Milena, uma jovem mulher de 24 anos, atraente e meiga, levava uma vida invejavelmente estável em Portugal. Dividia o lar com os pais e, apesar da rotina agitada, desfrutava dos prazeres da juventude. Arquiteta talentosa, era reconhecida como uma das melhores da região, o que fazia sua mesa de trabalho estar sempre coberta de projetos — muitos dos quais acabavam sendo concluídos no silêncio de casa, madrugada adentro.
Naquela manhã, Milena chegou ao escritório com os olhos ainda marcados pela noite anterior — uma maratona de risadas, música alta e copos vazios ao lado dos amigos em uma boate badalada. Mal se sentou e notou mais três projetos empilhados sobre a mesa. Suspirou fundo, buscou um café e mergulhou no trabalho.
— A noite foi ótima... Pena que me deixou destruída. — murmurou com um sorriso cansado.
Uma colega se aproximou, espiando por cima da xícara de café.
— Milena? Milena... — sussurrou baixinho.
— Hmm? — respondeu Milena, visivelmente contrariada por ser arrancada de seus pensamentos.
— Você está com uma cara de quem foi atropelada por um caminhão! — brincou a colega, rindo.
— Fui sim... pelo caminhão da ressaca. — rebateu Milena, revirando os olhos. — Amigos e balada, péssima combinação para quem precisa entregar projetos no dia seguinte.
— Corajosa! Boa sorte com eles, especialmente com o da Senhorita Meleky… — disse a colega, se afastando com um risinho.
— Senhorita Meleky... — repetiu Milena em voz baixa, franzindo a testa. — Aquela mulher mimada... esposa do diretor comercial de uma das maiores empresas do país.
Mais tarde, já em seu carro a caminho de casa, o celular vibrou. Milena atendeu sem sequer olhar quem era.
— Oi, minha princesa. — disse com ternura.
— Oi, princes! Queria saber se você está bem depois da noitada... e te convidar pro aniversário da Solfi. — era Layla, sua melhor amiga.
— Tô viva, sim! Quem te contou? Esses fofoqueiros não perdem tempo, né? — riu Milena. — Me diz o horário que estarei lá.
— Amanhã, às oito. — confirmou Layla.
— Combinadíssimo, minha princesa. Te amo!
Ao chegar em casa, Milena revisou os projetos, tomou um banho quente e desceu para jantar com os pais.
— Boa noite, pai. Boa noite, mãe. A Joyce ainda não chegou? — perguntou, estranhando a ausência da irmã.
— Boa noite, filha. Também estava me perguntando isso. — respondeu Jorge, o pai.
— Boa noite, docinho. Ela disse que ia sair com “um amigo”. — disse Bruna, fazendo aspas no ar.
— E eu, como sempre, sou o último a saber... — resmungou Jorge, irritado.
— Ah, pai, não exagera! Ainda são oito horas, ela logo chega. — disse Milena, tentando amenizar o clima.
— E eu estou bem, mãe, só um pouco cansada. Ontem fui naquela balada com shows ao vivo, super animada! Vocês deveriam ir algum dia. — completou Milena com um sorriso.
— Como se seu pai gostasse de balada... — zombou Bruna, rindo.
Durante a louça após o jantar, a conversa virou para um assunto mais delicado.
— Filha, estou preocupada... já faz três anos que você não se envolve com ninguém. Aconteceu algo? — perguntou Bruna, com os olhos cheios de cuidado.
— Mãe... você sabe como foi meu último relacionamento. Ainda não me sinto pronta pra abrir meu coração de novo. — respondeu Milena, tentando disfarçar a emoção.
— Nem todo mundo é igual, filha. Você merece ser amada. Não estou dizendo que amigos não são importantes, mas amor... amor é outra coisa. — disse Bruna, tocando de leve no ombro da filha.
Milena não conseguiu conter as lágrimas. Abraçou a mãe com força.
— Com ou sem parceiro, eu vou ser feliz, mãe. E vocês já me dão tudo o que preciso. Eu te amo.
Mais tarde, já no quarto, ouviu a irmã sussurrar ao passar pela porta:
— Boa noite, maninha...
Milena sorriu. A paz daquele momento foi como um abraço no coração.
No dia seguinte, Milena acordou atrasada, correu para se arrumar e saiu sem nem tomar café. No caminho para o trabalho, lembrou do aniversário de Solfi e fez duas ligações rápidas: uma para encomendar o presente, outra para o vestido da noite.
O trabalho foi intenso, marcado por reuniões e cobranças. Quando chegou em casa, exausta, encontrou o presente e o vestido em cima da cama. Após se arrumar, desceu e explicou aos pais e à irmã sobre a festa. Pouco depois, saiu, ansiosa.
Chegando à festa, Solfi correu para recebê-la.
— Tia Milena! Você veio! Eu sabia que ia trazer presente! — gritou a menina, radiante.
— Claro que sim, meu amor. Olha só o que eu trouxe pra você. — disse Milena, entregando o embrulho com carinho.
— Oiii, princes! Que bom que veio! — disse Layla, abraçando a amiga.
— Jamais faltaria. Vocês duas são minha família. — respondeu Milena, emocionada.
Layla a conduziu para dentro, mas logo foi recepcionar outros convidados. Milena sentou-se no bar e pediu uma bebida. Observava Solfi brincando no parquinho quando ouviu seu nome.
Virou-se e congelou.
Ali, ao lado de Layla, estava uma mulher... linda, serena, com olhos que pareciam ler sua alma. O coração de Milena acelerou, um arrepio percorreu sua espinha. Foi como se o tempo parasse.
— Milena... essa é a...
— Milena, essa é a Eny... — disse Layla, sorrindo.
Milena desviou os olhos distraidamente, até que os pousou sobre a mulher à sua frente.
Foi como se o tempo tivesse parado.
A música da festa pareceu sumir por um instante, e o mundo inteiro se resumiu àquele olhar. Eny era estonteante — não apenas pela beleza física, mas por uma graça serena, uma presença suave que arrebatava. Milena sentiu algo nascer dentro do peito, uma súbita e inexplicável inquietação.
— É linda... — sussurrou, quase sem perceber.
— O quê? — perguntou Layla, arqueando as sobrancelhas.
— Nada, nada... Eu disse “muito prazer”! — disse Milena, apressada, tentando disfarçar o constrangimento enquanto forçava um sorriso.
— Eny, essa é a Milena, minha melhor amiga. — disse Layla, fazendo a ponte entre as duas.
— Muito prazer, Milena. A Layla fala muito bem de você. — disse Eny, estendendo a mão com um sorriso gentil.
— Ela fala bem de mim? Isso é raro! — riu Milena, apertando a mão de Eny com firmeza e calor. — Muito prazer... Aceita uma bebida?
— Aceito, claro. — respondeu Eny, os olhos ainda presos nos de Milena.
Layla, percebendo a conexão súbita entre as duas, riu e disse:
— Muito bem, meninas. Eny, deixo você em boa companhia. Divirtam-se!
Assim que Layla se afastou, Milena pediu a bebida para Eny, sentindo os dedos trêmulos e o coração batendo mais alto do que gostaria de admitir.
— Eny, você conhece a Layla há muito tempo? É que... nunca te vi por perto antes. — perguntou, tentando parecer casual, embora estivesse tomada por uma curiosidade voraz.
Na verdade, Milena precisava saber de onde surgira aquela mulher — aquela que parecia ter entrado sem permissão em seus pensamentos.
— Nos conhecemos semana passada — respondeu Eny, com doçura. — Meu pai organizou um desfile de moda, e Layla foi convidada. Foi tudo bem rápido, mas nos demos bem.
— Ah... então é recente. — disse Milena, sorrindo. — Você é modelo?
— Não, não mesmo. — riu Eny, corando. — Eu administro a empresa com meu pai, mas fico nos bastidores. Modelo, não.
— Mesmo assim... você tem a beleza de uma modelo. — disse Milena, quase em um sussurro, como quem não queria, mas precisava confessar.
Eny ficou visivelmente sem graça.
— Obrigada... Você também é linda. E atraente. — respondeu, desviando os olhos, mas logo voltando a encarar Milena.
Milena sentiu um calor subir pelo corpo. Não era só o elogio. Era a forma como Eny a olhava... como se houvesse algo ali, algo não dito, mas muito presente.
As duas se encararam por alguns segundos, tempo suficiente para que todas as certezas de Milena começassem a desmoronar. Aquilo não era apenas atração — era um redemoinho de emoções que ela nem sabia nomear. As mãos suavam, o estômago dava voltas, e um arrepio subia pela nuca.
— Você... gostaria de ir a um parque que tem aqui perto? — perguntou Milena, de repente, sem pensar. A pergunta saiu antes que ela pudesse racionalizar.
— Claro. — respondeu Eny, sem hesitar.
Milena procurou Layla, avisou que sairia um pouco e, em seguida, voltou para Eny.
— Desculpa perguntar... você vai comigo no carro ou a gente se encontra lá? — perguntou Milena, com uma pontada de ansiedade.
— Vim de carona com meu pai. Posso ir com você, se não for incômodo.
— Incômodo nenhum... Na verdade, eu prefiro assim. — respondeu Milena, com um sorriso contido.
No carro, as duas deixaram que a música guiasse a conversa. Riram das preferências musicais, trocaram histórias breves e olhares longos. Mas, por dentro, Milena travava uma batalha silenciosa.
“Como posso me sentir assim por alguém que acabei de conhecer?”
“Será que ela sente algo parecido? Ou estou sozinha nisso?”
Eny, alheia ao turbilhão de dúvidas, parecia tranquila. Ou talvez escondesse tudo tão bem quanto Milena tentava fazer.
Quando chegaram ao parque, Eny respirou fundo o ar fresco da noite e olhou em volta.
— Você deve gostar muito daqui... me chamou pra cá sem nem hesitar.
— Gosto, sim. — disse Milena. — E você?
— Também gosto. Sempre venho quando preciso pensar. Era o lugar preferido da minha mãe. Ela e meu pai vinham aqui pra conversar, rir... ficavam por horas.
Milena a olhou com ternura.
— Seus pais parecem muito apaixonados.
— Eles eram. — disse Eny, com um leve pesar na voz.
— “Eram”...? Se não quiser falar sobre isso, tudo bem.
Eny balançou a cabeça com um sorriso triste.
— Minha mãe faleceu há dez anos. Tinha uma doença terminal... e não havia mais o que fazer. A dor era grande, mas hoje, eu sinto paz. Ela descansou. E sei que está num lugar melhor.
— Eny... me desculpa por trazer isso à tona. Não queria te fazer lembrar de algo triste.
— Não se preocupe. Já não dói como antes. Ela vive em mim... e fico feliz em falar dela com quem tem um coração gentil.
Milena sentiu o peito apertar.
— Ela teria muito orgulho de você. Você é... linda, forte, inteligente.
Eny sorriu, agradecida.
— Agora me fala de você. Quero te conhecer também, Milena.
— Bom... trabalho em um escritório de arquitetura, tenho 24 anos, moro com meus pais e minha irmã. Meu pai é engenheiro, bem conhecido aqui.
— Foi direto ao ponto, hein? Estava esperando um monólogo! — riu Eny.
— Ah, desculpa decepcionar! — disse Milena, rindo com ela.
Caminharam até um ponto alto do parque, onde o céu se abria limpo, cheio de estrelas. Milena olhou para cima, encantada.
Eny a observava em silêncio.
E então, algo mudou no ar. Eny parou de olhar o céu e olhou Milena — de verdade. Havia algo no modo como Milena sorria, algo que fazia seu coração disparar. Um calor subiu do estômago até o rosto. Ela não sabia explicar. Mas sabia que não era comum.
Milena se virou, sentindo aquele olhar.
Seus olhos se encontraram.
E por alguns segundos, ninguém disse nada.
Foi um silêncio cheio de significado.
Guiadas por um impulso doce e arrebatador, seus corpos se aproximaram, lentamente. O mundo lá fora sumiu. A respiração se prendeu no peito. E então, seus lábios aos poucos vão se aproximando até que.....
Até que, do nada, sai um cachorro de uma moita próxima, latindo como se tivesse acabado de descobrir que era o dono do parque. As duas se assustam tanto que, oque era para ser um beijo romântico, se transforma num show de gritos e pulos dignos de filme de comédia. O cachorro? Sai todo orgulhoso, como se tivesse acabado de salvar o mundo do amor alheio.
Elas então começaram a rir da situação inusitada, ainda meio atordoadas com o susto.
— Você está bem? Tenho quase certeza que bati minha testa na sua — disse Eny com um sorriso entre divertido e preocupado, olhando para Milena com os olhos brilhando.
— Sim, estou... só um pouco com dor aqui na testa — respondeu Milena, levando a mão ao local e fazendo uma expressão dengosa. — Acho que você bateu mesmo... rsrs.
Eny riu, aliviada, e juntas seguiram de volta para o carro, ainda comentando e rindo do episódio.
No caminho para deixar Eny em casa, Milena, com o coração ainda acelerado pelas emoções da noite, tomou coragem:
— Posso... posso pegar seu número? Queria... bom, queria te ver de novo.
Eny sorriu suavemente.
— Claro. — Pegou o celular de Milena em suas mãos e digitou seu número. — Pronto. Agora é oficial — disse, entregando o aparelho de volta com um leve toque nas mãos de Milena, que sentiu o contato como uma corrente elétrica.
Ao chegarem à casa de Eny, ela virou-se para Milena antes de sair do carro.
— Obrigada por esta noite... Foi leve, divertida, e, sinceramente, inesperadamente especial. Vamos marcar outro encontro, mas... sem cachorros dessa vez, por favor! — riu, fazendo Milena rir junto.
— Combinado — respondeu Milena, sorrindo de volta, com um olhar terno. Eny então saiu do carro e entrou em casa.
Milena ficou parada por alguns segundos antes de dar partida. No trajeto de volta, o silêncio do carro contrastava com a confusão doce em sua mente. Ela pensava em tudo que sentira ao lado de Eny. Sentimentos intensos, novos... e reais.
"Eu nunca tinha me sentido assim... Ainda mais por uma mulher. Lembro da pergunta da minha prima aquele dia... E agora? Acho que a resposta é sim. É, prima... talvez eu seja mesmo lésbica."
Enquanto isso, Eny, já em casa, se jogava no sofá. Suspirou com um leve sorriso nos lábios. "A Milena é encantadora... acho que estou começando a me apaixonar. Fácil, fácil."
No dia seguinte
Milena acordou com um sorriso teimoso no rosto. Foi ao banheiro cantarolando, tomou seu banho, vestiu a roupa mais alegre que tinha no armário — algo nela queria irradiar a felicidade que sentia por dentro.
Ao descer para o café, encontrou os pais e a irmã já à mesa.
— Bom dia, pai, mãe, maninha! Como vocês estão nessa manhã linda? Tô faminta!
— Bom dia, docinho — respondeu sua mãe com olhar curioso. — Você está muito feliz hoje. O que aconteceu ontem à noite pra te deixar assim?
— É mesmo — completou o pai, semicerrando os olhos. — Conte logo, mocinha.
— Anda, maninha! Conta tudo! — disse Joyce, com aquele típico brilho curioso de irmã mais nova.
— Parem, gente! — riu Milena, pegando uma torrada. — Tenho muito trabalho hoje. Inclusive, a tal da Sra. Meleke vai no escritório... Vai ser puxado.
— Boa sorte com ela, filha. Aquela mulher é um desafio. — alertou o pai.
— Maninha! Vai mesmo deixar sua irmãzinha curiosa? — insistiu Joyce, fazendo um teatrinho dramático.
— Amo vocês! Estou indo! — disse Milena, escapando da mesa entre risos e despedidas.
No carro, enquanto dirigia, pensava em Eny. Será que dormiu bem? Será que já está no trabalho? Decidiu que ligaria para ela na hora do almoço.
No escritório
Uma colega se aproximou.
— Milena, a Sra. Meleke já está na sala de reuniões, esperando por você.
— Obrigada — disse, respirando fundo.
Milena entrou na sala com os projetos em mãos, mas sua cabeça ainda girava com pensamentos sobre Eny.
— Bom dia, Sra. Meleke. Sou a Milena, responsável pelo seu projeto.
— Ah, bom dia, Milena. Ouvi falar muito bem de você... Dizem que é a melhor desse escritório. É verdade? — perguntou Meleke com um tom suave e olhos penetrantes.
— Acredito que tenho colegas tão bons quanto eu, senhora — respondeu Milena, mantendo a postura, mas franzindo a testa com leve estranheza.
Durante três horas, Milena apresentou três propostas detalhadas. A cliente ficou impressionada e até cogitou incluir um playground para os netos. No fim, tudo foi decidido.
— Agradeço sua presença, Sra. Meleke. Garanto que o projeto será impecável — disse Milena com orgulho.
— Eu acredito. Você é talentosa... e muito atraente. É casada ou namora? — perguntou a cliente, com um sorriso que ia além do profissional.
— Solteira — respondeu Milena, surpresa e ligeiramente constrangida.
— Que ótimo. Relacionamentos hoje em dia são complicados demais — disse Meleke, ainda mantendo aquele tom ambíguo.
Assim que a cliente saiu, Milena suspirou aliviada. Finalmente pôde respirar — e almoçar. Pegou o telefone e ligou para Eny, convidando-a para almoçarem juntas. Eny aceitou com entusiasmo.
No restaurante, Eny chegou primeiro. Milena logo se juntou a ela.
— Dormiu bem? — perguntou Milena.
— Sim, tomei um chá, como sempre. E você?
— Dormi muito bem... Acordei muito melhor, pra ser sincera — respondeu Milena com um sorriso tímido.
O vinho chegou, brindaram e conversaram entre risos e olhares cada vez mais doces. Durante todo o almoço, o sentimento de conexão crescia entre elas: havia leveza, conforto, encanto.
Ao se levantarem para sair, Milena parou.
— Eny... eu queria dizer que me sinto muito bem ao seu lado. Acho que... eu gostaria de te conhecer melhor. Podemos continuar nos vendo?
Eny sorriu, com os olhos iluminados.
— Eu adoraria. Muito.
As duas se despediram com carinho e voltaram aos seus trabalhos — mas o coração de ambas havia ficado preso naquele almoço.
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