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Entre as Notas do Destino

encontro inesperado

Era uma tarde cinzenta de primavera em Seul, e o cheiro de chuva ainda pairava no ar enquanto Song caminhava pelas ruas molhadas do bairro Hongdae. Seus fones de ouvido tocavam uma melodia instrumental suave que ele mesmo compusera na noite anterior. Cada passo seu parecia seguir o ritmo calmo da música, como se estivesse andando dentro de uma trilha sonora pessoal. Song era esse tipo de pessoa: silenciosa, introspectiva, mas com um universo inteiro borbulhando por dentro.

Aos 22 anos, Song estudava composição musical na universidade e dividia seu tempo entre as aulas, o trabalho em meio turno em uma loja de discos e suas caminhadas solitárias pela cidade em busca de inspiração. Seu cabelo preto era sempre bem penteado, e ele carregava uma mochila gasta onde guardava um caderno de partituras, seu tablet e uma caneta tinteiro azul, presente de seu pai falecido.

Naquele dia, ele se sentia particularmente inquieto. Havia tido um bloqueio criativo há semanas e, embora não dissesse a ninguém, a pressão para apresentar uma nova composição em sua aula final estava fazendo seu peito pesar. Precisava de um lugar calmo. Foi então que notou uma pequena cafeteria na esquina de uma rua menos movimentada. A fachada era charmosa, com tijolos aparentes e janelas de madeira. Sobre a porta, uma lousa desenhada com giz colorido anunciava: "Jazz, café e conforto".

Song empurrou a porta e entrou. O sino acima dela tilintou suavemente. Dentro, o aroma de café recém-passado se misturava com baunilha e canela. As luzes eram quentes, amareladas, e uma música de jazz instrumental preenchia o ambiente em um volume delicado. Havia apenas três outras pessoas no local: um casal conversando baixinho num canto e uma mulher lendo perto da vitrine. Ele escolheu a mesa do fundo, próxima à janela embaçada pela chuva.

Tirou o caderno e a caneta, apoiou os braços sobre a mesa e começou a rabiscar. As notas vinham aos poucos, hesitantes, como se tivessem medo de se mostrar. Foi então que ouviu a porta abrir com um leve estrondo, seguido de um barulho seco de cadeira sendo arrastada.

— Ai! — exclamou uma voz masculina. Song ergueu os olhos, surpreso, e viu um rapaz alto, de jaqueta jeans encharcada, tentando se equilibrar enquanto tirava a guitarra das costas. Os fios escuros de cabelo caíam em sua testa, molhados pela chuva. Ele parecia ter uns 23 ou 24 anos, com um sorriso largo e olhos que brilhavam, mesmo debaixo de gotas d'água.

— Desculpa, eu sempre faço uma entrada desastrosa — disse o estranho, rindo de si mesmo ao notar que todos haviam olhado.

Song baixou os olhos, constrangido, mas não conseguiu evitar observar o rapaz enquanto ele se aproximava do balcão. O atendente o cumprimentou com familiaridade.

— O de sempre, Jun?

— Faz duplo hoje, por favor. Tô precisando.

Jun. Então aquele era seu nome. Song não sabia por que se importava em saber.

Depois de pegar seu pedido, Jun olhou em volta em busca de uma mesa livre. Notou Song e seu caderno.

— Posso sentar aqui? Todas as outras estão ocupadas. — Mentira, não estavam.

Song hesitou, mas assentiu com a cabeça. Jun sorriu de um jeito tão aberto e espontâneo que foi quase desconcertante. Sentou-se de frente para ele.

— Você escreve música? — perguntou, apontando para as pautas musicais.

— Tento. — Song respondeu com a voz baixa. — E você... toca?

Jun bateu levemente na guitarra encostada ao lado da cadeira.

— Toco e canto. Mas não consigo compor uma linha melódica decente. Meu forte é o palco.

Song deu um leve sorriso. A honestidade de Jun era revigorante. Passaram a próxima meia hora falando sobre influências musicais. Descobriram que ambos amavam o som do piano, que odiavam música comercial demais e que tinham o mesmo compositor favorito: Ryuichi Sakamoto.

O tempo passou sem que percebessem. O mundo lá fora seguiu chuvoso, mas dentro daquele pequeno espaço, algo começava a mudar. Quando Jun pediu o contato de Song para marcar uma sessão de composição, Song sentiu os dedos trêmulos.

Ao sair da cafeteria, o céu ainda estava cinzento, mas ele sentia que algo brilhava dentro dele. Talvez fosse o começo de uma nova melodia. Ou algo ainda mais inesperado.

quando o silêncio fala

Song acordou cedo naquela manhã, mas não porque tivesse aula. A insônia o visitara na noite anterior, e por mais que tentasse, não conseguia apagar da memória o olhar de Jun — um olhar firme, mas caloroso, que parecia ter lido cada camada escondida sob sua fachada controlada. Havia algo no garoto da cafeteria que mexia com ele de forma estranha, quase desconfortável, porém inegavelmente real.

Levantou-se, abriu a janela do pequeno apartamento e deixou a brisa fresca entrar. O céu de Seul estava nublado, mas mesmo a névoa leve parecia ter algo de poético. Sentou-se ao piano e, antes de tomar café ou trocar de roupa, deixou os dedos correrem pelas teclas. A melodia que veio era suave, com notas que caíam como gotas de chuva num lago tranquilo. Mas havia um tom de curiosidade nelas — como se a própria música estivesse fazendo perguntas que ele ainda não sabia responder.

No meio da composição, o celular vibrou. Uma mensagem de um número desconhecido:

“Ei, é o Jun, da cafeteria. Espero que não ache estranho, mas peguei seu número com a atendente. Aquela melodia que você tocou ficou na minha cabeça. Quer me mostrar ela de verdade?”

Song leu a mensagem mais de uma vez, sem saber ao certo como reagir. Ele não costumava deixar pessoas entrarem tão fácil em sua vida, muito menos em seu processo criativo. Mas, por algum motivo, a ideia não o incomodava. Pelo contrário, o animava.

“Hoje às 17h, na sala de prática 204 da faculdade. Se quiser mesmo ouvir.”

Jun respondeu em segundos: “Estarei lá.”

---

A sala de prática 204 era pequena, com paredes revestidas de espuma acústica e um piano de cauda no centro. Song chegou primeiro, como sempre, e ajeitou as partituras em cima do instrumento. Estava nervoso, o que era raro. Tocar na frente de alguém que não era professor ou jurado de concurso? Fora da sua zona de conforto.

Jun chegou alguns minutos depois, sorrindo como se aquele lugar fosse seu segundo lar.

— Bonita sala. Tem boa acústica — comentou, olhando ao redor. — Dá até vontade de cantar só pra ouvir o som voltar.

Song esboçou um sorriso. — Quer ouvir a música?

— Claro. Manda ver.

Sentou-se ao piano e começou. A sala se encheu com os acordes que vinham direto de seu coração — notas criadas na noite em que conheceu Jun. E enquanto tocava, percebeu que cada tom era, de alguma forma, sobre ele. A leveza com que falava, a forma descontraída de existir, o brilho nos olhos quando ouvia algo novo.

Quando terminou, o silêncio durou alguns segundos. Jun apenas ficou ali, olhando para o piano, os olhos um pouco úmidos.

— Isso é... lindo. Você compôs isso depois que nos conhecemos?

Song hesitou, mas respondeu com a verdade.

— Sim. Não sei por quê, só... saiu.

Jun se aproximou, sentando-se ao lado dele no banco do piano.

— Posso tentar cantar algo por cima?

— Tentar é grátis.

Jun sorriu e começou a improvisar. Sua voz era rouca, mas doce. Natural. As palavras eram vagas — pedaços de ideias, sensações, desejos. E, surpreendentemente, encaixavam-se perfeitamente com a melodia de Song.

Ali, na penumbra daquela sala isolada, algo mágico aconteceu. Dois desconhecidos criaram juntos algo que nenhum dos dois conseguiria sozinho. E, pela primeira vez, Song sentiu que talvez não fosse tão ruim dividir sua música. Talvez não fosse tão ruim... dividir a si mesmo.

Quando a canção terminou, Jun olhou para ele e disse:

— Acho que isso merece ser terminado. A música... e talvez essa coisa entre a gente.

Song sentiu o peito apertar, mas não de medo. Era expectativa.

— Podemos tentar. Com calma.

Jun assentiu.

— Com calma é bom. Mas não muito devagar... porque eu sou impaciente.

Eles riram. E riram como dois que, mesmo sem dizer tudo, já haviam dito o suficiente.

Ecos do coração

Os dias que se seguiram ao ensaio na sala de prática pareciam diferentes para Song. Como se algo dentro dele tivesse sido acordado, como se uma melodia que vivia trancada em seu peito finalmente tivesse encontrado sua letra. Ele continuava cumprindo suas rotinas — aulas, estudos, treinos no piano — mas agora havia uma expectativa constante: a próxima vez que veria Jun.

E essa expectativa foi saciada mais rápido do que ele imaginava.

Naquela quinta-feira, enquanto revia partituras no pátio da universidade, uma sombra caiu sobre a mesa.

— Esperando por mim? — perguntou Jun, com seu sorriso torto e aquele brilho nos olhos que parecia carregar alguma travessura.

— Estava trabalhando — Song respondeu, tentando parecer sério. Mas o coração denunciava outra coisa. — E você?

— Passei aqui pra sequestrar você. Que tal uma tarde fora da rotina? Você vive muito preso nesse mundo de partitura.

Song arqueou uma sobrancelha. — E vai me levar pra onde?

— Segredo. Mas prometo que não envolve música clássica.

Apesar da hesitação inicial, Song foi. Pegaram o metrô juntos, Jun animado, falando sem parar sobre lugares, comidas de rua e filmes antigos. Song ouvia mais do que falava, mas gostava disso. Jun preenchia os silêncios com naturalidade, como se o vazio entre as palavras fosse tão valioso quanto elas.

Desceram numa estação que Song raramente usava. Caminharam por becos estreitos e calçadas cheias até pararem em frente a uma porta de madeira desgastada, com uma plaquinha quase apagada: “Estúdio Paralelo.”

— É aqui — disse Jun. — Eu ensaio com uns amigos aqui às vezes. Pensei que podia te mostrar meu mundo agora.

Dentro do estúdio, o ambiente era completamente diferente do conservatório de música que Song frequentava. Era cru, quase improvisado. Um sofá velho, garrafas vazias no canto, posters rasgados nas paredes. Mas havia alma ali. Havia vida. E no centro, uma bateria, um baixo, guitarras, e um microfone ligado a caixas de som que vibravam com o grave mesmo desligadas.

— Sobe ali — disse Jun, apontando para o tablado. — Quero ouvir de novo aquela melodia. Só que agora... com liberdade.

Song hesitou, mas se aproximou do piano elétrico. Tocou o primeiro acorde. Jun pegou o microfone. E ali estavam de novo: só os dois e a música. Mas dessa vez, era diferente. Não estavam mais apenas explorando notas e tons — estavam se conhecendo por meio deles.

Jun improvisava letras sobre um amor que ainda não começou, sobre promessas não feitas, sobre o medo de se abrir e a vontade de tentar mesmo assim. E Song respondia com arranjos que ora acolhiam, ora desafiavam, como se dissesse: “estou ouvindo... e quero entender.”

Quando a última nota ecoou e o silêncio caiu, os dois permaneceram imóveis.

Jun largou o microfone e caminhou até Song. Estavam tão próximos que podiam sentir a respiração um do outro.

— Sabe — começou Jun, com a voz mais baixa — eu nunca mostrei esse lugar pra ninguém. E também nunca cantei daquele jeito com ninguém. Você faz parecer fácil.

Song respondeu sem pensar muito:

— É porque... você também faz parecer fácil. Ser eu mesmo, quero dizer.

Os dois se entreolharam. Havia uma tensão no ar — não aquela que antecede uma briga, mas aquela que precede um passo importante, um toque, talvez até um beijo. Mas nenhum dos dois se moveu. Ainda não.

Jun desviou o olhar, rindo de si mesmo.

— Acho que estou ficando mole demais. Me avisa se eu estiver assustando você.

— Não está. — Song respondeu de imediato. — Só... me dá tempo.

Jun assentiu. — Eu posso esperar. Mas não muito devagar, lembra?

Song sorriu.

Na saída do estúdio, caminharam em silêncio por um tempo, até Jun estender um fone de ouvido para Song.

— Escuta isso.

Era uma gravação que haviam acabado de fazer. A voz de Jun, a melodia de Song. Uma harmonia improvisada, mas sincera. E naquela simplicidade, havia algo mais poderoso do que qualquer ensaio técnico. Havia sentimento.

Enquanto o som preenchia seus ouvidos, Song olhou para Jun, e pensou — talvez esse seja o começo de algo novo

Algo verdadeiro.

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