Capítulo 1 – O Início da Ruína
Ela não podia acreditar. Em um piscar de olhos, sua vida havia desmoronado. Helena observava, atônita, tudo ruir ao seu redor, tentando juntar os cacos do que ainda restava. Seu mundo, antes tão cheio de luz, agora era um mar de dor, humilhação e confusão.
— Isso tudo não pode estar acontecendo! É um pesadelo! — desabafava, desesperada, enquanto afundava nos braços de Thony, seu amigo mais fiel.
— Calma, minha deusa... Nós vamos resolver essa bagunça. Como ela pôde jogar tão baixo? Como conseguiu aquelas fotos? — Thony estava indignado, sua voz carregada de revolta e impotência. — Me desculpa, Helen... mas até eu, que te conheço como ninguém, por um instante... eu quase acreditei.
— Eu preciso de ajuda, Thony! O que eu vou fazer? Minha carreira está arruinada! Minha vida… — a voz embargada de Helena tremeu. — O que essa mulher quer de mim? Já não bastava…
— …ter tirado o homem da sua vida?
Helena calou-se. A dor latejava como uma ferida aberta. Em sua mente, a imagem de Darius beijando Samantha ainda era fresca, cruel, e impossível de esquecer.
Uma semana antes
Helena Smith exalava felicidade. Era o ápice de sua carreira: campanhas internacionais, capas de revistas, desfiles marcados em Paris e Milão. E, além do sucesso profissional, seu coração pertencia a Darius Petrov — o homem que, com seu jeito reservado e intenso, havia conquistado seu amor. Estavam prestes a se casar.
Naquela tarde, ela brindava com a equipe da nova campanha um contrato com uma marca francesa. Era mais que uma conquista: era o sonho se tornando realidade. Seus olhos brilhavam de orgulho e gratidão.
Do outro lado da cidade, porém, Samantha Taylor sorria com veneno nos lábios. O plano havia sido meticulosamente traçado. E aquela noite mudaria tudo.
Em um bar elegante, Helena encontrou-se com parte da equipe para uma comemoração privada. Samantha apareceu de surpresa, com o falso pretexto de parabenizá-la. Durante um momento de distração, um homem misterioso se aproximou e trocou a taça de Helena.
Bastaram alguns goles.
Minutos depois, seus olhos pesaram. A música se tornou distante, e as vozes ao redor ecoavam como se viessem debaixo d’água. Em pouco tempo, Helena foi conduzida até uma suíte de hotel. Inconsciente.
No quarto, a encenação foi montada: um homem, desconhecido, foi posicionado ao lado dela, e fotos foram tiradas com precisão.
Darius Petrov recebeu uma ligação anônima. A voz ao telefone era masculina e firme:
— A mulher com quem vai se casar não é quem você pensa. Vá até o hotel Bellevue, suíte 904. Vai entender.
Desconfiado, mas tomado por um pressentimento ruim, Darius dirigiu até o local. Ao entrar na suíte, o mundo parou.
Helena estava deitada, nua, ao lado de um homem. Dormia, ou parecia dormir, com expressão tranquila, como se estivesse em paz após uma noite de paixão. Darius não disse uma palavra. Seu coração quebrava com cada passo para fora do quarto.
E no momento em que deixou o hotel, as fotos começaram a circular. Manchetes agressivas pipocaram em todos os sites e redes sociais:
“Helena Smith flagrada em traição escandalosa!”
“Modelo traí CEO às vésperas do casamento”
“Quem é o amante misterioso de Helena Smith?”
Helena acordou horas depois. A dor de cabeça pulsava. A luz forte do quarto a cegava momentaneamente. Confusa, tentou entender onde estava... e por quê. Ao perceber sua nudez e a presença de um homem estranho, gritou, em pânico. Saiu correndo, tremendo, sem entender como aquilo havia acontecido.
Dirigiu-se direto ao hospital. O desespero era tanto que mal conseguia falar com clareza. Exigiu exames toxicológicos, implorou por respostas. Mas o que recebeu foi um balde de água fria. O médico, com uma expressão profissional demais, entregou os resultados.
— Nenhuma substância foi encontrada em seu organismo, senhorita Smith. Está tudo normal.
Helena sentiu o chão sumir sob seus pés. Não podia ser. Ela sabia que havia alGo errado. Ela sentiu seu corpo ceder, sua mente apagar. Algo havia sido colocado em sua bebida — tinha certeza disso. Mas agora, o papel em suas mãos dizia o contrário.
— Isso não pode estar certo. Faça outro exame. Eu... eu fui drogada!
— Os protocolos foram seguidos, senhorita. Não há nada que indique substâncias ilícitas no seu sistema — o médico respondeu, com um tom impessoal demais para alguém lidando com uma vítima visivelmente abalada.
O que Helena não sabia era que aquele homem, de jaleco impecável e fala ensaiada, também fazia parte do plano maligno de Samantha. Fora pago para descartar qualquer possibilidade de interferência externa. Os exames verdadeiros, que poderiam mostrar traços da droga utilizada, jamais chegaram ao laboratório.
Ainda abalada, Helena correu atrás das câmeras do hotel. Queria ver quem a levou até o quarto, quem entrou ou saiu da suíte. Mas novamente, deu de cara com o vazio.
— Sinto muito, senhorita, mas os arquivos da noite passada não estão mais disponíveis. Foram apagados por engano — informou o gerente, sem conseguir sustentar o olhar.
Tudo havia sido orquestrado com perfeição.
Samantha não deixara nenhuma brecha.
O homem que participou da armação desapareceu sem deixar rastros. O celular usado para divulgar as imagens era descartável. E quando a polícia tentou rastrear a origem da denúncia anônima, deparou-se com um beco sem saída. Nenhuma pista. Nenhuma prova. Nenhuma justiça.
Helena saiu do hospital com o coração em pedaços. A humilhação ainda ecoava em sua pele, nas manchetes dos jornais, nos olhares desconfiados. Ela sabia que estava sendo caçada, que alguém queria destruí-la. E mais do que nunca... sabia exatamente quem era essa pessoa.
Dois dias depois, Helena foi até a empresa de Darius. Precisava falar com ele. Precisava explicar tudo. A verdade.
Mas, ao chegar, foi recebida por olhares gélidos e julgadores. A secretária tentou impedi-la de subir.
— O senhor Petrov está em reunião.
— É urgente. — Helena não se intimidou. Seguiu até o elevador e subiu para o último andar, onde ficava a presidência.
Abriu a porta sem bater.
Darius estava de costas. Mas não estava sozinho.
Samantha o beijava, os braços ao redor de seu pescoço. E ele... não a afastava.
— Darius?! — a voz de Helena cortou o ar como uma lâmina.
Darius virou-se bruscamente, pálido. O olhar surpreso, como se tivesse sido apanhado em flagrante — embora não fosse ele quem estivesse traindo.
— Helena? O que você está fazendo aqui?
— Isso mesmo, Helena — disse Samantha, ajeitando os cabelos com fingida compostura. — Não tem vergonha? Veio interromper um momento íntimo?
— Eu vim contar a verdade! Eu fui drogada! Nunca traí você, Darius!
Ele se aproximou, visivelmente abalado. Mas havia dureza em seus olhos.
— Você pode provar o que está dizendo? Porque, se for verdade… eu preciso saber.
— Claro que não pode provar nada — interrompeu Samantha, rindo com escárnio. — Tudo o que essa mulher sabe fazer é manipular. É a especialidade dela.
Helena sentiu as palavras como facadas.
— Quer saber? — disse ela, com lágrimas queimando seus olhos. — Não vou me humilhar. Se você precisava de uma desculpa para ficar com ela, parabéns, encontrou uma. Vocês dois se merecem.
— Helena, espera! Me escuta! Eu… ver você com aquele homem... aquilo me destruiu! Eu não sou de ferro, eu…
— Adeus, Darius.
Ela saiu. Rápida, determinada, mesmo com o coração desmoronando dentro do peito. Não choraria ali. Não diante de Samantha.
Darius tentou correr atrás, mas ela entrou no carro e partiu. Deixou-o sozinho, parado na calçada, dividido entre a mágoa, a dúvida e a culpa.
Os dias seguintes foram um tormento.
Samantha caminhava pelos corredores da empresa como se já fosse a senhora Petrov. Distribuía sorrisos falsos, fazia questão de estar sempre presente nas reuniões e, principalmente, de provocar.
— Ainda está pensando nela, Darius? — perguntava com falsa doçura. — Acha mesmo que alguém que se deita com um desconhecido no dia do noivado merece seu amor?
— Chega, Samantha. Não vou mais ouvir isso.
— Então vai negar o que viu com seus próprios olhos?
— Eu vi... mas agora eu não sei. — A dúvida se formava como névoa em sua mente. — A expressão dela quando entrou naquela sala... a dor... não parecia fingimento.
Samantha endureceu o olhar.
— Você está sendo fraco. Vai deixar que uma mulher destrua sua vida e sua reputação?
— O que destruiu minha vida foi perder alguém que eu amava... E se ela estiver dizendo a verdade?
Samantha arregalou os olhos. Por um segundo, o controle escorregou de suas mãos.
— Você é mesmo um tolo. Ela te enganou! Se não fosse verdade, por que não tem nenhuma prova?
Samantha mordeu o lábio, disfarçando a raiva. Precisava ser mais cuidadosa.
— Você está confuso. Precisa descansar, pensar com calma...
Mas ela sabia. A dúvida estava plantada. E uma dúvida é tudo que Helena precisava para, um dia, voltar.
Samantha apertou os punhos em silêncio. Se quisesse se livrar de Helena para sempre, teria que ir além. Teria que destruí-la não apenas socialmente... mas física e emocionalmente. E, dessa vez, não deixaria rastros.
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A No dia em que Darius viu Helena nos braços de outro homem, algo dentro dele se partiu. A dor o consumiu de forma avassaladora e, naquele momento de vulnerabilidade, Samantha aproveitou-se da situação. Apareceu na empresa como quem não queria nada, fingindo preocupação e empatia, mas seu plano era claro: conquistar o homem que sempre desejou, não importando os meios.
O que ela não esperava era que Helena, movida por um impulso de desespero, fosse até a empresa e testemunhasse a cena. Seus olhos se encheram de lágrimas ao ver o homem que amava nos braços da mulher que sempre tentou separá-los. Orgulhosa como sempre, não aceitou explicações. Para ela, o que viu falava mais alto do que qualquer palavra.
Mas o que Samantha não previu foi que aquele beijo, por Mais que ferisse, não seria o bastante para apagar Helena do coração de Darius. Ele tentou seguir em frente. Tentou esquecer. Tentou se convencer de que era o certo a fazer. Mas o Helena estava mais viva do que nunca no seu coração.
Tomado por um sentimento que misturava saudade e desconfiança, Darius passou dias vasculhando a verdade. Tentou encontrar provas que limpassem o nome de Helena, que mostrassem que tudo não passava de uma armação. Mas nada. As câmeras de segurança que poderiam confirmar qualquer coisa estavam misteriosamente com defeito. As gravações sumiram, ou sequer haviam sido salvas. E o homem que Helena supostamente estava na cama... desapareceu. Nenhum registro, nenhum nome, nenhuma pista. Como se ele nunca tivesse existido.
Como acreditar em algo diferente do que seus próprios olhos viram?
A dor da dúvida era pior do que a certeza da traição. E foi nesse abismo de incertezas que Samantha viu sua chance. Com o coração de Darius ferido e a confiança despedaçada, ela traçou um novo plano — um mais cruel, mais definitivo.
Alguns dias depois...
— Quem são vocês?! Me soltem! Para onde estão me levando?! — Helena gritava, apavorada, enquanto dois homens encapuzados a arrastavam até um furgão.
O sequestro foi rápido e bem executado. Samantha havia pensado em tudo. Usou o celular desbloqueado de Helena para postar uma mensagem de despedida nas redes sociais. Em seguida, o carro da modelo foi jogado no mar. Sem corpo, sem rastros, a polícia considerou que ela havia tirado a própria vida. Os jornais estamparam a tragédia: “A estrela da moda, Helena Smith, morre em circunstâncias misteriosas. Suicídio é a principal hipótese.”
— O que mais você quer de mim, Samantha?! Já não basta ter destruído o meu relacionamento com Darius?! — gritava Helena, desesperada, ao reconhecer a figura sorridente da rival diante de si.
Ela estava em um quarto escuro, com os tornozelos acorrentados. O cheiro de mofo era forte, o frio cortava a pele, e a luz era escassa.
— Você nunca mais vai sair daqui, querida — disse Samantha com um sorriso cruel. — Mas não se preocupe. Eu farei questão de mantê-la informada sobre o mundo que você deixou para trás. Inclusive, todos estão chorando por sua perda neste exato momento… E eu? Bem, estou consolando o seu amado Darius.
— Socorro! Alguém me ajuda! — Helena gritava, mesmo sabendo que ninguém a ouviria.
— Ninguém vai te escutar. Você vai apodrecer nesse lugar. E um dia vai desistir de lutar. — Samantha saiu, batendo a porta atrás de si.
Os dias se arrastavam como tortura. A comida vinha em porções mínimas, mal preparadas, e o frio se tornava um inimigo constante. Ainda assim, Helena não desistia. Ela precisava viver. Precisava se vingar.
Meses se passaram. Samantha aparecia ocasionalmente com jornais, trazendo “atualizações” da vida lá fora. Uma forma cruel de tortura. Helena lia, com o coração dilacerado, as manchetes que anunciavam o casamento de Darius com Samantha. A foto deles sorrindo como um casal apaixonado parecia uma punhalada.
Os dias se arrastavam como tortura. A comida vinha em porções mínimas, mal preparadas, e o frio se tornava um inimigo constante. Ainda assim, Helena não desistia. Ela precisava viver. Precisava se vingar.
Meses se passaram. Samantha aparecia ocasionalmente com jornais, trazendo “atualizações” da vida lá fora. Uma forma cruel de tortura. Helena lia, com o coração dilacerado, as manchetes que anunciavam o casamento de Darius com Samantha. A foto deles sorrindo como um casal apaixonado parecia uma punhalada.
Ela já não entendia por que Samantha ainda mantinha sua vida. Pelas datas dos noticiários e pelas mudanças no mundo lá fora, Helena sabia exatamente quanto tempo havia passado. Três longos anos. E, mesmo assim, Samantha não a matava. Não era por compaixão. Era sadismo. A vilã queria vê-la definhar, queria testemunhar sua rendição, seu fim lento e doloroso. Matar Helena seria fácil demais. Ela queria vitória. Total e absoluta.
Certa tarde, quando os últimos raios de sol atravessavam as pequenas frestas do porão, Helena notou algo incomum no chão de madeira. Um brilho fraco, quase imperceptível, refletia sob uma das tábuas. Com esforço, ela arrancou a madeira solta e encontrou um objeto envolto em um lenço antigo.
Era uma frasco. Lindo, brilhante, como se não pertencesse àquele lugar sombrio.
Curiosa, e talvez impulsionada por uma mistura de desespero e esperança, ela desenroscou a tampa. Um vento forte soprou dentro do porão. Em seguida, uma jovem senhora de aparência exótica surgiu diante dela.
— Isso não pode estar acontecendo… — murmurou Helena. — Estou enlouquecendo. Três anos aqui dentro... minha mente está me pregando peças. Quem é você? É… uma alucinação?
— Sou bem real, menina. Muito mais real do que esse inferno onde você vive. Só precisa dizer em voz alta o seu desejo.
— O quê? Você é tipo uma fada madrinha? — Helena arqueou as sobrancelhas, confusa.
— Fada madrinha? Por favor! Não sou babá de princesa nenhuma. Só estou aqui porque você me libertou. Mas vamos direto ao ponto: tem direito a um único desejo. Pense bem no que vai pedir.
— Um único desejo?
Helena respirou fundo, as lágrimas se acumulando nos olhos, pesadas como o tempo que passou ali dentro. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a porta do porão se abriu com força, batendo contra a parede e ecoando como um trovão naquele espaço sombrio. A vilã entrou com passos firmes, armada.
Ela levantou a arma lentamente, apontando-a diretamente para a cabeça da rival, com um sorriso gélido nos lábios.
— Por favor, não faça isso! — Helena implorou.
— Três anos já foram mais do que o suficiente. Você já viu tudo o que precisava ver. Eu sou a modelo principal da empresa Reyes, me casei com o amor da sua vida e construí a família que você tanto desejou… Mas nunca vai ter. Porque tudo isso, Helena... agora é meu. Confesso que não foi fácil me casar com Darius. Tive que fingir estar grávida. Sabe por quê? Porque sou estéril. Paguei uma mulher para seduzi-lo, para ter uma noite com ele e engravidar. Ela não quis me dar a criança, mas, como sempre, sai ganhando. Fiquei fora do país, pelo tempo necessário, junto com a garota e, quando ela teve o bebê, eu a matei.
— Como você pode ser tão Cruel? — disse Helena, tremendo.
Samantha continuava falando, incapaz de ver a mulher ao lado de Helena.
— Eu apenas fiz o que era necessário para a minha felicidade... ao lado do homem que amo.
— Está esperando o quê? — repetiu a mulher misteriosa. — Faça o desejo!
O barulho da arma disparado preencheu o porão. Helena caiu para trás, o peito em chamas, o sangue quente se espalhando sob seu corpo. A dor era lancinante, mas não maior que o sentimento de perda. Sua visão começou a escurecer, os sons ao redor se tornaram distantes, abafados… o fim se aproximava.
Mas, antes de seu último suspiro, com a pouca força que ainda restava, ela reuniu tudo o que sentia — dor, saudade, raiva, amor — e sussurrou:
— Eu quero viver outra vida… e ter a chance de recuperar tudo o que você me roubou. Esse é o meu pedido…
A mulher ao seu lado, envolta em um brilho dourado, sorriu serenamente. Em um instante, transformou-se em poeira cintilante e desapareceu no ar.
Aquele… definitivamente, não era o fim.
Em outro lugar, distante dali...
O toque suave dos lençóis sob sua pele trouxe uma falsa sensação de paz. Helena se espreguiçou lentamente, deixando escapar um suspiro aliviado, como se despertasse de um pesadelo. Talvez tivesse sido apenas isso — um sonho terrível. Mas, ao abrir os olhos, tudo o que viu foi um quarto desconhecido, pequeno e simples. Nada lembrava o ambiente luxuoso onde costumava acordar.
O teto era branco e rachado em um canto. O chão de madeira rangia sob os móveis envelhecidos. À sua volta, uma cama de solteiro, um guarda-roupa antigo e uma mesinha de cabeceira com um despertador e um porta-retrato. Curiosa, virou-se para a foto: um casal sorridente com três filhos. Aquela imagem familiar e estranha ao mesmo tempo a fez estremecer.
Tentou se sentar, mas uma dor aguda percorreu seu corpo, como se seus ossos estivessem sendo acordados à força. Gemeu baixo. Antes que pudesse entender o que estava acontecendo, a porta se abriu com brusquidão.
— Olha só! A Bela Adormecida acordou! — disse uma jovem, parando na soleira.
Helena a encarou, confusa.
— Eu... — tentou falar, mas foi cortada.
— Escuta aqui, Kyla! Essa vai ser a última vez que você faz nossa família sofrer desse jeito!
— Kyla? — repetiu, franzindo a testa.
— Sei que o que passou foi difícil, mas a vida te deu uma nova chance. E, desta vez, vai ficar longe do nosso irmão!
Helena sentiu como se fosse afogada por palavras que não faziam sentido. Tentou entender. Tentou falar. Mas tudo parecia desconectado.
— O quê? Eu... eu não sou... O que está acontecendo? Quem é você?
A jovem a olhou, surpresa.
— Vai dizer que perdeu a memória? Nunca mais dirija embriagada! E... essa foi a última vez que tentou contra a vida do Eduard! Sabe o quanto foi difícil pra mim vê-lo ferido e depois ver os médicos te reanimando naquele hospital? Pensei que ia perder vocês dois! — disse a mulher, com a voz embargada, aproximando-se e abraçando-a.
— Quem é você? Eu não entendo...
— Kyla, o que está acontecendo? Você perdeu a memória? Sou eu, Laura, sua irmã! Está brincando comigo? — disse ela, já em lágrimas.
— Me desculpe... Eu não sei quem é você...
O silêncio que se seguiu foi desconcertante. Laura se afastou lentamente.
— Apenas descanse. Você recebeu alta hoje, mas voltaremos ao hospital amanhã. Isso não está certo. Só saiba que o Eduard não quis envolver a polícia. Mamãe e papai estão com ele no hospital. Todos estamos preocupados com você. E, apesar das suas loucuras, não queremos o seu mal. Vou buscar algo para você comer — disse ela, beijando a testa de Helena antes de sair.
Helena ficou ali, paralisada. Sentia-se sufocada por uma realidade que não reconhecia. Caminhou com dificuldade até o banheiro. Cada passo era um desafio.
Ao se aproximar do espelho, sentiu um arrepio. E então, viu. O reflexo.
Congelou.
A mulher no espelho não era ela. Ou melhor, era — mas em outro corpo. Os olhos tinham a mesma tristeza profunda. Mas os traços eram diferentes. Ela levou a mão ao rosto, como se pudesse arrancar aquela imagem e revelar a sua verdadeira forma por baixo.
— O que está acontecendo? Não sou eu... Que pesadelo maluco é esse? Sou eu... mas no corpo de outra pessoa? Acorda, Helena! Você precisa acordar! — sussurrou, desesperada, beliscando o próprio braço.
A dor foi real.
E então, tudo voltou.
A lembrança da lâmpada mágica. Da mulher de olhos dourados. Do desejo sussurrado entre a vida e a morte:
"Eu quero viver outra vida e ter a oportunidade de ter tudo o que você me roubou de volta. Esse é o meu pedido."
— Não! Isso não pode estar acontecendo! Eu quero meu corpo de volta! Minha vida de volta! — gritou, afundando no chão frio do banheiro.
Foi então que sentiu uma quentura estranha em seu abdômen. Baixou os olhos. Estava sangrando.
O susto, a emoção... Os pontos da cirurgia haviam se rompido.
— Kyla?! O que você fez?! Fique onde está! Eu... eu vou chamar ajuda! — gritou Laura, que surgira na porta em pânico ao ouvir o grito.
Sem pensar duas vezes, correu pelos corredores, gritando por socorro. O sangue se espalhava no chão, enquanto a consciência de Helena esvaía pouco a pouco. O som ao redor se tornava distante mais uma vez.
O resgate chegou em minutos. Rapidamente, a colocaram na maca e a levaram para o hospital. Após os procedimentos de emergência, ela foi levada, ainda inconsciente, para o quarto 232.
No dia seguinte...
A claridade suave da manhã invadia o quarto. O som do monitor cardíaco e dos aparelhos médicos preenchia o silêncio. Helena abriu os olhos com esforço. O teto era branco. O ar, levemente gelado.
Ao seu lado, uma mulher sorria com ternura. Tinha os olhos marejados e a expressão de alívio.
— Filha! Que bom que acordou! Estávamos tão preocupados com você! — disse a mulher, emocionada, aproximando-se e passando os dedos entre seus cabelos antes de beijar-lhe a testa.
Helena a encarou, atônita. Aquela mulher a chamara de... filha?
— Desculpe... Eu... não me lembro...
A mulher conteve as lágrimas, tentando parecer forte.
— Então é verdade. Você perdeu a memória... Não se preocupe, estamos aqui agora: eu, seu pai, seu irmão e sua irmã. Vamos cuidar de você. Vai ficar tudo bem. Vou chamar o médico — disse, com a voz embargada, antes de sair do quarto.
Helena fechou os olhos por um instante. Estava presa em uma realidade que não compreendia. Seu corpo era estranho. Sua história, um mistério. E, acima de tudo, seu coração... doía.
Minutos depois, uma enfermeira entrou para aplicar a medicação. Mas ao vê-la, Helena arregalou os olhos.
— O que vai fazer? Você! — exclamou, surpresa, a voz embargada pela emoção.
A jovem enfermeira parou no meio do passo, franzindo a testa.
— Desculpe? Me conhece?
Helena a encarou, o coração disparado. Era impossível não reconhecer aquele olhar gentil, o jeito cuidadoso, a presença que tantas vezes a confortara em outra vida. Era Júlia. Sua melhor amiga. Seu porto seguro. Mas ali, naquela nova realidade, ela não sabia quem Helena — agora Kyla — era.
Ela quis chorar. Gritar. Abraçá-la. Mas se conteve.
— Não... desculpe. Eu... confundi você com alguém — respondeu com a voz trêmula, desviando o olhar.
Júlia sorriu com doçura, como sempre fazia, e se aproximou com delicadeza.
— É comum nesse estágio. A memória às vezes prega peças — disse, enquanto preparava a medicação.
Helena observou cada movimento da amiga com o peito apertado. Era um alívio vê-la viva, perto... mas também uma tortura fingir que não a conhecia. Enquanto a agulha tocava sua pele, ela fechou os olhos, sentindo mais do que a picada — sentindo o peso de um reencontro silencioso, marcado por segredos que ainda não podiam ser revelados.
Quando Júlia saiu do quarto, Helena deixou uma lágrima escorrer.
Nada daquilo fazia sentido. Estava em outro corpo, em outra vida. Mas o destino, caprichoso como sempre, colocara à sua frente um pedaço do que ela havia perdido.
E naquele instante, compreendeu:
A vida lhe dera uma nova chance.
E, desta vez, ela faria tudo diferente. Lutaria, em silêncio, se preciso fosse — mas lutaria.
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