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Código Vermelho

sinopse

Quando eu era pequena, costumava sentar na porta da academia comunitária onde meu pai treinava.

Ele era policial no interior do Brasil — daqueles de verdade. Não corrupto, não medroso. Honesto.

Ou seja, com prazo de validade curto.

Lembro dele treinando com um foco que beirava o religioso. O suor escorrendo, a barba por fazer, os braços tatuados levantando pesos como se o mundo dependesse daquilo. E talvez dependesse mesmo.

Ele dizia que cada treino era como carregar um colete invisível. Não dava pra evitar o tiroteio, mas dava pra tentar voltar pra casa no final do dia.

Ele me chamava de "sargentinha".

Me deixava segurar o cronômetro, corrigir o tempo dele, aprender a contar repetições.

Foi ali, com cheiro de ferro oxidado e música ruim de fundo, que me apaixonei pela ideia de proteger.

Pelo poder de ser o escudo de alguém.

O dia em que enterramos meu pai foi o primeiro em que pisei numa academia de verdade sozinha.

Eu tinha dez anos.

Nunca mais parei.

Me tornei a mulher mais temida da escola, depois a mais preparada da universidade, e por fim, a mais requisitada nos bastidores da segurança privada internacional.

Não era sorte. Era obsessão.

Era suor, porrada, noites mal dormidas e uma necessidade constante de me provar duas vezes mais capaz.

Por ser mulher. Por ser brasileira. Por ser filha de um herói que não teve final feliz.

E depois de tudo isso...

Cá estou.

Designada para cuidar de Jeon Jungkook.

O terror dos protocolos.

O apocalipse da disciplina.

A minha cruz.

— Ele tirou o rastreador de novo? — perguntei, apertando os olhos para a tela.

— Tirou. E postou um story da bunda no espelho de uma academia secreta em Busan.

— Ótimo. Que bom que avisou os stalkers armados onde podem atirar primeiro.

Fechei os olhos. Respirei. Contei até três. Uma, duas, três...

E ainda assim, a vontade de socar a parede era quase maior que minha ética profissional.

Jeon Jungkook era o tipo de homem que eu evitava com a mesma intensidade que evitava carboidratos em dia de missão.

Charmoso, sim. Talentoso até irritar. E — claro — absolutamente irresponsável.

Ele andava por aí com o ego do tamanho de uma turnê mundial e a mania de fazer exatamente o oposto do que mandavam.

Se a equipe dizia “não saia”, ele pulava o muro.

Se o protocolo pedia discreção, ele surgia no aeroporto de cabelo cor-de-rosa.

Se a regra era não seduzir a segurança... bom, aí era quase um desafio pessoal.

— Joyce? — chamou minha assistente, hesitante.

— Hm?

— Ele acabou de invadir sua sala.

Ah, claro que sim.

Nem a minha porta era sagrada.

Senti o cheiro dele antes mesmo de vê-lo. Um perfume amadeirado, caro, meio doce demais pro meu gosto.

Depois o som das botas, e por fim, o sorriso escroto que deveria ser ilegal.

— Me senti pessoalmente ofendido com a nova senha da sua sala.

— “Fora, Jeon”? — ergui uma sobrancelha.

— Poderia ser mais sutil.

Ele se encostou na porta como se estivesse posando pra revista de moda.

Camisa justa, tatuagens à mostra, e aquele ar de “eu sei que você quer”.

Queria mesmo. Dar um mata-leão.

— Você vai usar o rastreador, seguir a rota segura e parar de provocar a imprensa com fotos sem camisa — disse, me aproximando, braços cruzados. — Ou eu mesma coloco esse rastreador em um lugar onde o sol não brilha.

Ele sorriu.

Aquele maldito sorriso que fazia fãs desmaiarem, e que em mim causava apenas uma irritação hormonal crônica.

— Me ameaça mais um pouco, segurança... Gosto quando fica brava. Te deixa... deliciosa.

Fechei os olhos de novo.

Rezei um Pai Nosso em silêncio.

Porque esse homem...

Esse homem ainda vai ser minha ruína.

Ou talvez, só talvez, a minha perdição mais deliciosa.

minha história e propósito que mudou minha vida

Herói, pra mim, nunca teve capa.

Teve farda.

Teve suor, sangue, olheiras profundas e cheiro de café amargo às cinco da manhã.

Meu pai se chamava Adam.

Ele era policial.

Não desses que aparecem em propaganda sorrindo em campanha de segurança pública.

Era de verdade.

De alma, de corpo, de missão.

Eu cresci vendo ele limpar a arma com o mesmo cuidado que me ajeitava o cabelo antes da escola.

Cresci ouvindo histórias de tiros, fugas, madrugadas sem dormir.

Mas também cresci ouvindo promessas.

— Um dia você vai crescer, minha sargentinha. E quando crescer, vai saber que heróis existem. Eu sou um.

E eu acreditava.

Acreditava tanto que nem o Super-Homem me convencia.

Meu pai era o exemplo de homem que eu queria pro futuro.

Era o amor da minha vida antes de eu entender o que era amor.

Quando eu nasci, minha mãe morreu no parto.

Então era só nós dois e minha vó Lúcia.

A véia mais braba e mais doce do universo.

Tinha mãos calejadas de cuidar dos outros, voz de cigarro e fé inabalável.

— Adam é teimoso, mas tem coração bom — ela dizia. — E você puxou a cabeça dura dele, menina.

Eu puxei mesmo.

Dei trabalho.

Mas nunca mais do que a vida me deu.

O dia em que meu pai morreu foi o dia em que eu perdi o chão.

Um tiroteio entre facções. Um erro de estratégia. Uma bala que não era endereçada a ele, mas achou casa no peito do homem que era meu mundo.

Lembro do rádio noticiando.

Lembro da vó gritando.

Lembro de mim, parada na sala, sem conseguir chorar.

— Não... não... ele vai voltar... — eu repetia, sem voz, sem ar, sem acreditar.

Mas ele não voltou.

Voltou só num caixão coberto com a bandeira do Brasil.

Voltou só em lembrança, cheiro no uniforme, cartas antigas.

A partir dali, virei adulta.

Não por escolha. Por necessidade.

A pensão que recebíamos mal cobria as contas.

A vó Lúcia já estava doente — diabetes, pressão alta, os remédios cada vez mais caros.

Os postos de saúde viviam sem insulina, sem atendimento, sem vergonha.

Então, aos 15, comecei a fazer bico.

Distribuía panfleto, lavava carro, vendia brigadeiro em porta de hospital.

Tudo pra não deixar faltar nada pra ela.

Ela era tudo o que me restava.

— Você devia estar estudando — ela resmungava, enquanto tomava o chá que eu preparava pra baixar a pressão.

— E tô. Mas antes disso, eu tô sendo filha.

E fui.

Fui até o fim.

Até o dia em que ela teve um AVC fulminante.

Os médicos tentaram. Mas ela já era frágil demais.

Enterrei minha avó com a mesma farda preta que usei no dia em que entrei como segurança no shopping da cidade.

Passei no concurso aos 19.

Dois anos depois, já era chefe de equipe no aeroporto.

Dava ordem pra homem de cinquenta com ego ferido e cara feia.

Eu não me tremia.

— Se encostar a mão de novo em qualquer passageira, eu mesma arranco seu crachá — falei uma vez pra um segurança metido a galã que achava que podia tudo.

— Você acha que pode falar assim comigo só porque é chefe?

— Não. Eu falo assim porque sou mulher. E porque, se quiser, te derrubo com um dedo. Quer tentar?

Ele não quis.

Ninguém queria.

Meu nome virou sinônimo de respeito.

De medo.

De eficiência.

E foi por isso que a proposta chegou.

Segurança particular. Nível internacional.

Contrato em Seul. Moradia inclusa. Salário em dólar.

— Vai mesmo deixar tudo? — perguntou a gerente do aeroporto.

— Já deixei quando perdi meu pai e minha avó. Aqui não sobrou nada.

Fui com uma mala, a alma cansada, uma arma na cintura e um instinto de sobrevivência que latejava como músculo treinado.

Ninguém me esperava no aeroporto de Incheon. Só um motorista com uma plaquinha:

JOYCE ALMEIDA – SEGURANÇA NÍVEL 4

Subi no carro sem olhar pra trás.

Sabia que meu futuro não tava mais no Brasil.

Tava onde meu trabalho me levasse.

— Você tem ideia do que tá indo proteger? — perguntou o motorista, enquanto passava por ruas modernas e luzes neon.

— Não.

— Não se assuste. O cliente é um pouco... famoso.

Eu ri de canto.

Já protegi gente rica, filho de político, e até modelo que achava que o mundo girava em torno do abdômen trincado dele.

— Famoso não me assusta. Homem mimado, talvez.

Eu só não sabia que o mimado em questão era uma bomba de testosterona chamada Jeon Jungkook.

E que, em menos de uma semana, eu ia querer algemar ele.

Pelo motivo errado.

rabo de saia e o armário estrangeiro

Gravando em uma sala fechada por cinco horas seguidas, sem ar-condicionado decente, com o cabelo colando na testa e a cueca parecendo ter sido mergulhada em sopa quente, tudo o que eu conseguia pensar era:

“Eu devia ter ficado solteiro.”

— Jungkook, só mais uma vez — disse Jolie, a coordenadora de imagem, com a mesma empolgação de alguém pedindo pra repetir o Enem.

Revirei os olhos, mas balancei a cabeça.

— Só mais uma vez… — murmurei, fingindo sorriso pro take.

A música começou de novo. Eu me vi na câmera, joguei o casaco pro lado, olhei com aquele olhar matador que a empresa adora e entreguei o movimento de ombro que, segundo a internet, “engravidava pelo Wi-Fi”.

Acabou. Finalmente.

Eu saí da sala suando mais que frango de televisão de padaria, puxando a camisa do corpo, bufando. Jolie me olhou com pena. Ou medo. Não sei. Sinceramente? Tanto faz.

O corredor tava vazio. Perfeito. Silêncio. Paz.

Até eu dar de cara com ele.

— Jungkook — disse Sr. Lee, o segurança-chefe, com a voz sempre seca, sempre direta. Ele parecia um guarda real britânico misturado com um samurai aposentado. — Preciso falar com você. Agora.

Suspirei.

— Não pode ser depois de uma comida? Um ramenzinho? Uma massagem nas costas?

— É sério.

Olhei pro rosto dele. Rígido. O tipo de cara que não brinca nem com bingo.

Fomos pra sala de reuniões vazia, com paredes acolchoadas, microfone desligado, e a luz de emergência piscando com humor duvidoso.

— Fala — cruzei os braços, recostando na cadeira.

— Você sabe que a empresa abafou tudo. Mas isso não apaga o que aconteceu.

Minhas mãos fecharam em punhos sobre as pernas. Eu sabia onde aquilo ia dar.

— Não começa, hyung…

— Ela entrou com credencial de staff. Passou três barreiras. Sabia teu quarto. Sabia tua senha. Deixou uma carta dentro da tua bolsa. Jungkook, se isso não for uma falha grave de segurança, eu não sei o que é.

— Eu sei. Eu sei. Merda, eu sei.

Baixei a cabeça.

“Eu me apaixonei pelo primeiro rabo de saia que apareceu.”

Era isso que o Yoongi tinha falado. Ríspido, direto. Igual a ele. Mas era verdade. A garota parecia inofensiva. Bonita, divertida, gostava das mesmas músicas que eu. Entrou como staff de figurino, me elogiou uma vez, me olhou duas, e pronto — caí igual pato. E agora tava vivendo com paranoia, recebendo foto minha dormindo pelo correio, mensagem dizendo “ficamos lindos juntos ontem”, sendo que ontem eu nem saí do dormitório.

— E o pior — completei, encarando Sr. Lee —, foi ver que ela sabia tudo. Eu não falei nada pra ela. Ela sabia.

— Por isso, vamos reforçar tua segurança pessoal.

Revirei os olhos.

— Mais um cara me seguindo até no banheiro?

— Não é “mais um cara”. É alguém de fora. Um estrangeiro. Altamente treinado. Não tá registrado como staff comum, e não tem histórico na mídia local.

— Um armário com cara de poucos amigos — murmurei, jogando a cabeça pra trás. — Vai correr atrás de mim com cara de Rambo. Aposto que não sabe nem rir.

Sr. Lee apenas cruzou os braços.

— Chega amanhã. Não reclame.

Claro. Porque reclamar adiantava.

Depois que ele saiu, fiquei sozinho ali, encarando o teto. O ar-condicionado tossia mais do que soprava. Meus pensamentos estavam bagunçados. Eu não conseguia confiar em ninguém desde aquilo. Os hyungs tentavam me distrair, mas só o Yoongi sabia tudo. O único que ficou até o fim daquela noite, sentado do meu lado, enquanto eu tremia com a carta na mão.

A porta se abriu devagar.

— Tava te procurando — disse a voz rouca do Yoongi, entrando devagar. — Tá com a cara de quem viu de novo a foto do pé da stalker.

Bufei, rindo pela primeira vez em horas.

— Aquilo foi traumatizante.

Ele sentou na poltrona de couro ao lado, estalando os dedos.

— Sr. Lee falou?

Assenti.

— Vai chegar um armário internacional amanhã.

— Brasileiro?

— Não sei. Só sei que é estrangeiro. E armado, segundo ele.

Yoongi arqueou uma sobrancelha.

— Armado?

— É.

— Com o que? Um taco de beisebol?

— Com arma mesmo, Yoongi. Bala. PÁ!

— Caralho…

Ficamos em silêncio. Um silêncio daqueles pesados, mas de irmão. Ele pegou meu boné do chão, jogou no meu colo.

— Não é tua culpa, sabe?

— Claro que é. Eu deixei ela entrar. Eu... confiei.

— Você é humano, Jungkook. A culpa é dela. De quem invade, manipula e mente. Não tua.

Suspirei, fechando os olhos.

— Mas agora eu vou ter um armário gigante me seguindo 24 horas por dia.

— Olha pelo lado bom. Se for bonito, tu ainda pode dar em cima dele.

Soltei uma gargalhada verdadeira.

— Vai se foder, hyung.

— Já vou.

Ele levantou, mas antes de sair, me lançou aquele olhar preguiçoso dele.

— Se prepara. O mundo lá fora continua rodando. E parece que o reforço vai te encontrar no aeroporto.

— Mal posso esperar.

Mentira. Eu podia sim. Podia esperar um século. Mas a vida não esperava ninguém. Nem quando você só queria comer um ramen e dormir.

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