisava estar impecável. Era o nascimento de um novo reinado.

Na câmara real, Lancelot estava em pé, diante de um espelho antigo. Vestia uma túnica branca bordada com fios dourados, uma obra-prima feita às pressas para a ocasião. Sobre o colo, um colar com o brasão de Arkanne: o lobo e a estrela. O véu escuro que usara no funeral fora deixado de lado. Agora, seu rosto estava exposto ao mundo. Bela, imponente, e... enigmática.

— Está pronta, majestade? — perguntou uma voz baixa atrás dela.

Era lady Myrielle, sua antiga aia e confidente. Uma mulher de meia-idade, cabelos grisalhos presos com grampos de prata. Era uma das poucas pessoas no castelo em quem Lancelot confiava de verdade.

— Nunca se está pronta para carregar o mundo nos ombros, Myrielle — respondeu Lancelot, sem tirar os olhos do espelho. — Mas não tenho escolha, tenho?

— Tem, sim, senhora. Pode recusar. Pode fugir. Mas não é isso que fazem as rainhas.

Lancelot esboçou um sorriso frio.

— Exato.

Do lado de fora, tambores começaram a soar em ritmo cerimonial. A multidão reunia-se na praça central, em frente à escadaria do Templo dos Deuses, onde a coroação aconteceria. Uma estrutura ancestral, construída em pedra branca e cercada por colunas com rostos entalhados dos antigos monarcas. Era ali, sob os olhos dos mortos, que os vivos juravam fidelidade à nova coroa.

Lancelot desceu os degraus do castelo em meio a escolta real. Os olhos dos presentes estavam sobre ela — mas não havia aclamação. Apenas silêncio. Um silêncio espesso, como névoa antes da tempestade.

No templo, já a esperavam os principais nomes do reino.

O Duque de Thorne, trajando preto e prata, estava ao lado do Cardeal Grandel. Suas mãos estavam unidas nas costas, e seu sorriso... falso. Tão perfeitamente esculpido que quase parecia verdadeiro. Ele fez uma leve mesura quando ela se aproximou.

— Minha rainha — disse, com a voz aveludada e venenosa. — Que dia glorioso.

— Glorioso, sim — respondeu ela, sem hesitar —, para quem sobreviveu até aqui.

Thorne riu baixinho, fingindo divertimento. Mas os olhos dele falavam outra língua.

À esquerda do altar, um novo rosto observava com discrição. Era Sir Aldren Darvane, cavaleiro da fronteira oeste, comandante das tropas que garantiram as vitórias mais estratégicas do reino durante a guerra contra o norte. Um homem jovem, de fala contida e olhos atentos. Já havia se inclinado levemente em apoio a Lancelot dias antes, e agora, assistia com expressão austera, como quem espera o momento certo de agir.

Ao lado dele, Lady Elowen Ravaryne, herdeira da Casa Ravaryne, do sul do reino. Seu vestido rubro contrastava com a frieza ao redor, e seus olhos esmeralda estavam sempre ligeiramente semicerrados. Era uma estrategista nata, conhecida por suas manobras políticas. Diziam que ela e Lancelot trocavam cartas havia anos.

O Cardeal ergueu o báculo e o som dos tambores cessou.

— Hoje, diante dos deuses e dos homens, coroamos Lancelot de Arkanne como nossa soberana. Que sua mente seja afiada como a espada e seu coração, forte como o trono.

Lancelot ajoelhou-se diante do altar. O Cardeal tomou a coroa real — feita de ouro branco, cravejada com pedras das quatro regiões de Arkanne — e a ergueu no alto.

— Aceita o peso da coroa, com seus deveres, sacrifícios e condenações?

— Aceito — disse ela, com voz firme.

— Juras proteger este reino com sua vida?

— Juro.

— Juras jamais deixar-se corromper pelos próprios desejos?

Lancelot hesitou.

Uma batida de silêncio.

— Juro — respondeu, por fim. Mas seus olhos, impassíveis, não acompanhavam o voto.

A coroa foi depositada sobre sua cabeça.

E naquele instante, os ventos pareceram mudar. As nuvens se moveram. Um corvo soltou um grito agudo do alto da torre do templo.

A multidão não aclamou.

Não houve vivas.

Apenas o som das tochas queimando e o farfalhar das bandeiras.

Lancelot se ergueu.

— Que todos saibam — declarou o Cardeal —, que a rainha está coroada.

Ela encarou o povo. Seus súditos. Suas peças.

Cada um deles, uma ameaça. Ou uma arma.

Thorne sorriu. Elowen a observava com interesse calculado. Sir Aldren curvou-se respeitosamente. E do meio do povo, surgiram os primeiros rumores. Uns diziam que o reino entraria em guerra. Outros que Lancelot traria a paz. Outros, ainda, acreditavam que tudo terminaria em sangue.

Mas uma coisa era certa.

A rainha estava coroada.

E ninguém, naquele reino, dormiria tranquilo novamente.

Lancelot permaneceu imóvel por alguns segundos após a coroação, permitindo que o silêncio se estendesse por todo o templo. Era o tipo de silêncio que punha homens poderosos à prova. O tipo de silêncio que separava os leais dos oportunistas.

Então, ela deu um passo à frente.

— Meu povo — disse, a voz projetada com clareza, mas sem gritos, como se cada sílaba já nascesse com autoridade —, hoje nasce uma nova era.

Todos a escutavam com atenção. Não por respeito. Por receio.

— Muitos se perguntam se uma mulher é capaz de comandar um trono onde reis antigos pereceram. Muitos se escondem atrás da tradição, do medo ou da covardia. Alguns até... — seus olhos passearam sutilmente por Thorne — ...sussurram dúvidas entre paredes frias, achando que o silêncio os protegerá.

Uma pausa. Seu olhar agora estava fixo na multidão.

— Permitam-me esclarecer algo — continuou. — Minha coroa não é enfeite. Minha autoridade não é adereço. E meu gênero... não é fraqueza. Eu não serei tolerante com insubordinação, zombarias ou resistência. Quem se colocar contra mim, cairá. E cairá em silêncio, assim como caiu aquele que um dia pensou reinar sobre mim.

Murmúrios nervosos cortaram o ar. O Cardeal engoliu em seco. O nome de Otávio não foi dito, mas sua sombra pairava sobre cada palavra.

Lancelot ergueu os braços lentamente.

— Ajoelhem-se. Todos. Em honra à nova soberana de Arkanne.

Houve hesitação.

O povo na praça começou a se curvar um a um, lentamente. Alguns nobres do templo olharam uns para os outros, avaliando o movimento. Os mais prudentes se ajoelharam imediatamente.

Thorne, no entanto, permaneceu em pé por um momento a mais.

Lancelot virou-se na direção dele, o olhar como uma lâmina embainhada. Seus olhos encontraram os dele, e por um instante, o templo inteiro parou.

Thorne tentou manter o sorriso, mas seus olhos vacilaram. Havia um peso naquela troca de olhares. Algo mais profundo do que uma simples formalidade. Ele respirou fundo, fez uma leve reverência — e ajoelhou-se.

Lancelot não sorriu. Mas os músculos de sua face relaxaram ligeiramente. Vitória silenciosa.

Ao lado dele, Sir Aldren Darvane desceu sobre um joelho com firmeza.

— Arkanne prosperará sob sua liderança, majestade — declarou, alto o bastante para que todos ouvissem. — E minhas espadas estarão à disposição do seu comando.

A rainha assentiu, mantendo a compostura, mas por dentro reconhecia o valor daquela aliança. Sir Aldren tinha o respeito dos exércitos e era amado pelo povo. Mantê-lo por perto seria... útil.

Em seguida, Lorde Merik Vandrel, vindo do reino montanhoso de Eldar, ajoelhou-se. Um homem robusto, barba espessa e voz de trovão.

— A Casa Vandrel apoia a coroa. Que a Senhora de Arkanne seja firme como as pedras de nossas montanhas.

Lady Mirella Lys, da Ilha Rubra, curvou-se com elegância:

— Que os ventos tragam prosperidade ao seu reinado, Vossa Majestade. E que suas decisões soprem a incerteza para longe.

Mais nomes seguiram. Mais joelhos tocaram o mármore.

A cada aclamação, o domínio de Lancelot ganhava raízes. O que antes era hesitação se transformava em obediência. Por medo. Por respeito. Ou por estratégia.

A rainha, agora no centro absoluto da atenção, elevou uma última vez a voz.

— Levantem-se — ordenou. — E nunca mais se esqueçam de quem sou.

Todos obedeceram.

Ela não precisou gritar. Não precisou empunhar uma espada. Sua presença bastava. Uma rainha havia sido coroada — e Arkanne, naquele momento, compreendeu o que significava estar sob o comando de uma mulher que jamais se curvaria.

A tempestade havia começado.

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