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Porquê o Amor Acontece

Capítulo 1 — A flor que ninguém vê

A empresa “Couto Corp” era uma daquelas construções altas demais para parecerem humanas. Erguia-se de vidro, metal e silêncios. No coração da cidade, entre arranha-céus e antenas, seu prédio refletia o céu nublado da manhã como se também fingisse ser parte dele.

Aylin Mendes chegou às sete e quarenta, como fazia todos os dias. Passou pela catraca com seu crachá simples, com seu nome simples e seu sorriso ensaiado. Era mais uma entre tantos rostos — e, talvez, gostasse disso.

Vestia um blazer claro, calça preta e um coque malfeito que denunciava a pressa. O café da manhã ainda pesava na barriga e a falta de sono nos olhos. Mas havia uma estranha paz em fazer parte daquele sistema silencioso e eficiente.

Só ela sabia que não estava ali por sorte. Só ela sabia que aquele sobrenome que não usava era também o nome que brilhava no topo do prédio.

No elevador, uma fada entrou.

Não qualquer fada — Lysander. Alto, de cabelo louro reluzente, como se fios de arco-íris se escondessem entre mechas. Usava um terno escuro com cortes discretos nas costas por onde saíam suas asas finas, quase transparentes, que se agitavam com leveza e confiança. Ele parecia... inalcançável. Como se tivesse nascido para brilhar num mundo onde o resto apenas se acomodava à sombra.

Ela desviou o olhar quando ele entrou. Ele não. Olhou direto para ela, como se fosse um hábito antigo. Como se a conhecesse — e ainda não soubesse por quê.

— Bom dia — disse ele, educado, porém distante. Sua voz era funda, clara, mas carregava a frieza dos que já ouviram demais.

Ela assentiu.

— Bom dia.

Silêncio.

Os outros funcionários se espreitavam discretamente nas laterais. Era assim sempre que Lysander aparecia: um breve congelar do ambiente, um ajuste de postura, como se todos sentissem que algo nobre passava.

Mas Aylin... ela o achava apenas um homem bonito demais para não ser arrogante. E, como vampira, conseguia farejar orgulho com uma facilidade assustadora. Mesmo quando ele vinha bem vestido e perfumado.

Quando o elevador parou no 32º andar, ela desceu primeiro. Ele a seguiu. Ela trabalhava na área de comunicação interna — abaixo, bem abaixo da hierarquia. Mas naquela semana, teria que apresentar os resultados de uma campanha num comitê de líderes. E adivinha quem estaria lá?

— Senhor Lysander — chamou uma voz animada. Era Alice, a humana de cabelos vermelhos vibrantes e vestido florido, que parecia sempre pronta para contar uma fofoca ou salvar alguém de um colapso nervoso. — Hoje você tem reunião com a Aylin! Ela é ótima, você vai gostar.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— É mesmo?

Alice cutucou Aylin com o cotovelo.

— Fala alguma coisa! Ele é só meio importante, não morde.

— Eu não mordo — respondeu Aylin, com um sorrisinho torto. — Isso é mais a minha área.

A resposta fez Alice rir alto. E Lysander... ele sorriu. Pequeno, contido, mas genuíno.

Talvez fosse ali, naquele elevador comum, num prédio de concreto e vidro, entre uma fada engomada e uma vampira de nome trocado, que tudo começava.

E entre os dois, no centro do hall, uma rosa branca num vaso de vidro parecia curvar-se discretamente. Quase murcha. Mas ainda viva.

Capítulo 1 — A flor que ninguém vê (continuação)

Aylin caminhou até a sala de reuniões com as mãos trêmulas, mas ninguém percebia. Tinha aprendido desde cedo a manter a pose — principalmente diante dele.

Lysander.

Era estranho pensar naquele nome como algo real. Ele não parecia pertencer ao mundo comum. Havia uma aura de distanciamento nele, quase mágica — e não era pelas asas. Era pelo olhar. Pela maneira como andava. Pela forma como parecia carregar o tempo nas costas.

Na sala, os outros líderes se posicionavam em torno da longa mesa de vidro. As cadeiras eram acolchoadas, o ar-condicionado era cruel, e os sorrisos, todos profissionais demais.

Ela posicionou seu material na mesa. Respirou fundo.

— Senhor Lysander, senhor Luciano, senhores — cumprimentou, mantendo a voz firme.

Luciano Couto, o presidente da empresa, estava ali também. O pai. O homem que nunca usava seu nome ao falar com ela. Para todos, era apenas Aylin Mendes. Para ele, uma funcionária eficiente. Fria como ele. Fruto de um erro que agora servia com competência.

Ele não respondeu ao cumprimento. Apenas assentiu com um movimento quase imperceptível de queixo. Os olhos escuros varreram os slides sem emoção.

Lysander, por outro lado, puxou uma das cadeiras e se sentou com postura reta, asas recolhidas com delicadeza, quase como se não quisesse machucar o terno.

Aylin deu início à apresentação.

Falou sobre as campanhas, os resultados, o alcance das mensagens internas, as interações entre setores. Era boa no que fazia — muito boa. E mesmo que isso não garantisse reconhecimento familiar, ao menos lhe dava segurança.

— Seu trabalho é competente, senhorita Mendes — comentou Lysander, ao final. Sua voz era neutra, mas seus olhos pareciam... curiosos. — Mas posso perguntar uma coisa?

Ela assentiu.

— Por que isso importa pra você?

A pergunta caiu como uma pedra no vidro.

Luciano não reagiu. Os outros líderes fingiram ler papéis.

— Porque é a única forma de ser ouvida — respondeu ela, com simplicidade. — Quando ninguém te escuta, você precisa achar outros meios de falar.

Lysander encostou-se à cadeira, analisando a resposta. Seus olhos tocaram os dela por tempo demais. Era como se buscasse algo ali — talvez o porquê que ainda não entendia.

Alice apareceu pouco depois da reunião, animada como sempre, equilibrando dois copos de café e uma pasta enorme sob o braço.

— Eu trouxe café de verdade, porque aquele da máquina é um crime contra a humanidade e todas as raças mágicas — disse, entregando um para Aylin. — E você foi incrível. Até o Lysander prestou atenção. Isso é tipo... um eclipse.

— Obrigada, Alice — Aylin respondeu, aceitando o café e um sorriso genuíno pela primeira vez naquela manhã.

— Ah, e outra coisa... — Alice falou mais baixo, se inclinando. — Você sabia que o Lysander nunca elogia apresentações? Nunca. Nem quando a diretora do marketing veio com holograma. Mas ele elogiou a sua. Isso diz muito.

Aylin não respondeu. Apenas tomou um gole do café quente. Ainda não sabia o que pensar. Ainda não queria pensar.

Na saída, enquanto organizava seus papéis e se preparava para voltar à sua sala, sentiu a presença dele novamente.

Lysander parou na porta.

— Senhorita Mendes.

Ela virou-se.

— Sim?

— Sobre o que você disse... sobre ser ouvida. — Ele hesitou. — Se quiser, posso te escutar mais vezes.

E saiu.

Deixando para trás não um elogio. Mas um convite.

Aylin encarou a porta por alguns segundos. Seu coração batia um pouco mais rápido, mas ela não sabia exatamente o motivo.

Talvez... fosse o começo. Do porquê.

E, do lado de fora, a rosa branca no hall central havia se endireitado ligeiramente.

Capítulo 2 — Asas no concreto

O barulho das engrenagens elevadoras era suave, quase imperceptível. Lysander sempre preferiu os andares mais altos. A visão de cima lhe dava a sensação de controle — de que podia ver tudo, mesmo que não sentisse tudo.

As portas se abriram e ele entrou em sua sala. O escritório era organizado, minimalista. Um pequeno jardim interno, com pedras flutuantes, ocupava o canto direito, lembrando que ali trabalhava alguém que não era apenas humano.

Ele passou a mão pelo cabelo e um feixe colorido brilhou entre os fios dourados. Azul, lilás, dourado — como se pequenos arco-íris se escondessem ali, vivos, pulsando em silêncio.

Sentou-se. Releu os relatórios. Digitou algumas instruções. Mas sua mente vagava.

"Se quiser, posso te escutar mais vezes."

A frase parecia simples. Mas não era.

Ele não era o tipo que fazia convites. Muito menos para pessoas como ela — jovens, inteligentes, levemente desafiadoras.

Ela não era só mais uma funcionária. E isso o incomodava um pouco.

Porque, se fosse, ele não teria notado o leve tremor das mãos dela no início da reunião. Nem o modo como ajeitou o blazer antes de falar. Nem o tom quase firme demais, como se falasse para se proteger.

Ele se lembrava daquele tipo de firmeza. Ele já tivera uma assim.

Lysander levantou-se e caminhou até a janela, as asas se estendendo lentamente pelas aberturas discretas do terno. Elas se moveram com lentidão, como se respirassem.

Do alto, via-se a cidade toda. Caótica, viva, cheia de espécies diferentes vivendo suas próprias realidades. No meio de tudo aquilo, a empresa que ele ajudava a comandar era um santuário de ordem. Mas também, aos poucos, estava se tornando algo mais.

Um lugar onde coisas aconteciam.

Inclusive... sentimentos.

No andar de baixo, Aylin observava Alice organizar os arquivos com energia exagerada.

— Você viu o jeito que ele te olhou, né? — Alice perguntou de repente, sem sequer levantar os olhos dos papéis.

— Quem?

— Lysander. Ele olhou como quem vê uma cor que nunca viu antes. — Alice sorriu. — E você fingiu que não sentiu.

— Alice... — Aylin avisou com um meio sorriso.

— Só estou dizendo, tá? Não me mata. Mas se quiser... — ela ergueu os dedos e fez aspas no ar — “trabalhar em equipe” com ele, eu apoio cem por cento.

Aylin riu, apesar de si mesma. Era bom rir. Principalmente quando o resto da vida pesava tanto.

Enquanto Alice falava sobre um novo projeto, a mente de Aylin vagou por um instante.

Na frase.

No convite.

“Posso te escutar mais vezes.”

Era uma frase simples. Mas... parecia ter sido dita por alguém que nunca disse isso antes.

E isso significava mais do que qualquer coisa.

Horas depois, no fim do expediente, a empresa esvaziava aos poucos. Luzes iam se apagando. Sons diminuíam. O silêncio corporativo que só surgia após às 20h tomava o lugar.

Luciano Couto estava no corredor. Com os braços cruzados, encarando uma tela com dados da produção. Quando Aylin passou por ele, apenas um aceno seco foi trocado.

Nenhuma palavra. Nenhuma pergunta.

Ela já estava acostumada. Mas, por alguma razão, aquilo doía mais naquele dia.

Ao virar o corredor, encontrou Lysander saindo de sua sala.

Ele também parou.

— Senhorita Mendes.

— Senhor Lysander.

Houve um silêncio breve, confortável. As luzes atrás dele criavam um contorno dourado ao redor das asas semiabertas.

— Tem um lugar no terraço onde o ar é melhor pra pensar — ele disse, como quem menciona o tempo. — Se quiser ir algum dia... eu posso mostrar.

Ela assentiu. Com hesitação. Com curiosidade. E, talvez, com um pouco de coragem.

— Eu gostaria.

E então, os dois caminharam em direções opostas. Mas, por dentro, ambos sabiam:

estavam se aproximando.

De algo que ainda não sabiam nomear.

Mas que, no fundo, já os escolhia.

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