O táxi parou diante do imenso portão de ferro forjado. Isabella Romano desceu com uma mala de rodinhas e o coração acelerado. A Villa Bellucci se erguia atrás dos muros altos, envolta por ciprestes imponentes que pareciam guardar segredos. Era como entrar em outro mundo.
Ela apertou a campainha. Pouco depois, o portão se abriu com um chiado metálico. Um homem magro, de terno escuro e expressão impassível, a esperava do outro lado.
— Senhorita Romano? — perguntou, com sotaque carregado. — Por aqui, por favor. O senhor Bellucci a espera.
Isabella assentiu, tentando disfarçar o nervosismo. Seguiu o homem por um jardim impecável até a entrada principal. A mansão era uma mistura de luxo clássico e austeridade moderna. Por dentro, mármore, quadros antigos e o silêncio de quem pode se dar ao luxo de viver isolado.
Foi levada até uma grande porta dupla de madeira. O homem bateu duas vezes.
— Entre — veio a voz firme de dentro.
Isabella respirou fundo e entrou. O escritório era amplo, com janelas altas e prateleiras cheias de livros. Atrás de uma mesa de carvalho, um homem alto, vestido com um terno perfeitamente ajustado, a observava com olhos cinzentos. Era Enzo Bellucci. A lenda. O mafioso.
— Senhorita Romano — ele disse, com voz grave. — Tem experiência com crianças?
— Sim, senhor. Sou formada em pedagogia. Trabalhei em escolas por cinco anos antes de me mudar pra cá.
Ele a olhava como se pudesse enxergar além da pele, como se soubesse de todos os seus medos e fraquezas.
— Minha filha não precisa de uma professora. Precisa de proteção.
— Proteção? — Isabella repetiu, confusa.
Enzo se recostou na cadeira, entrelaçando os dedos.
— Giulia tem sete anos. Perdeu a mãe há dois. E eu... não sou exatamente o pai mais presente. Há pessoas que fariam qualquer coisa para me atingir. Você está disposta a protegê-la?
Isabella engoliu em seco. Sabia o que diziam sobre Enzo Bellucci — o homem por trás de negócios escusos, o chefe de uma das famílias mais influentes da máfia italiana. Mas diante dela, havia apenas um pai. Um homem tentando manter sua filha a salvo.
— Estou, senhor Bellucci. Pode confiar em mim.
Ele assentiu lentamente, mas seus olhos não suavizaram.
— Vai conhecer Giulia amanhã cedo. Ela não confia em estranhos. Nem em mim, às vezes. Se conseguir conquistar o coração dela... então terá vencido a parte mais difícil.
Isabella saiu do escritório com a mente girando. Não era o emprego comum de babá. Era mais que isso. Era entrar em um mundo perigoso, sombrio, e ao mesmo tempo, profundamente humano. E ela ainda nem tinha conhecido a criança que mudaria sua vida para sempre.
A governanta, uma senhora de meia-idade chamada Teresa, mostrou-lhe o quarto. Era acolhedor, mas impessoal, como se preparado às pressas. Isabella se sentou na cama e deixou os olhos passearem pela janela — de onde via o campo se estender além dos muros.
— O senhor Bellucci é duro, mas justo — disse Teresa, interrompendo seus pensamentos. — A pequena Giulia... bem, ela é doce, mas carrega muita dor.
Isabella assentiu.
— Eu sei como é crescer com uma ausência. Talvez eu possa entendê-la melhor do que imagina.
Teresa a olhou com um misto de pena e esperança.
— Espero que sim. Essa casa precisa de mais do que silêncio.
Quando ficou sozinha, Isabella respirou fundo. Um passo por vez, pensou. Na manhã seguinte, conheceria Giulia. E sua vida, sem saber, começaria a mudar para sempre.
Sol da manhã invadia o quarto com timidez quando Isabella acordou. Ainda havia um leve tremor em seu peito. A conversa com Enzo Bellucci na noite anterior não saía de sua mente. Levantou-se, vestiu roupas discretas e prendeu o cabelo em um coque simples. Hoje conheceria Giulia.
No corredor, a governanta Teresa a esperava.
— Bom dia, senhorita Romano. Giulia está no jardim. Ela costuma brincar sozinha, mas não se aproxime de forma brusca — disse com um ar maternal.
Isabella assentiu. Desceu os degraus lentamente, atravessou o corredor silencioso e saiu pela porta dos fundos. O jardim era ainda mais bonito à luz do dia — árvores antigas, flores bem cuidadas e um pequeno balanço preso entre dois carvalhos.
E lá estava ela. Giulia.
A menina usava um vestido azul claro, os cabelos castanhos caindo até os ombros. Sentada na grama, mexia em peças de quebra-cabeça sobre uma toalha. Isabella parou a alguns metros, observando. Giulia parecia tão frágil quanto determinada.
— Posso me sentar? — Isabella perguntou, com voz baixa.
A menina nem levantou os olhos.
— É você a nova babá? — perguntou, com um leve tom de desconfiança.
— Sou. Me chamo Isabella, mas pode me chamar como quiser.
Giulia olhou-a de relance, depois voltou ao quebra-cabeça.
— A última ficou só dois dias.
Isabella sorriu, se sentando na ponta da toalha.
— Eu pretendo ficar um pouco mais, se me deixar.
Silêncio. As peças continuaram sendo encaixadas com cuidado. Isabella não forçou mais conversa. Em vez disso, começou a ajudar, pegando uma peça da borda e observando as cores.
— Esse parece o céu... — murmurou.
Giulia a olhou de novo. Uma rápida, quase imperceptível, mudança de expressão.
— Você gosta de quebra-cabeças? — perguntou por fim.
— Gosto. Eles me lembram que, mesmo quando tudo parece bagunçado, as peças certas acabam se encaixando.
Giulia parou. Olhou para a peça em sua mão, depois para Isabella.
— Eu tenho um de mil peças. Com uma torre e um mar gigante. É muito difícil.
— Me mostra depois? Posso te ajudar, se quiser.
A menina deu de ombros, mas havia algo diferente agora. Um fio de curiosidade. Talvez até esperança.
Na varanda, Enzo observava a cena de longe, com uma xícara de café na mão. Os olhos dele não piscavam. Teresa surgiu ao lado.
— Parece que ela está ganhando terreno — comentou a governanta.
— Não sei — Enzo respondeu. — Giulia costuma se aproximar só para depois se afastar. Não confia em ninguém.
— E o senhor? Confia nela?
Ele desviou o olhar.
— Ainda não. Mas estou começando a querer.
Teresa assentiu em silêncio, voltando para dentro da casa. Enzo permaneceu ali por mais alguns minutos, com o semblante duro, mas os olhos presos à filha.
No jardim, Giulia entregou uma peça a Isabella.
— Essa aqui é difícil. Vai ver nem encaixa.
— Vamos tentar — disse Isabella, com um sorriso tranquilo.
E a peça encaixou perfeitamente.
Depois de um tempo, Giulia se levantou.
— Quer conhecer meu esconderijo? — perguntou, sem olhar para trás.
— Quero — respondeu Isabella, surpreendida.
A menina correu por entre as árvores, e Isabella a seguiu. Atrás de uma sebe, havia uma pequena casinha de madeira, quase invisível. Lá dentro, bonecas, desenhos, um velho rádio. E um diário aberto sobre a mesinha.
— Só eu venho aqui. Nem papai sabe.
Isabella olhou para ela com ternura.
— Seu segredo está seguro comigo.
Giulia sorriu pela primeira vez. Pequeno, tímido. Mas genuíno.
E ali, naquele esconderijo, Isabella percebeu que Giulia, apesar das dores e desconfianças, ainda era uma criança como qualquer outra — esperando alguém que ficasse, mesmo quando tudo fosse difícil.
Ela prometeu, em silêncio, que seria essa pessoa.
O relógio marcava seis da tarde quando Isabella retornou ao interior da Villa Bellucci, com Giulia ao seu lado. A menina segurava sua mão com firmeza, como se aquele pequeno gesto fosse uma âncora em um mar de incertezas. Ao entrarem na cozinha, Teresa, a governanta, ergueu os olhos e quase deixou o pano de prato cair.
— Parece que um milagre aconteceu — murmurou ela, boquiaberta.
Isabella sorriu com simplicidade.
— Giulia me levou até o esconderijo dela. Disse que só ela entra lá, mas hoje... me deixou entrar.
Teresa colocou o pano de lado e aproximou-se lentamente.
— Então você conseguiu atravessar o primeiro muro.
Isabella franziu a testa.
— O primeiro?
— Giulia é feita de camadas, como aqueles doces folhados que sua avó fazia. Cada camada é um segredo, uma cicatriz. Se ela te deixou ver o esconderijo, você é a primeira pessoa, desde... — ela pausou, engolindo em seco. — Desde que a mãe dela partiu.
No quarto de Giulia, Isabella ajudou a pequena a vestir o pijama. O ambiente era espaçoso e acolhedor, decorado com tons lavanda e adornado por brinquedos organizados com uma precisão incomum. Nada ali parecia escolhido por uma criança. Era bonito, mas estéril.
— Quem escolheu essa decoração? — perguntou Isabella, enquanto a ajudava com os botões da camisola.
— Papai. Ele disse que princesas dormem em lavanda.
— E você gosta?
A menina deu de ombros, sem responder.
Isabella ajeitou a colcha sobre o corpo frágil da criança.
— Está cansada?
— Não quero dormir ainda — disse Giulia, abraçando uma boneca de porcelana de olhos azuis vívidos.
— Quer que eu te conte uma história?
— Pode ser.
Isabella se sentou ao lado da cama e começou a inventar uma história sobre uma princesa que escapava do castelo toda noite para conversar com uma raposa encantada na floresta. Enquanto narrava, observava o rosto da menina relaxar, os olhos fechando devagar.
Quando Giulia finalmente adormeceu, Isabella levantou-se com cuidado e apagou o abajur. Ao sair do quarto, quase esbarrou em Enzo, que estava parado no corredor, apoiado na parede.
— Ela dormiu? — perguntou ele em voz baixa.
— Como um anjo — respondeu Isabella, tentando controlar a tensão que a presença dele sempre causava.
Ele se aproximou. Seus olhos escuros tinham algo que a intrigava — não era frieza, era vigilância. Como se vivesse sempre pronto para reagir.
— Ela tem um mundo próprio. Entrar nele não é fácil.
— As crianças só precisam de alguém que não as force a abrir portas. Às vezes, só estar por perto já é o suficiente.
— Você não pretende ir embora, então?
— Só se me mandar.
Enzo hesitou, depois balançou a cabeça.
— Não. Você vai ficar. Giulia... precisa de você.
A tensão entre os dois cresceu como uma névoa. Isabella sentia o coração disparar, mas manteve a postura. Queria saber mais sobre a mulher que partira, mas não era o momento.
— Boa noite, Enzo.
— Boa noite, Isabella.
Enquanto voltava para seu quarto, ela sabia que algo havia mudado. Um muro havia ruído — não apenas entre ela e Giulia. Mas também entre ela e o homem cuja dor ainda vivia nas sombras da casa.
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