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Miss Invisível

Invisível,mas funcional

Meu nome é Beatrice Ramirez. Tenho 27 anos, um diploma em marketing, três xícaras de café por dia e o superpoder de ser completamente ignorada.

Quer uma prova? Hoje, pela terceira vez na semana, Lorenzo King — meu chefe, CEO da Stellar Creative e galã de capa de revista — entrou no elevador comigo, olhou no reflexo do aço inox, ajeitou o cabelo... e me ignorou totalmente.

“Oi, bom dia, tudo bem?”, eu disse.

Ele... apertou o botão do 20º andar. Em silêncio. Nem um aceno. Nem um "uhum".

A verdade? Não me incomoda. Muito.

Ok, talvez um pouco. Especialmente quando ele trata todo mundo como se estivesse em um episódio de The Office com flertes e sorrisos — menos comigo. Mas tudo bem. Não estou aqui pra conquistar ninguém. Estou aqui pra trabalhar. E, se sobrar tempo, talvez salvar a empresa com ideias brilhantes que ninguém quer ouvir.

Mas tudo muda quando ele entra na sala de reuniões com uma proposta bombástica:

— Vamos lançar uma campanha anônima. Quero um novo rosto. Alguém que represente o inesperado. Alguém real.

As palavras dele ecoaram como um trovão. E, naquele momento, minhas amigas — Jada e Harper — se entreolharam. Eu sabia aquele olhar.

Ia dar problema.

Ou, quem sabe... uma grande reviravolta.

A reunião foi um desastre. Todo mundo estava animado com a ideia de Lorenzo, especialmente quando ele disse que queria uma campanha "que revolucionasse o conceito de beleza e autenticidade". O problema? Ninguém sabia o que isso realmente significava.

“E quem vai ser esse novo rosto?”, perguntei, sem esperar muito.

Lorenzo olhou para mim, com um sorriso travesso.

“Eu pensei que, quem sabe, alguém da equipe poderia participar. Alguém... inesperado.”

Foi aí que as meninas, Jada e Harper, tiveram uma ideia. Eles me empurraram para frente, com aquele olhar cúmplice — eu sabia exatamente o que estava por vir.

"Bea, você tem as ideias mais criativas, e a gente tem... as habilidades necessárias", Jada disse, com um brilho nos olhos.

Harper já estava com o celular em mãos, digitalizando tudo rapidamente. Eu não precisava saber mais. Elas já tinham me inscrito para participar da campanha — sem que eu tivesse dito "sim" ou "não".

“Espera, o quê? Não! Não, não, não!”

Mas já era tarde demais. Eu estava oficialmente inscrita no que seria, sem dúvida, o maior erro da minha vida. Ou talvez, o maior sucesso. Não sabia ao certo.

A ideia parecia absurda, mas era difícil não se empolgar com o que as meninas estavam planejando. Elas iriam me transformar de Bea para "Miss Invisível". Uma versão de mim que ninguém reconheceria — nem mesmo Lorenzo.

E se a campanha funcionasse? E se eu realmente conseguisse conquistar o posto de “novo rosto da agência”? Isso mudaria tudo.

Mas, no fundo, eu sabia que as coisas estavam prestes a ficar muito mais complicadas do que eu poderia imaginar.

Na segunda-feira, voltei para o trabalho como qualquer outro dia: com a roupa mais neutra do armário, um coque malfeito e minha caneca de café que dizia “Criatividade é meu superpoder”.

A diferença era que, agora, eu carregava um segredo.

Jada e Harper não paravam de cochichar sobre a tal campanha misteriosa. Desde o anúncio de Lorenzo, a agência inteira parecia em modo competição — ideias voavam pelas salas, gente que nunca dava bom dia agora sorria para todos os lados. Mas ninguém olhava para mim.

Nada fora do comum.

— Você tem que apresentar sua ideia, Bea — insistiu Harper, batucando os dedos no teclado.

— Já sei até o nome: Beleza Sem Rosto. O conceito é mostrar que o talento vem antes da imagem — completou Jada.

Eu ri. Mas era um riso pequeno, inseguro.

— Como se alguém fosse levar isso a sério vindo de mim... — murmurei.

— Justamente! É isso que faz sua ideia ser boa. Você é exatamente o que essa campanha precisa: autenticidade — rebateu Harper, firme.

A verdade? Eu tinha ideias ótimas. Mas toda vez que abria a boca nas reuniões, era como gritar embaixo d’água. Me interrompiam, me ignoravam ou, pior, pegavam minhas ideias e diziam em voz alta como se fossem deles.

Inclusive Lorenzo.

Na última reunião, mencionei uma ação digital com influencers “comuns”, e três minutos depois, Lorenzo repetiu a ideia com outro nome. A sala aplaudiu. Eu engoli seco.

Mas dessa vez, algo dentro de mim começou a reagir. Um incômodo diferente, como se uma voz que estava calada há muito tempo tivesse acordado e dito: Chega.

Talvez eu ainda estivesse invisível. Mas isso não significava que eu tinha que continuar sendo.

E assim, naquela tarde, enquanto finalizava minha apresentação, algo mudou. Ainda era a mesma Bea. Mas, por dentro, uma faísca tinha se acendido.

E era só o começo.

A primeira faísca

A sala de reuniões estava cheia. A tensão no ar era quase palpável. Cada funcionário parecia mais preocupado com a própria aparência do que com a ideia que trazia. E lá estava eu: sentada no canto, com meus slides prontos e o coração na garganta.

“Você vai apresentar, sim”, sussurrou Jada, com um empurrãozinho no meu ombro.

“E vai arrasar”, completou Harper, determinada.

Lorenzo entrou. Gravata solta, blazer impecável, o sorriso de sempre. Ele lançou um olhar geral e disse com aquele tom encantador que fazia até a cafeteira suspirar:

— Quero ideias ousadas, sinceras. Nada enlatado. Me surpreendam.

Uma a uma, as apresentações começaram. Slides brilhantes, gráficos vazios, muito barulho e pouco conteúdo. Lorenzo assentia, mas não parecia realmente impressionado.

E então... chegou minha vez.

Levantei com as mãos suando, sentindo o peso de todos os olhares. A maioria já esperava o fracasso. Eu era "a Bea do fundo da sala", afinal. A garota da blusa bege.

— Minha proposta se chama Beleza Sem Rosto — comecei, com a voz trêmula, mas firme. — É sobre devolver a narrativa para as pessoas reais. Vamos esconder o rosto dos participantes e focar em suas histórias, habilidades, ideias. Sem filtros. Sem retoques.

Por um segundo, o silêncio foi absoluto. E então Lorenzo... inclinou-se para frente.

— Continue.

Aquilo me deu coragem.

— A beleza está em tudo que a gente é, e não só no que os outros veem. Se nossa marca quer ser inovadora, precisa parar de vender apenas imagem. Precisa contar histórias.

Quando terminei, a sala não aplaudiu. Mas ninguém riu. Ninguém me interrompeu. Pela primeira vez... me ouviram.

Lorenzo ficou em silêncio por um momento. Olhou para mim, depois para os slides.

— Interessante. Autêntico. Diferente — disse ele, como se estivesse processando tudo. — Ramirez... certo?

Meu coração deu um pulo. Ele sabia meu sobrenome?

— Sim, senhor.

Ele assentiu. Sorriu, mas foi um sorriso quase... confuso. Como se estivesse vendo algo que não entendia muito bem.

— Vamos conversar mais sobre isso depois. Pode deixar os slides comigo.

Voltei para o meu lugar sem conseguir conter o sorriso. As meninas estavam quase chorando de orgulho.

Eu sabia que, por fora, ainda era a mesma Bea. Mas, naquele momento, Lorenzo não viu só a aparência. Ele viu a ideia. Viu a mente por trás.

E isso... era o começo de tudo.

Recebi o e-mail às 13h42.

Assunto: “Slide da proposta — reunião às 15h, sala 12A. Lorenzo King.”

Meu cérebro leu “reunião” e meu estômago respondeu com um salto triplo mortal. Era sério mesmo. Ele queria conversar comigo. Sozinhos.

As meninas surtaram, obviamente.

— Gata! Você conseguiu! — gritou Harper, jogando o casaco para o alto.

— Com calma, ela vai desmaiar! — avisou Jada, abanando minha cara com uma revista da Vogue.

Não desmaiei, mas quase.

Às 14h59, bati na porta da sala 12A com os nós dos dedos mais gelados do que café esquecido.

— Entra — disse a voz firme.

Lorenzo estava encostado na mesa, mexendo no relógio, sem blazer. Quando me viu, sorriu de lado. Mas era um sorriso curioso, como se ainda estivesse tentando decifrar quem eu era.

— Ramirez, né? Bea... Bea Ramirez.

— Isso mesmo — respondi, tentando parecer mais confiante do que me sentia.

Ele apontou para a cadeira e se sentou de frente.

— Eu gostei muito da sua proposta. Ela é... honesta. Sem firulas. E diferente de tudo que recebi hoje.

— Fico feliz que tenha gostado. Achei que ninguém fosse levar a sério.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Por quê?

Hesitei. Poderia dizer mil coisas. Que ninguém me ouve. Que acham que eu sou invisível. Mas só disse:

— Porque normalmente não me enxergam como alguém... ousada.

Ele apoiou os cotovelos na mesa, com os dedos entrelaçados.

— Engraçado. Você passou despercebida por meses. Mas, hoje, não consegui parar de prestar atenção em você.

Meu coração deu um pulo. Mas ele logo desviou o olhar, desconfortável. Como se tivesse dito algo que não devia.

— Quero que você continue desenvolvendo a campanha. Quero ver mais.

— Eu topo — falei, sem pensar duas vezes. — Pode deixar.

Ele assentiu. Mas havia algo no olhar dele... como se lutasse contra uma ideia que não se encaixava no mundo que ele conhecia. E, por um momento, senti pena. Dele.

Lorenzo King estava acostumado a mulheres de capa de revista. E eu era nota de rodapé de catálogo técnico.

Mas agora... ele começava a ler até as notas.

1 milhão de dúvidas

O restaurante era francês, elegante e silencioso — exatamente o oposto de como Lorenzo se sentia naquela noite.

Sentado à mesa com Verônica, sua noiva, ele mexia no vinho sem muito entusiasmo, enquanto ela reclamava, mais uma vez, do “absurdo” que era ele trabalhar tanto com aquela equipe “cheia de mulheres sem postura”.

— Aquela menina... como é mesmo o nome? A apagada? — perguntou ela, empurrando a salada como se estivesse tentando derrubar alguém com o garfo. — Ramona? Bianca?

— Bea — corrigiu Lorenzo, sem pensar.

Amélie ergueu uma sobrancelha afiada.

— Isso. Ramirez. A que falou na reunião. Você achou aquilo bom? Achei ela meio sonsa, pra ser honesta. Desajeitada.

Lorenzo segurou o guardanapo com mais força do que deveria. Respirou fundo antes de responder:

— A ideia dela é uma das melhores que a agência teve nos últimos tempos.

— Engraçado. Justo ela. Você sempre disse que a imagem é tudo.

Ele não respondeu de imediato. Em vez disso, lembrou do olhar firme de Bea na reunião. Da forma como defendeu a própria ideia. Da inteligência calma, quase silenciosa, que ela carregava.

— Às vezes a imagem engana — murmurou, quase para si mesmo.

Verônica revirou os olhos.

— Só espero que você não esteja se deixando influenciar por esse papo de “beleza interior”. Isso pode acabar com a reputação da marca.

Lorenzo sorriu, mas sem humor.

— Ou pode salvá-la.

O jantar seguiu entre silêncios e farpas. E quando ele finalmente voltou para casa, largou a chave no balcão da cozinha e sentou no sofá com os pensamentos em desordem.

Ele ainda não sabia o que era aquela sensação quando Bea falava — não era desejo, nem paixão. Era algo mais raro: respeito. E talvez... admiração.

Mas Lorenzo King não era o tipo de homem que sabia lidar com sentimentos que não pudesse controlar.

E Bea... era impossível de prever.

A taça de vinho estava quase vazia quando o celular de Lorenzo vibrou discretamente sobre a mesa.

Ele olhou de relance: “Daphne”. Um nome salvo apenas com um coração ao lado.

Verônica também viu.

— Quem é Daphne? — perguntou com a voz calma demais para ser real.

— Uma redatora freelance. Já trabalhou com a agência — respondeu ele, rápido demais.

— A essa hora?

Ele não respondeu. Tocou novamente. Amélie arqueou uma sobrancelha, cruzou os braços e esperou. Ele finalmente atendeu, virando o rosto para o lado, mas ainda audível:

— Daphne, não posso falar agora.

A voz do outro lado era doce e sedutora. Amélie ouviu o suficiente para entender.

— Ah, então é uma redatora que te chama de “Lô” e pergunta se você vai dormir sozinho hoje?

Ele desligou.

— Verônica não começa. Eu não...

— Não começa? Você me expõe no meio de um restaurante com uma das suas aventuras me ligando?! Você me faz de idiota!

Algumas cabeças se viraram discretamente nas mesas ao lado. Amélie não se importou.

— Quer saber? Fica com suas redatoras apaixonadas por campanhas sem rosto e amantes com nomes de perfume francês. Eu não sou mulher pra ficar dividindo atenção.

Ela se levantou, pegou a bolsa e saiu sem olhar para trás.

Lorenzo continuou sentado. Não correu atrás, não disse nada. Apenas olhou para o celular e depois para a taça de vinho, como se ambos dissessem algo que ele ainda não queria escutar.

Porque, no fundo, ele sabia: a vida que ele levava estava começando a perder o gosto. E certas mulheres... não podiam ser encaixadas em noites vazias.

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