Capítulo 1: Promessas Não Ditas Onde Tudo Começou
Se alguém me dissesse que aquele semestre terminaria com o peso daquelas palavras pairando entre nós, naquele mesmo asfalto onde tudo começou de forma tão fortuita e desajeitada, eu jamais teria acreditado. Era quase impossível imaginar que a formalidade fria e distante do Professor Cristofer Moria , o homem que impunha respeito e até um certo temor na universidade, pudesse se dissipar sob a luz fraca dos postes da noite, revelando uma vulnerabilidade inesperada – e uma dúvida lancinante em meu próprio coração.
O silêncio que se seguiu pareceu carregar cada olhar furtivo, cada palavra carregada de um significado oculto trocado durante meses. Finalmente, a voz rouca que tanto me intimidava e, paradoxalmente, me atraía, quebrou a tensão. "Olívia, eu tentei... de todas as formas, evitar chegar a este ponto. Eu sou seu professor, e você é minha aluna. Isso... deveria ser o suficiente para nos afastar. Mas eu não consigo mais ignorar o que sinto."
Naquele instante, sob o céu noturno da universidade, o nó que prendia os sentimentos que teimávamos em negar começou a se desatar. Mas as palavras recém-pronunciadas eram apenas o prenúncio de uma jornada complexa, marcada por encontros inesperados e a sombra persistente de uma dolorosa constatação. "Talvez eu tenha me iludido sobre o que aconteceu lá. Talvez eu tenha interpretado mal a sua... confusão," as palavras acusatórias que proferi horas antes ainda ecoavam em minha mente, carregadas de uma vergonha fria.
E então, sua resposta, sussurrada sob a luz vacilante dos postes, um eco enigmático na quietude da noite: "Você não se iludiu, Olívia."
O que havia acontecido naquela nevasca, sob aquelas circunstâncias extraordinárias, para que aquelas palavras finalmente escapassem, seguidas por uma afirmação tão carregada de ambiguidade? E qual seria o verdadeiro significado daquela frase enigmática, um farol tênue de esperança ou apenas a confirmação de uma ilusão perigosa? A verdade pairava no ar, densa e incerta, prenunciando uma jornada onde a paixão e a dúvida dançariam em um ritmo perigoso.
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O COMEÇO
Estou me arrumando para ir à universidade montar minha grade de aulas. Esse ano acabei me atrasando para fazer isso, e já tenho uma pequena certeza de que os melhores professores não estarão disponíveis. Aquela universidade é 8 ou 80 — ou os professores são excelentes, com aulas cativantes de maneira gentil com os alunos, ou são rígidos, exigentes e muitas vezes imprevisíveis. Eu já sei que nesse período terei que equilibrar meu trabalho e, provavelmente, lidar com um desses professores que cismam com os alunos do nada.
Termino de me vestir, prendo o meu cabelo em um rabo de cavalo com alguns fios soltos e me olho no espelho. Apesar de tudo, gosto do que vejo. Meu rosto reflete determinação, mesmo que uma ponta de preocupação tente se esconder por trás dos olhos. Pego minha bolsa e as minhas chaves, seguindo rumo ao meu carro. A música no rádio parece a única coisa capaz de me acalmar enquanto dirijo até a universidade.
Quando chego, dou graças a Deus por encontrar uma vaga com facilidade. Hoje, felizmente, o campus não está cheio. Saio do carro e caminho direto para os postos de atendimento, onde os alunos montam suas grades. Não demora muito, e chega a minha vez.
— Olá, bom dia. Eu gostaria de montar minha grade, por favor — digo, tentando transmitir simpatia.
— Claro! Me passa o número da sua matrícula — responde a atendente, digitando no computador à sua frente.
Eu passo o número, e ela confirma:
— Olívia Lancaster, sexto período da faculdade de Letras?
— Isso mesmo. Tem como me colocar com os mesmos professores do período passado? — pergunto, já com um certo receio do que ela dirá.
Ela digita um pouco, fazendo algumas verificações, e me olha com uma expressão neutra.
— Essas são as matérias que o sistema automaticamente te colocou. Essas três matérias são com os professores que você já conhece — meu coração quase suspira de alívio, mas a sensação dura pouco. — Só a de Pesquisas Literárias que será com outro professor.
Imediatamente, meu medo desperta. Para essa matéria, só haviam três professores disponíveis, dois dos quais eu já conhecia e amava ter aula. O terceiro, porém, tinha uma fama nada agradável. Todos falavam dele com receio e, pior ainda, poucos alunos conseguiam aprovação em sua disciplina.
— E... quem será o professor? — pergunto com cautela, quase esperando o pior.
— Moriar — ela responde, sem hesitar.
Sinto meu rosto perder cor por um instante. Moriar era o professor que todos temiam — rígido ao extremo, inflexível com prazos e exigências, e famoso por suas avaliações implacáveis.
— Não tem como mudar, mesmo? Por favor — digo, tentando uma última cartada.
— Infelizmente não, as outras turmas já estão fechadas. Talvez, se você demorasse mais um pouco, nem essa estaria disponível — responde ela, sem dar muita esperança.
Deixo o posto desanimada, segurando minha nova grade como um lembrete dos desafios que estavam por vir. Vou em direção à lanchonete do campus, onde meus amigos disseram que estariam. De longe, vejo Lola, Júnior e Edgar conversando animadamente. Vou até eles, tentando disfarçar minha frustração.
— Amiga, como você está? Conseguiu fazer a grade? — pergunta Lola, sempre atenciosa.
— Pela cara que ela está fazendo, não foi muito legal, hein? — Júnior diz, rindo, tentando aliviar o clima.
— Oi, gente. Estou bem, Lola. Só não muito satisfeita com os meus professores. No caso, um em específico — respondo, suspirando.
— Pegou algum dos carrascos? — Lola pergunta, com uma expressão preocupada.
— O pior de todos... Moriar! — solto de uma vez.
Júnior arregala os olhos e solta uma risada nervosa.
— Vejo que você não será a única se lascando. O Edgar também está nessa turma! — diz ele, apontando para nosso amigo, que até então estava quieto.
Edgar sorri de forma resignada e levanta a mão.
— Vamos ser torturados juntos! — diz ele, e eu dou um toque de mão, rindo nervosamente.
— Pelo menos não passarei por isso sozinha — digo, tentando encontrar algum conforto na companhia dele.
Ficamos um tempo conversando, rindo das situações absurdas que já ouvimos sobre Moriar, até que minha hora de ir para o trabalho chega. Trabalho em uma lanchonete das 13h às 22h, cerca de dez horas diárias. Apesar de ser cansativo, esse emprego me garante um salário que ajuda a pagar meu apartamento e minhas despesas. O dono é flexível, permitindo que eu ajuste horários quando necessário por causa da universidade.
Não tenho condições financeiras boas, então cada dia nesse trabalho é essencial para me manter na cidade. Não posso depender muito dos meus pais, que vivem no interior e mal conseguem sustentar a si mesmos, mas eles fazem o que podem quando a situação aperta. Ainda assim, meu maior sonho é algo que eu preciso conquistar por conta própria.
O dia passa devagar, mas finalmente termina. Volto para meu apartamento e, enquanto penso em relaxar, meu celular toca. É Lola, me chamando para ir a um barzinho perto da minha casa. Estou desanimada, mas lembro que esse período será diferente dos anteriores: não teremos aulas juntas, o que tornará nossos encontros mais raros. Decido ir.
Me arrumo rapidamente, colocando um vestido e fazendo uma maquiagem básica, mas apropriada para o ambiente. Chego ao bar e vejo que todos já estão lá, conversando. Lola me recebe com um sorriso exagerado.
— Amiga! Que bom que você chegou! Já estava indo te buscar — diz ela, fazendo um beicinho dramático.
Cumprimento os outros e, com uma risada, respondo:
— Mas tá dramática hoje, hein! Já pediram algo? Vou até o bar pegar o meu.
— Eu te acompanho, Oli! — Edgar se oferece, levantando.
— Não precisa, já volto — digo, agradecida, mas querendo um momento só para mim.
Vou ao bar, peço um refrigerante e volto para a mesa. Lola me olha com surpresa.
— Não pediu chopp por quê? Vai me deixar bebendo sozinha? — pergunta, indignada.
— Estou dirigindo, sua louca! E, pelo que conheço de você, logo estará bêbada — respondo, rindo.
Ela ri também, e continuamos conversando com os meninos. Edgar é atencioso, participando das brincadeiras e conversas com entusiasmo. O tempo passa rápido, e logo chegou a hora de ir embora. Como eu previa, Lola bebeu muito. Trouxe-a para minha casa, cuidei dela, e acabamos dormindo por lá.
Quando acordamos, passamos o dia juntas, como Lola intitulou: "o dia das amigas". Vimos filmes, comemos besteiras e rimos bastante. Foi um dia leve e agradável, uma pausa bem-vinda antes das mudanças e desafios que eu sabia que estavam prestes a começar.
Capítulo 2: Primeiro Dia de Aula
Hoje é uma segunda-feira, e as aulas começam. Logo, para minha tristeza, a primeira aula é do professor Moriar, com três tempos seguidos. Não poderia ser uma forma pior de começar o semestre. Espero que dê tudo certo; tudo que quero é passar nessa matéria sem tomar bomba.
Me levanto às 5h30 e vou direto para o banho. Em seguida, escolho minhas roupas: um macacão jeans, uma blusa preta, cabelos soltos, e uma sapatilha confortável. Organizo minha bolsa com minha necessaire e meu uniforme. Vou para a cozinha preparar meu café e, antes que me esqueça, coloco meu almoço na bolsa térmica. Decido comer algo rápido — três torradas com café — enquanto termino de me organizar. Coloco suco e uma fruta na bolsa térmica, fecho, e a deixo junto com minha bolsa perto da porta. Tudo parece estar fluindo bem.
Pego as chaves do meu apartamento. Ele é pequeno, mas é meu, e faço de tudo para cuidar dele. Saio e entro na minha picape com esperança. Hoje parece ser um bom dia. A aula de Pesquisas Literárias é no campus J, o mais distante da universidade, mas, para minha sorte, consegui sair cedo. Estava feliz, quase contente, com o fato de que o professor não teria nenhum motivo para me odiar.
Há rumores de que Moriar odeia os alunos atrasados e que pega no pé deles até o final do semestre. Tento não pensar nisso enquanto dirijo, mantendo minha animação. Continuo andando feliz até que, do nada, escuto um barulho estranho. Minha picape começa a engasgar até simplesmente morrer no meio da estrada. Que bela forma de começar o semestre!
Tento dar partida novamente, mas o carro não responde.
— Aiii, por favor… Agora não! — falo, quase desesperada.
Me dá vontade de chorar ali mesmo. Tudo estava dando certo até esse momento. Fico com a cabeça baixa, tentando não surtar.
De repente, escuto uma batida no vidro do carona. Levanto a cabeça, com os olhos vermelhos, e vejo um homem loiro, cabelos perfeitamente alinhados, vestindo uma camisa social azul e um terno cinza que destaca seus músculos. Ele tem um porte tão impressionante que poderia ser um daqueles protagonistas dos romances que tanto leio. Mas, naquele momento, minha desordem mental não me deixa sequer apreciar o detalhe.
Ele bate no vidro novamente. Eu abaixo, sem saber como reagir.
— Com licença? Você pode tirar seu carro do meio da estrada? Está atrapalhando o fluxo — ele diz, firme, mas sem agressividade.
— Estou tentando, mas o universo não quer colaborar. Meu Deus, justo hoje, o primeiro dia de aula — respondo, sentindo o nervosismo me dominar.
— Por que não joga pro acostamento, então? — ele pergunta, como se fosse fácil.
— Como se eu pudesse empurrar sozinha uma picape desse tamanho, né? Você só pode estar de sacanagem comigo! — devolvo, sem esconder minha frustração.
— E você não tem o número de um reboque ou mecânico? Alguém que faça os dois serviços? — insiste, com uma calma irritante.
— Ah, pronto! Se não bastasse eu estar atrasada para a aula do professor mais perverso que eu desconheço, ainda tenho que ouvir conselhos de alguém que nem conheço. Fala sério! Se eu tivesse esses números, não acha que já teria ligado?
Ele sorri com desdém.
— Julgando pela picape que está dirigindo, deveria ter esses contatos… e talvez mais alguns de emergência.
Reviro os olhos, tentando não explodir.
— Olha, não dá pra passar por cima do meu carro. Ou você me ajuda a empurrar para o lado, ou estaciona o seu carro no prédio H e segue andando. Você escolhe — retruco, sem paciência.
— Você é bastante folgada, garota — ele diz, erguendo uma sobrancelha.
— Essa conversa já está um saco. Já que você não vai ajudar e minha aula com o carrasco Moriar já está perdida, vou aguardar uma solução divina — respondo, indo para a frente da picape e encostando nela.
Depois de murmurar algo que não consigo entender, ele fala:
— Pronto. Mandei mensagem para um mecânico de confiança. Ele deve chegar em breve para ver seu carro.
— Agradecida! — respondo, sem olhar para ele.
Logo depois, escuto sua voz novamente.
— Você não vai empurrar comigo, senhorita?
— Claro, claro! Não posso recusar ajuda — digo, com deboche.
Juntos, empurramos o carro para a calçada. Assim que terminamos, pego minhas bolsas, pronta para seguir a pé. Ele pigarreia.
— Hem... hem, senhorita?
— Pode me chamar de Olívia — digo, virando para ele.
— Tudo bem, Olívia. Quer uma carona até o bloco J? Estou indo para lá agora.
— Se não for te incomodar, me adiantaria muito!
— Claro, entra aí — ele diz, abrindo a porta para mim.
Entro e olho a hora no meu relógio: 8h15. Começo a suar frio, inquieta dentro do carro desse estranho.
— Está tudo bem, Olívia? — ele pergunta.
— Estou muito ferrada, só isso. Acordei cedo, saí de casa no horário, e agora estou atrasada. Pior que não terei chance de mostrar que sou uma boa aluna; ele já vai me odiar por estar atrasada — digo, bufando.
— E se esse professor também estiver atrasado? — ele sugere, tranquilo.
— Você deve ser novo aqui. Não sabe da fama dele. Dizem que ele cismou com um aluno no começo do semestre por se atrasar, humilhou outro por achar que estava colando, e mentorou um terceiro só para rasgar sua pesquisa sobre Hamlet, que valia 60% da nota.
Ele ri suavemente.
— Já pensou que essas pessoas podem ter merecido?
Assim que chegamos, agradeço rapidamente:
— Bom, preciso correr agora! Tchau, muito obrigada mesmo. Salvou minha vida. Até mais! Nos vemos por aí.
Corro como um foguete até a sala, abro a porta e, para minha sorte, o professor que nunca atrasa… estava atrasado! Respiro aliviada enquanto me sento.
Edgar me olha com surpresa.
— Está tentando morrer academicamente, menina? — ele brinca.
— Nem me fale! Estou grata a Deus por ele não chegou — respondo, rindo nervosa.
Quando a porta finalmente se abre, vejo ele: o mesmo homem que me deu carona. Meu coração dispara, enquanto seus olhos me acompanham até sua mesa. Ele deposita os materiais e começa:
— Peço desculpas pelo atraso. Tive um problema pessoal — diz, e parece olhar diretamente para mim ao mencionar isso. — Bom, meu nome é Cristofer Moriar. Podem me chamar de Professor Moriar ou Dr. Moriar.
Durante a aula, tento me concentrar, mas a vergonha me corrói. Tudo que quero é sair daquela sala e esquecer esse encontro.
Quando a aula termina, corro para fora, já prevendo um semestre cheio de desafios e situações embaraçosas. Mas o Ed me alcança.
— Ei, espera! Você saiu correndo. Meu convite ainda está de pé?
— Claro! Vamos ao café até a próxima aula — digo, tentando relaxar.
No café, finalmente consigo deixar o nervosismo de lado enquanto conversamos. Lola sempre me diz que Ed tem uma queda por mim. Ele é bonito, mas minha vida não permite pausas para romance no momento.
Volto para a última aula do dia e, por sorte, é outra matéria. Finalmente consigo prestar atenção sem precisar me esconder. Após o término, sigo para resolver o problema do meu carro, esperando que o mecânico já tenha chegado.
Capítulo 3: Você de Novo!
Meu carro estava estacionado perto da vaga dos professores, e eu sabia que precisaria engolir minha vergonha e ir falar com o professor Moriar para agradecê-lo por ter me ajudado. Apesar de tudo o que havia acontecido mais cedo, era o certo a se fazer.
Quando chego perto do vidro, noto um bilhete preso ao carro:
Bilhete:
"Senhorita, o seu carro infelizmente bateu o motor. Dei uma olhada nele, mas como não estava presente, não pude levá-lo para consertar. Caso queira meus serviços, deixarei meu contato.
Ass.: Bob
Número: 9XXX1-XXX4"
Pelo jeito, até meu carro decidiu me deixar na mão hoje. Solto um suspiro longo e ligo para meu patrão para avisar que me atrasarei. Ele compreende e me diz que, se precisar de algo, é só contatá-lo. Mais uma vez agradeço por trabalhar com alguém tão compreensivo.
Entro no carro e ligo para Bob. Ele diz que virá buscar o veículo para uma análise mais detalhada. Fico esperando ali mesmo, sozinha, e um pensamento inevitável surge.
— Que maravilha... Era só isso que estava me faltando. Isso vai custar uma fortuna. Já estou até vendo quantos dias sem carne terei que enfrentar — digo baixinho para mim mesma, bufando alto.
Só de imaginar as dificuldades financeiras que viriam, fico ainda mais desanimada. Coloco minha cabeça no volante, tentando processar a avalanche de acontecimentos do dia, até que escuto uma batida no vidro da porta. Sinto uma espécie de déjà-vu e, mesmo torcendo para não ser quem penso, parece que o destino decidiu brincar comigo.
— Sério que é você de novo? — murmuro, olhando pelo vidro.
Com um esforço, tento fingir normalidade e baixo a janela.
— Boa tarde, professor Moriar. Em que posso ajudar? — pergunto, formalmente, tentando esconder minha exasperação.
— Boa tarde, senhorita Lancaster. Espero que o Bob tenha te ajudado com a questão do seu carro — ele responde, com aquele tom calmo, mas carregado de autoridade.
— Muito obrigada mais uma vez, professor, por ter me ajudado — digo, tentando manter a cordialidade.
Ele me olha com um misto de curiosidade e provocação.
— Sabe, estou intrigado com sua pessoa. Há pouco tempo, estava falando pelos cotovelos e era bem... abusada, desculpe a palavra. Agora está me tratando com tanta cordialidade e respeito — comenta, como quem busca uma explicação.
Eu o encaro confusa, sabendo que, se não controlar meu temperamento, posso acabar dizendo algo de que me arrependeria. Decido me conter.
— Desculpe pelo ocorrido mais cedo, professor. Eu estava frustrada e acabei falando demais — respondo, tentando resolver o assunto.
Ele se aproxima mais da janela, ficando com o rosto quase dentro do carro. O gesto me deixa desconfortável.
— Será que ainda pensas em mim como um monstro ou está falando comigo com tanta calma por saber que serei seu professor, senhorita Lancaster? — ele questiona, com um olhar penetrante.
Respiro fundo antes de responder.
— Sei meus limites, professor. Mas, sendo sincera, não será uma aula que tirará todos os receios e boatos que ouvi sobre sua pessoa. No entanto, como já falei, peço desculpas pelo ocorrido. Não acontecerá mais — digo, tentando finalizar o assunto.
Ele sorri de canto, como quem não está convencido.
— E se eu não quiser te desculpar? — ele retruca, desafiador.
Penso: "Aí eu perco a cabeça e ainda sou expulsa por ser grossa". Respiro fundo novamente, o encaro e digo:
— Aí esse será um problema seu. Minha parte eu fiz, que foi reconhecer e corrigir meu erro. Agora, com licença, tenho meus próprios problemas para resolver — finalizo, ainda mais controlada, enquanto noto Bob se aproximando.
Moriar dá um sorriso discreto e se afasta do carro. Vou até Bob, que começa a me explicar o problema do motor e o valor para o conserto. Quase caio para trás ao ouvir o preço. Peço a ele a possibilidade de parcelar, explicando toda a minha situação.
Antes que Bob pudesse responder, Moriar interrompe a conversa.
— Bob, meu velho amigo, faça o conserto deste carro para mim. E não deverás mais nenhum favor a mim — diz Moriar, com sua voz fria e imponente.
Bob me olha intrigado, assim como eu. Não posso aceitar isso; ninguém é tão bom assim, especialmente em uma cidade que me ensinou a desconfiar de gestos tão generosos.
— De maneira nenhuma. Eu arco com meus próprios prejuízos. Já foi gentil da sua parte me passar o contato deste senhor — digo, tentando resolver.
— É uma ordem! — Moriar retruca, implacável.
Me coloco de pé à sua frente, encarando-o.
— Mas não estamos na sala de aula. Olha, estou sendo paciente aqui, mas por favor não ultrapasse os limites. Falei coisas que não te agradaram, ok, compreendo sua raiva, mas não sou nenhuma coitada! — digo, mantendo firmeza.
Sem alterar o tom de voz, ele responde com a mesma frieza de sempre.
— Alguma hora a senhorita me ouviu dizer que estava com raiva? — afirma, me deixando sem palavras. Antes de sair, ele repete com autoridade: — Bob, faça o que eu lhe informei.
Depois de implorar várias vezes para Bob permitir o parcelamento, ele rejeita. Meu carro é levado, e já passou do horário do almoço. Decido voltar ao prédio, almoçar e me trocar para ir ao trabalho.
Durante minha longa caminhada até o portão principal, vejo o mesmo carro que me levou à aula mais cedo passar direto. Sinto um alívio imenso, mas ele logo para ao meu lado.
— Senhorita Lancaster, parece que nos encontramos novamente nessa estrada — diz Moriar, como quem se diverte.
Já estou sem paciência e cansada demais até para pensar nas palavras certas.
— Não precisaríamos nos encontrar novamente se tivesse seguido com o carro. Já parou para pensar nisso? — digo, ironicamente, enquanto ele ri.
— Mas ainda não serei agraciado com o seu temperamento! — retruca.
— Não acha que já me humilhou o suficiente hoje? Estou segurando o que penso, porque, na hora que eu disser tudo, não será legal para nós dois — respondo, sem medo.
— Entre no carro, dou uma carona até a entrada — ele sugere, com calma.
— Por mais tentadora que essa oferta seja, estou exausta e não quero compartilhar o mesmo ambiente que o senhor até a próxima aula — digo, continuando a caminhar.
— É sério. Entre no carro, não precisa falar nada — insiste Moriar.
— Por que tanta insistência? Fui escolhida para ser sua cobaia? Quer que eu desista da sua aula para se transformar em exemplo dos seus esquemas diabólicos? — digo, sem me conter.
Ele ri, mas seu semblante endurece.
— Está perdendo uma oportunidade que muitos queriam, senhorita — afirma, mais irritado.
— Isso é simples de resolver! — digo, lançando um sorriso irônico, enquanto acelero o passo.
Sem perceber, acabo tropeçando em um buraco na calçada e caindo no chão. Ele estaciona e vem em minha direção, sem hesitar.
— Era só o que me faltava hoje! Que droga! — murmuro.
Ele tenta me ajudar, mas eu me recuso.
— Posso me levantar sozinha. Não preciso de ajuda! — digo, enquanto a dor me faz cair novamente.
— Acho que já deu de bancar a durona, né? — ele diz, pegando-me no colo como se eu fosse leve.
Apesar dos protestos, ele me leva até o carro, volta para pegar minha bolsa e declara:
— Vou te levar ao pronto-socorro. Alguém precisa olhar esse pé! — finaliza, ignorando qualquer tentativa de recusa.
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