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Minha Psicopata Favorita

Mais um dia no inferno

Sarah ajustou os óculos com a ponta do dedo, escondendo o cansaço sob o sorriso gentil que havia treinado até se tornar natural. Seu vestido azul-claro estava impecável, combinando com a fita que prendia o coque meio bagunçado — e com a imagem de secretária perfeita que ela cultivava desde o primeiro dia.

— Bom dia, senhor Cooper — disse com doçura ao entrar na sala imponente, equilibrando a xícara de café recém-passado.

Ruan Cooper nem levantou os olhos dos papéis.

— Está atrasada. De novo. Você sabe que meu café não se serve sozinho, não sabe, Sarah?

— Cheguei às sete, senhor. O elevador travou. Mas aqui está: duas colheres de açúcar, como sempre.

— Hm. Ao menos isso você acertou — resmungou, pegando a xícara como se lhe fizesse um favor. — E pare de sorrir como uma boneca quebrada. É irritante.

Sarah apenas assentiu, como fazia todos os dias. Não piscou. Não reagiu. Continuou sorrindo.

Boneca quebrada. Engraçado. Talvez ele não estivesse tão errado.

De volta à mesa, ela se sentou diante do computador. A tela mostrava e-mails acumulados, avisos, prazos, e uma nova lista de reuniões. Ela suspirou — o suspiro de alguém que aprendeu a suportar. Depois mordeu calmamente um biscoito em forma de coração, seu favorito.

> “Mais um dia no paraíso.”

No grupo de WhatsApp da empresa, começou a digitar:

> Aviso: o chefe está azedo. Evitem contato direto ou tragam açúcar.

Pensou por um segundo.

Apagou.

Reescreveu.

> Ou tragam sal. Ele merece.

O telefone tocou.

— Senhorita Sarah, as Cooper estão a caminho — informou a recepcionista, com um tom que beirava a compaixão.

Ela respirou fundo. As três, de novo.

Minutos depois, o elevador se abriu e o trio surgiu como se desfilasse numa passarela. Sapatos caríssimos, bolsas importadas, maquiagem perfeita às oito da manhã. E, como sempre, aquele ar de superioridade que enchia o ambiente.

— A mesma loser de sempre — disse Bianca, a mais velha, com um sorrisinho enviesado.

— Olá, meninas. Café? Água? Veneno? — Sarah perguntou com doçura, já se levantando.

— Você é tão engraçadinha... — ironizou Luana, revirando os olhos. — Acha mesmo que papai vai deixar você servir a gente?

— Uma como eu? — Sarah inclinou a cabeça, fingindo confusão. — Competente, pontual, QI acima da média?

As três riram. Um riso vazio, sem graça, típico de quem nunca precisou aprender a se defender com palavras.

— Cuidado com o que fala, garota — alertou Valentina, a caçula. — Papai pode demitir quem quiser.

Sarah sorriu. Um sorriso leve, quase infantil.

— Claro, senhorita Valentina. Vou lembrar disso.

Virou-se antes que dissessem mais algo. Sabia que os olhos delas continuavam nas suas costas, mas não se importava. Elas entraram na sala do pai sem bater, como sempre. De lá, ouviu as vozes animadas e rasas de sempre:

— Papaiii! Vamos viajar de novo! Maldivas agora, Dubai tá cafona!

— A influencer tava com um colar horrível, quero um igual... só que bonito!

— E a Sarah tá com cara de pobre hoje, tira ela daqui quando a gente vier, dá enjoo.

Sarah continuou digitando o relatório, sem interromper o ritmo. Não suspirou. Não chorou. Só os dedos aceleraram.

> “Tudo tem sua hora”, pensou. “E elas não fazem ideia do que tá por vir.”

A porta do elevador se abriu novamente.

Mas dessa vez, o silêncio veio junto.

Saltos elegantes tocaram o chão de mármore com precisão. Um perfume discreto, de jasmim. Cabelos grisalhos presos em um coque refinado. Joias discretas. Postura de realeza.

Sarah se levantou imediatamente.

— Senhora Cooper — disse com um sorriso caloroso. — Que prazer vê-la.

As filhas, que já se dirigiam à saída, pararam por um instante. Reviraram os olhos e seguiram caminho, caladas, ofuscadas sem nem saber como reagir.

— Sarah, minha querida — a mulher respondeu com voz suave. — Ainda sobrevivendo ao meu marido?

— Um dia de cada vez, senhora. Um dia de cada vez.

Evelyn Cooper aproximou-se e ajeitou, com delicadeza quase materna, a gola da camisa da jovem.

— Você deveria usar outra cor. Azul é doce demais pra você.

Sarah piscou.

— É mesmo?

— Hm. Você me lembra mais... vermelho. Como sangue.

O sorriso de Sarah se manteve. Sutil. Educado. Quase... satisfeito.

— Vou considerar, Evelyn.

— Faça isso. E não me chame de "senhora Cooper". Faz parecer que estou morta.

Sarah riu com leveza.

— Como quiser.

Evelyn entrou na sala do marido, deixando o ar mais leve — e mais denso — ao mesmo tempo.

Sarah voltou à sua cadeira.

O escritório parecia calmo, silencioso. Mas dentro dela, peças se moviam. Lentamente. Com precisão.

E ninguém ali fazia ideia de quem estava, de verdade, jogando.

A Mosquinha no Tapete Vermelho

O café estava frio. De novo.

Sarah olhou para a xícara sobre a mesa e suspirou. Era a terceira vez que tentava tomar um gole — e a terceira vez que era interrompida por ordens, e-mails urgentes ou gritos vindos da sala ao lado.

— SARAH! — a voz de Ruan ecoou como uma sirene. — Os relatórios de ontem. Agora!

Ela se levantou de imediato, pegando a pasta já separada. Caminhava com passos leves, quase tímidos, como quem se esforça para existir o mínimo possível.

Ao entrar, encontrou Ruan reunido com dois executivos estrangeiros. Um deles lançou-lhe um olhar breve, depois sussurrou algo no ouvido do chefe que arrancou dele uma risada debochada.

— Ah, essa aí? Só a secretária. Finge que trabalha bem, mas é só enfeite — disse, alto o suficiente para que ela ouvisse.

Sarah não demonstrou reação. Apenas entregou os papéis e abaixou a cabeça.

— Obrigada, senhor.

— Pode sair. E tenta não tropeçar na porta, boneca.

Ela saiu em silêncio.

De volta à mesa, encontrou um post-it colado no monitor:

> "Você esqueceu de fechar a gaveta. De novo. Profissionalismo mínimo, por favor."

Assinado: Bianca Cooper.

Sarah arrancou o papel com calma e o guardou na bolsa — o terceiro daquela semana.

À tarde, o hall da Cooper Tower foi transformado em cenário de um coquetel para investidores. Tudo era brilho e ostentação: taças finas, trajes de grife, sorrisos cuidadosamente moldados. Uma vitrine.

E no fundo da sala, quase invisível, lá estava Sarah.

Segurava uma bandeja com taças de champanhe, como se fosse parte do buffet — e não da empresa.

— Acredita que essa aí é a secretária do meu pai? — cochichou Valentina, debochada. — Parece figurante de novela das seis.

— Aposto que pagam ela só pra sorrir e parecer burra — comentou Luana, sorrindo de lado.

As risadas ecoaram como lâminas.

Sarah não disse nada. Continuou servindo. Quando a bandeja esvaziou, recolheu uma taça de água com gás e se refugiou num canto. Os dedos doíam de segurar o peso por tanto tempo. Mas ela não reclamou. Não chorou. Nem suspirou.

Somente bebeu sua água em silêncio, com o mesmo sorriso treinado no rosto.

Do outro lado da sala, Evelyn Cooper a observava.

Ergueu lentamente sua taça de cristal em direção a Sarah, como quem brinda à resistência de alguém que todos ignoram.

Sarah retribuiu com um pequeno aceno. Um sorriso discreto. Humilde.

Uma mosquinha no tapete vermelho. Invisível. Subestimada.

Mas até moscas têm asas. E algumas... veneno.

---

Enquanto a noite seguia seu baile de aparências na Cooper Tower, em outro ponto da cidade o inferno se acendia.

Um clarão cortava o céu — as chamas devoravam um galpão isolado, envolto em fumaça e caos. Era um dos depósitos discretos da Cooper Enterprise, onde se guardavam “recursos” de origem questionável: documentos, dinheiro sujo, armas.

— FOGO! — gritou um dos seguranças, segundos antes de ser atingido no peito.

Tiros abafados ecoaram entre os galpões. Homens de preto surgiram das sombras, silenciosos, precisos. Não gritavam. Não hesitavam. Apenas cumpriam ordens.

Um deles se aproximou de um funcionário caído, ferido e ofegante.

— Por favor… eu só cuido das planilhas…

O homem encostou o silenciador no peito dele.

— Ordens são ordens.

Um disparo. Nada mais.

No meio do incêndio, um dos executores atendeu o telefone, rosto coberto, voz controlada.

— O galpão está limpo. Queimando bonito. Sem rastros.

Ouviu a resposta do outro lado da linha. Fez uma pausa. Então assentiu com respeito.

— Sim, senhor Parker. Tudo conforme o combinado.

Desligou.

Guardou o celular com cuidado.

E, por um breve instante, sorriu diante das chamas que dançavam como testemunhas.

> Ruan Cooper perdeu mais um peão.

E o jogo... mal havia começado.

Espelhos Quebrados

O clima na Cooper Enterprise amanheceu como o céu: cinzento, abafado, e com o cheiro amargo de fumaça no ar.

A imprensa, bem paga, chamou de “incêndio acidental em um depósito privado”. Mas nos corredores da empresa, todos sabiam: algo grande e sujo tinha pegado fogo.

E Ruan Cooper estava prestes a explodir.

— VOCÊ TEM IDEIA DO PREJUÍZO, SUA INCOMPETENTE?! — ele rugiu, a mão batendo com força sobre a mesa de mogno. Os papéis voaram como pássaros assustados.

Sarah manteve a postura. Olhos baixos. Mãos cruzadas na frente do corpo como se estivesse em oração.

— Eu apenas transcrevi a ata da reunião, senhor. Foi o que o senhor assinou.

— ENTÃO VOCÊ É UMA PAPAGAIA AGORA?! — cuspiu. — SEU TRABALHO É ME ANTECIPAR, NÃO ME ENVERGONHAR!

— Sim, senhor. Desculpe, senhor.

— E ARRUME MINHA SALA! LAVE MINHA XÍCARA! FAÇA ALGUMA COISA QUE PRESTE, SUA MOLECA INÚTIL!

Ela se abaixou para pegar os papéis espalhados pelo chão, os dedos apertando as folhas com mais força do que o necessário. Um segurança observava da porta, imóvel. Os colegas fingiam não ver.

Sarah passou o dia correndo. Café. Cópias. Relatórios destruídos na sua frente. Gritos por qualquer detalhe. Sem almoço. Sem descanso.

Mas seu sorriso permaneceu. Suave. Treinado.

Às nove da noite, o prédio estava em silêncio. Ela já estava no elevador quando um detalhe a fez parar.

O contrato internacional. Ainda faltava revisar. E se o senhor Cooper percebesse na manhã seguinte?

Ela hesitou. Suspirou.

E voltou.

No andar executivo, o silêncio era denso. Cada passo seu ecoava entre as colunas de mármore. O ar parecia mais frio.

Quando se aproximou da sala de Ruan, algo a fez parar.

Cheiro de álcool. De cigarro. De sangue.

— Senhor Cooper...? — chamou, com a voz baixa e hesitante.

Nenhuma resposta.

Ela empurrou a porta.

Vidros estilhaçados. Uma garrafa de uísque no chão. A fumaça do charuto ainda dançando no ar.

E ali, caída ao lado do sofá, estava uma mulher. Loira. Rosto machucado. Um dos olhos roxo, a boca partida. A perna dobrada em um ângulo errado. O vestido de seda amassado e manchado. Ainda respirava. Mal.

Sarah congelou.

— Meu Deus...

Seus pés recuaram sozinhos. Um passo. Dois. As mãos tremiam. O coração batia no pescoço.

Havia sangue no tapete. Drogas na mesa. Um colar partido no chão. A bolsa da mulher aberta, documentos espalhados — incluindo o contrato que Sarah precisava.

Ela olhou ao redor. Nenhuma câmera. Nenhum som. Nenhum sinal de Ruan.

Seu corpo dizia para correr. Para gritar.

Mas então seus olhos caíram sobre o contrato. Metade assinado. Quase pronto.

Ela hesitou. Fechou os olhos. Inspirou fundo.

E entrou.

Com as mãos trêmulas, pegou o papel, evitando pisar no sangue. Seus dedos quase escorregaram. A mulher no chão gemeu, quase imperceptível.

Sarah recuou. Por um instante, seus olhos se encontraram com os da desconhecida.

Eles diziam socorro. E outra coisa.

Reconhecimento?

Era como se a mulher a visse. Realmente a visse.

E tivesse medo.

Sarah recuou com mais força. Saiu da sala tropeçando, o contrato contra o peito. Seu salto batia como tiros no mármore frio.

— Merda... merda... merda... — murmurava, arfando.

Desceu até o térreo. Ninguém a viu. Ninguém a parou.

Lá fora, o ar da noite parecia cortante. Gelado.

Ela seguiu pela calçada, apressada, com os olhos arregalados e os pensamentos em espiral. A imagem da mulher gravada na mente.

Um espelho rachado.

Talvez um aviso.

Ou uma lembrança do que ela poderia ser… se perdesse o controle antes da hora.

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