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Capítulo 1 — As Coisas que o Silêncio Guarda
A chuva caía fina, quase como um sussurro, molhando o vidro da cafeteria onde Lívia tomava seu chá de hibisco sem açúcar. Era sua rotina dos sábados. A mesma mesa no canto, o mesmo pedido, o mesmo caderno de capa cinza que ela abria, mesmo que não escrevesse nada. Havia algo reconfortante em repetir os pequenos hábitos — como se pudesse manter o caos do mundo do lado de fora.
Ela passava os dedos pela borda da caneca quando a porta se abriu com um leve toque de sino. Lívia não olhou. Não olhava mais. Pessoas iam e vinham, e ela tinha aprendido que, quanto menos se envolvesse, mais intacta ela permanecia.
Mas aquele som — o som da respiração ofegante de alguém que correu para escapar da chuva — chamou sua atenção. Ela ergueu os olhos, devagar, apenas por um segundo.
Ele estava ali.
Cabelos molhados grudando na testa, jaqueta de couro escura, e um olhar que não combinava com o resto do corpo. Um olhar que parecia ter perdido alguma coisa importante.
Ele a notou. Talvez tenha sentido o silêncio ao redor dela. Ou talvez fosse apenas coincidência.
— Essa cadeira está ocupada? — ele perguntou, apontando para a cadeira vazia à frente da mesa.
Ela hesitou. Havia muitas outras mesas livres. Isso era um convite ou um erro?
— Não. — respondeu baixo, voltando a olhar para o chá.
Ele sentou. Tirou o capuz da jaqueta e passou a mão pelo cabelo.
— Você vem aqui sempre? — ele perguntou, sorrindo um pouco.
Ela não respondeu. Estava cansada de perguntas vazias.
— Foi uma pergunta idiota, né? — ele riu, sem jeito. — Me desculpa. Eu só... estou tentando lembrar como se conversa com alguém sem parecer um idiota completo.
Ela mordeu o canto do lábio, quase sorrindo. Quase.
— Por que aqui? — perguntou. — Por que sentou logo nessa mesa?
— Porque parecia o lugar mais silencioso da cidade. E porque você estava sozinha. E... — ele parou, encarando-a por um segundo a mais do que deveria. — Porque pareceu certo.
Lívia franziu o cenho. As pessoas não diziam esse tipo de coisa. Não sem querer algo em troca.
— Eu sou Noah, aliás — disse ele, estendendo a mão, mas não forçando o toque. — Só Noah.
Ela olhou para a mão, depois para ele. Não apertou.
— Lívia.
Ele assentiu. Como se já soubesse o nome. Ou talvez tivesse gostado de como soava.
Silêncio.
A chuva ficou mais forte. No caderno à sua frente, uma página em branco esperava. Mas as palavras ainda não vinham. Nem os poemas. Nem as lágrimas.
— Você escreve? — ele perguntou, apontando com o queixo para o caderno.
— Tentava. — respondeu.
— E parou por quê?
Ela fechou o caderno devagar. Como quem guarda algo precioso.
— Porque quando tudo desaba, até as palavras somem.
Noah ficou quieto. Havia respeito no silêncio dele. Não aquele tipo de silêncio que quer invadir, mas o que entende.
Depois de alguns segundos, ele falou, mais baixo:
— Às vezes... o que desaba também pode abrir espaço pra algo novo.
Ela virou o rosto para a janela, os olhos marejando sem que ele percebesse. Ou talvez tenha percebido — e escolhido não mencionar.
Lívia ainda era virgem. Nunca havia amado com o corpo, apenas com o coração. E esse, ela prometera nunca mais entregar. Mas havia algo naquele homem — algo quebrado, sim — que falava com as partes dela que ainda estavam tentando voltar a viver.
E naquele instante, por um milagre que nem ela sabia explicar, o chá parecia menos amargo.
E o silêncio... menos solitário.
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Capítulo 2 — Os Lugares que a Dor Não Mostra
Lívia não voltou para casa direto naquela noite. Ela andou sem rumo pelas ruas molhadas, sentindo a brisa cortando o rosto como lembrança de tudo o que ainda doía.
Era estranho.
Ela não sabia quase nada sobre aquele homem. Mas, de algum modo, havia nele uma dor que espelhava a dela — como se ele também tivesse esquecido como era viver, mas ainda assim estivesse tentando.
Ao chegar em casa, colocou a chave na porta e parou. Por um segundo, hesitou. Entrar significava voltar ao vazio. À rotina. À ausência.
Entrou mesmo assim.
O apartamento era pequeno e silencioso. As paredes ainda guardavam ecos do riso da mãe, dos passos do irmão, das conversas no fim da noite. Tudo havia sumido em uma madrugada de chuva dois anos atrás — exceto ela.
A dor sobreviveu.
Tirou os sapatos, deixou o casaco no sofá e foi direto para o quarto. Não acendeu a luz. Deitou-se devagar, como quem carrega um corpo que ainda se acostuma a existir. E chorou em silêncio. Só o bastante para não desmoronar. Só o suficiente para se lembrar de que ainda sentia.
Na manhã seguinte, ao chegar novamente à cafeteria, lá estava ele.
Noah.
Na mesma cadeira. Uma xícara de café à frente, os olhos baixos, como se também tivesse perdido o sono.
Ela se aproximou devagar.
— Você está me seguindo? — perguntou, com um leve tom de ironia.
Ele ergueu os olhos. Sorriu com canto da boca.
— Só vim devolver um silêncio. Acho que ele te pertencia.
Ela sentou-se. Nenhum dos dois disse mais nada por alguns minutos.
— Teve um tempo... — ele começou, com a voz baixa — ...em que eu escrevia cartas para pessoas que nunca iam receber.
Ela o olhou, curiosa.
— Por quê?
— Porque era a única forma de dizer tudo o que eu não sabia como falar em voz alta.
Lívia respirou fundo. Quis dizer algo, mas não conseguiu. Ele percebeu.
— Não precisa me contar o que aconteceu — disse ele. — Às vezes, contar só faz doer de novo.
Ela assentiu. Os olhos ardiam.
— Mas se um dia quiser escrever... — continuou ele, estendendo um papel amassado com um número rabiscado — ...eu leio. Mesmo que não seja sobre mim.
Lívia pegou o papel. Olhou por alguns segundos. Depois o guardou no bolso, sem promessas.
Levantou-se.
— Por que você está aqui, Noah?
Ele hesitou.
— Porque eu também perdi alguém. E às vezes... a gente precisa sentar ao lado de quem entende o silêncio, mesmo sem saber o nome da dor.
Ela ficou imóvel. Aquilo a atingiu em cheio.
E então, como quem não queria deixar o coração falar mais alto, Lívia se virou e foi embora.
Mas naquela noite, antes de dormir, ela escreveu.
Pela primeira vez em dois anos, ela escreveu algo que não era sobre a morte.
Era sobre um estranho com olhos tristes e voz calma.
E, estranhamente, aquilo parecia um começo.
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Claro! Aqui vai a continuação — ainda no Capítulo 2, com mais tensão emocional e pequenos sinais de que algo profundo se forma entre Lívia e Noah, mesmo que eles ainda não entendam o que é. O ar de mistério continua no olhar dele… e no coração dela.
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Na noite daquele mesmo dia, o céu estava limpo. Pela primeira vez em semanas, as estrelas conseguiram vencer as nuvens. Lívia abriu a janela do quarto e deixou o ar frio entrar. Sentou-se com o caderno no colo, as pernas cruzadas, a caneta entre os dedos.
Olhou para a folha em branco.
“Para alguém que eu ainda não entendo…”
Escreveu.
“Você me encontrou em um lugar onde até o eco havia desistido.
E, mesmo sem saber o caminho, sentou perto.
Não perguntou nada, e ainda assim escutou tudo.
Isso assusta mais do que deveria.
Mas, de algum modo, acalma.”
Fechou o caderno devagar, abraçando-o contra o peito.
Ela ainda não sabia se aquilo era o começo de algo bonito…
Ou o aviso silencioso de mais uma despedida.
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Na cafeteria, no sábado seguinte, Noah já a esperava. Como se o tempo dele estivesse ligado ao dela.
— Você escreveu? — ele perguntou, sem rodeios.
Ela sentou, tirou o caderno da bolsa e empurrou para ele uma folha arrancada com cuidado.
Ele leu em silêncio. Depois olhou para ela.
— Parece que você me conhece.
— Não conheço — corrigiu. — Só vi algo que parecia comigo.
Ele encostou-se na cadeira, os olhos vagos.
— Quando alguém te olha de verdade… dá medo, né?
— Dá — ela sussurrou.
Havia um espaço entre os dois, mas também algo invisível que começava a preencher o vazio.
— Me conta uma verdade sua — ela pediu. — Só uma. Sem mentiras bonitas.
Noah ficou quieto por longos segundos. Parecia procurar coragem.
— Eu… já desejei não acordar mais. Por semanas.
Ela prendeu a respiração. A sinceridade dele a desmontava.
— E por que acorda, então?
— Porque um dia alguém escreveu uma carta pra mim, dizendo: “Fica, mesmo sem saber por quê. Às vezes, a razão aparece depois.”
Ela abaixou o olhar. Não sabia se queria chorar ou agradecer por ele ainda estar ali.
— E você? — ele perguntou. — Por que ficou?
Lívia encarou os próprios dedos sobre a mesa.
— Porque ninguém percebeu que eu queria partir. E, de algum jeito, isso me manteve viva. Ficar doendo em silêncio… era mais fácil do que gritar e ninguém escutar.
Noah esticou a mão devagar. Tocou a dela. Foi um toque leve, quase um pedido de permissão.
Ela não recuou.
Naquele instante, sem beijos, sem promessas, algo aconteceu.
Não havia pressa.
Mas também não havia mais volta.
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Capítulo 3 — Coisas que o Corpo Guarda em Silêncio
O convite veio numa mensagem simples.
“Quer caminhar hoje à tarde? Sem café. Sem paredes.”
— Noah.
Lívia releu a mensagem três vezes antes de responder.
“Tá.”
Foi tudo o que conseguiu escrever. Mas por dentro… o coração batia como se estivesse reaprendendo a existir.
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Encontraram-se em um parque quase vazio, o céu nublado acima deles, como se o tempo compreendesse a leveza sombria daquela tarde. Noah usava uma camisa cinza e o mesmo olhar de sempre — como quem escondia mais do que podia contar.
— Você sabia que o corpo guarda traumas como gavetas trancadas? — ele perguntou, caminhando ao lado dela, sem tocar, mas perto o bastante para sentir o calor.
Lívia apenas assentiu. Ela sabia. Sabia demais.
— E às vezes, do nada, a gaveta abre — ele continuou. — Um cheiro, uma frase, até uma música… e pronto. Tudo volta.
— Ontem eu chorei por causa de uma música de 17 segundos — ela murmurou. — Tocou num comercial.
Noah sorriu com melancolia.
— Parece loucura, né?
— Não. Loucura é fingir que não dói.
Caminharam mais alguns metros em silêncio. As folhas caíam ao redor, como pequenos lutos do outono.
— Posso te mostrar um lugar? — ele perguntou.
Lívia hesitou. Mas algo dentro dela dizia que sim.
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Era um prédio antigo. De fachada descascada e janelas tortas. Noah abriu uma porta de ferro, subiu dois lances de escada e a guiou até o terraço.
Lá em cima, havia uma velha poltrona de veludo encardido, algumas plantas secas em vasos quebrados e um piano desmontado encostado na parede.
— É feio — ele disse. — Mas é meu esconderijo.
Ela sorriu pela primeira vez em dias. Um sorriso pequeno, mas real.
— É mais bonito do que qualquer coisa perfeita.
Ele sentou na poltrona. Ela se aproximou das plantas.
— Você vem aqui pra lembrar ou pra esquecer?
— Pra respirar — respondeu. — Nos dias em que o peso fica grande demais.
Lívia se sentou no chão, os joelhos junto ao peito.
— Você acha que algum dia isso passa? A dor?
Noah olhou para o céu nublado.
— Não. Mas acho que a gente aprende a dançar com ela. Como se fosse uma cicatriz que virou coreografia.
Ela fechou os olhos. Um vento frio passou, arrepiando sua pele.
Noah a observava. Aquela menina com olhos cansados e alma quieta. Havia algo nela… algo intocado, puro, como um campo de neve antes da primeira pegada.
Ele não a tocou. Mas quis.
Não com pressa. Não com desejo.
Com reverência.
Lívia ainda era virgem. Nunca havia deixado ninguém chegar perto o suficiente. Mas pela primeira vez, ela não sentiu medo. Só cuidado. Só um calor morno de alguém que não queria tomar — apenas estar.
— Obrigada por me mostrar seu refúgio — disse ela, com os olhos brilhando.
— Obrigado por não fugir — respondeu ele.
E então, o tempo ficou quieto.
E pela primeira vez, o silêncio entre eles não era sobre dor.
Era sobre presença.
Sobre um possível amor que ainda não sabia o nome que tinha.
Com prazer. Vamos continuar com o Capítulo 4 de "Enquanto Eu Não Me Despeço", aprofundando a conexão entre Lívia e Noah, mas também introduzindo mais tensão emocional e um vislumbre do passado dele — para prender o leitor e deixá-lo querendo mais.
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Capítulo 4 — O Nome das Cicatrizes
Fazia três dias desde que Lívia estivera no terraço de Noah, e a lembrança daquele lugar ainda a acompanhava como um segredo bom.
Mas naquela tarde, ao sair da cafeteria, viu algo que a fez parar.
Noah.
No outro lado da rua.
Com uma mulher.
Ela era bonita, usava casaco vermelho e segurava um envelope nas mãos. Falava com raiva, com pressa. Noah não respondia. Só ouvia.
Mas quando a mulher virou as costas e foi embora, ele ficou parado por longos segundos, com o olhar preso em algum lugar que Lívia não conseguia alcançar.
E então ele a viu.
Lívia fingiu que não o observava. Seguiu andando. Mas o coração já doía — e ela nem sabia por quê.
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À noite, ele enviou uma mensagem.
“Foi só uma parte do meu passado me lembrando que ainda dói.
Mas se quiser saber, eu conto.”
Lívia ficou olhando a tela.
Doía admitir, mas ela queria saber.
“Só me diz a verdade.”
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Encontraram-se no mesmo terraço.
Estava mais frio dessa vez. Lívia usava um cachecol e segurava uma xícara de chá quente que ele preparou.
— Ela era minha esposa — ele disse, direto, sem rodeios.
Lívia não se mexeu.
— A gente perdeu um filho. Ainda na barriga. Depois disso, a gente também se perdeu um do outro.
Ele encarava as estrelas. Ou tentava.
— Eu não fui embora porque deixei de amar. Fui embora porque não sabia mais como ficar.
Lívia sentiu o corpo estremecer.
Não de medo.
Mas de algo novo: empatia, talvez. Ou um espelho quebrado que ainda se encaixava ao lado do dela.
— Você ainda a ama? — perguntou.
Ele demorou a responder.
— Amo o que fomos. Mas não sou mais aquele homem.
E, se estou aqui, é porque alguma parte de mim quer ser outra coisa. Talvez… contigo.
Ela desviou o olhar. Aquele “contigo” ecoou fundo.
Noah se aproximou, devagar.
Parou diante dela.
— Eu não quero te consertar, Lívia. E não espero que você me salve.
Só queria… te acompanhar. Se me deixar.
Ela olhou para ele. Pela primeira vez, sem defesas.
— Eu ainda tenho medo.
— Eu também — ele respondeu.
E então ele estendeu a mão.
Não para segurar.
Mas para deixar que ela decidisse.
E Lívia, com o coração ainda ferido, mas pulsando de novo, encostou seus dedos nos dele.
Foi só um toque.
Mas ali havia promessa.
De presença.
De cuidado.
De tudo o que o amor deveria ser — mesmo quando ainda nem se chamava assim.
— Sabe o que eu mais odeio? — Lívia perguntou, com a voz baixa, os olhos fixos nas nuvens que se acumulavam no céu.
— O quê?
— Quando me dizem que vai passar.
Como se fosse uma gripe. Como se tudo o que eu perdi pudesse ser substituído com tempo e boas intenções.
Noah não respondeu de imediato. Apenas se levantou da poltrona e sentou no chão ao lado dela. As pernas cruzadas. O olhar voltado para o mesmo ponto no horizonte.
— Eu odeio quando fingem que entendem… só porque também sofreram — ele disse. — A dor não é uma competição. É uma língua diferente em cada pessoa.
Ela o olhou. Aqueles olhos cinzentos pareciam abrigar todos os invernos do mundo.
E ainda assim… havia neles um abrigo.
— Por que você me escolheu? — ela sussurrou.
— Eu não escolhi — respondeu. — Você apareceu no exato momento em que eu tinha esquecido como era ver alguém sem me sentir pequeno.
O silêncio que se seguiu foi carregado de tudo o que eles ainda não sabiam nomear.
Lívia apoiou o queixo nos joelhos.
— Eu nunca… — começou, e depois parou. O coração batia como se estivesse tentando sair pela boca.
— Nunca? — ele perguntou, com cuidado.
Ela assentiu devagar.
— Nunca deixei ninguém ficar. Nunca quis. E agora…
Noah esperou. Não pressionou. Não se moveu.
— …e agora você está aqui — completou ela, com a voz embargada.
— Eu só fico se você deixar — disse ele. — E mesmo que não me deixe, eu ainda vou te desejar luz. Mesmo de longe.
Ela virou o rosto na direção dele. As lágrimas ameaçavam cair, mas ela conteve. Porque era diferente dessa vez.
Não era dor.
Era vulnerabilidade.
Era entrega, ainda que em silêncio.
E então, num impulso tão leve quanto o vento que passava entre eles, Lívia encostou a cabeça no ombro de Noah.
Ele permaneceu imóvel, como quem segura o ar para não espantar um milagre.
Ficaram assim por longos minutos.
Dois mundos partidos, tentando descobrir como não se quebrar mais um no outro.
E, naquele terraço gasto pelo tempo, sem promessas e sem pressa, o amor começou a acontecer.
Não em forma de beijo.
Mas em forma de presença.
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