Prólogo
Entre o Amor e a Culpa
Autora: Sue Ferrasso
O céu estava cinza no dia em que o caixão de Augusto Vasconcellos desceu à terra. A cidade inteira compareceu ao enterro — não por respeito, mas por obrigação. Empresário visionário, Augusto comandava com pulso firme um império bilionário na indústria química. Sua morte repentina, aos 54 anos, chocou a todos. Mas para Vinícius, seu único filho, foi mais do que uma tragédia: foi uma ferida que nunca cicatrizaria.
Vinícius estava imóvel, as mãos trêmulas segurando a alça do caixão, os olhos fixos no nome gravado na madeira escura. Alto, de porte imponente, barba bem feita e cabelos escuros perfeitamente penteados para trás, ele já era, aos 28 anos, o novo chefe de um império — mas naquele dia, tudo o que sentia era ódio.
Lívia Rocha, a filha do cirurgião responsável pela última cirurgia de Augusto, observava de longe. Usava preto como todos, mas em seu olhar havia mais do que tristeza. Havia culpa. Cabelos loiros compridos, pele clara e olhos negros penetrantes, Lívia sempre foi o tipo de mulher que chamava atenção sem fazer esforço. Elegante, reservada, e doce. Mas agora, mesmo com o rosto pálido pelo luto, carregava o fardo da responsabilidade indireta pela morte de Augusto — responsabilidade que Vinícius jurava cobrar.
Eles tinham história. Vinícius a conhecia desde a infância, e aos quinze anos já estava completamente apaixonado por ela. Os dois cresceram entre os jantares das famílias amigas, entre risadas escondidas e toques inocentes. Mas aquilo se perdeu no tempo. Agora, tudo o que ele via era o sobrenome dela: Rocha. O mesmo daquele que, segundo ele, matou seu pai.
Ao seu lado, firme como sempre, estava Jonas, seu braço direito há mais de uma década. Discreto, leal e silencioso, Jonas sabia de cada movimento feito por Augusto e agora servia a Vinícius com a mesma fidelidade cega. Ele era mais do que um assistente — era uma extensão da mente do novo CEO.
Também presente no enterro estava o único amigo verdadeiro de Vinícius: Dr. Fabrício Antunes, psiquiatra renomado e confidente. Fabrício o acompanhava desde a adolescência, conhecia seus traumas, suas crises de insônia e a raiva contida que crescia dia após dia desde a perda do pai. Era o único que ousava confrontar Vinícius sem medo de ser cortado.
E então, à margem de toda a dor, havia Viviane Vasconcellos, a madrasta. Segunda esposa de Augusto, jovem demais para o papel de viúva, fria demais para uma mulher de luto. Bela, sedutora, controladora. Nunca se deu bem com Vinícius, e a recíproca era ainda mais verdadeira. Mas agora, dividiam o mesmo teto, o mesmo legado… e um desprezo silencioso.
O som da terra caindo sobre o caixão foi o ponto final de uma história. Mas para Vinícius, era apenas o início.
— Eles vão pagar — ele murmurou para Jonas, sem desviar o olhar da cova.
— Todos? — Jonas perguntou, com a voz baixa.
Vinícius fechou os olhos e, por um segundo, viu o rosto de Lívia em sua mente. Os olhos negros, o sorriso de quando ainda era tudo o que ele queria.
— Principalmente ela.
O cemitério começava a esvaziar. Somente o som discreto das pás jogando a terra sobre o caixão ainda ecoava entre os túmulos, abafado pelo vento frio daquela tarde nublada.
Vinícius permanecia parado, tenso, com as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo preto. Ele olhava fixamente para o solo recém-aberto, como se pudesse cavar com os olhos todas as verdades não ditas, todas as dores não vingadas.
Foi quando ouviu passos leves se aproximando.
Sabia quem era, antes mesmo de levantar o olhar.
Lívia.
Livia- Vinícius… — a voz dela saiu baixa, quase trêmula.
Ele ergueu o olhar devagar, frio, como se cada movimento dele fosse cuidadosamente calculado para não demonstrar nada. Mas por dentro, o sangue fervia.
Ela parou a poucos passos, hesitante. Os cabelos loiros estavam presos num coque desfeito, alguns fios escapando com o vento. Os olhos negros, marcados pelo cansaço, buscaram os dele com dor sincera.
Lívia - Eu… — ela engoliu seco — Eu sinto muito pela sua perda. De verdade. Seu pai sempre foi um homem admirável. Eu o considerava…
Vinicus - Não ouse falar sobre ele. — Vinícius cortou, a voz baixa, mas afiada como uma lâmina.
Lívia recuou um passo. Mas permaneceu firme. Ele percebeu isso. Ainda tinha aquela força silenciosa, aquela firmeza que sempre o encantou.
Livia- Eu sei que está com raiva. Mas o que aconteceu na sala de cirurgia…
Vinicius- O que aconteceu — ele interrompeu de novo, dando um passo à frente — foi que o seu pai matou o meu.
Ela arregalou os olhos, e ele continuou, firme, cruel.
Vinicius - Você veio aqui por culpa, ou por covardia? Porque, sinceramente, Livia… nenhum dos dois vai te poupar do que está por vir.
Livia - Eu não tive nada a ver com aquilo. Você sabe disso — ela disse, a voz tremendo de frustração. — Eu não estava na cirurgia. Eu sou só a filha dele, assim como você é do seu.
Vinicius- E mesmo assim, vai pagar como se estivesse segurando o bisturi.
Ela abriu a boca para falar, mas ele se aproximou ainda mais. Seus rostos estavam a centímetros um do outro. O perfume suave dela misturava-se ao cheiro frio do vento.
Vinicius- Você disse que sente muito — ele murmurou, com um sorriso amargo nos lábios. — Mas vai sentir muito mais.
Os olhos negros de Lívia brilharam com lágrimas contidas. Mas ela não chorou. Nem recuou.
Vinícius virou as costas e caminhou sem dizer mais nada, deixando-a ali, cercada por túmulos, promessas mortas e o medo do que ele poderia se tornar.
Porque, naquele momento, Vinícius Vasconcellos não era mais o garoto que a amava.
Ele era o homem que jurou destruí-la.
Livia narrando ..
“O que eu mais temia era exatamente isso: o ódio nos olhos de quem um dia me olhou com amor.”
Eu permaneci ali, parada, sentindo o vento cortar a pele e o coração se despedaçar com cada palavra que ele disse.
Vinícius.
O mesmo garoto que me ofereceu seu casaco em uma tarde chuvosa quando tínhamos dezessete.O mesmo que segurou minha mão por debaixo da mesa no último jantar entre nossas famílias.O mesmo que me olhava como se eu fosse o centro de todo o universo dele.
Agora me olhava como inimiga. Como se eu tivesse apertado o bisturi. Como se minhas mãos tivessem empurrado o pai dele para a morte.
Engoli o nó na garganta, mas ele não desceu. Ficou ali, preso, queimando com o gosto da injustiça.
“Você vai pagar como se estivesse segurando o bisturi.”
Aquela frase martelava na minha cabeça como um castigo cruel.
Ele não fazia ideia do quanto eu também sofri. Do quanto ver meu pai, Dr. Arnaldo Rocha, mergulhado na culpa me destruía por dentro. Ele estava longe de ser um homem perfeito, mas era humano. Ele não matou Augusto por descaso. A cirurgia foi emergencial, arriscada, mas ele tentou. Lutou. Chorei escondida durante dias vendo meu pai se culpar em silêncio.
Mas nada disso importava para Vinícius.
Para ele, eu era só o reflexo do erro.O alvo mais próximo.A filha do culpado.
Respirei fundo, tentando manter a postura enquanto os últimos presentes deixavam o cemitério. Eu não podia desmoronar ali. Não diante dele. Não diante do túmulo do homem que eu respeitava tanto — e que me via quase como filha.
Caminhei em direção ao carro com o coração mais pesado do que nunca. Dentro de mim, algo se partiu. Algo que eu nem sabia que ainda existia depois de tanto tempo longe de Vinícius.
Talvez… uma esperança.
Mas agora eu sabia com clareza: ele não queria explicações. Ele queria vingança.
E mesmo sem ter culpa, eu seria arrastada com ela.
Eu achava que ele só estava bravo. Perdido na dor.Ingenuidade minha.
Vinícius não estava apenas sofrendo — ele estava planejando.E começou onde mais me doía.
Na manhã de segunda-feira, fui chamada à direção do hospital em que trabalho como coordenadora voluntária de projetos sociais. O diretor, um senhor educado e contido chamado Dr. Cláudio Mesquita, me recebeu com um olhar desconfortável.
Dr- Lívia… precisamos conversar sobre o financiamento da ala pediátrica.
Meu estômago virou.
Aquela ala era sustentada majoritariamente pela Fundação Vasconcellos desde o ano anterior. Um projeto filantrópico idealizado, ironicamente, por Augusto o pai de Vinícius.
Livia - O que houve? — perguntei, tentando manter a voz firme.
Dr- A fundação enviou um comunicado esta manhã informando a suspensão de todos os repasses imediatos ao hospital. Sem justificativa. Sem aviso prévio.
Minhas mãos ficaram geladas.
Livia - Mas eles são o maior doador do projeto… Isso vai… isso vai paralisar o atendimento das crianças carentes!
Dr. Cláudio assentiu, pesaroso.
Dr - E infelizmente, não temos orçamento para cobrir esse rombo de última hora.
Saí da sala sentindo o mundo girar. Era ele. Só podia ser ele.Vinícius não estava brincando.
Vinicius narrando ..
Vingança não é justiça. É sobrevivência. E eu estou fazendo o que for preciso para sobreviver a ela.”
Ela estava diante de mim de novo. Lívia.
Mesmo com os olhos marejados, com o rosto empalidecido, ela ainda carregava aquela maldita luz — aquela aparência de inocência que enganava a todos.
Mas não a mim.Não mais.
Livia - Você quer me destruir? Faça. Mas deixe as crianças fora disso — ela disse, com a voz embargada.
Eu podia sentir a emoção na garganta dela. E por um segundo apenas um segundo quase hesitei.
Quase.
Mas hesitação é fraqueza. E fraqueza foi o que matou meu pai.
Ela não viu o que eu vi. Os laudos manipulados, os exames ignorados, as doses mal calculadas. Não viu o desespero nos olhos do meu pai quando a máquina apitou pela última vez. Não ouviu os sussurros dos médicos tentando apagar rastros. E no centro de tudo… Dr. Arnaldo Rocha. O herói da cidade. O homem acima de qualquer suspeita.
Eles enterraram a verdade junto com meu pai.
E eu estou cavando tudo de volta.
Vinicus - Não estou atrás de você, Lívia. Estou atrás da sua paz eu disse. Da sua reputação. Da sua estabilidade. Quero ver seu mundo ruir aos poucos… como o meu ruiu.
Ela não respondeu. Só me olhou. Aquele olhar que ainda me deixava em ruínas, mesmo que eu tentasse fingir que não.
Quando ela saiu da minha sala, ficou um cheiro suave no ar. Lavanda. O mesmo perfume que ela usava na adolescência. Por um instante, fechei os olhos.
Mas me obriguei a lembrar. Dor. Enterro. Silêncio.
Voltei à minha cadeira. Peguei o celular e liguei para Jonas.
Vinicius- Preciso que agilize a compra da casa onde ela mora. Em nome de terceiros. Quero ela despejada antes do fim do mês.
Jonas - Sim, senhor.
Jonas- E quanto ao instituto onde ela dá aula como voluntária?
Vinicius - Já entrei em contato com os patrocinadores. Em breve vai estar em colapso.
Desliguei.
Mas isso ainda era pouco eu queria ela sem chão… Queria ela indefesa… Queria que dependesse de mim.
E então… eu teria o controle absoluto.
Eu vou casar com ela… Esse é o plano final.
Ela vai resistir. Vai lutar. Vai me odiar.
Mas quando não tiver para onde correr, vai aceitar.
E depois… depois que ela for minha, quando achar que ainda há alguma salvação,
vou interná-la.
Sim.
Um manicômio particular. Discreto. Sem escândalos. Para todos os efeitos, ela terá surtado após tantos “infortúnios”. Eu estarei ao lado, como o marido dedicado. Todos vão aplaudir a minha compaixão.
E ela?
Vai pagar cada lágrima que eu derramei.
Mesmo que ainda exista amor — ele não importa mais.
O que importa agora… é que ela sofra.
Como eu sofri.
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