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Além Da Sala De Reuniões

Primeiras Impressões

O som do salto ecoava sobre o mármore polido do saguão da Vasconcelos & Co.. Clara Martins apertava com força a alça da bolsa no ombro, tentando esconder o tremor nas mãos. O prédio era tão elegante quanto imponente, com paredes envidraçadas e recepcionistas tão bem-vestidas que pareciam saídas de uma revista de moda executiva.

Ela consultou o celular pela terceira vez. Estava adiantada — 8h22. A entrevista estava marcada para as 8h30. Respirou fundo, ajeitou a blusa branca por dentro da saia lápis e se aproximou da recepção.

— Bom dia, meu nome é Clara Martins. Eu vim para a entrevista com a senhora Helena Vasconcelos — disse, tentando manter a voz firme.

A recepcionista analisou o nome na tela do computador e assentiu com um leve sorriso profissional.

— Pode subir, senhora Helena a espera no 27º andar. Elevador à direita.

Clara agradeceu e caminhou até o elevador. As portas se fecharam e ela se viu encarando seu próprio reflexo nos espelhos. Tentou parecer confiante, mas tudo nela gritava nervosismo.

"Não era nem essa a vaga pra qual eu me inscrevi", pensou. De fato, havia se candidatado para uma posição de assistente editorial na empresa de publicidade, mas uma confusão no sistema a colocara ali, para a entrevista de secretária executiva da própria CEO. Quando recebeu o e-mail, pensou em cancelar. Mas havia algo naquela proposta, naquele nome, que a fez aceitar.

Quando as portas do elevador se abriram, o ambiente mudou. O andar da presidência era silencioso, coberto por um tapete cinza discreto e paredes em tom vinho com quadros minimalistas. Clara atravessou o corredor até a porta de vidro com letras douradas: Helena Vasconcelos – Diretora Executiva.

Ela bateu uma vez.

— Entre — disse uma voz firme e grave.

Clara entrou.

A sala era ampla, com vista panorâmica da cidade. No centro, uma mesa moderna de madeira escura. Atrás dela, sentada com postura impecável, estava Helena.

A mulher parecia saída de um filme. Cabelos castanhos escuros presos em um coque elegante, olhos penetrantes que analisavam Clara como quem lia um relatório inteiro em segundos. Usava um terno azul-marinho impecável e um relógio fino no pulso esquerdo.

— Clara Martins — disse ela, sem sorrir. — Sente-se.

Clara obedeceu, tentando parecer natural. As mãos estavam úmidas, e ela as secou discretamente no tecido da saia.

— Você sabe que essa vaga exige experiência, discrição, agilidade e uma boa dose de frieza para lidar com o meu dia a dia.

— Sei, senhora Vasconcelos. Admito que fui chamada por engano, mas aceitei vir porque acredito que posso aprender rápido. Tenho organização, sou dedicada e... — hesitou — consigo manter a calma mesmo quando estou apavorada.

Um silêncio se seguiu. Helena a observava com intensidade, sem piscar. Depois, baixou os olhos para o currículo.

— Letras? E o que uma professora de literatura quer fazer aqui, sendo minha secretária?

— Achei que seria uma boa história para contar no futuro — respondeu Clara, sorrindo de leve.

Um canto da boca de Helena se ergueu. Um quase sorriso. Algo raro, mas não passou despercebido.

— Você tem senso de humor. E coragem. Bom... vamos testar sua sorte. A vaga é sua. Começa amanhã às oito em ponto.

Clara piscou, surpresa.

— Sério?

— Eu não brinco com decisões de empresa, senhorita Martins.

Ela se levantou, sinalizando o fim da reunião. Clara levantou junto, ainda um pouco tonta com a notícia. Quando estava prestes a sair, ouviu a voz de Helena novamente, agora mais baixa:

— Use roupas mais sóbrias. E nada de perfumes fortes. Eu detesto distrações.

Clara assentiu, fechando a porta atrás de si com o coração martelando no peito. Não sabia se tinha acabado de conquistar a melhor oportunidade da vida ou se havia entrado numa armadilha de alta voltagem emocional.

No elevador, respirou fundo. “Primeiro passo dado”, pensou. Mas o eco da última frase de Helena ainda martelava em sua mente.

Eu detesto distrações.

Era isso que Clara seria para ela?

Café, Ordens e Silêncios

O relógio marcava 7h58 quando Clara entrou novamente na recepção do 27º andar. Estava com o cabelo preso em um coque baixo, blazer cinza claro e nada de perfume — só um leve cheiro de amaciante na roupa recém-passada. A bolsa discreta, o salto médio. Tinha seguido à risca as “regras silenciosas” de Helena.

Logo foi recebida por uma mulher elegante, com ar simpático, que estendeu a mão:

— Você deve ser a nova. Clara, certo?

— Sim.

— Sou Denise, secretária da diretoria administrativa. Trabalho aqui há oito anos. Se precisar de ajuda com as ferramentas, impressoras ou pra entender a agenda da chefona, pode me chamar.

Clara agradeceu com um sorriso genuíno. O gesto de acolhimento fez o coração relaxar um pouco.

Denise apontou para uma mesa discreta logo ao lado da porta de vidro de Helena. Uma tela de computador, um telefone fixo e uma pilha de pastas já a esperavam.

8h00 em ponto.

A porta de Helena se abriu como se tivesse sensor de horário.

— Bom dia — disse a voz firme.

Clara se levantou de imediato.

— Bom dia, senhora Vasconcelos.

Helena olhou para ela de cima a baixo, como se checasse a roupa com um scanner mental. Depois assentiu brevemente.

— A primeira reunião é às 8h30. Imprima o relatório que está nesse pendrive e traga dois cafés. Um preto, sem açúcar. O outro... você decide.

Ela colocou o pendrive sobre a mesa de Clara e voltou para sua sala.

Clara piscou. O outro café era pra quem? Pra ela mesma? Era algum tipo de teste? Pegou o pendrive, conectou ao computador e começou a procurar a impressora certa com a ajuda de Denise.

8h25. Ela entrou com os dois cafés — um preto puro, outro com leite e canela. Arriscou. Helena pegou o dela sem tirar os olhos do notebook.

— Sabe que pode sentar durante as reuniões, certo?

— Achei que só quem fala na reunião se senta — respondeu Clara, sem pensar.

Helena ergueu o olhar. Pela primeira vez, uma expressão entre surpresa e leve diversão atravessou seu rosto. Mas logo sumiu.

— Sente-se. Observe e aprenda.

Durante a reunião com dois diretores, Clara fez anotações. Helena falava com firmeza, não media palavras, mas ninguém a enfrentava. Todos escutavam como se cada frase fosse uma ordem gravada em pedra.

Depois de 40 minutos, a reunião terminou e os homens saíram. Helena se virou para Clara.

— Impressões?

— Eles estavam nervosos. Um deles ficou puxando a manga da camisa o tempo inteiro. O outro tentou argumentar, mas não conseguia manter o olhar no seu rosto por mais de três segundos. Você impõe respeito.

Helena arqueou uma sobrancelha.

— Só respeito?

— E talvez um pouco de medo — respondeu Clara, sorrindo.

Helena não respondeu de imediato. Levantou-se, caminhou até a janela e cruzou os braços. O silêncio não era tenso, mas também não era confortável.

— Medo não é sempre um problema. Evita erros.

Clara se levantou, organizando os papéis.

— Ou evita conexões — soltou, sem encará-la.

Ao sair da sala, percebeu que talvez tivesse falado demais. Mas Helena não respondeu. Só ficou ali, olhando a cidade como quem analisava estratégias de guerra.

---

Durante o resto da manhã, Clara lidou com e-mails, lembretes e mais cafés. Helena não era cruel, mas era direta ao ponto e nunca dizia “por favor” ou “obrigada”. Ainda assim, Clara achava fascinante ver uma mulher tão no controle. Era como assistir a um filme... só que ela agora fazia parte do roteiro.

Na hora do almoço, desceu até a cafeteria do prédio e se sentou com Denise.

— Sobreviveu? — brincou ela.

— Ainda tô viva. Mas tenho a leve impressão de que a senhora Vasconcelos me escaneia a cada vez que me vê.

— Ah, ela escaneia mesmo. Mas se não te mandou embora até agora, é porque te achou útil.

Clara riu. Útil já era um bom começo.

---

Ao fim do dia, quando Clara pegava sua bolsa para ir embora, ouviu a voz firme atrás de si:

— Clara.

Ela virou-se. Helena estava na porta do escritório.

— Gostei do café com canela. Mantenha esse.

Foi embora sem dizer mais nada.

Clara ficou ali, parada por um segundo. Era pouco. Mas vindo de Helena Vasconcelos, era quase uma declaração.

Fora de Horário

Na manhã seguinte, Clara chegou às 7h50. Ainda era cedo, mas já havia gente circulando pelo andar. Ao se sentar em sua mesa, encontrou algo inesperado: um pequeno post-it colado no monitor.

"Hoje teremos um coquetel às 18h. Reunião com investidores. Você fica." — H.V.

Clara suspirou. Tinha planejado sair mais cedo para visitar a avó, mas não se sentia no direito de contestar. Afinal, ainda estava em fase de adaptação.

Durante o dia, tudo correu como de costume. Helena estava focada, implacável e silenciosa. Clara já havia se acostumado com os comandos curtos e a ausência de qualquer elogio — tirando o comentário sobre o café, o que já parecia um marco histórico.

18h em ponto.

Clara entrou no salão reservado no andar inferior, onde o coquetel seria realizado. O ambiente era chique, com iluminação baixa, garçons andando entre os convidados com taças e bandejas de canapés.

Ela ficou perto de uma mesa lateral, observando os convidados se misturarem. Muitos homens engravatados, mulheres de salto, risadas contidas. Nada que ela estivesse acostumada.

E então Helena entrou.

Usava um vestido preto justo, com decote discreto, mas que revelava a silhueta com elegância. O cabelo solto, levemente ondulado. Clara precisou de um segundo para reagir.

Helena passou por ela e, com um leve gesto, indicou que a seguisse. Clara pegou uma taça de espumante só para não parecer tão perdida e caminhou logo atrás.

A noite seguiu com apresentações, conversas em inglês e trocas de cartões. Clara se limitava a sorrir e anotar nomes mentalmente. Sempre atenta, mas à margem.

Em um momento mais calmo, Helena se aproximou com uma taça na mão e disse, num tom mais leve que o habitual:

— Está indo bem.

Clara virou-se, surpresa com o elogio disfarçado.

— Obrigada... tentei não tropeçar em ninguém.

Helena sorriu, um pouco. Seu olhar percorreu o ambiente antes de voltar para Clara.

— Você está se saindo melhor do que muitos que passaram anos aqui.

— Porque eu observo — respondeu Clara. — E porque estou tentando não ser... uma distração.

Helena ergueu a sobrancelha.

— Ainda lembra do que eu disse no primeiro dia?

— Lembro de tudo o que você disse. E do que não disse também.

Helena a encarou por um segundo mais longo do que o socialmente aceitável. Depois desviou os olhos, sorvendo o espumante com elegância.

— Tome cuidado com essa memória afiada, Clara. Pode ser uma arma.

— Ou uma proteção — rebateu ela, de forma natural.

Helena não respondeu. Mas algo em sua expressão dizia que ela havia entendido mais do que parecia.

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Mais tarde, quando os convidados começavam a se dispersar, Clara pegou seu casaco e caminhou em direção ao elevador. Helena, que conversava com um investidor, encerrou rapidamente a conversa e foi atrás dela.

— Clara.

Ela virou-se, já perto da porta.

— Sim?

— Eu te levo até o carro. É tarde. E esse prédio já não é tão seguro assim quando esvazia.

Clara sorriu. Não sabia se aquilo era gentileza, protocolo ou outra coisa.

— Na verdade, eu vim de metrô.

Helena parou por um segundo.

— Então... eu te levo até sua casa.

O silêncio entre elas durou alguns segundos. Clara tentou ler nas feições da empresária alguma hesitação, mas Helena parecia apenas... determinada. Como em tudo.

— Está bem — respondeu Clara, com a voz quase baixa.

No carro, o silêncio reinou nos primeiros minutos. A cidade passava pelas janelas como um filme acelerado. Helena dirigia com segurança, sempre firme, até mesmo no trânsito caótico.

— Mora sozinha? — perguntou, sem tirar os olhos da rua.

— Sim. Num apartamento pequeno. Nada luxuoso como seu carro.

Helena sorriu, levemente.

— Nem tudo precisa ser luxuoso. Só... confortável.

— E seguro — completou Clara, relembrando as palavras dela mais cedo.

Quando o carro parou em frente ao prédio de Clara, ela hesitou por um segundo antes de abrir a porta.

— Obrigada por me trazer.

Helena apenas assentiu.

Clara saiu do carro, mas antes de fechar a porta, ouviu:

— Clara.

Ela se inclinou levemente, olhando de volta para o interior do carro.

— Sim?

— Trocou o perfume.

— É... um toque de baunilha. Achei que canela todas as manhãs podia enjoar.

Helena a observou, séria por um instante.

— Não enjoaria.

E então, partiu.

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