Enquanto Luciana orientava Eleonora, as gêmeas foram chamadas até a entrada para receber um entregador. Daniela, distraída, assinou rapidamente o comprovante sem prestar atenção. O homem não usava uniforme de nenhuma empresa conhecida, mas ela não se incomodou — até abrir a sacola branca.
Dentro, repousava uma caixa preta com um laço dourado.
Dayana, sempre alerta, se aproximou, curiosa. Daniela desfez o laço com cuidado. Dentro da primeira, havia outra caixa — menor, aveludada.
O coração de Daniela disparou.
— Dio mio, Daya… — sussurrou, ofegante. — É dele. O homem do leilão. Ele mandou isso pra mim.
— E como você não sabe quem ele é, nem tem como devolver — concluiu Dayana, preocupada. — Isso tá indo longe demais, Dani. A gente precisa falar com o Arthur. Isso não pode continuar.
Daniela ainda tentou argumentar, mas a irmã foi irredutível.
— O cara te manda um colar de dois milhões e meio como se fosse bombom. Isso é obsessão. Vamos agora pra LME. Se o Papa souber disso, pode passar mal!
— O Papa é forte, mas… — Daniela suspirou. — Tá certo. Vamos.
As duas entraram no carro, seguidas por um veículo de segurança. Ao chegarem na sede da LME, o movimento era intenso. Vários carros chegavam ao mesmo tempo. Elas se identificaram como irmãs de Arthur e pediram prioridade.
Assim que foram liberadas, os carros seguiram em comboio. Dayana saiu primeiro, tensa. A porta do carro ao lado se abriu e um homem acabou esbarrando nela com força.
Ela virou-se de imediato, levando a mão à arma presa na cintura, mas foi impedida de cair — ele a segurou firme.
— Me desculpa — disse o homem, em português, com um forte sotaque carioca.
Dayana congelou.
— Você é do Rio de Janeiro?
— Sim, carioca — confirmou ele, com um leve sorriso.
Ela não hesitou: sacou a arma e apontou diretamente para o rosto dele.
— Se veio atrás de confusão, encontrou. Se pensa que vai botar os pés aqui pra guerrear com meu irmão, tá muito enganado. Vai sair perdendo.
Os homens que o acompanhavam também puxaram as armas, mas Dayana não se moveu. Seu foco estava no líder.
— Vai atirar na minha cabeça? — ele sorriu, de canto. — Corajosa, hein?
— Os outros não me interessam. Mas você… parece ser o líder. Se eu te derrubar, o resto desaba. Eu protejo a minha família.
— Fascinante… — murmurou ele, mordendo levemente o lábio inferior.
Antes que a tensão explodisse, uma voz firme ecoou no pátio:
— O que está acontecendo aqui?
Arthur. Imponente, a simples presença dele silenciou tudo.
Soldados da LME já haviam cercado o local. Não havia para onde fugir.
— Ele é do Rio, Arthur! — Dayana ainda mantinha a arma em punho. — Veio caçar confusão. Talvez vingança! Estou protegendo a família!
Arthur se aproximou com calma, mas com autoridade.
— Abaixa a arma, Day. Ele veio pra uma reunião comigo. Tá tudo certo.
— Mas você não precisava estar desarmado. Eu tô aqui pra isso.
— Achei que ele fosse atacar… — ela murmurou, sem desviar os olhos do homem.
Arthur desviou o foco:
— O que vocês vieram fazer aqui?
— Precisamos conversar. É urgente — disse Dayana.
Arthur olhou para o homem à frente dela, depois para Felipe, seu primo de confiança.
— Fernando, vá com Felipe até a sala de reuniões. Já te encontro lá. Preciso falar com minhas irmãs.
Fernando assentiu e os soldados recuaram. Seus homens o seguiram sem questionar.
Arthur passou os braços pelas irmãs e os três seguiram lado a lado até sua sala.
Assim que a porta se fechou, ele encarou ambas.
— Agora, falem. O que aconteceu?
Daniela retirou a caixa de veludo da sacola e a estendeu.
— Isso chegou em casa hoje.
Arthur franziu o cenho.
— Aconteceu algo no leilão… — Daniela começou. — Eu me interessei por um colar de rubis. Dei um lance, mas alguém cobriu. O Papa tentou intervir, mas o comprador ofereceu dois milhões e meio. Eu recusei. Depois, um homem me abordou e me entregou o colar como presente… Disse que me imaginou usando só ele.
Arthur fechou os punhos com força.
— Eu recusei. Bati nele e disse que ia te chamar. Mas o Papa passou mal… eu não quis preocupá-lo. E agora, o colar apareceu em casa.
Arthur pegou a caixa. Seu olhar queimava de raiva.
— Isso é grave. Nenhuma de vocês sai mais sem segurança. E nada de aceitar presentes. O colar vai ficar retido. Vou mandar examinar. Também vou verificar as câmeras da ONG, listas de convidados, formas de pagamento. Descobrirei quem é esse homem.
— Você acha que ele pode ser perigoso? — perguntou Daniela, nervosa.
— Pode ser alguém tentando se infiltrar. E não quero o Papa envolvido. Se ele souber que vocês correm risco…
Arthur bateu na mesa com força.
— Droga! Vocês são minha família. Dani… você é minha irmã.
Ele se levantou.
— Fiquem aqui. Vou designar soldados de confiança pra levá-las de volta.
Arthur saiu. O silêncio tomou conta da sala.
Dayana encarou a irmã.
— Eu sabia que isso era perigoso. Devia ter me contado antes.
Ela se levantou e abriu a porta. No corredor, viu Fernando conversando com Felipe. Ao virar, ele cruzou o olhar com ela. Um leve sorriso surgiu em seus lábios.
— Algum problema comigo? — ele perguntou. — Só estou tentando entender como uma mulher tão linda consegue ser tão feroz.
— Não está acostumado com mulheres armadas?
— Aqui na Itália, não. Mas já sabia que as brasileiras eram fortes.
— Aqui somos treinadas. Somos Castellazzo Ferrari. Mulheres da nossa família usam mais a arma do que o batom.
Ele sorriu.
— Impressionante. Nunca achei que levar uma arma apontada pra mim fosse tão… interessante.
— Devia ter tremido de medo.
— Não tenho medo de nada, coração. Já vi a morte de perto.
— Aposto que nenhuma delas era tão perigosa quanto uma Castellazzo Ferrari.
Fernando deu um passo à frente, olhos fixos nela.
— Também posso ser bem perigoso. Se travássemos um duelo… quem sabe eu não saía vencedor?
— Se esse duelo acontecer, você não teria chance. Cai na primeira bala.
Ele riu, baixo.
— Mas me diz… o que um carioca tá fazendo aqui, justo quando estamos em guerra com o maior traficante do Rio?
— Você é uma mulher de negócios?
— Sou da família. Isso já me dá direito a saber de tudo.
— Você é boa em interrogatórios.
— Sou boa em muita coisa. Agora responde.
Fernando lançou um olhar intenso de cima a baixo.
— Já percebi.
Dayana entendeu a insinuação e revirou os olhos.
— Idiota.
Ela cruzou os braços. Foi então que Arthur voltou.
— Já providenciei os seguranças. Eles vão levar vocês.
Ele lançou um olhar a Fernando e Felipe.
A tensão ainda pairava no ar. Mas uma coisa era certa: aquele olhar entre Dayana e Fernando acendia algo novo — entre faíscas, ironia e atração.
Daniela sabia… aquilo era só o começo.
Dayana e Daniela chegaram à mansão sãs e salvas, aliviadas. O reencontro trouxe um momento de respiro, mas não durou muito. No salão principal, a tensão entre Fernando — o famoso Laranjinha — e Arthur era palpável. O clima era de guerra velada.
Arthur encarava o visitante com olhos firmes, braços cruzados, impondo respeito.
— Me desculpe pelo atraso — disse ele, com voz firme, sem perder a diplomacia. — Pareceu que havia uma questão de família... e família sempre vem primeiro.
Fernando assentiu lentamente. Sabia que estava pisando em terreno delicado.
Arthur foi direto, sem rodeios:
— Muito bem, Fernando... ou Laranjinha, como preferir. Você me procurou alegando urgência. Usou o nome do Caveira para chamar atenção. Agora eu quero saber exatamente o que você quer da gente. Se isso for um jogo dele, você vai sair daqui em pedaços.
O silêncio caiu como uma cortina de chumbo. A postura de Arthur deixava claro: não estava ali para conversar por educação.
Fernando inspirou fundo. Precisava ser inteligente.
— Caveira não faz ideia do buraco em que se enfiou. Nem se deu o trabalho de investigar a organização de vocês. Mas eu... eu fui atrás. Meu pai me contava histórias sobre vocês. Sobre como acabaram com os líderes do PCC em São Paulo anos atrás. E agora vocês estão mais fortes, mais estruturados.
Arthur lançou um olhar afiado para Felipe, atento à informação.
— O que eu quero é simples — continuou Fernando. — Negócios. Conheço bem o Caveira. Fomos amigos, até ele romper comigo por causa daquela mulher. A guerra que vocês deflagraram no Alemão... ela custou caro. O braço direito dele, Xexéu...
Ele pausou, a dor invadindo seu semblante.
— Douglas era o nome verdadeiro. Morreu naquele confronto. Ele, Caveira e eu crescemos juntos. Xexéu era como um irmão pra mim.
O luto brevemente calou Fernando, que abaixou o olhar em respeito ao amigo perdido.
— Não tínhamos escolha — rebateu Arthur, com frieza. — Guerra tem preço. Ele escolheu o campo de batalha. Nós só reagimos.
— Eu entendo. Mas... por causa de uma mulher?
A frase mal saiu da boca e Felipe já estava à frente, o olhar cortando como faca.
— Cuidado com o que fala da minha mulher — rosnou, com a raiva vibrando em cada sílaba.
Fernando ergueu as mãos num gesto pacificador.
— Sem desrespeito. Só estou dizendo que ele está cego. Obcecado. Não vê mais nada além da ideia de ter Nayara.
Arthur cortou de imediato:
— Ele vai ter que aceitar a realidade. Nayara é noiva do meu primo. Vai se casar, e ele não pode fazer nada quanto a isso.
Fernando soltou o ar lentamente, como quem carrega um fardo.
— Ele não vai aceitar. Tem aliados espalhados em vários lugares, gente perigosa. Vai arriscar tudo por ela. Eu tentei convencer ele... avisei que mexer com vocês é suicídio. Ele me chamou de traidor. Me expulsou do morro. Perdi tudo.
Ergueu o rosto, agora firme, decidido.
— Por isso estou aqui. Quero fazer parte do jogo de vocês. Distribuição, armas, logística... Tenho contatos, conexões no Rio. Não ligo mais pro Caveira. Quero recomeçar, e sei que posso ser útil pra vocês.
Arthur franziu o cenho, pensativo. Felipe ainda o fitava com desconfiança, como se buscasse um ponto fraco.
— Se a guerra contra Caveira se intensificar... podemos contar com você? — perguntou Arthur.
— Depois do que ele fez comigo? Pode apostar que sim. Ele me empurrou no enterro do nosso melhor amigo. Aquilo foi o fim.
Arthur assentiu, satisfeito com a resposta.
— Nesse caso, trate de deixar alguém no comando do seu morro. Você vai ficar aqui na Itália. Vai lutar do nosso lado até derrubarmos o Caveira. Quando isso acontecer... será nosso representante no Rio de Janeiro. A base da nova máfia brasileira.
Houve uma pausa. A proposta era clara: poder, território, um novo começo.
— O Brasil é um labirinto — continuou Arthur. — Um continente inteiro a ser explorado. Ainda não dominamos. Temos contatos em São Paulo, mas são poucos. Precisamos expandir.
Fernando deixou escapar um leve sorriso, os olhos faiscando.
— Então eu fico. Vai ser bom aprender com vocês. Se puderem treinar a mim e meus homens, a gente pode construir algo grande.
Arthur sorriu de volta, agora mais receptivo.
— Terão o treinamento completo. Se a ideia é montar uma máfia no Brasil, vamos fazer isso direito.
Fernando inclinou levemente a cabeça. Por trás do semblante aparentemente respeitoso, havia uma centelha viva de ambição. Permanecer na Itália era mais do que uma proposta... era o primeiro passo para algo maior.
E ele sabia disso.
O centro de treinamentos Mateo Castellazzo era mais do que uma instalação sofisticada: era o coração pulsante da LME. Localizado em uma propriedade protegida por seguranças e sistemas de vigilância de última geração, ele abrigava a nata da máfia europeia. Cada parede contava uma história de sangue, honra e superação. Dayana, filha de sangue quente e personalidade feroz, sentia-se sufocada com os últimos acontecimentos. Havia sido afastada dos treinos por um tempo. Motivo? A presença de Fernando, o tal Laranjinha.
A presença dele estava se tornando mais constante, mais dominante. Não bastava ter sido recebido na LME com respeito, não bastava ter sido acolhido pelo seu irmão e pelos chefes. Ele estava ocupando espaços que Dayana sempre considerou seus. Isso a irritava. Isso a consumia. Era como se ele estivesse querendo tomar o seu lugar. E ela não iria permitir.
Vestiu uma regata cropped preta, um short esportivo justo e os tênis de combate. As luvas de treino estavam gastas, mas ainda serviam bem para seu propósito. Prendeu os cabelos num coque alto, ajustou a fita no pulso e saiu. Não pediu permissão. Não anunciou sua ida. Simplesmente foi.
Ao entrar no centro de treinamentos, todos a notaram. Era a irmã do chefe. A presença de Dayana era conhecida, temida e respeitada. Mesmo entre os veteranos, ela não passava despercebida. Seu olhar determinado indicava que algo estava prestes a acontecer. Mas ninguém ousou interferir. Ela seguiu direto para a ala de tiros.
Ajustou o colete, posicionou a arma e começou. Cada disparo era um desabafo. A raiva que sentia, o incômodo por ter sido deixada de lado, a preocupação com Nayara sendo alvo de um traficante como Caveira, a desconfiança com o homem misterioso que havia presenteado Daniela com um colar caríssimo. Tudo vinha à tona com cada tiro certeiro no alvo. Ela estava concentrada, focada.
Terminado o treino de tiro, foi para o ringue. Queria suar, queria lutar, queria descarregar tudo o que carregava no peito. Ao se aproximar, viu que não estava sozinha. Fernando já estava lá, descalço, com luvas e um calção preto. Estava sozinho, acertando golpes rápidos e potentes contra o saco de areia. Seu corpo suado, os músculos tensionados, a tatuagem no braço destacando-se com o movimento. Dayana sentiu seu coração acelerar por um segundo. Mas logo balbuciou para si mesma:
— O que eu tô pensando? Ele é um abusado.
No primeiro dia em que se viram, ele a provocou. Fez pouco dela. A intimidou. E agora? Estava ali, todo confiante, como se o lugar fosse dele.
— Vai ficar aí o dia inteiro babando por mim ou vai vir aqui mostrar se tem potencial pra um dia me enfrentar?
A voz dele cortou o ambiente. Não era alto, mas tinha um tom insolente que fez o sangue de Dayana ferver. Ela não percebeu que ele já havia notado sua presença. A provocação foi o estopim. Ela caminhou a passos firmes até o centro do ringue, o olhar faiscando.
— Você quer ver meu potencial? Então aguenta.
Subiu no ringue, calçou as luvas, e o silêncio no centro de treinamento se instaurou. Até quem treinava no tatame e nos pesos parou para observar. Era Dayana Castellazzo, a selvagem. E Fernando, o novo, o audacioso. O embate entre os dois já era lendário antes mesmo de começar.
Dayana foi a primeira a atacar. Rápida, certeira, tentando um chute lateral que Fernando defendeu com antebraço firme. Ele rebateu com um soco direto, mas ela desviou girando o corpo e revidou com um chute alto. As luvas colidiram. Os sons dos impactos ecoavam pelo salão. Eles se moviam como sombras, sincronizados, vorazes.
Não havia misericórdia. Era uma batalha de orgulho. De honra. De lugar. Cada golpe trocado era também uma declaração: "Eu não cedo."
Fernando tentava atingi-la com cruzados, ela defendia com a mesma elegância de uma lutadora profissional. Dayana chutava em giros, socava em sequências, e ele estava sempre lá, desviando, se adaptando. A resistência dos dois era inacreditável.
Minutos se tornaram vinte. Depois quarenta. Já passava de uma hora e eles não recuavam. As luvas trocavam impactos, os corpos suavam, o cansaço começava a se fazer presente nos ombros e respiração, mas nenhum dos dois admitia.
Os olhares se cruzavam em silêncio. Havia fúria, mas também admiração. Havia provocação, mas também respeito. Era uma guerra silenciosa, sem ferimentos visíveis, mas com marcas profundas na alma.
Fernando tentou uma rasteira. Dayana saltou e, no ar, girou com um chute que quase o acertou no queixo. Ele sorriu.
— Isso foi quase bom.
— Melhor do que você vai conseguir fazer hoje.
Trocaram mais uma série de golpes. Agora o ritmo diminuía, não pela falta de vontade, mas pelo desgaste. E mesmo assim, continuavam. A plateia improvisada assistia em silêncio, hipnotizada.
Depois de quase duas horas de confronto, Fernando deu um passo para trás e ergueu as luvas.
— Chega. Se continuarmos, vamos acabar quebrando algum osso.
Dayana respirava fundo, mas se manteve firme.
— Medo?
Ele riu.
— Nem um pouco. Mas eu tenho planos de jantar hoje sem canudo. E você?
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Eu já te venci, só de você ter recuado.
Fernando caminhou até a borda do ringue, saltou para fora e olhou para ela mais uma vez.
— Não. Você me conquistou. E isso é pior.
Dayana ficou em silêncio. O coração acelerado não era apenas pelo esforço físico. Tinha algo mais ali. Algo que ela não queria nomear.
Mas todos sabiam: o ringue jamais seria o mesmo depois daquele confronto. E tampouco Dayana e Fernando seriam.
A guerra que começou com luvas talvez terminasse com um beijo.
Ou com mais guerra ainda.
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