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Forbidden Secrets - Livro 2

Capítulo 1: Recomeço

[ Cannes Centre, Cannes - França ]

Camila Vasquez | 08:00 AM, 30 De Maio.

Dois anos.

Setecentos e trinta dias — e algumas horas — desde que eu fui embora sem olhar para trás.

Disseram que o tempo cura, mas ninguém avisou que ele também pode endurecer. Não sou mais a mulher que fugiu chorando no meio da madrugada. Eu aprendi a respirar sozinha, a dormir com a dor, a sorrir mesmo sem vontade. Aprendi a esconder a parte de mim que ainda o amava — e ela ainda existe, enterrada sob pilhas de promessas quebradas.

O carro desacelera quando entro na cidade. O céu está nublado, como se o universo entendesse que meu coração também está. Tudo parece igual, mas eu me sinto estrangeira. Os mesmos prédios, as mesmas ruas… até o cheiro da padaria na esquina é o mesmo. Só que eu não sou.

Meu estômago revira quando passo pela praça onde a gente costumava se encontrar. Onde ele me olhava como se eu fosse o mundo dele. Onde ele me prometeu que nunca me machucaria.

Engraçado, não é? Algumas promessas deviam vir com prazo de validade.

Estaciono em frente ao apartamento que aluguei por alguns meses. Não tenho planos de ficar para sempre. Na verdade, ainda não sei nem por que voltei. Talvez seja orgulho. Talvez seja saudade. Ou talvez eu só esteja cansada de fugir.

Yara tentou me convencer de não vir sozinha, mas eu precisava disso. Precisava sentir esse chão de novo, encarar os fantasmas nos olhos. E o maior deles tem nome e sobrenome.

Nicolas.

Só de pensar nele meu peito aperta. Será que ele ainda está aqui? Será que seguiu em frente? Casou? Mudou? Me esqueceu?

Não importa, repito para mim mesma.

Mas a verdade é que importa sim.

Porque por mais que eu tenha reconstruído pedaço por pedaço da minha vida, tem uma parte de mim que ainda sangra quando penso nele.

E o pior? Eu não sei se estou pronta para vê-lo.

Mas eu vim mesmo assim.

Carrego minha mala escada acima. O prédio é antigo, sem elevador, com paredes que guardam histórias demais e vizinhos que parecem desconfiar do mundo. Tudo aqui tem cheiro de mofo e saudade — talvez por isso eu tenha escolhido este lugar. Queria algo que combinasse com meu estado de espírito: usado, discreto e silencioso.

Giro a chave. A porta range ao abrir, como se protestasse contra a minha presença.

O apartamento é pequeno, mobiliado com o básico. Uma cama de casal com lençóis crus, uma mesa quadrada de madeira já desgastada, uma estante vazia. Nada tem personalidade — o que, por ora, me serve bem. Não quero lembranças espalhadas pelas paredes. Já carrego memórias demais dentro de mim.

Deixo a mala no canto e vou até a janela. Daqui, consigo ver parte da rua e a copa das árvores que balançam com o vento frio da tarde. Me apoio no parapeito e fecho os olhos. A cidade pulsa sob meus pés. Uma parte de mim queria estar em qualquer outro lugar.

Mas eu estou aqui. Pela primeira vez, não porque alguém me pediu. Porque eu decidi.

Respiro fundo, pego o celular no bolso e encaro a tela por alguns segundos antes de abrir a agenda. Meus dedos tremem levemente quando clico no nome "Mãe".

O telefone chama três vezes antes de atender.

Elena: Camila? — a voz dela soa surpresa, e eu posso jurar que ela segura o fôlego. — Filha, tá tudo bem?

Sorrio de leve, sentindo uma pontada no peito. Eu devia ter ligado antes.

Camila: Oi, mãe. Tá tudo bem sim… eu só… queria avisar que cheguei.

Elena: Chegou? Como assim?

Camila: Voltei pra cidade… só por um tempo. Preciso resolver algumas coisas.

O silêncio do outro lado dura segundos que parecem minutos.

Elena: Você tem certeza? — ela pergunta com cautela, como se tivesse medo da resposta.

Camila: Não. Mas eu voltei mesmo assim.

Elena: E ele? — a pergunta vem como uma lâmina. Ela não precisa dizer o nome.

Camila: Eu não vim por ele — minto. Ou tento acreditar na mentira. — Eu vim por mim.

Mais um silêncio. Depois, ela solta um suspiro longo.

Elena: Seu pai vai querer falar com você. Ele sente sua falta todos os dias, Camila.

Engulo em seco.

Camila: Eu também sinto. De vocês. De tudo que a gente era antes de tudo isso.

Elena: A gente ainda é, filha. Você não perdeu nada. Só se afastou um pouco.

Fecho os olhos, tentando conter as lágrimas. Queria acreditar nisso.

Elena: Quando puder, vem jantar aqui em casa. A gente faz lasanha… sua favorita.

Camila: Eu vou, prometo. Só preciso de um ou dois dias pra… me organizar aqui.

Desligo com a sensação de ter aberto uma porta que mantive trancada por tempo demais.

Me jogo na cama e fico olhando o teto branco. Não tem barulho, não tem Nicolas, não tem ninguém — só eu e meus pensamentos.

Estou de volta. Mais forte, mais fria, mais calejada.

Mas será que estou pronta para o que essa cidade ainda guarda pra mim?

---

[ Lá Californie, Cannes - França ]

Nicolas Stark | 20:00 PM.

Eles dizem que um homem só reconhece o valor de algo quando o perde.

Mentira.

Eu soube exatamente o que ela significava pra mim no momento em que a vi ir embora. O problema é que eu estava quebrado demais pra impedir.

Depois que Camila sumiu da minha vida, eu fiz a única coisa que alguém como eu não costuma fazer: me entreguei. Fui até a delegacia, sentei diante de um delegado e contei tudo. Sem advogado, sem blindagem, sem máscara.

Foi como jogar dinamite sobre o nome da minha família.

A empresa — o império que carrega nosso sobrenome há três gerações — desmoronou junto comigo. Manchetes, processos, sócios pulando do barco. Meu pai quase teve um infarto… não pela minha prisão, mas pela mancha na reputação.

Mas no final… o sangue Stark ainda corre nas veias certas.

Contatos, favores antigos, amizades compradas com décadas de vinhos caros e acordos silenciosos — tudo isso entrou em jogo. E, depois de meses de um inferno gelado, eu saí. Não totalmente limpo, claro. Mas o suficiente pra caminhar de cabeça erguida sem algemas.

Meu pai cuidou de reconstruir o nome da empresa com o mesmo fervor de quem ergue um castelo sobre as ruínas de um massacre.

E eu... bem, eu segui o papel que esperavam de mim.

Discurso ensaiado, imagem pública restaurada, reuniões com gente que finge esquecer quem eu fui. Voltamos ao topo. Mas nada brilha igual quando você sabe quanta sujeira teve que engolir pra chegar lá.

Hoje, olho no espelho e não vejo mais o garoto arrogante de antes. Nem o homem perdido que caiu.

Só vejo alguém funcional. Calculado. Perigoso, até.

E sim — estou namorando.

Ela é bonita, inteligente, articulada. O tipo de mulher que meu pai aprovaria com um aceno discreto.

Mas ela não é a Camila.

Não tem o caos nos olhos, nem o silêncio carregado de significado, nem aquele jeito de sorrir com dor sem que ninguém percebesse.

Não me irrita, não me desafia, não me desmonta.

E talvez seja por isso que funciona.

Ou talvez seja por isso que me sinto morto por dentro quando encaro o teto à noite.

Só que agora tudo mudou.

Hoje recebi uma ligação que congelou meu sangue.

Camila voltou.

Dois anos depois.

E eu não faço ideia do que ela quer… ou do que ainda restou entre nós.

Mas uma coisa é certa: se ela acha que vai passar por mim como se nunca tivesse existido…

Está muito enganada.

O som da chave gira ndo na porta me traz de volta à realidade. Não precisei olhar para saber quem era.

Ela entra como uma tempestade ensolarada — salto alto batendo firme no piso de madeira, perfume doce demais para o fim de tarde, sorriso pintado com perfeição.

Isabelle: Oi, amor. — a voz dela ecoa pelo apartamento antes mesmo de me ver. — Adivinha quem conseguiu fechar o contrato com a Harper & Co?

Ela surge no corredor e vem direto até mim, os braços ao redor do meu pescoço antes que eu possa reagir. O beijo é automático, rápido, eficiente. Como quem cumpre um ritual.

Nicolas: Parabéns — murmuro, tentando soar entusiasmado. Ela sorri mais ainda, como se estivesse esperando esse elogio desde que saiu de casa.

Ela é exatamente o tipo de mulher que impressiona qualquer sala. E talvez isso baste para todo mundo — menos para mim.

Isabelle: Você está estranho hoje. — Ela se afasta só o suficiente para me encarar. — Está tudo bem?

Nicolas: Estou… cansado. Reunião puxada com investidores. — A mentira sai fácil. Me tornei especialista em omitir o que realmente me consome.

Ela me observa por alguns segundos, mas decide não insistir. Em vez disso, caminha até a cozinha, tirando os saltos e abrindo uma garrafa de vinho. Tudo tão ensaiado, tão domesticado, que chega a me dar náusea.

Eu a observo de longe, apoiado no batente da porta. Ela é bonita. Tem presença. Sabe se portar. Mas não é o tipo de presença que me faz esquecer que estou sozinho mesmo quando acompanhado.

Ela nunca seria capaz de me deixar em ruínas com um olhar. Nunca me partiria em dois com o silêncio de uma despedida no meio da chuva.

Ela não é a Camila. E por mais que eu tente — nem eu sou mais o homem que um dia destruiu a única mulher que amou de verdade.

Camila está de volta.

E tudo o que eu construí desde que ela foi embora… está prestes a desmoronar outra vez.

Capítulo 2: Ainda Era Ela

[ Cannes English Bookshop, Cannes Center - França]

Camila Vasquez | 08:00 AM, Três Dias Depois.

Nunca achei que o tempo curaria alguma coisa. Algumas dores não cicatrizam, só aprendem a ser disfarçadas com roupas bonitas e palavras ensaiadas.

Eu acordei mais cedo hoje, como se algo em mim soubesse que o dia seria diferente. Não sei explicar. Era como uma inquietação atravessando o peito, como um pressentimento silencioso. Vesti meu casaco preferido, amarrei o cabelo de qualquer jeito e saí andando pelas ruas de Cannes como quem procura uma saída — mas sem saber exatamente de onde está tentando fugir.

Entrei numa livraria pequena, dessas que ainda cheiram a papel e têm uma trilha sonora discreta, meio francesa demais pra minha realidade. Fui direto para a sessão de clássicos. O Morro dos Ventos Uivantes estava ali, com a capa desgastada e o título gritando para mim. Engraçado como certos livros nos escolhem, não o contrário.

Estendi a mão. E ouvi.

A voz.

Meu mundo parou. Meus dedos congelaram antes de tocarem o livro.

— Você ainda gosta desse?

Aquele tom grave. Ríspido e doce ao mesmo tempo. Uma voz que morei por meses, que me sussurrou promessas e depois me deixou dormindo com o coração em pedaços.

Virei devagar. E lá estava ele.

Nicolas.

Dois anos depois, ele ainda conseguia me tirar o ar.

Usava um blazer escuro e uma camisa amassada. Os cabelos estavam maiores, a barba mais marcada, o olhar mais… pesado. Como se tivesse envelhecido por dentro. Como se tivesse se tornado o homem que tanto lutava pra não ser.

Camila: Você me seguiu? — perguntei com uma frieza que desmentia meu peito em chamas.

Nicolas: Não. Quer dizer… não exatamente. Foi o acaso.

Ri, amarga.

Camila: O acaso sempre teve um senso de humor trágico com a gente.

Ele deu um passo, e eu recuei. Meu corpo lembrou de tudo antes mesmo que minha mente pedisse calma. Era como se os espaços entre nós gritassem todas as palavras que a gente nunca teve coragem de dizer.

Nicolas: Você está bem? — ele perguntou.

Tão simples. Tão cruel.

Camila: Estou viva. O que, vindo de nós dois, já é um milagre.

Silêncio.

Ele queria dizer algo. Eu também. Mas o tempo pesa diferente quando o passado ainda sangra. O relógio pode girar mil vezes, mas certas dores continuam ali, esperando um momento de descuido pra reabrir tudo.

Camila: Não faz isso, Nicolas — murmurei.

Nicolas: Isso o quê?

Camila: Me olha como se ainda houvesse nós. Como se você tivesse o direito de me perguntar como eu estou, depois de ter me deixado sozinha naquele apartamento, cercada de promessas vazias e lembranças sujas de mentiras.

Ele desviou o olhar. A vergonha dele era meu único consolo.

Nicolas: Eu não queria te machucar.

Camila: Mas machucou. E o pior: fez parecer que era minha culpa.

Nossos olhos se encontraram. Era como um campo minado. Uma guerra silenciosa entre orgulho e saudade.

Nicolas: Eu nunca te culpei, Camila — ele disse.

Camila: Não com palavras. Mas com os silêncios. Com as ausências. Com o jeito que você parou de me olhar como se eu fosse casa e passou a me olhar como se eu fosse prisão.

Minha voz falhou no fim. Engoli o choro como quem aprende a não derramar mais.

Camila: Eu não sei o que estou fazendo aqui — confessei, quase em sussurro. — Talvez tentando entender onde foi que a gente se perdeu.

Nicolas: A gente não se perdeu — ele respondeu. — Eu te perdi. E nunca mais me encontrei.

Fechei os olhos. Era tarde demais para frases bonitas.

Peguei o livro. Paguei no caixa. E saí.

Deixei ele ali. Parado. Imóvel. Como todas as vezes em que precisei que ele corresse atrás e ele não veio.

Mas alguma coisa dentro de mim… sabia. Aquilo não era o fim.

Era só o começo do reencontro mais perigoso da minha vida.

---

[ Cannes English Bookshop, Cannes Center - França]

Nicolas Stark | 08:30 AM.

Ela ainda tem o mesmo cheiro.

É estranho lembrar disso antes de qualquer outra coisa. Não da voz, nem do olhar. Mas do cheiro. Um perfume leve, doce, quase imperceptível, mas que ainda sabe invadir meu peito como um soco.

Quando a vi na livraria, meu coração não acelerou. Ele parou. Por alguns segundos, não existi. Só havia ela — com o cabelo preso de um jeito distraído, o casaco marrom que eu já tinha visto dobrado sobre a cama, e aquele olhar que sempre me desmontou. Um olhar que hoje só carrega o peso da mágoa.

Ela me olhou como se eu fosse um estranho. E talvez eu seja. Talvez o que sobrou de mim depois dela não seja digno sequer de ser lembrado.

Camila: Você me seguiu?

A pergunta veio como uma lâmina. Direta. Fria.

E eu merecia.

Nicolas: Não exatamente — menti.

Na verdade, sim. Eu a vi entrando na livraria e hesitei por longos minutos na calçada antes de decidir entrar. Ridículo. Um homem que já comandou salas com trinta acionistas tremendo diante da mulher que perdeu.

Não sabia o que dizer. O que se diz pra quem se destruiu? Pra quem você empurrou pra fora da sua vida por medo de mostrar o que realmente era por dentro?

Ela estava diferente. Mais forte. Mais firme. Mas havia dor. Uma dor que eu conhecia bem, porque fui eu quem a deixou ali.

Nicolas: Você está bem?

A pergunta saiu sem pensar. Idiota. Estúpida. Como se a resposta importasse depois de tudo que fiz.

Camila: Estou viva. O que, vindo de nós dois, já é um milagre.

Dois anos. Duas eternidades comprimidas em uma frase.

E ela continuava bela. Com aquela força amarga que só os que sobreviveram à queda aprendem a carregar.

Ela me culpou. Com razão. Mas o que mais doeu foi a frase que jogou como quem sangra: “Você parou de me olhar como se eu fosse casa e passou a me olhar como se eu fosse prisão.”

Aquilo me destruiu.

Porque foi verdade.

Ela foi meu refúgio, mas eu… eu não sabia como morar em paz dentro de alguém. Fui criado na culpa, moldado na dureza. Nunca soube lidar com ternura sem achar que havia um preço alto demais escondido ali.

Eu tentei amá-la. Mas o medo venceu. O medo sempre vence em homens como eu.

E agora? Agora ela me olha como quem já sepultou tudo, e mesmo assim o coração ainda bate em cima do túmulo.

Camila: Eu não sei o que estou fazendo aqui — ela disse.

Eu também não.

Ou talvez saiba.

Estou tentando sentir alguma coisa que não seja arrependimento.

Quando ela saiu, com o livro na mão e o orgulho intacto, algo dentro de mim gritou. Um grito silencioso, sem som, mas que vibrou em cada osso do meu corpo.

Camila.

Ainda era ela.

E, no fundo, eu sabia: não importa quanto tempo tenha passado, nem quantas promessas destruí…

Ela sempre será o lugar onde eu deixei a parte mais viva de mim.

Capítulo 3: O Que É De Mim?

[ Cannes Centre, Cannes - França ]

Camila Vasquez | 00:42 AM, Quatro Dias Depois

O problema de reencontrar fantasmas é que eles nunca voltam sozinhos.

Desde aquele dia na livraria, o mundo ganhou um peso diferente. Como se tudo estivesse um pouco fora de lugar, como se o ar carregasse lembranças demais e o silêncio falasse alto demais. Eu voltei pra casa com o livro nas mãos, mas era outra coisa que eu carregava de verdade: ele.

Nicolas.

E isso me irritava. Me envergonhava. Me feria.

Passei o dia tentando ignorar. Fiz café, abri o computador, até limpei os armários da cozinha — e eu detesto limpeza. Mas nenhuma distração foi suficiente pra calar o que gritava dentro de mim. Era como ter voltado dois anos no tempo, como se o peito tivesse sido aberto e eu estivesse sendo forçada a rever todas as partes de mim que ele deixou em ruínas.

Deitei no sofá com o casaco ainda no corpo, as luzes apagadas e o som da cidade ao longe. Cannes não dormia, mas eu… eu já não sabia mais o que era descanso.

Peguei o exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes do canto da mesa. Abri ao acaso, como quem pede resposta ao universo.

"Se ele morrer, o que é de você?" — dizia a frase marcada de alguém, em uma letra que não era minha.

"O que é de mim?"

Fechei o livro de repente. Como se aquilo fosse pessoal demais.

Suspirei, cansada.

O que é de mim, mesmo?

Uma mulher que saiu do Brasil pra tentar respirar em outro país, que escolheu Cannes por impulso e silêncio. Que nunca gostou de despedidas, mas sempre foi deixada. Que aprendeu a se vestir de força, mas ainda tem medo de dormir e sonhar com o que perdeu.

Levantei e fui até a janela.

A cidade era bonita. Sempre foi. Mas beleza não preenche buracos. Não consola feridas.

E eu estava cheia de buracos.

Tirei o celular da gaveta. Abri o Instagram. Digitei o nome dele.

Nicolas Stark.

Perfil fechado. A mesma foto de anos atrás. A mesma ausência gritante.

Minha garganta fechou. Me odiei por isso. Por ainda me importar. Por ainda me perguntar se ele também olhava o meu nome nas redes, se pensava em mim nas noites frias, se lembrava do cheiro do meu cabelo depois da chuva.

Idiota.

Joguei o celular no sofá.

Camila: Chega. — sussurrei.

Mas a verdade é que não chega. Não quando você ainda ama quem te destruiu. Não quando o amor virou um veneno lento, que você engole todo dia pra provar que já está imune — mas não está.

Sentei no chão do banheiro. O azulejo estava gelado. Eu também.

Fechei os olhos. Chorei sem escândalo, como quem já se acostumou.

E no meio da dor, uma única certeza:

Eu precisava sair daqui.

Nem que fosse por um fim de semana.

Nem que fosse só pra lembrar como era respirar sem o peso do passado.

Porque se eu ficasse…

Eu acabaria voltando pra ele.

E isso, eu não sobreviveria de novo.

Ainda sentada no chão frio do banheiro, eu me perguntava se algum dia aquilo tudo passaria. Se o amor realmente se curava com o tempo — ou se o tempo só ensinava a esconder melhor. Minha cabeça latejava, e o silêncio da madrugada parecia zombar de mim.

Até que o celular vibrou.

Olhei de longe, com desconfiança. Estava no canto do sofá, jogado como eu mesma tinha ficado nos últimos dias.

Levantei devagar, enxugando o rosto com a manga da blusa. Quando peguei o aparelho, o nome que apareceu me arrancou um pequeno sorriso, desses que surgem antes mesmo de você entender por quê.

"Júlia — BRASIL."

Não falávamos havia meses. A vida se meteu no meio. O fuso horário também. Mas ela era uma daquelas amigas que o tempo não apagava, só silenciava por um tempo. E eu precisava dela agora, mesmo sem saber.

Atendi.

— Alô?

— Cacete, mulher, até que enfim! — a voz dela explodiu no meu ouvido, e foi como voltar pra casa.

— Ai, Ju… — fechei os olhos, me recostando no sofá. — Que saudade de você.

— Saudade o cacete, você sumiu! Vai me dizer que tá rica aí em Cannes e esqueceu das pobres mortais brasileiras?

Soltei uma risada abafada. Primeira vez em dias.

— Rica? Eu? Mal consigo pagar o aluguel. Estou sobrevivendo de café e sarcasmo.

— Aí sim, essa é a Camila que eu conheço.

Ficamos em silêncio por um segundo. O tipo de silêncio que só existe entre amigas de verdade.

— Tá tudo bem? — ela perguntou enfim, com a voz mais baixa. — Você tá com aquela voz… você sabe.

— Que voz?

— De quem tá segurando o mundo com uma mão só. E com a outra, tentando não mandar mensagem pro ex.

Fiquei quieta. A respiração pesou. Ela me conhecia demais.

— Eu vi ele, Ju. Aqui. Em Cannes.

— Quê? — ela quase gritou. — O Nicolas?

Assenti, mesmo que ela não pudesse ver.

— Na livraria. Estava com a namorada.

— Puta merda. — ela sussurrou. — E você? Como ficou?

Olhei em volta. O caos da minha sala. O meu rosto inchado. A minha alma em frangalhos.

— Destruída. Mas tentando parecer intacta.

Ela não riu. Nem minimizou. Só ficou ali.

— Camila… volta. Vem pra cá uns dias. Pra São Paulo. Dorme no meu sofá, come miojo comigo e me ajuda a reclamar da vida.

Sorri. Pela segunda vez na noite.

— Ju, você é a única pessoa que acha que miojo pode curar um coração quebrado.

— Não pode. Mas cura a fome, e às vezes é tudo que a gente consegue fazer.

Fechei os olhos. Queria estar com ela. Queria estar em qualquer lugar onde o passado não estivesse me olhando nos olhos.

— Talvez eu vá.

— Promete?

— Não prometo. Mas… penso com carinho.

— Pensa com urgência, tá? E se cuida. Eu te amo, sua maluca.

— Também te amo, Ju.

Desliguei com a sensação de que, talvez, eu ainda tivesse chão pra me levantar. Mesmo que aos poucos. Mesmo que tropeçando.

E naquela noite, pela primeira vez, eu consegui dormir.

Com saudade. Mas em paz.

---

[ Lá Californie, Cannes - França ]

Nicolas Miller | 02:03 AM

A luz do abajur era suave, mas suficiente para me manter acordado. Isabela dormia ao meu lado, o corpo envolto no lençol de linho branco, a respiração lenta e ritmada. A cama era grande demais para dois corpos tão distantes, mesmo juntos. E o silêncio... o silêncio era ensurdecedor.

Me sentei na beirada, apoiando os cotovelos nos joelhos. Os pensamentos giravam em círculos, como um disco arranhado que insiste em repetir a mesma nota maldita.

Camila.

Aquela livraria maldita.

O instante em que meus olhos cruzaram os dela.

A porra da dor no fundo do olhar dela.

Eu não estava preparado. Não pra vê-la daquele jeito. Não pra vê-la de novo.

Ela parecia mais magra. O cabelo um pouco mais escuro. Mas ainda era ela. A mesma que me fazia perder o equilíbrio só de olhar. A mesma que eu deixei escapar por orgulho, por medo, por covardia.

Senti Isabela se mexer atrás de mim.

Isabela: Você não dorme? — a voz dela veio baixa, ainda embargada de sono.

Respirei fundo, tentando fingir naturalidade.

Nicolas: Estou sem sono. Só isso.

Isabela: Quer que eu te faça um chá?

Nicolas: Não precisa.

Ela se levantou mesmo assim, nua, e caminhou até a cozinha americana do nosso loft. O som do bule no fogão, a luz quente do canto, tudo parecia tão… comum. Mas nada ali me pertencia de verdade.

O apartamento era bonito, decorado com bom gosto, com vista para o mar de Cannes. Mas não era lar. Não desde que Camila foi embora.

Isabela voltou minutos depois com duas xícaras. Sentou ao meu lado e entregou a minha. Chá de camomila. Quase sorri. Camila odiava camomila. Dizia que tinha gosto de "ervinha de jardim deprimida".

Isabela: Você tá estranho hoje. — ela disse, olhando direto pra mim. — Desde que saímos da livraria.

Trinquei o maxilar.

Nicolas: Vi alguém. Alguém do passado.

Ela franziu o cenho, mas não perguntou quem. Talvez sentisse. Talvez não quisesse saber. Às vezes o silêncio era mais seguro do que a verdade.

Isabela: Quer conversar sobre isso?

Neguei com a cabeça. Olhei pela janela. O mar estava calmo. Injustamente calmo.

Nicolas: Não agora.

Ela encostou a cabeça no meu ombro. E eu deixei. Porque era mais fácil do que levantar e encarar o que eu realmente queria.

No fundo, eu sabia: a presença de Camila em Cannes ia me despedaçar. Ou me acordar. Talvez os dois.

Só não sabia ainda de qual lado da corda eu estava pendurado.

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