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Haruchiyo: Amor Além das Cicatrizes

Capítulo 1 – A Luz da Família Sano

O sol invadia o quarto cor-de-rosa de Aiko Sano através da janela aberta, fazendo os pequenos cristais pendurados na cortina refletirem cores no teto como se fossem estrelas.

Em sua escrivaninha, ela passava cuidadosamente um pincel fino sobre a tela, pintando um campo florido com tons suaves de lilás e rosa. Havia uma garota no meio do campo, de cabelos pretos ao vento, olhando para o céu com um leve sorriso.

— Perfeito... — murmurou Aiko, limpando o pincel num pano branco já manchado com todas as cores do arco-íris.

Ela se levantou, ajeitou o laço rosa nos cabelos longos e foi até o espelho. Usava um vestido simples, mas adorável, rosa bebê com babados nas mangas. Seus olhos brilhavam como sempre — havia algo puro e reconfortante nela. Aiko não precisava dizer nada para transmitir amor; sua presença já bastava.

— Aiko! — gritou uma voz do corredor. — O Mikey tá tentando fazer café da manhã de novo!

A garota riu baixinho e saiu correndo do quarto.

Na cozinha, o caos estava instaurado. Mikey estava de pé na frente do fogão, tentando virar uma panqueca, enquanto Emma estava atrás dele com os braços cruzados.

— Manjiro, você tá fritando com açúcar ao invés de óleo de novo! — reclamou Emma, franzindo a testa.

— Isso explica o cheiro de caramelo queimado... — comentou Shinichiro, entrando na cozinha e bagunçando o cabelo de Mikey.

Aiko entrou logo atrás, segurando o riso. Ela foi direto até Mikey, se aproximando devagar e tocando gentilmente seu ombro.

— Anii-chan... posso te ajudar? — perguntou com a voz doce.

Mikey olhou para ela como um gatinho pego no flagra.

— Eu só queria fazer o café pra vocês... — disse, desviando o olhar.

— Eu sei... e foi muito fofo da sua parte. — Aiko sorriu, abraçando-o por trás. — Mas deixa comigo, tá?

— Hmph. Só porque você cozinha melhor que eu... — murmurou Mikey, corando levemente.

Enquanto Aiko organizava as coisas, Emma se aproximou e lhe deu um beijo na bochecha.

— Você é um anjo mesmo, sabia?

— Eu só gosto de cuidar de vocês — respondeu ela, com um sorriso tímido.

Izana entrou na cozinha em silêncio, os olhos lilases observando a movimentação com calma. Apesar do jeito mais frio, havia carinho em seu olhar. Ele se sentou à mesa e observou Aiko enquanto ela colocava panquecas para todos nos pratos.

— Você parece uma boneca... mas cozinha como uma deusa — comentou ele, sem expressão, mas claramente elogiando.

— Obrigada, Izana-nii! — Aiko respondeu com entusiasmo, levando um pratinho até ele.

— Sabe que você não precisa fazer tudo, né? — disse Shinichiro, sentado ao lado de Izana.

— Eu sei. Mas eu quero. Eu amo estar com vocês assim... — respondeu ela, se sentando também.

Mikey mastigava lentamente, observando a irmã mais nova com os olhos semicerrados.

— Você sempre foi assim, desde pequena... sempre querendo fazer todo mundo feliz.

— E você sempre foi preguiçoso desde pequeno — retrucou Emma, dando um leve tapa na cabeça dele.

Aiko riu, escondendo o rosto entre as mãos.

— Eu amo vocês... todos vocês.

Houve um breve silêncio. Era o tipo de coisa que eles sempre sentiram, mas que raramente diziam em voz alta.

— Tsc. Aiko, não faz isso. Vai me fazer chorar — reclamou Mikey, fingindo estar bravo.

— Eu amo você também, irmãzinha — disse Emma, segurando a mão dela.

— Tô comendo aqui — murmurou Izana, mesmo sorrindo de canto.

Shinichiro olhou para os irmãos e suspirou, apoiando o queixo na mão.

— Sabe o que falta aqui?

— O quê? — perguntaram todos.

— Haruchiyo — respondeu ele, direto.

Aiko congelou por um segundo. O nome do garoto de cabelos cor-de-rosa fazia seu coração bater diferente. Ela se levantou, disfarçando o rubor.

— Eu... eu vou pintar no jardim. Terminei o café!

Sem esperar resposta, ela saiu com seu caderno de esboços e um pote com aquarelas.

O jardim da casa dos Sano era um refúgio silencioso, cheio de flores plantadas por Emma e árvores antigas que Shinichiro cuidava desde a infância. Aiko se sentou sob a cerejeira, abriu o caderno e começou a desenhar um rosto.

Era impossível negar. Cada traço que ela fazia se transformava em Haruchiyo.

O olhar cansado, os cabelos rebeldes, e o sorriso que só aparecia quando estavam sozinhos.

Mesmo com as cicatrizes, Aiko o via como a pessoa mais bonita que já conheceu.

Ela o conhecia desde os oito anos.

Naquela época, ele ainda sorria.

Ainda tinha brilho nos olhos. Eles brincavam com tinta no quintal, e ele dizia que ela pintava como se fosse mágica.

Mas então... o acidente com o avião de brinquedo. A mentira de Senju.

E a violência de Mikey.

Aiko soube da verdade anos depois.

E desde então, sempre que olhava para Sanzu, ela sentia dor. Dor por ele. Dor com ele.

— Haru... — murmurou, passando tinta rosa sobre os olhos da pintura.

— Tá pintando de novo, Aiko-chan?

A voz surpresa a fez saltar. Ao se virar, deu de cara com Sanzu, parado ali, usando a máscara habitual, as mãos nos bolsos da calça preta, os cabelos meio bagunçados pelo vento.

— Haru! — exclamou, rapidamente fechando o caderno.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Escondeu por quê?

— Porque eu tava pintando... você.

Houve uma pausa.

Sanzu olhou para o chão, depois para ela.

— Você ainda faz isso?

— Sempre — ela respondeu, se levantando.

— Pintar você me acalma.

— Você devia me pintar como um monstro.

— Nunca! — ela falou firme, se aproximando. — Eu vejo beleza em você. Mesmo quando você não vê.

Sanzu virou o rosto, desconfortável.

— Você é boa demais, Aiko. Vai acabar se machucando se continuar assim.

— Então me machuca, Haru. Mas me deixa ficar.

Os olhos dele a encararam intensamente, e por um instante, a máscara não escondia nada.

— Mikey não ia gostar disso.

— Não é o Mikey que eu amo.

Silêncio.

Ela corou na mesma hora, cobrindo a boca. Sanzu recuou um passo, surpreso.

— Eu... — ele começou, mas não terminou.

Aiko desviou o olhar, nervosa. Mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele deu um passo à frente.

— Você é a única pessoa que me olha como se eu ainda fosse humano, Aiko.

— Porque você é.

Ele encostou a testa na dela, de leve.

— Você sempre foi a luz dessa família... e eu sou só a sombra. Mas você insiste em iluminar até mim.

Ela fechou os olhos e sussurrou:

— Sempre.

De longe, na varanda, Mikey observava a cena. Emma se aproximou e cruzou os braços ao lado dele.

— Vai ficar só olhando?

— Por enquanto.

— Você sabe que a Aiko tem coração próprio, né?

— Eu sei... — respondeu Mikey, com os olhos sombrios. — Mas ele pode quebrar.

— Ou curar outro — completou Emma.

Capítulo 2 – Memórias com Haruchiyo

A luz suave do fim da tarde entrava pela janela do estúdio de Aiko, tingindo as paredes de rosa-alaranjado. O aroma de tinta fresca pairava no ar, misturado ao som leve de uma música instrumental tocando no fundo. Ela passava o pincel com delicadeza sobre a tela, os olhos concentrados, mas a mente longe… perdida em lembranças.

— "Haruchiyo..." — sussurrou baixinho, como se aquele nome ainda tivesse o poder de fazer seu coração disparar.

10 anos atrás...

O sol brilhava forte sobre o parque. Aiko, com seus longos cabelos pretos presos em duas maria-chiquinhas, segurava um balde de tinta colorida com uma mão, enquanto com a outra arrastava um garotinho de cabelos cor-de-rosa.

— “Anda, Haru! Você prometeu que ia pintar comigo hoje!”

— “Mas isso é coisa de menina...”, murmurou ele, emburrado, enquanto olhava para os potes de tinta espalhados no chão.

Aiko bufou, cruzando os braços.

— “Não é, não! Pintar é uma forma de mostrar o que a gente sente! Além disso, você disse que gostava dos meus desenhos... lembra?”

Haruchiyo hesitou. Olhou para o rostinho bravo dela, os olhos castanhos faiscando. Depois suspirou e se sentou ao lado dela no gramado.

— “Tá bom... mas só porque você é chata.”

Ela sorriu largo, feliz.

— “Eu também gosto de você, seu bobo.”

Ele ficou vermelho na hora, tentando esconder o rosto.

— “Tsc... idiota.”

De volta ao presente, Aiko sorriu sozinha. Aquela lembrança era uma das mais preciosas que tinha.

Ela caminhou até uma pequena caixa de madeira e a abriu com cuidado. Dentro, dezenas de desenhos antigos que ela e Haruchiyo haviam feito juntos na infância.

Um deles chamou sua atenção.

Um rabisco simples: um menino e uma menina, de mãos dadas, com um coração gigante entre eles. Embaixo, com letra infantil, estava escrito: “Melhores amigos para sempre – Aiko e Haru.”

Ela acariciou o papel com os dedos.

— “Você ainda se lembra disso, Haru?” — murmurou. — “Porque eu nunca esqueci.”

Mais tarde, na casa dos Sano

— “Aiko! O jantar tá pronto!” — Emma chamou da cozinha.

Aiko desceu as escadas devagar, ainda segurando o desenho antigo.

— “Você tava pintando de novo?” — Emma perguntou, sorrindo, enquanto preparava a mesa.

— “Não... só lembrando algumas coisas.”

Shinichiro entrou logo depois, com Izana. O clima parecia tranquilo, até que Manjiro surgiu, sentando-se à mesa com o olhar desconfiado.

— “Você tá diferente, Aiko.” — comentou ele. — “Tem saído mais... ficado sozinha demais.”

— “Tô bem, Mikey.” — respondeu ela, tentando soar convincente.

— “Você andou vendo o Haruchiyo?” — perguntou de repente, firme.

Ela congelou por um segundo. Emma e Izana trocaram olhares. Shinichiro encarou o irmão mais novo com um suspiro.

— “Mikey...”

— “Não tô brigando, só quero saber.” — ele rebateu. — “Eu conheço o Sanzu. Ele não é mais aquele garotinho de antes.”

Aiko apertou o papel em suas mãos.

— “Ele ainda é.” — disse suavemente. — “Só... se perdeu um pouco.”

Manjiro bufou.

— “Ele se perdeu completamente. E você devia manter distância, Aiko.”

Ela ergueu os olhos, firmes e determinados.

— “Se fosse você no lugar dele, eu não teria desistido. Então não me peça pra desistir dele também.”

O silêncio caiu como um peso sobre a mesa.

Emma foi a primeira a quebrá-lo.

— “Ela só quer ajudar, Mikey.”

— “Não se trata de querer, Emma.” — ele retrucou. — “Se trata de segurança. E o Haruchiyo é instável.”

Izana, que estava quieto até então, falou:

— “Instável ou não... ele ainda se importa com ela. Eu vi. Ele não deixaria nada acontecer com Aiko.”

Manjiro levantou da mesa, frustrado.

— “Isso é perigoso. E vocês sabem disso.”

Antes que ele saísse da sala, Aiko falou:

— “Ele era só um menino quando tudo aconteceu, nii-san. Ninguém merece ser abandonado por isso.”

Mikey parou por um instante… mas saiu em silêncio.

Mais tarde, sozinha no estúdio

Aiko estava sentada no chão, desenhando no seu caderno de esboços. Desenhava Haruchiyo. Ou melhor... o menino que ele tinha sido.

O cabelo rosa bagunçado, os olhos tímidos, e o sorriso torto. Ela tentava se lembrar exatamente do jeito como ele sorria para ela.

— “Você desenha igual antes.” — uma voz familiar disse.

Aiko se virou, assustada.

Haruchiyo estava parado na porta, a máscara pendurada no bolso, os olhos meio baixos.

— “Haru?! Como você entrou aqui?”

— “Izana me deixou entrar.”

Ela levantou rápido, mas não sabia se corria para abraçá-lo ou se dizia algo primeiro.

— “Você ouviu a conversa no jantar?”

Ele deu de ombros, entrando devagar.

— “Não vim por causa disso. Só... queria ver se você ainda desenhava como antes.”

Ela sorriu, mas havia tristeza em seus olhos.

— “Eu nunca parei.”

Ele se aproximou e viu o desenho dele mesmo.

— “Você ainda me vê assim?”

— “Porque é assim que eu vejo você. Não importa o que digam.”

Sanzu olhou para ela longamente. O silêncio entre eles dizia mais do que mil palavras. Ele parecia cansado. Machucado. Perdido.

— “Você não devia se apegar a alguém como eu, Aiko.”

— “Por quê?” — ela perguntou, baixinho.

— “Porque eu não tenho conserto.”

Ela se aproximou, tocando levemente a mão dele.

— “Você não precisa ser consertado. Só precisa ser lembrado de quem você era... de quem você ainda pode ser.”

Ele hesitou. Seus olhos estavam marejados, mas ele não deixava cair nenhuma lágrima.

— “Você é muito boa pra mim.”

— “E você é melhor do que pensa, Haruchiyo.”

Ele sorriu, com tristeza.

— “Você me dá medo, Aiko.”

— “Por quê?”

— “Porque eu tenho medo de acreditar no que você diz... e me machucar depois.”

Ela segurou o rosto dele com ambas as mãos, com delicadeza.

— “Então deixa eu ser seu lugar seguro.”

Foi a primeira vez que ele não recuou ao toque dela.

E por um segundo... ele parecia só um garoto de novo.

Do lado de fora do estúdio, Izana observava pela janela, calado. E ao seu lado, Emma.

— “Eles se entendem de um jeito que a gente nunca vai entender, né?”

Izana assentiu.

— “Aiko é a única pessoa que enxerga o Haruchiyo com amor. Isso pode salvar os dois... ou destruí-los.”

Emma cruzou os braços, preocupada.

— “Acho que ela já fez a escolha."

Izana a olhou.

— “E a gente vai estar aqui, do lado dela. Pro que der e vier.”

Emma sorriu levemente.

— “Sempre.”

Capítulo 3 – As Cicatrizes que Ele Carrega

Aiko caminhava pelas ruas silenciosas de Tóquio ao entardecer, com a mochila pendurada em um ombro e uma pequena tela em branco debaixo do braço. O céu alaranjado refletia nos prédios, e ela sentia o coração inquieto – como se algo estivesse prestes a mudar.

Chegando ao antigo galpão onde Sanzu costumava se isolar, Aiko respirou fundo antes de empurrar a porta. O rangido ecoou pelo espaço vazio.

— Haru? — ela chamou, a voz suave como sempre.

Silêncio.

Ela avançou, os passos ecoando no chão de cimento. Encontrou Sanzu sentado no canto, de costas, olhando para uma parede descascada. Ele ainda usava aquela máscara, como sempre. Mas havia algo estranho em sua postura: ombros caídos, mãos apertadas sobre os joelhos, como se estivesse encolhido no próprio mundo.

— Haru, está tudo bem?

Ele não respondeu. Ela se aproximou devagar e sentou ao lado dele, em silêncio por alguns minutos. O ar estava carregado.

— Você se lembra do avião de brinquedo do Mikey? — Aiko perguntou de repente, com um leve sorriso nostálgico.

Sanzu virou o rosto lentamente, surpreso.

— Lembro. Aquele avião azul com listras vermelhas… Ele não deixava ninguém tocar.

Aiko assentiu, o sorriso se desfazendo.

— Eu era pequena, mas lembro da Senju chorando... e depois, você... — A voz dela tremulou.

Ele ficou tenso.

— Foi ela quem quebrou o avião, não foi?

Sanzu apertou os olhos, a respiração ficando irregular.

— Você... sabia?

— Eu vi. Eu estava atrás da porta quando tudo aconteceu.

Silêncio.

— Por que não falou nada? — ele perguntou, a voz baixa e contida.

— Eu era uma criança, Haru. Fiquei com medo do que Mikey faria se soubesse... — Ela desviou o olhar. — E você... você nunca se defendeu.

Sanzu tirou a máscara devagar, revelando as cicatrizes profundas em seu rosto. Aiko sentiu um aperto no peito, mas não recuou. Pelo contrário, se aproximou mais.

— Mikey... me bateu até eu não conseguir levantar. — Sanzu disse em um fio de voz. — Tudo por um brinquedo. Mas eu aguentei. Porque... porque eu amava ele como um irmão. Eu achava que merecia.

— Você nunca mereceu isso — Aiko murmurou com firmeza, os olhos cheios de lágrimas. — Nunca.

Ele olhou para ela, surpreso.

— Essas marcas... — ela tocou suavemente a bochecha dele, sem medo, sem hesitar — ...não te definem. Elas são a dor que você guardou sozinho por anos. Mas você não está mais sozinho, Haru.

Ele se afastou, angustiado.

— Você não entende... Eu sou quebrado, Aiko. Você é luz demais. Você não deveria estar perto de mim.

— E quem disse que a luz não pode entrar nas rachaduras?

Houve um silêncio tenso. Aiko estendeu a tela em branco que trouxera.

— Esse quadro é pra você. Está em branco, porque quero pintar sua história com você. Do jeito certo. Com verdade, com amor, com tudo o que te negaram.

Sanzu olhou para ela, como se estivesse vendo aquela menina da infância outra vez. A mesma que ria com ele no parque. A mesma que o fazia esquecer por um instante a dor.

— Você é louca.

— Um pouquinho — ela sorriu. — Mas só o bastante pra insistir em você, mesmo quando você tenta fugir.

Sanzu abaixou a cabeça, os ombros tremendo discretamente.

— Obrigado... por não ter desistido.

Ela se aproximou e encostou sua testa na dele.

— Sempre estarei aqui, Haru. Com ou sem máscara.

Cena final:

Aiko sai do galpão, e a última imagem que vê é Sanzu encarando a tela em branco em silêncio. Pela primeira vez, ele não a empurrou.

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