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A Caipira e o Juiz

Capítulo 1 – Ovos, Poeira e Promessas Furadas

( Valentina )

Ôxe, meu nome é Valentina Fonseca, 37 anos, mas pode me chamar de Tina. Só me chama de Valentina quando eu tiver brava. E olha… ultimamente, isso tem acontecido com uma frequência preocupante.

Moro num fim de mundo que nem aparece no mapa. Se você procurar no GPS, ele trava. Sério. É um vilarejozinho no meio do sertão onde o galo canta de madrugada e os vizinho respondem, como se fosse diálogo. Eu, meu marido Geraldo e nossa filha Júlia moramos numa casinha que mais parece um brinde de rifa: pequena, torta, mas cheia de amor (e cupim).

Trabalho como empregada na fazenda dos Santiago, uma família daquelas chiques que fala “brunch” em vez de café da manhã. O patrão, Seu Otávio, vive com cara de quem chupou limão e engoliu com caroço. Já a dona Paula, esposa dele, é uma santa. Vive me dando roupa usada da filha, só que a filha dela pesa trinta quilos e eu… digamos que sou mais “parruda”, entende? Quando visto, pareço um colchão enrolado num guardanapo.

Geraldo, meu marido, é segurança na mesma fazenda. Dizem que é durão, mas é só até ver uma barata. Já vi ele encarar um homem com faca, mas correr gritando por causa de uma cascudinha voadora. Vai entender.

Minha filha, Júlia, tem sete anos e língua maior que a minha paciência. Fala sem parar. Uma vez, perguntou pro padre da vila se Deus fazia cocô. Desde então, somos conhecidos como “a família do demôniozinho curioso”. Que orgulho.

Mas ó… apesar da vida simples, não sou qualquer uma, não. Me criei no mato, sem frescura. Aprendi a lutar com meu pai, que dizia que mulher tem que saber se defender sozinha. Sei dar rasteira, aplicar chave de braço e cortar galinha no tempo de uma Ave-Maria. O povo acha que sou só uma caipira boba, mas deixa eles tentarem me roubar o balde de leite pra ver.

Hoje mesmo, acordei antes do sol. Botei o feijão no fogo, fiz café na chaleira velha que chia mais que a vizinha fofoqueira, e fui recolher os ovos. Entortei a coluna, levei bicada da galinha e ainda ouvi do Geraldo:

— “Você não sabe pegar ovo com jeito?”

Respondi:

— “Se quiser ovo sem estresse, vai no mercado. Aqui, até a galinha é arisca.”

Ele riu, me abraçou e saiu pro trabalho.

Trabalho que não falta. Tem poeira até dentro da geladeira. Passar pano, lavar roupa, dar comida pra porco e ouvir piada ruim do caseiro. A melhor parte do dia é quando me sento no alpendre com um copo de suco de caju e conto piadas pras crianças da vila.

— “O que o boi falou pra vaca?”

— “Te amooooo!”

— “E o que a vaca respondeu?”

— “Muuhhuito obrigada!”

As crianças rolam no chão. E eu fico ali, rindo junto, mesmo cansada.

Sabe, às vezes penso que a vida tá parada, sem novidade. Mas tenho fé que Deus tá só esperando o momento certo pra dar aquela virada. Mal sabia eu… que essa virada tava vindo igual enxurrada: rápida, barulhenta e cheia de pedra no caminho.

Mas por enquanto, tudo que sei é que amanhã tem frango pra matar, patrão pra agradar, e a Júlia pra lembrar de novo que não se fala “pum” na mesa. Ai, ai… vida de Tina não é mole, mas é minha. E tem amor, tem riso e, se precisar… tem voadora também.

Continua...

Personagens:

Valentina:

Pierre:

Júlia:

Capítulo 2 – Viagem Sem Volta

( Valentina )

Tem dia que a gente acorda e sente que tem coisa esquisita no ar. Nem precisa previsão do tempo. O galo canta torto, a chaleira não chia, e até o feijão parece cozinhar com tristeza. Pois foi bem assim que meu dia começou.

Chego na casa grande da fazenda Santiago com meu avental florido, o cabelo preso num coque meio troncho e o sorriso de sempre. Paula, a patroa, já me recebe com aquele jeitinho de anjo:

— “Bom dia, Tina! Aceita um café com leite? Fiz aquele biscoitinho que Júlia adora.”

— “Aceito sim, dona Paula. Mas só se a senhora não contar pro Geraldo que eu comi três... ou sete.”

A gente ri. Paula é dessas que trata a gente com respeito, sabe? Já salvou a pele da minha menina várias vezes, dando brinquedo, roupa, até colchonete quando a Júlia teve febre. Júlia vive grudada nela, chama até de “tia Paula” com aquele jeitinho sem-vergonha de puxar saco.

Agora, Otávio… o patrão… misericórdia. O homem tem cara de quem nunca soltou uma gargalhada. Parece que nasceu sério e foi ficando pior. Anda com a mão pra trás e só fala com frases cortadas:

— “Bom dia.”

— “Tá limpo isso?”

— “Mais café.”

— “Sai o Geraldo comigo hoje.”

Foi nessa última que meu zoinho arregalou.

— “Como é, seu Otávio?” — Pergunto.

— “Vou viajar. Negócios. Preciso do Geraldo comigo. Segurança. Confio nele. Ponto.”

Desse jeito. Ponto final em tudo, como se tivesse ditando telegrama. Nem me deu tempo de perguntar pra onde era, nem quanto tempo iam ficar.

Geraldo, coitado, ficou todo bobo com a confiança. Se arrumou com a camisa boa que só usa pra casamento e enterro (às vezes é o mesmo evento, depende da sogra). Me deu um beijo na testa, abraçou a Júlia apertado e disse:

— “É rapidinho, meu amor. Cuida das plantas e da menina. Quando eu voltar, trago notícia boa.”

Eu ri, mas meu coração ficou meio miúdo. Sabe quando a gente sente o cheiro da encrenca antes dela bater na porta? Pois é.

Passam-se dois dias… depois quatro… depois uma semana.

Nada.

Sem notícia. Sem ligação. Sem sinal de fumaça.

Ligo pro celular do Geraldo, e só escuto aquela bendita voz irritante da operadora dizendo que “o número encontra-se desligado ou fora de área”. Ah, se eu pego essa operadora, dou nela com o chinelo que tá aqui no meu pé desde 2007.

Fico nervosa. Ando de um lado pro outro com a pá da horta na mão, parecendo que vou cavar um túnel até a casa de Otávio. A Júlia, com os olhos assustados, pergunta:

— “Mamãe, o papai foi raptado pelos ET?”

— “Não, filha. E se foi, eles vão ter que devolver. Ele ronca demais pra viver em nave espacial.”

Naquele dia, depois de pensar, rezar, e comer meio bolo de fubá só pra não surtar, tomo uma decisão: vou procurar o Geraldo com as minhas próprias pernas.

Passo na casa da Paula. Ela me atende toda preocupada:

— “Tina, você tá pálida. O que houve?”

Conto tudo, chorando feito bezerro desmamado. Ela abre os braços, me abraça e diz:

— “Deixa a Júlia comigo. Eu cuido dela como se fosse minha.”

Fico emocionada. Júlia abraça a tia Paula e diz:

— “Mamãe, volta logo. E traz meu pai, viu? Ele prometeu me ensinar a laçar porco!”

Engulo o choro, dou um beijo na testa da minha menina, pego minha bolsinha surrada, amarro os cabelos e vou. No fundo, sinto um aperto estranho no peito. O tipo de aperto que nem chá de boldo resolve.

As galinhas me encaram de longe, como se soubessem. O cachorro late pro nada. E o céu… o céu fecha como se dissesse: “segura, Tina, que lá vem chumbo”.

E eu vou. Porque mulher do sertão não corre do problema. A gente vai com medo mesmo, mas vai.

Só não sabia que o que me esperava era muito mais do que eu imaginava…

Continua...

Capítulo 3 – E lá vou eu, na carroça do capeta

( Valentina )

Se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que quando tudo começa a dar errado, a tendência é piorar. Tipo arroz queimado: você tenta salvar, vira papa. Tenta comer, quebra o dente. Pois é. Foi mais ou menos isso que aconteceu comigo.

Saio da fazenda com a cara e a coragem. Levo só uma muda de roupa, um pão doce e minha fé em Deus que nem sempre é muito forte, mas é persistente. O sol tá rachando a moleira, o mato parece que tá rindo da minha cara e o chinelo arrebenta logo na primeira curva de estrada.

— “É isso mesmo, vida? Vai me jogar no modo difícil hoje?”

Caminho mais um pouco, tentando pedir carona pra uma vaca que me olha com pena. Quando acho que tô chegando perto de alguma civilização, sinto uma coisa esquisita. Tipo aquele arrepio que a gente sente quando pisa em cocô quente. Só que pior.

Ouço um barulho. Passos. E antes que eu possa soltar um grito, um pano fedido me tapa a boca.

— “Ai meu Jesus, me jogaram na novela das oito!”

Apago.

Quando acordo, tô num lugar escuro, com cheiro de gasolina velha e cueca suada. Tem uns homens encapuzados, armados, e um deles, que parece ser o chefe, vem na minha direção.

— “Seja bem-vinda, Valentina Fonseca.”

— “Ô moço, me perdoe, mas cês confundiram. Eu sou só uma mulher que cria galinha e faz doce de leite! Não vale nem uma troca por uma bicicleta usada!”

— “Cale a boca.”

Gela até o sovaco. E olha que nem desodorante aguenta o medo nessa hora.

— “Seu marido, Geraldo, devia dinheiro à nossa organização. Muita grana. E pra não morrer, ele nos ofereceu… você.”

— “COMO É QUE É?”

Se tivesse uma plateia, dava pra ouvir o "oooooooh" da reação. Eu pisco três vezes pra ver se entendi certo. Eu? Pagamento de dívida?

— “O Geraldo me vendeu que nem galinha de leilão?”

— “Ele fugiu. Mas você ficou. Agora, é nossa. E vai fazer o que mandarmos. Se não obedecer... sua filha morre.”

Nesse momento, minha perna amolece. O coração quer pular da boca. Eu penso na Júlia com a franja torta, no dente mole, no desenho do boi que ela rabiscou na parede da cozinha.

— “O que vocês querem de mim?”

O chefe tira uma foto de dentro da mochila. Um homem elegante, bonito, cara de quem passa perfume francês até pra ir ao banheiro.

— “Pierre Scott Moreau. Juiz federal. Renomado. Frio. Inteligente. E precisa morrer.”

— “Morrer? Moço... eu nem mato barata com veneno! Só jogo o chinelo e rezo pra ela se assustar e fugir!”

— “Você vai matá-lo. Está decidida a missão. Se não cumprir… Júlia morre. E depois você.” — Ele ameaça.

Respiro fundo. Tento pensar. Tento gritar. Mas tudo que sai da minha boca é:

— “Posso, pelo menos, tomar um café antes de virar assassina?”

Silêncio.

Até o encapuzado do canto dá uma risadinha abafada. Mas ninguém responde. Eu fico ali, sentada no chão frio, tremendo, com o coração disparado e a cabeça girando igual carro de pamonha.

Geraldo me meteu nessa. Fugiu. Me largou.

E agora eu, Valentina Fonseca, doceira, caipira, mãe solo e piadista oficial da roça… tenho que matar um juiz. Um tal de Pierre Scott, que, se o nome não for de perfume, é de problema.

— “Ô vida… me bota pra vender empada no semáforo, mas não me dá uma arma na mão…”

Mas agora não tem volta. Se quero salvar minha filha, vou ter que entrar nesse jogo sujo.

E descobrir… quem é esse tal juiz Pierre. Porque se for pra matar, eu preciso conhecê-lo. Ou talvez... talvez eu arrume outro jeito de sair dessa.

Comédia, tragédia ou novela das seis, tô dentro. E dessa vez… é matar ou morrer. Literalmente.

Continua...

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