A amizade figurava entre as prioridades na vida desses jovens. Eram tão unidos que pareciam uma família. Desde os tempos de escola, fizeram um juramento de amizade eterna e nunca se desgrudaram.
A cidade em que viviam era pequena, daquelas cidadezinhas do interior onde muitas pessoas se conheciam ou, quando não, ao menos já tinham se visto. Apesar de ser uma cidade interiorana, era bem movimentada e estruturada, com uma infraestrutura que poderia causar inveja a algumas capitais. Lá havia tudo o que era necessário, e o desenvolvimento não parava.
Os jovens amigos contrastavam em suas personalidades, mas suas diferenças os complementavam. Max era engraçado, divertido, festeiro, animado e, por vezes, inconveniente. Davi era o cérebro do grupo — ao menos na visão deles mesmos —, tímido, sério e calado; era também o único rico do grupo. Claude era bonito, charmoso, gentil e educado. Alice era uma jovem carinhosa, amigável, prestativa, positiva e sempre disponível para os amigos. Ester, por sua vez, era aventureira, rebelde, desafiadora do sistema e ranzinza.
Desde a adolescência, eles tinham um local favorito para se reunir: o Bar do Brejo, como era chamado. Lá, passavam o tempo se divertindo e jogando conversa fora. Eram conhecidos dos funcionários e do dono do bar e sempre escutavam as fofocas dos habitantes de Seten, a cidade onde moravam.
Era comum que passassem bastante tempo também na hamburgueria da qual Claude era um dos sócios. Enquanto isso, Davi trabalhava nos negócios do pai, no escritório regional da cidade. Já Max morava na cidade vizinha por conta da faculdade, mas todo fim de semana voltava para Seten, para a casa dos pais.
Quanto às garotas, Alice trabalhava na floricultura da cidade e, por isso, estava sempre perfumada pelas flores — como diziam os amigos, principalmente Davi, que sempre tentava identificar de qual flor vinha o aroma todas as vezes que se encontravam. Ester, por outro lado, estava sem estudar e sem trabalhar. Dizia-se cansada de tudo. Como ainda eram jovens, com vinte e um anos, os pais dela pegavam no pé para que tomasse jeito e se ajeitasse na vida. Até mesmo os amigos a criticavam de vez em quando, mas ela parecia não se importar com nada.
Em um fim de semana, os amigos estavam bebendo no Bar do Brejo enquanto conversavam. Então, Alice começou a se lembrar dos tempos de escola, e todos tinham uma história para contar daquela época. Mas a história de Claude foi a mais intensa. Ele se lembrou de uma festa de Halloween em que haviam combinado suas fantasias: todos vestiam uma capa preta com capuz bastante sombrio.
A conversa, que até então era divertida, tomou outro rumo. O relato tornou-se pesado e horripilante. Talvez tivesse sido melhor não ter lembrado disso. Até mesmo a atmosfera alegre e agitada do bar pareceu se silenciar, e uma penumbra veio à tona enquanto Claude gaguejava ao se lembrar do fato:
— Estávamos andando juntos, perto da floresta, e, quando olhamos à nossa frente, vimos uma figura vestindo a mesma capa preta com capuz que usávamos. A pessoa se virou na nossa direção e mostrou uma faca ensanguentada. Lembro que não consegui ver o rosto, porque o capuz era grande e tampava a face até a boca, deixando tudo escuro. Não me lembro de quem era.
O grupo ficou em silêncio. Um arrepio percorreu o corpo daqueles que escutaram o relato. Então, Max quebrou o silêncio:
— Eu me lembrei disso. Parece que minha mente tentou deletar essa memória. Se você não tivesse falado, eu nunca mais teria me lembrado.
— Isso é muito estranho. O que aconteceu depois? — questionou Alice.
— Parece algo ruim. Mas quem era essa pessoa? Estava vestindo a nossa fantasia. Era alguém do nosso grupo? — Ester queria esclarecimentos.
— A capa era idêntica às nossas, que compramos juntas e no mesmo lugar. É estranho que nenhum de nós se lembre de quem era ou do que aconteceu depois. — afirmou Davi.
— Me lembrei de mais uma coisa… Depois que vimos aquela faca pingando sangue, nós saímos correndo. Lembro de só parar depois de não aguentar mais, sem fôlego. Depois disso, não sei mais o que aconteceu. É como se houvesse um bloqueio. — completou Claude.
Depois disso, o clima não era mais o mesmo. A diversão chegou ao fim, e o grupo de amigos decidiu encerrar a noite e ir embora. Mas, claro, aquele acontecimento ficou na mente de todos.
Alice perdeu o sono tentando lembrar o que havia acontecido naquele Halloween. Passou horas revivendo o relato de Claude e tentando identificar quem era a pessoa que vestia a mesma fantasia do grupo. Quando percebeu que não chegaria a lugar nenhum, checou as horas e viu que já eram duas da manhã.
Ela se revirou na cama, inquieta. Esticou o braço, alcançou o celular na mesinha ao lado e começou a digitar no grupo de amigos:
"Sinto que precisamos lembrar do que aconteceu naquele dia e descobrir quem era aquela pessoa."
Só assim conseguiu dormir, confiando que, no dia seguinte, algum dos amigos apareceria com uma explicação e com a lembrança de tudo claramente.
Por outro lado, Claude pegou um caderno velho e começou a escrever tudo o que se lembrava, como se tentasse elaborar um dossiê. Não queria que mais memórias ou detalhes fossem esquecidos ou ignorados. Registrar tudo seria a forma de preservar os acontecimentos e se atentar a novas descobertas.
Davi, por sua vez, foi quem ficou mais tranquilo com a história. Ele simplesmente ignorou, acreditando que, se depois de anos nada ruim tivesse acontecido, aquilo não valia a pena ser revivido, nem havia motivo para preocupação. Ele chegou em casa e logo adormeceu tranquilamente. Talvez estivessem apenas bêbados demais.
Davi acordou suado. Havia se esquecido de ligar o ar-condicionado, e Seten estava fazendo muito calor. Ele se sentou na cama, ainda incapaz de se levantar. Eram apenas cinco horas da manhã.
Lembrou-se do pesadelo que acabara de ter. Sonhou com a pessoa desconhecida que usava a capa preta. No sonho, a figura se aproximava do grupo e pedia para que eles não contassem a ninguém. No entanto, não era possível ver seu rosto. Depois de ouvir o pedido, os amigos corriam, assustados. O sonho parecia tão real que o deixou inquieto.
Ele ligou para Alice e contou o que havia sonhado. Ela não queria fazer especulações, mas sugeriu:
— Que tal fazermos uma reunião para ver se, juntos, conseguimos lembrar do que aconteceu naquele dia?
— Tudo bem… Mas eu posso confiar em você, por isso te digo que estou com medo. E se no passado conhecemos alguém ruim? E se fizemos algo ruim?
— Não somos pessoas ruins, não fazíamos mal a ninguém. Não se preocupe tanto. — Ela tentou acalmá-lo.
Mais tarde, os amigos se reuniram na hamburgueria de Claude. Escolheram a melhor mesa e o melhor local do lugar, claramente reservados pelo amigo. O garçom já sabia o que cada um deles gostava de comer, e eles apenas aguardavam. Enquanto isso, descontraíam:
— Alice, hoje você está com um cheiro clássico… De rosas. — Sorriu Davi ao comentar.
— Mas hoje eu não fui à floricultura, é meu dia de folga.
— Sério? Então virou seu cheiro natural.
— Você está exagerando…
— Alguém se lembrou de algo? — interrompeu Max.
— Absolutamente nada. — afirmou Ester.
Davi tomou um gole da bebida e começou a contar seu sonho. Os amigos ficaram intrigados. De repente, ele se sentiu tonto e colocou as mãos no rosto, fechando os olhos com força.
— O que aconteceu? — Alice perguntou, preocupada.
— Fiquei um pouco tonto.
Claude pegou uma garrafa de água e a entregou ao amigo, pedindo que bebesse. Davi tremia enquanto levava o copo à boca.
— Max, me ajude a levá-lo para casa. É melhor ele se deitar. — pediu Alice.
— Não… Não precisa. Já estou bem melhor. Não foi nada, só uma queda de pressão.
O grupo ficou em silêncio por um tempo, esperando ter certeza de que Davi estava realmente bem. Logo depois, os hambúrgueres chegaram à mesa, e eles começaram a comer. Pouco conversaram enquanto comiam. A música alta e as conversas das mesas ao redor pairavam sobre o silêncio deles.
Quando deu a última mordida no hambúrguer, Ester ficou pensativa e então disse:
— Acho que essa pessoa que vestia a capa preta era um de nós. Digo, era um amigo nosso. Caso contrário, não estaríamos juntos nem usando as mesmas fantasias.
— Precisamos buscar coisas do passado. Quem ainda tem mochila, cadernos da escola ou qualquer material daquela época? Também pensei em irmos à nossa antiga escola. Quem sabe conseguimos alguma informação? — sugeriu Claude.
— E também podemos perguntar aos nossos pais se eles se lembram de algum outro amigo nosso. — completou Ester.
— Isso mesmo. Vamos todos fazer isso. Com certeza logo descobrimos o que aconteceu quando juntarmos todas as peças.
— Então, sempre que alguém conseguir algo, avise no grupo imediatamente. Assim, vamos organizando as informações. — disse Max.
Claude precisou ajudar nos trabalhos da hamburgueria, já que naquele dia o local estava muito cheio. Ele se despediu dos amigos e foi trabalhar.
Max sugeriu que tentassem se animar, já que o clima estava pesado. Para isso, começou a contar histórias sobre seus amigos da faculdade. Ele era o que mais bebia no grupo e, geralmente, o único que terminava as festas precisando de ajuda, tombando pelos cantos. Às vezes, fazia os amigos passarem vergonha ou precisava ser contido pelo grupo. Naquela noite, já tinha bebido o dobro dos amigos.
Alice era quem bebia menos. Tinha pouca resistência ao álcool e costumava beber muito pouco ou, muitas vezes, nada.
Depois de uma hora, Max já falava alto e dava gargalhadas extravagantes. Quando começou a incomodar a mesa ao lado, os amigos decidiram encerrar o encontro e foram embora. Alice, que não havia bebido nada, deixou os amigos em casa de carro.
Quando chegou, não conseguiu dormir, assim como na noite anterior. Tinha medo de que aquela história do suposto amigo desconhecido desencadeasse sua insônia novamente. Havia lutado muito para superá-la no passado.
Ela se jogou na cama, decepcionada, e fechou os olhos, fingindo para si mesma que dormia.
Seu celular apitou. Era uma mensagem de Davi:
"Boa noite! Tente não pensar muito sobre o passado e descanse. Até amanhã!"
Ela sorriu e se sentiu mais leve. Não deveria se preocupar tanto. Nada de mais deveria ter acontecido, e estavam todos bem. Suspirou e caiu no sono.
Ester saía para todos os lados durante o dia. Ela morava em um prédio de quatro andares e subia e descia as escadas várias vezes ao dia, sempre inventando algo para fazer ou resolvendo problemas da casa a pedido da mãe. O prédio não tinha elevador, portanto, era um exercício diário subir até o terceiro andar, onde ela morava.
Naquele dia, porém, estava apressando os passos. A penumbra da janela do corredor não foi suficiente para iluminar o local, e ela tropeçou na metade da escada, rolando cerca de dez degraus até cair no chão. Foi socorrida pela mãe minutos depois, após gritar por ajuda.
Alice e Davi foram ao hospital ver como a amiga estava e, lá, descobriram que, por sorte, ela teve apenas um pé torcido. Mas o que ela disse chocou os amigos:
— Eu não tropeçaria sem motivo. Foi estranho…
— O que quer dizer? — perguntou Alice.
— Senti uma sombra atrás de mim. Acho que alguém pode ter me empurrado. Eu estava distraída, mexendo no celular e ouvindo música no fone de ouvido.
— Sério? Quem faria isso dentro do seu prédio?
— Estou pensando naquela pessoa desconhecida do nosso passado. E se essa pessoa ainda estiver por perto e nos seguindo?
— É verdade… Não sabemos o paradeiro dessa pessoa.
— Então, temos que tomar o máximo de cuidado possível. Podemos estar todos em risco.
Depois disso, os amigos ficaram mais aflitos e passaram a levar mais a sério a possibilidade de que houvesse outra pessoa no grupo deles. No grupo de mensagens, combinaram que procurariam pistas. Alice se dispôs a ir até a antiga escola, e Davi disse que a acompanharia. Ester, ainda em recuperação do acidente, prometeu perguntar aos pais se eles se lembravam de algo. Max estava ocupado com a faculdade, e Claude se ofereceu para ajudar no que fosse possível, apesar do trabalho intenso na hamburgueria.
Não demorou muito para que Ester aparecesse no grupo enviando várias mensagens sobre o que os pais disseram. Segundo ela, os pais lembravam de mais alguém acompanhando os amigos, mas não recordavam quem era nem a fisionomia da pessoa, o que era muito estranho.
Claude levantou a possibilidade de que talvez os pais não quisessem dizer a verdade por algum motivo muito sério. Era como se precisassem abafar uma história, esconder algo ruim e enterrar o passado. Os amigos concordaram.
Faltava ir à escola. Alice e Davi marcaram o mais rápido possível de se encontrar na porta da instituição, o que aconteceu no dia seguinte. Eles foram recebidos pela diretora, que se lembrava deles, e perguntaram se ela recordava do grupo de amigos. A resposta foi negativa. Alice e Davi se entreolharam com desconfiança e pediram:
— Podemos ver nossos arquivos? Materiais, provas, trabalhos ou qualquer outro registro nosso e dos colegas do nosso grupo?
— Infelizmente, não podem. A escola arquiva os materiais dos alunos de forma privada, e esses documentos são sigilosos.
Os dois hesitaram, sem querer insistir demais para não causar um mal-entendido. Mas Alice sugeriu:
— Então, podemos dar uma volta pela escola?
— Tudo bem. Vou permitir porque vocês foram bons alunos. Inclusive, eram representantes de turma durante todo o ensino médio.
Assim, eles começaram a percorrer a escola. O local era grande, cheio de salas, corredores, um extenso pátio, três quadras e um enorme jardim, onde ocorriam aulas de jardinagem. Lá, os alunos aprendiam a plantar e a cuidar de hortas.
Eles caminharam pelos corredores até reconhecerem a última sala de aula que usaram. Depois, andaram pelo pátio e se sentaram em um banco próximo ao jardim.
— Você se lembra quando ficamos até mais tarde na escola por causa de uma tempestade? Você estava com tanto medo que ficou abraçada comigo. — comentou Davi, com as bochechas coradas.
— Sim, lembro bem desse dia. Foi apavorante…
— Nós dois ficamos sozinhos por um tempo na sala e aconteceu algo. Você lembra? — perguntou ele, ficando completamente vermelho.
Alice olhou nos olhos dele e sorriu, mas, antes que pudesse responder, o sinal do intervalo disparou. Vários alunos saíram das salas conversando alto, e o barulho encheu o lugar.
Eles se afastaram e Alice sugeriu que fossem até o jardim. Algumas árvores cercavam o local, tornando-o mais isolado do prédio de aulas.
— Veja… É aquela árvore onde rabiscamos nossos nomes com um estilete!
— Sim, eu me lembro… Mas, espera… — Davi segurou o braço de Alice, parando-a.
— Esse pode ser o momento em que descobrimos quem era o nosso amigo do passado. Afinal, estávamos todos juntos quando marcamos nossos nomes. Foi um símbolo da nossa amizade.
— É verdade… Podemos descobrir o nome da pessoa. — Alice abaixou a voz e estremeceu.
— Você está com medo?
— Precisamos descobrir. Vamos!
Eles se aproximaram, passo a passo, da enorme árvore. Era a mais afastada das outras, e o local era tão silencioso que quase não se escutava o barulho dos alunos.
Com receio, começaram a procurar os nomes. Quando Davi deu a volta na árvore, encontrou várias inscrições, já desgastadas pelo tempo.
— Achei! Aqui estão os nossos nomes…
Alice se aproximou e passou o dedo sobre um nome desconhecido entre os gravados.
O nome era: Luca Vergane.
Os dois se entreolharam, os olhos arregalados e as sobrancelhas franzidas, como se estivessem diante de uma revelação bombástica.
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