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O ÚLTIMO AMOR DE LADY COOPER

Willow Creek

Willow Creek parecia uma cidade esquecida pelo tempo.

Escondida entre colinas cobertas por pinheiros e cercada por uma floresta que os mais velhos juravam ser assombrada, ela era pequena o suficiente para que todos se conhecessem pelo nome, mas grande o bastante para guardar segredos entre suas vielas empoeiradas. Ali, os verões cheiravam a grama recém-cortada e gasolina, e o outono tingia as ruas de folhas douradas, como se a própria natureza tentasse esconder as rachaduras da cidade sob um manto de nostalgia.

No centro, havia uma lanchonete chamada Mary’s Diner, onde adolescentes se reuniam após a escola para dividir milk-shakes e ouvir rock nas jukeboxes que ainda funcionavam, milagrosamente, com moedas de 25 centavos. Havia um cinema antigo com letreiro de neon piscando, onde filmes de terror de segunda mão passavam em sessões duplas, e um fliperama minúsculo espremido entre uma loja de ferramentas e uma funerária.

Era 1987, mas em Willow Creek os dias pareciam sempre os mesmos, uma fita rebobinada sendo tocada de novo e de novo.

E foi nesse cenário que vivia Hanna Cooper.

Aos 17 anos, Hanna não era o tipo de garota que se destacava. Tímida, de cabelos escuros e sempre com os fones do walkman nos ouvidos, ela preferia os corredores silenciosos da biblioteca municipal às conversas no refeitório da escola. Enquanto outras garotas colecionavam revistas de moda e pôsteres de bandas pop, Hanna colecionava livros de ocultismo, histórias de fantasmas e clássicos do terror. Seus autores favoritos eram Poe, Lovecraft e Mary Shelley, e ela sonhava em escrever algo que fizesse alguém tremer como ela tremia ao ler à noite, com a lanterna acesa debaixo das cobertas.

Ela morava com os pais em uma casa de dois andares com varanda de madeira, na última rua antes do início da floresta , aquela que todos chamavam apenas de “as árvores velhas”. Sua mãe, uma enfermeira metódica e religiosa, nunca soube o que fazer com os interesses da filha. O pai, mais calado e ausente, passava a maior parte do tempo consertando rádios antigos na garagem.

Hanna se sentia deslocada, como uma personagem fora do roteiro. Não se encaixava nos moldes da escola, nem nos sonhos que seus pais pareciam querer para ela. Mas havia algo nela, uma fagulha silenciosa, uma fome de algo além da normalidade,  que a mantinha esperando. Como se soubesse, no fundo, que a história dela ainda não havia realmente começado.

Naquela manhã de junho, o céu estava limpo e o calor já fazia o asfalto brilhar. Hanna pedalava sua bicicleta vermelha pelo centro da cidade, os fones tocando uma fita gravada com músicas da Siouxsie and the Banshees, quando algo chamou sua atenção.

Um carro desconhecido estava parado em frente à casa abandonada dos Miller, aquela que todos evitavam desde que o velho Miller morrera, há mais de uma década. Havia alguém ali, descarregando caixas do porta-malas. Um rapaz, provavelmente da mesma idade que ela. Alto. Cabelos bagunçados. Jaqueta jeans desbotada. Um completo estranho em uma cidade onde ninguém era estranho.

Naquele instante, Hanna não sabia que o garoto que acabara de chegar mudaria tudo.

Nem que ele se tornaria seu primeiro e último  amor.

Hanna: "Quem será ele?"

O Garoto da Casa Abandonada

Hanna pedalou mais devagar, fingindo ajustar os fones. Os olhos, no entanto, estavam fixos no garoto diante da velha casa.

Ele parecia estar sozinho, tirando uma caixa de papelão do porta-malas de um sedã marrom empoeirado. A casa dos Miller tinha sido deixada às traças havia anos, com janelas quebradas, trepadeiras tomando conta da varanda e uma aura de coisa esquecida ou assombrada.

“Não tem como ele estar se mudando pra lá”, pensou Hanna. “Ninguém em sã consciência viveria ali.”

Como se sentisse o peso do olhar, o garoto ergueu os olhos. Seus olhares se encontraram por um instante.

Hanna desviou rapidamente, o coração acelerado. Droga. Ele viu. Fingiu que estava apenas passando, mas já era tarde demais, ela ouviu passos atrás de si. A voz dele veio alguns segundos depois, com um tom curioso, quase divertido.

Jared:" Ei! Espera aí! "

Ela parou a bicicleta a contragosto e se virou devagar. O garoto vinha caminhando pela calçada rachada, limpando as mãos em uma camiseta desbotada do Metallica.

Jared: "Você mora por aqui? "

Hanna assentiu, engolindo seco.

Hanna:" Na última casa antes da floresta."

Jared:"Ah, legal. Sou Jared. Jared Miller."

Ele sorriu. Tinha um sorriso fácil, do tipo que parecia pertencer a um filme adolescente de sessão da tarde.

Ela arregalou os olhos.

Hanna:" Miller?"

Jared: "É. Meu avô morava aqui. A casa ficou pra família, e... bem, minha mãe decidiu que um “recomeço” no interior era o que a gente precisava. ( Ele fez aspas com os dedos e revirou os olhos.) Como se isso fosse resolver alguma coisa."

Hanna mordeu o lábio.

Hanna:" Desculpa, não queria parecer... surpresa. É só que essa casa ficou vazia por tanto tempo que todo mundo meio que achava que ela ia desabar antes de alguém voltar."

Jared: "Parece que eu sou o idiota que vai testar isso, né? (disse ele, rindo.) Você tem nome, garota da bicicleta?"

Hanna: " Hanna. Hanna Cooper."

Jared: " Hanna Cooper. Gosto desse nome. ( Ele olhou para a floresta atrás dela.) E você mora na beira das árvores. Isso é meio sinistro, sabia?"

Hanna: "É...  As crianças dizem que tem bruxas lá. Mas acho que só tem veados e corujas."

Jared: "Bruxas seriam mais interessantes."

Ela o encarou por um segundo.

Hanna: "Você gosta dessas coisas?"

Jared: "Do estranho? Do oculto? ( Ele sorriu de novo.) Sempre. Acho que prefiro um mundo cheio de monstros a um cheio de gente normal."

Hanna sentiu algo se acender dentro dela, uma faísca tímida, mas viva.

Hanna: " Bom... se precisar de ajuda com caixas ou quiser uma tour não-oficial pela cidade, eu... conheço bem os lugares."

Jared: " Isso soa melhor do que passar o dia ouvindo minha mãe reclamar da poeira. ( Jared inclinou a cabeça. ) Que tal amanhã?"

Hanna: " Pode ser. Depois das quatro, quando eu sair da biblioteca."

Jared: " Biblioteca? Agora faz todo sentido. Até amanhã, Lady Cooper."

Ele deu um passo para trás, com um sorriso.

Ela sentiu o rosto esquentar.

Hanna: " Por que “Lady”?"

Jared: "Porque parece nome de alguém que vai acabar virando lenda."

A Trilha das Sombras

Na tarde seguinte, às quatro e doze, Hanna já esperava na frente da biblioteca municipal com sua bicicleta encostada no parapeito.

O calor do verão tornava o ar pesado, mas havia algo em seu peito que a fazia flutuar. Ela havia passado o dia tentando não imaginar como seria aquele passeio mas falhou miseravelmente.

Quando viu Jared se aproximando pela rua principal, com os cabelos bagunçados, uma mochila pendurada no ombro e os tênis surrados batendo no asfalto quente, ela sentiu o estômago revirar.

Jared: "Lady Cooper , está pronta para guiar um forasteiro?"

Hanna:" Só se prometer que não vai me culpar se se perder na floresta"  Ela sorriu.

Jared: "Já estou perdido, Hanna. Mas em um bom sentido."

Ela fingiu ignorar o comentário, mas o rubor foi impossível de esconder. Os dois caminharam lado a lado pela rua de paralelepípedo que levava ao limite da cidade, onde a floresta de pinheiros antigos começava a tomar conta da paisagem.

Hanna: " Essa trilha aqui leva até um lago escondido. Quase ninguém da escola vem, então é meio como um lugar secreto."

Jared: " Um lago secreto? Uma garota misteriosa? Isso tá começando a parecer um daqueles filmes que passam à meia-noite."

Hanna: "Só falta a trilha sonora." brincou ela.

Jared tirou um walkman da mochila e mostrou uma fita K7 com um adesivo rabiscado: Dark Mixtape Vol. I.

Jared: " Cure, Echo & the Bunnymen, Siouxsie… A trilha sonora está garantida."

Hanna: " Tá brincando? Essa é literalmente a minha mixtape favorita da vida. Tenho a mesma."

Jared: " Então somos almas gêmeas musicais. O universo está tentando me dizer alguma coisa, Hanna Cooper."

Ela apenas riu, um pouco envergonhada, e continuaram andando.

A trilha era estreita e levemente coberta por folhas secas. Raios de sol filtravam entre os galhos altos, pintando o chão com sombras oscilantes. O cheiro de terra, madeira e coisa antiga preenchia o ar. Havia algo naquela parte da floresta que parecia... parada no tempo.

Hanna: " Tem uma lenda sobre essa floresta (disse Hanna, enquanto eles seguiam) Dizem que uma mulher foi enterrada viva aqui, no século XIX. Dizem que ela ainda vaga por entre as árvores procurando o amante que a traiu."

Jared:" Uau. Isso é bem... poético. Você acredita nessas coisas?"

Hanna:"  Acho que quero acreditar. Não sei. Às vezes é mais fácil imaginar que o mundo é mágico do que aceitar que tudo é só... o que é."

Jared assentiu, sério.

Jared: " Eu entendo. Eu sempre tive essa sensação de que algo... maior... me observa. Como se houvesse uma camada secreta no mundo, que só os que estão machucados conseguem ver."

Eles chegaram ao lago, finalmente. A água era escura, quase espelhada, cercada por pedras cobertas de musgo. Um velho tronco caído servia de banco natural. Eles se sentaram ali, e por um tempo ficaram apenas ouvindo o som dos pássaros e do vento entre as folhas.

Jared: Você é diferente, Hanna  Não finge ser algo que não é. E eu acho isso raro."

Hanna: " Eu sou só... estranha."

Jared: " Não. Você é verdadeira.( Ele a olhou com intensidade, e então completou)...E é bonita também."

Hanna desviou os olhos, sentindo o coração bater mais rápido.

Hanna: " Você também é diferente. Não tem medo de falar as coisas. A maioria dos garotos que eu conheço só falam sobre carros, esportes ou... sei lá, coisas idiotas."

Jared: " Talvez eu só tenha aprendido a fingir menos depois que perdi algumas coisas importantes."

Ela olhou para ele, curiosa.

Hanna: " Como o quê? "

Jared hesitou, olhando para a água.

Jared: " Meu pai morreu no ano passado. Câncer. Foi rápido... e cruel. Desde então, nada parece certo. Como se o mundo tivesse quebrado por dentro."

Hanna tocou levemente o braço dele.

Hanna: " Sinto muito."

Jared: " Valeu. ( Ele sorriu triste)  Mas talvez agora, com essa cidade velha, essa floresta bizarra... e você... as coisas comecem a fazer sentido de novo."

O silêncio voltou, confortável dessa vez.

Então, ele tirou os fones do walkman e colocou um lado nos ouvidos dela. A música começou , “The Killing Moon” do Echo & the Bunnymen. Eles ficaram ali, lado a lado, ouvindo, sem precisar dizer mais nada.

Naquele instante, Hanna teve a sensação estranha de que aquele momento estava sendo gravado em algum lugar além da memória , como se o universo sussurrasse que aquilo era apenas o começo… e que nem todos os amores precisam durar para sempre para serem eternos.

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